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A Presença de José de Lima Penante e a memória dos Teatros de
Manaus no período imperial
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Resumo: O presente artigo é esboço de uma pesquisa sobre a memória do Teatro no Estado do
Amazonas, a partir dos primeiros indícios da produção teatral em Manaus na segunda metade do
século XIX. Com a maior parte das referências retiradas de revistas e periódicos da época, é um
estudo que busca recuperar indícios da dinâmica do fazer teatral, da criação de suas companhias
e casas de teatro que transitavam entre o diletantismo e o engajamento de artistas profissionais.
Acompanha principalmente o trabalho de Lima Penante (1840-1892), dramaturgo, diretor e ator
paraense que parece ter instalado a primeira companhia profissional no Estado.
Abstract: The present article is the attempt of an memorial research about Theater in the State
of Amazonas, from the first indications of theatrical production in Manaus in second half of the
nineteenth century. With the majority of the references taken from magazines and periodicals of
the time, it is a study that seeks to recover indications of the dynamics of the theatrical making,
the creation of its companies and theater houses that passed between the dilettantism and the
engagement of professional artists. It mainly follows the work of Lima Penante (1840-1892),
playwright, director and actor from Pará who seems to have installed the first professional
company in the state.
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V Simpósio Internacional de Música Ibero-Americana
institucional provincial, sobretudo relatórios de agentes do Poder Público, e no campo
literário, os relatos de viajantes diversos. Obviamente, pesquisas já existentes, algumas
delas advindas de dissertações e teses, publicadas nas últimas décadas, ainda que
poucas, auxiliam a tarefa.
O registro mais antigo das atividades cênicas no Amazonas, a gerar
continuidade, bem como dos seus principais agentes, remontam à segunda metade do
século XIX. Assim, as principais menções a espaços teatrais na Amazônia Provincial
começam com anúncios de apresentações de mágicos e pequenas orquestras, encontrado
no jornal Estrella do Amazonas (1854-1863), em 1858, teatro que pode ser o mesmo
visto pelo médico e cronista Robert Avé-Lallemant (1812-1884) quando de sua visita a
Manaus, em 1859.
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Quase ao mesmo tempo surgem iniciativas como a de Francisco Antônio
Monteiro, que promoveu nas dependências de sua propriedade comercial um espaço
para exibições artísticas, inaugurado pelo artista paraense João da Silva Moya, em
1859.1 Tais dependências, chamadas de teatrinho pelos seus frequentadores e
certamente pelo seu proprietário, foram igualmente usadas para receber um Polyorama
em 1861.2 Em todos os casos, ainda que escassos, o registro de bilhetes retirados com
antecedência e mediante pagamento faz supor a presença de profissionais ao longo
desse tempo.
1
A Epocha, 29 de janeiro de 1859
2
Estrella do Amazonas, 13 de julho de 1861
3
O Tempo, 15 de setembro de 1916
4
O Tempo, 17 de setembro de 1916
5
Filho de João Batista Tenreiro Aranha (1798-1861), 1º presidente da província do Amazonas, e neto do
dramaturgo Bento Aranha (1769-1811), nascido em Barcelos (AM) com carreira em Belém.
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Quase ao mesmo tempo, a companhia dramática de José de Lima Penante (1840-
1892) estabeleceu-se na cidade. O ator, diretor e dramaturgo nascido em Belém,
possivelmente já tinha relações com a cidade ou já estava a atuar nela antes de 1868
quando começa a ser documentada sua atividade em Manaus. Isso porque na estreia da
Sociedade Thalia fora exibida a comédia Os dois calvos6, de sua lavra, editada muito
recentemente àquela altura.
6
Os dois calvos; ou, os gênios opostos, São Luiz, Typ. do Frias, 1864.
7
Jornal do Commercio, 4 de setembro de 1916
8
Jornal do Rio Negro, 23 de abril de 1868
9
Jornal do Rio Negro, 7 de março de 1868.
10
Idem
11
Amazonas, 1º de janeiro de 1870
12
O Tempo, 21 de setembro de 1916.
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Neste meio tempo, um outro grupo, intitulado Sociedade Pastoril, iniciou
trabalhos em 25 de dezembro de 1869, em teatro próprio, localizado na casa de seu
diretor, João Eleutério Guimarães, igualmente proveniente de Belém.13 O grupo deu
cinco espetáculos, mediante ingresso pago - 3$000 réis - como os demais estavam
fazendo, até janeiro de 1870. No espetáculo de estreia tomaram parte “14 senhorinhas
amazonenses”14, sendo que mais tarde, em dezembro de 1871, passou a apresentar-se no
teatro da Sociedade Militar Ensaios Dramáticos, grupo teatral que se estreara em 24 de
maio de 1871 e cujos membros eram exclusivamente das milícias, sendo portanto de
composição unicamente masculina, assim como fora o grupo da Sociedade Thalia;15
pode haver eventual conexão entre ambas pois o secretário desta última era também um
militar, José Joaquim Paes da Silva Sarmento (1845-1914), com trânsito pelo Teatro,
Música e a política local e nacional, ao longo de sua vida.16 O grupo teatral militar
infelizmente se desfez com a transferência de alguns membros para outras unidades do
Império, incluindo aqueles que faziam os papeis femininos. Mas rapidamente um novo
grupo parece ter sucedido o lugar destas iniciativas, embora em inícios de 1873 tenha se
desmantelado por desentendimentos entre os participantes.17 Sobressaiu-se daí o nome
de Domingos de Almeida Souto, comerciante português que logo em 1874, junto dos
conterrâneos, fundou a Sociedade Beneficente Portuguesa do Amazonas e com ela um
teatro e um grupo teatral para nele operar (Souto foi secretário da instituição); houve
espetáculos com remanescentes dos grupos anteriores durante 1874, que em parte eram
membros da Beneficente Portuguesa, mas não apareciam alinhados à companhia
artística desta casa.18 Embora descrito por fontes posteriores como um barraco de
madeira,19 o Teatro Beneficente parece ter sido mais do que isto: criado na intenção de
angariar fundos para construção do Hospital da Sociedade Beneficente Portuguesa do
13
O Tempo, 26 de setembro de 1916
14
Idem
15
Idem. Dentre os nomes mais salientes do grupo está o autor teatral e ator Rodrigues Bayma (tenente),
Adriano Pimentel (major) e dos detentores de papeis travestis, Ferrão e Armindo.
16
Joaquim Sarmento tornado coronel ainda no Império, chegou a governar interinamente a província.
Entre 1886 e 1889 cursou Direito na Bélgica. Na República foi eleito senador pelo Amazonas e alcançou
a Mesa diretora do Senado entre 1895 e 1899. No início do século XX seu nome voltou a figurar em
atividades artísticas em Manaus, como violinista em grupos diversos. Depois disso ainda foi prefeito
interino da capital.
17
Diário do Amazonas, 11 de janeiro de 1873
18
Amazonas, 5 de junho de 1874
19
Jornal do Commercio, 4 de setembro de 1916.
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Amazonas, em meados de 1875, foi projetado por Alexander Haag, arquiteto prussiano
estabelecido em Belém, a trabalhar em projetos diversos nas províncias do Norte.
Figura 1 – Vista para o Teatro Beneficente (no centro ao alto), na Praça Uruguayana, ao fim da Rua da
Instalação (rua na diagonal à esquerda), c.1875-1887. Fonte: Jornal do Commercio, 4 de setembro de
1916.
Rara iconografia deste teatro sugere que tenha sido uma construção de alvenaria
e não um teatro efêmero, o que reformas posteriores também induzem a acreditar.
Fontes da época o descrevem como “incontestavelmente bem situado, em lugar
alto, bastante arejado, e no seu caráter de provisório satisfaz as exigências do nosso
pequeno público”20. O jornal A platéa, três décadas depois, o descreveu de modo mais
bucólico:
20
Jornal do Amazonas,16 de setembro de 1875
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do seu hospital em construção, e ao qual, pela forma circular de seu
telhado, e pelo esteio que o sustentava no centro, o público dava o
nome tão típico quanto pitoresco de Chapéu de Sol. 21
Lembra ainda que em fins de sua vida útil, o Chapéu de Sol padecia de “telhas podres e
minado de cupins”, mas, mesmo diante do mais elaborado Teatro Amazonas, ainda
chamava o Teatro Beneficente de “modesto templo da arte”. (IDEM)
O teatro havia sido levantado primordialmente para angariar fundos em prol da
abertura do Hospital Beneficente da Sociedade Portuguesa, pretexto para aquisição do
terreno na Praça Uruguayana, por doação do Presidente da Província, Domingos
Monteiro Peixoto.22
O grupo tinha em sua composição o ensaiador Francisco de Paula Bello,
contador da Tesouraria da Fazenda, que se tornaria capitão, mais tarde substituído por
Inácio José Godinho, 1º tenente da flotilha estacionada em Manaus, além de Bernardo
José Bessa, ex-integrante da Sociedade Thalia, aqui servindo como contra-regra e
copiador de papéis (na altura era então o 1º tabelião de notas da capital), o capitão
Gregório José de Morais, proprietário do jornal Commercio do Amazonas que
trabalhava como o ponto, e o capitão Carlos Gavinho Viana na função de
caracterizador. Dentre os atores, muitos deles portugueses que retornariam à pátria anos
mais tarde, estavam Manuel José de Lima, conhecido como Manduca Judeu, e Matias
Alves de Aguiar.23
21
A platea, 16 de abril de 1907
22
Idem
23
Idem
24
Amazonas, 5 de junho de 1874
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dramáticos ou de variedades; Pingarilho usou ainda o Teatro Beneficente ao menos uma
vez para tais fins.
Foi nesse momento que Lima Penante surgiu novamente em Manaus, estreando-
se no Teatro Beneficente em maio de 1877 para 4 récitas, embora fontes posteriores
tenham afirmado que Penante já estivera no Teatro Beneficente em 1876.26 Penante
retornou em julho e ficou mais tempo a partir daí. Os anos seguintes, mesmo com a
parcial ocupação deste espaço por grupos forâneos, viram outros grupos locais em
desenvolvimento. São mormente artistas vindos nos últimos anos que se juntam com os
locais, como foi o caso dos fundadores da Associação Dramática Amazonense.
25
Jornal do Amazonas, 25 de maio de 1880
26
J.B. de Faria e Souza, ao lado de Alcides Bahia, em artigo no jornal O Tempo (15 de setembro de 1916)
é a única fonte sobre isto. Pode ter havido troca de números na data e esta ser 1867 e o teatro seria então o
Variedade Cômica.
27
O Tempo, 26 de setembro de 1916
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Lima Penante, nasceu em Belém a 11 de setembro de 1840, mesma cidade onde
faleceu, em 24 de julho de 1892, vítima de ataque cardíaco. (SALLES, 2000, p.25 e 46)
Seu pendor pelo teatro pode ter se desenvolvido desde menino, quando de sua provável
participação com outras crianças em espetáculos da Sociedade Dramática Particular
Philo-Talia (c.1852), criada na capital paraense pelas famílias Meninéa e Baena. Os
Meninéa, que mais tarde se mudariam para Manaus, mantinham um pequeno teatro
particular. (IDEM) Já em 1859 Lima Penante se encontrava engajado na companhia do
ator Antônio Maximiano da Costa, que atuava no Teatro Providência, de Belém, e com
ela saiu a excursionar pelo Nordeste. No Recife o grupo se incorporou à companhia de
Germano Francisco de Oliveira, mas Lima Penante permaneceu com outros atores,
juntando-se à empresa de Vicente Pontes de Oliveira, casado com uma das mais
importantes atrizes do seu tempo, a portuguesa Manuela Lucci28.(SILVA, 1938, p.226)
Após semanas em cartaz no Recife, Lima Penante seguiu para a Paraíba, onde fundou
com alguns amigos o Ginásio Paraibano, pequeno teatro que precedeu o Teatro Santa
Cruz, sobre o qual também se supõe ter participado de sua instalação. (IDEM, p.25-27)
Nos anos à frente esteve novamente em Fortaleza (1861), em seguida São Luís,
novamente ao Recife, no Teatro Santa Isabel, e Belém, até chegar pela primeira vez a
Manaus, em 1868. Além da publicação da peça Os dois calvos, reeditada em 1867,
publicava um volume de cenas intitulado Obras cômicas, reeditado em 1889 contendo
célebre dramaturgia do seu repertório, como Neste caso eu não caso e O estudante em
quebradeira.29 Em Manaus pode ter atuado em outros palcos (Teatro Fênix) e algumas
vezes o fez em causas nobres e libertárias, como no benefício da Associação
Emancipadora dos Escravos do Amazonas. Mas ao fim da temporada amazonense
mandou ao prelo uma coletânea de sua lavra, que não foi só representada por ele neste
meio tempo, mas que se vê no repertório dos grupos do Amazonas: o volume intitulado
Scenas cômicas foi impresso em 1870 pela mesma tipografia ludovicense e contava
28
A irmã de Manuela, Carmela Lucci, também tomava parte do grupo artístico. Pontos altos da carreira
de ambas incluem dupla digressão ao Rio, em 1858 no Teatro São Pedro de Alcântara, e em 1875, no
Teatro São Januário; nesta ultima, com a presença de Xisto Bahia, tomou parte Lima Penante. (SILVA,
ob.cit.)
29
A segunda edição de Obras cômicas, Pará [Belém] Typ. do Livro do Commercio, 1889, é a única
encontrada até o momento. Estão catalogados 8 exemplares, todos em instituições estadounidenses.
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com as cenas O ponto; Depois da festa de Nazaré, O actor no camarim; Paixão e
traição ou o inglez maquinista; e A surpresa.30
Sua última excursão a Manaus para uma larga temporada entre 1886 e 1887, foi
quase certamente a ultima atuação fora do Pará. Sua chegada foi precedida de
temporadas que o Teatro Beneficente assistiu com alguns dos maiores nomes do teatro
no Brasil, e que estiveram com Penante em anos precedentes. Primeiro, passara por
Manaus em 1884, Xisto Bahia com seu grupo, e no ano seguinte Manuela Lucci, ambos
dispersos pela morte de Vicente Pontes de Oliveira, em 1882. Lucci juntou-se no
Amazonas a Soares de Medeiros e Izolina Monclar, além de contar com atores locais,
para dar sobrevida à temporada do Beneficente. A seguir foi Lima Penante, agora
associado à célebre atriz portuense Helena Balsemão, quem chegava para se estabelecer
de modo mais consistente e duradouro. O grupo, sempre com elementos locais, iniciou
funções em outubro de 1886 e chegou às portas de maio de 1887, sendo quase
30
Scenas cômicas, Maranhão [São Luiz] Typografia do Frias, 1870
31
Em 1876, Penante publicou em Manaus mais uma coletânea de cenas, hoje desparecida, em que
figuram as mencionadas publicações avulsas em periódico: Teatro de Lima Penante, Typ. do Commercio
?, 1876. Além das citadas, constaram neste volume as seguintes: Viva a Câmara Municipal e o domingo
dos caixeiros (comédia em 2 atos), Cri-cri e Os occarinistas e eu (cenas cômicas)
32
O Baixo Amazonas, 26 de julho de 1877
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certamente o último a se apresentar no Teatro Beneficente, que seria desmanchado por
ter sido negociado o seu terreno para que a sociedade lusitana erguesse o seu almejado
hospital em terreno maior e mais distante.
O ator foi casado primeiramente com Leonor de Lima Penante, também atriz, de
quem teve os filhos Aureliano, Rodolfo e José de Lima Penante, que também se
dedicaram ao teatro, destacando-se o primeiro deles como ator e o último como escritor
de pequenas peças, burletas e comédias. Mas viveu também com a atriz amazonense
Máxima Augusta, que o acompanhou nos palcos por mais de 20 anos, tendo eles
perdido um filho pouco antes da morte de Lima Penante, em 1892.33
Conclusão
33
Salles, 2000.
34
Amazonas, 22 de julho de 1881.
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no Beneficente decorreram “peças de teatro moderno e até de fantasia” e possivelmente
se depreende de sua fala que o montante de 120 contos a ser investido em um novíssimo
teatro não seria tão necessário, uma vez que um teatro menor pode agradar.
Figura 2 - Praça vista do alto do Teatro [Beneficente]. Stradelli, c.1875-80 (1). Fonte: Acervo
Digital do Centro Cultural Povos da Amazônia, da Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas.
35
Jornal do Amazonas, 8 de setembro de 1880
36
Jornal do Amazonas, 11 de novembro de 1886.
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reformas” pelas quais o teatro tem passado, tudo para o “generoso acolhimento do
benévolo público desta capital”.37
Referências bibliográficas
37
Jornal do Amazonas, 25 de novembro de 1886
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