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TEORIA EXPLICATIVA DO CONHECIMENTO DE HUME

O EMPIRISMO DE DAVID HUME


David Hume tinha como objetivo desenvolver uma teoria da natureza humana,
por meio da qual pretendia explicar o funcionamento da nossa mente.
Considera que a razão por si só não tem capacidade para conhecer (o
conhecimento tem os seus valores e limites).

A ORIGEM DAS IDEIAS


Para David Hume, todas as ideias têm origem na experiência sensorial, não
admitindo a existência de conhecimento por parte do sujeito antes de qualquer
experiência. O ser humano à partida, não possui qualquer tipo de
conhecimento, é como uma página em branco sem de qualquer conteúdo, que
só a experiência tem capacidade para a preencher.

IMPRESSÕES E IDEIAS
A teoria empirista1 de Hume tem por base a distinção entre dois tipos de
perceções ou conteúdos mentais:
 Impressões (perceções mais vívidas; abrangem as nossas sensações
externas como as visuais, auditivas ou tácteis, bem como os nossos
sentimentos internos, por exemplo, emoções, desejos, etc.)
 Ideias (perceções mais ténues que constituem o nosso pensamento,
como por exemplo, se estamos a ver um objeto azul estamos a ter uma
ideia de azul; se estivéssemos a ver um objeto azul essa impressão era
mais intensa do que se imaginarmos a cor).

As impressões simples são indivisíveis (não se podem decompor).


As impressões complexas são formadas por associação de várias impressões
simples)

1
Os empiristas defendem que todo o conhecimento dos factos do mundo é a posteriori. Os
racionalistas defendem que algum desse conhecimento é a priori.
1
As ideias simples são as que não admitem qualquer separação ou divisão; as
ideias complexas são as que podem ser divididas em partes, resultando da
combinação das impressões ou das ideias simples.

As ideias simples derivam de impressões simples, mas muitas ideias


complexas não resultam de impressões complexas. O critério usado para
distinguir uma ideia verdadeira de uma ficção passa a ser a existência ou não
de uma impressão que lhes corresponda.

O PRINCÍPIO DA CÓPIA
As ideias são como que cópias/recordações das impressões. São
representações que temos das coisas mesmo que estas não estejam
presentes. As ideias são cópias enfraquecidas das impressões.
Se não conseguirmos estabelecer relação entre uma ideia e a correspondente
impressão, então pode concluir-se que essa «ideia» é um termo sem
significado. Esta é uma das maneiras de eliminar ideias falsas.

David Hume recusa decididamente o estatuto de ideia inata que Descartes


atribuía a Deus, considerando que na sua origem se encontram ideias simples
que resultam da reflexão sobre a nossa experiência interior.

De acordo com o princípio da cópia, todas as nossas ideias têm a sua origem
em impressões externas (dados dos sentidos) ou internas (sentimentos e
desejos), ou seja, todas as nossas ideias são cópias das nossas impressões.
Se não pudermos ter experiência de uma coisa não conseguiremos formar
ideias acerca dela.
Mesmo as ideias mais abstratas têm origem na experiência.

Não existem ideias inatas, isto é, não existem ideias que o nosso entendimento
ou intelecto não tenha formado a partir da experiência. A experiência fornece
os materiais a partir dos quais se geram todas as nossas ideias, mesmo as
mais elaboradas e abstratas.

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Hume apresenta a favor do princípio da cópia o seguinte: aqueles que estão
privados de certas impressões são incapazes de formar ideias
correspondentes. Por exemplo, uma pessoa que seja cega de nascença não
conseguirá formar a ideia de azul, já que nunca teve qualquer impressão de
azul.

O que dizer das ideias que não correspondem a qualquer impressão que
tenhamos tido? Por exemplo, podemos ter ideia de uma cavalo azul, mas
nunca ter observado um cavalo azul. Hume sugere que os exemplos deste
género apoiam o princípio da cópia. Nunca tivemos uma impressão de um
cavalo azul, mas já observámos cavalos e já observámos objetos azuis, pelo
que temos a ideia de cavalo e a ideia de azul. A partir destas ideias, podemos
formar a ideia mais complexa de cavalo azul. Assim, ainda que todas as
nossas ideias simples sejam cópias diretas de impressões, o nosso
pensamento combina imaginativamente essas ideias de modo a formar ideias
mais complexas, que no seu todo, muitas vezes, não correspondem a nada
que tenhamos observado ou sentido alguma vez.

RELAÇÕES DE IDEIAS E QUESTÕES DE FACTO


Existem dois géneros de investigação:
 Relações de ideias (ex: o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos
quadrados dos catetos; três vezes cinco é igual a metade de trinta;
nenhum solteiro é casado; um triângulo tem três lados; etc.)
 Questões de facto (ex: o sol vai nascer amanhã; o calor e a luz são
efeitos do fogo; os planetas do sistema solar têm órbitas elípticas;
Lisboa é capital de Portugal; etc.)

O conhecimento de relações de ideias é a priori e corresponde a proposições


que têm as seguintes características:
 o seu conhecimento pode ser obtido através da análise de conceitos;
 podem ser conhecidas a priori
 são conhecidas por intuição ou dedução

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 São verdades necessárias (não podemos nega-las sem nos
contradizermos; a negação de uma proposição que exprime uma relação
de ideias implica uma contradição)
 Envolvem certeza
 O seu conhecimento não é substancial (nada dizem sobre o que existe
no mundo).

O conhecimento de questões de facto é a posteriori e corresponde a


proposições que têm as seguintes características:
 O seu conhecimento não pode ser obtido através da análise de
conceitos
 Só podem ser conhecidas a posteriori
 Temos acesso a elas através de inferências indutivas e causais
 São verdades contingentes (podemos nega-las sem nos contradizermos;
a negação de uma proposição que exprime uma questão de facto não
implica uma contradição)
 São prováveis (nunca são totalmente certas; a sua verdade pode ser
mais ou menos provável)
 O seu conhecimento é substancial (dizem respeito àquilo que existe no
mundo).

Mas será que estas proposições se resumem ao que observámos ou


sentimos? Não, muitas vezes levam-nos além da nossa experiência. Por
exemplo, encontramos um relógio numa ilha deserta e inferimos algo que não
observámos: que esteve alguém naquela ilha. Vemos um amontoado de cinzas
e inferimos que alguém fez uma fogueira, ainda que não tenhamos presenciado
esse acontecimento.

Raciocinar sobre relações de ideias é fazer demonstrações, as quais têm um


carácter dedutivo.
Raciocinar sobre questões de facto é fazer inferências causais, as quais têm
um carácter indutivo que assenta na relação de causa e efeito – a relação de
causalidade.

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Enquanto para Descartes a ideia de Deus é inata sendo causada pelo próprio
criador (Deus), Hume considera que a ideia de Deus é uma ideia complexa
(empírica, não inata) resultante da associação de várias ideias.

A CAUSALIDADE
A ordem e a regularidade das nossas ideias assentam em princípios que
permitem uni-las e associá-las. É na relação de causa e efeito que se baseiam
os nossos raciocínios acerca dos factos.
O nosso conhecimento dos factos restringe-se às impressões atuais e às
recordações de impressões passadas. Só com base nessas impressões e
recordações é que podemos justificar as nossas crenças. Uma vez que não
dispomos de impressões relativas ao que acontecerá no futuro, também não
possuímos o conhecimento dos factos futuros.
Apesar disso, há muitos factos que esperamos que se verifiquem no futuro.
Esperamos que um papel se queime se o atirarmos ao fogo, ou que a roupa se
molhe se a deitarmos à água. Trata-se de verdades contingentes, relativas a
questões de facto, e que têm por base uma inferência causal. Até agora,
sempre o fogo queimou e sempre a água molhou. Logo, isso irá verificar-se
também no futuro. Queimar e molhar são efeitos cujas causas são
respetivamente, o fogo e a água.
Verifica-se assim que a ideia de causa é aquela que preside às nossas
inferências acerca de factos futuros. Essas inferências têm um carácter
indutivo. A indução (enquanto previsão), como vimos anteriormente, baseia-se
em casos passados e antevê casos ainda não observados.
Mas a relação de causa e efeito é geralmente entendida como sendo uma
conexão necessária, isto é, que um determinado efeito se produzirá
necessariamente a partir do momento em que existe determinada causa.
Acontece que não dispomos de qualquer impressão relativa à ideia de conexão
necessária entre fenómenos.
Sabemos que só a partir da experiência é que se pode conhecer a relação
entre a causa e o efeito. Trata-se de um conhecimento a posteriori e não a
priori. Mas a única coisa que percecionamos é que entre dois fenómenos,
eventos ou objetos verifica-se uma conjunção constante: um deles ocorreu

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sempre a seguir ao outro. Isso lava-nos a concluir que entre eles há uma
conexão necessária, o que é um erro, na opinião de Hume.
Este raciocínio pode ser igualmente aplicado às operações da mente sobre o
corpo. Hume apresenta uma série de argumentos que visam provar que a ideia
de conexão necessária também não decorre de qualquer impressão interna, o
que leva a concluir que não surge, em toda a natureza, sem um único exemplo
de conexão que possamos conceber.
Sendo assim, o nosso conhecimento acerca dos factos futuros não é um
rigoroso conhecimento. Trata-se apenas de suposição ou de probabilidade.
Esse conhecimento assenta unicamente numa expectativa.
Tal não significa que não estejamos certos de que o fogo queimará ou de que a
água molhará. Contudo, esta certeza tem apenas um fundamento psicológico:
o hábito ou costume.
Criamos a expectativa de que uma certa coisa vai voltar a acontecer. Essa
expectativa é um sentimento (uma impressão interna) que depois projetamos
no mundo, levando-nos a acreditar que existem realmente relações causais (ou
conexões necessárias) e que estas fazem parte efetivamente do mundo e das
coisas. Trata-se, portanto, de um fenómeno psicológico e subjetivo: existe na
nossa mente e não nas coisas do mundo.
Nunca observamos qualquer conexão necessária entre causa e efeito. A ideia
de conexão necessária tem origem num sentimento interno produzido pelo
hábito. A ideia de conexão necessária é portanto, uma cópia de um sentimento
e não de uma sensação. Baseia-se na experiência interna do sujeito e não na
experiência do mundo.

O nosso conhecimento das relações causais baseia-se na experiência. Sem a


experiência e, recorrendo, apenas à razão, não se poderá fazer uma previsão.

A causalidade consiste apenas na conjunção constante entre géneros de


objetos ou de acontecimentos observáveis. Por outras palavras, não podemos
descobrir a priori, recorrendo unicamente ao pensamento, que certos objetos
ou acontecimentos causam outros objetos ou acontecimentos. Para justificar
essa perspetiva, Hume afirma que os objetos ou os acontecimentos entre os

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quais se verifica uma relação causal são completamente distintos. Assim, se
não tivermos o auxílio da experiência, nunca poderemos descobrir que efeito
terá um certo objeto ou acontecimento, nem que causa o produziu. Suponha-se
que arremessamos uma pedra para um vidro. Se não tivermos qualquer
conhecimento empírico acerca do vidro, seremos incapazes de prever que o
arremesso terá o efeito de o quebrar. Do mesmo modo, se não nos basearmos
na experiência passada, não conseguiremos inferir que um monte de cinzas foi
causado por uma fogueira.

O PROBLEMA DA INDUÇÃO
No conhecimento de questões de facto – questões acerca do que existe e do
que ocorre na natureza, a relação de causa e efeito ocupa um papel
fundamental porque procuramos relacionar os fenómenos, e quando
determinados fenómenos se verificam, aguardamos que outros também se
verifiquem, de certas causas esperamos certos efeitos, tese defendida pelo
princípio da causalidade.
Hume diz-nos que todas as ideias derivam de impressões sensíveis. Assim, do
que não há impressão sensível não há conhecimento. Deste modo, não
podemos dizer que tenhamos conhecimento a priori da causa de um
acontecimento, ou de um facto.
Embora tendo consciência da importância que o princípio de causalidade teve
na história da humanidade, Hume vai submetê-la a uma crítica rigorosa.
Segundo ele, o nosso conhecimento dos factos restringe-se às impressões
atuais e às recordações de impressões passadas. Assim, se não dispomos de
impressões relativas ao que acontecerá no futuro, também não possuímos o
conhecimento dos factos futuros. Não podemos dizer o que acontece no futuro
porque um facto futuro ainda não aconteceu. Contudo, há muitos factos que
esperamos que se verifiquem no futuro. Por exemplo, esperamos que um papel
se queime se o atirarmos ao fogo. Esta certeza que julgamos ter (que o papel
se queima), tem por base a noção de causa (nós realizamos uma inferência
causal), ou seja, atribuímos ao fogo a causa de o papel se queimar. Sucede
que, segundo Hume, não dispomos de qualquer impressão da ideia de
causalidade necessária entre os fenómenos.

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Hume afirma que só a partir da experiência é que se pode conhecer a relação
entre a causa e o efeito. Não se pode ultrapassar o que a experiência nos
permite. A experiência é, pois, a única fonte de validade dos conhecimentos de
factos. Quer dizer que só podemos ter um conhecimento a posteriori. A única
coisa que sabemos é que entre dois fenómenos se verificou, no passado, uma
sucessão constante, ou seja, que a seguir a um determinado facto ocorreu
sempre um mesmo facto.

O CETICISMO MODERADO DE HUME


O ceticismo cartesiano é radical e antecedente. É radical porque recomenda
uma dúvida universal, convidando-nos a questionar todas as nossas crenças e
também a fiabilidade das nossas faculdades mentais. Este ceticismo é
antecedente porque surge como uma preparação para a investigação, e não
como um resultado da mesma. Descartes tem como objetivo suplantar
definitivamente o ceticismo e recorre à dúvida para encontrar um primeiro
princípio, o cogito, capaz de fundamentar todo o conhecimento.
A crítica principal de Hume ao ceticismo cartesiano é a de que este é
“incurável”. Mesmo que encontremos um primeiro princípio, não conseguimos ir
além dele se não confiarmos nas nossas faculdades. Como Descartes coloca
em questão as nossas faculdades, não pode conseguir ir além do cogito. Sem
confiar na sua faculdade de raciocinar, será incapaz de suplantar o ceticismo,
pois não poderá ter confiança em qualquer raciocínio que lhe permita
estabelecer alguma conclusão a partir do cogito. O cético cartesiano está
condenado a saber apenas que ele próprio existe.

O ceticismo pirrónico, defendido por Sexto Empírico, é também radical mas


consequente porque se apresenta como o resultado da investigação, do exame
das nossas faculdades e opiniões, e não como um momento preliminar da
investigação. O pirrónico é um cético na aceção mais pura do termo, pois é
alguém que apresenta argumentos com o objetivo de derrubar todas as nossas
pretensões ao conhecimento e de nos remeter a uma dúvida universal e
permanente.

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A crítica principal de Hume ao ceticismo pirrónico é a de que é impraticável.
Devido à nossa natureza, não conseguimos deixar de acreditar, por exemplo,
que o mundo exterior é real e uniforme. Certas crenças são tão fundamentais e
importantes para a ação que nem o pirrónico consegue coloca-las realmente
em dúvida, exceto nos raros momentos em que se entrega à reflexão filosófica.
Ninguém consegue viver como um cético pirrónico, pelo que esta forma de
ceticismo é destituída de sentido.

CETICISMO MITIGADO
Hume opõe-se ao ceticismo radical, seja ele cartesiano ou pirrónico. Não rejeita
a hipótese de conhecermos a realidade, apenas lhe assinala limites. Neste
aspeto, o seu ceticismo é mitigado/moderado, reconhece a imperfeição e os
limites do entendimento humano, que não pode ir além da experiência e para o
qual há domínios que se encontram vedados.

Os resultados céticos de Hume são muito fortes. Não podemos ter uma crença
justificada na uniformidade da natureza nem na realidade do mundo exterior.
Segundo Hume, não podemos deixar de acreditar que a natureza é uniforme e
que o mundo exterior é real. Estas crenças fazem parte da natureza humana, e
na vida quotidiana não conseguimos pensar nem agir na sua ausência. Os
argumentos céticos são impotentes para as destruir. Como mostram que as
nossas capacidades de conhecimento são muito limitadas, levam-nos a adotar
as seguintes atitudes:
 Evitar o dogmatismo no pensamento e na tomada de decisões
 Evitar investigações demasiado especulativas.

O cético moderado caracteriza-se por ter estas atitudes. Dado que está
consciente das limitações do entendimento humano, tem uma mente aberta ao
mesmo tempo que rejeita todas as pretensões ao conhecimento em questões
demasiado distantes da experiência.

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DUAS CONCLUSÕES CÉTICAS DE HUME
Hume é cético, pois acredita que a investigação filosófica abala profundamente
muitas das nossas pretensões ao conhecimento. Duas das suas conclusões
céticas mais importantes são:
 A nossa crença na uniformidade da natureza é racionalmente
injustificada.
 A nossa crença na realidade do mundo exterior é racionalmente
injustificada.

A crença na uniformidade da natureza subjaz a todas as nossas inferências


causais. Inferimos que as cinzas se seguirão à fogueira, ou que o arremesso
da pedra fará o vidro quebrar-se, porque acreditamos que a natureza é
uniforme, isto é, porque acreditamos que o seu curso não se vai alterar de um
momento para o outro e que as regularidades observadas no passado
continuarão a verificar-se no futuro. Contudo, Hume sugere que não temos
qualquer justificação ou razão para acreditar na uniformidade da natureza. A
nossa crença na uniformidade da natureza não é mais do que um fruto do
hábito, de um certo “instinto” que nos leva a esperar que a causas semelhantes
se hão de seguir efeitos semelhantes. Deste modo, as nossas inferências
causais parecem injustificadas, já que se baseiam numa crença que não está
justificada.

A crença na realidade do mundo exterior é a crença de que os objetos que nos


rodeiam são reais, isto é, existem independentemente das nossas perceções.
Por exemplo, se acreditamos que uma certa mesa que estamos a observar é
real, então acreditamos que esta continuará a existir quando já não estivermos
a percecioná-la – acreditamos que a sua existência é independente da nossa
mente. O realismo é a perspetiva segundo a qual o mundo exterior é real, o
que significa que muitos dos objetos que percecionamos têm esta existência
independente.
Que relação existirá entre as nossas perceções e os objetos exteriores? Por
exemplo, à medida que nos afastamos de uma mesa, as nossas perceções vão
mudando, vemo-la cada vez mais pequena, mas pensamos que a própria mesa

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permanece igual. Por isso, as nossas perceções da mesa não são a própria
mesa.
Hume sugere que o realista tem de encarar as perceções como representações
dos objetos exteriores. O realista aceita a seguinte hipótese:
 As perceções dos sentidos são causadas por objetos exteriores que,
embora sejam semelhantes a elas, existem independentemente da
nossa mente.

A conclusão cética de Hume é a de que não podemos encontrar razões que


apoiem a hipótese realista e nos permitam afastar as hipóteses alternativas.
Para descobrirmos que as nossas perceções são causadas por objetos
exteriores, teríamos de encontrar uma conjunção constante entre objetos e
perceções. Pois para Hume, a causalidade corresponde apenas a uma
conjunção constante. Porém, é impossível encontrar essa conjunção entre
perceções e objetos exteriores, pois só as perceções nos podem surgir
constantemente conjugadas. Logo, não temos razões para crer que as nossas
perceções são um efeito de objetos exteriores.

As crenças cognitivas para Hume não têm um fundamento racional mas sim
um fundamento no hábito e no costume. Para Hume, é o hábito que nos leva a
inferir uma relação de causa e efeito entre dois fenómenos. Se no passado
ocorreu sempre um determinado facto a seguir a outro, então nós esperamos
que no presente e no futuro também ocorra assim.
O hábito e o costume permitem-nos partir de experiências passadas e
presentes em direção ao futuro. Por isso, o nosso conhecimento de factos
futuros não é um conhecimento rigoroso, é apenas uma convicção que se
baseia num princípio psicológico: o hábito.

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OBJEÇÕES A HUME
 Objeção ao princípio da cópia

O próprio David Hume prevê a possibilidade de se encontrar um contraexemplo


ao princípio da cópia.
Este contraexemplo consiste em imaginar uma situação em que alguém é
colocado perante uma vasta gama de tons de azul, tendo um dos tons de azul
sido propositadamente escondido. Alguém que nunca tenha tido experiência
desse particular tom de azul pode, ainda assim, formar uma ideia a seu
respeito, mesmo na ausência de uma impressão que lhe corresponda. Isso não
seria possível se, de facto, todas as nossas ideias fossem cópias de
impressões. Embora Hume desvalorize este contraexemplo, a verdade é que
ele pode minar a nossa confiança no princípio da cópia.

 Objeção à conceção humeana de causalidade

Thomas Reid, um filósofo escocês contemporâneo de Hume, rejeitou a análise


humeana do conceito de causalidade em termos de conjunção constante.
Reid procura mostrar que existem contraexemplos que demonstram que haver
uma conjunção constante entre dois acontecimentos não é nem uma condição
suficiente, nem uma condição necessária para que exista uma relação de
causalidade entre ambos.
Não é suficiente porque existem acontecimentos que se sucedem
constantemente sem que sejam a causa um do outro, como a sucessão dos
dias e das noites, por exemplo.
Não é necessária porque existem acontecimentos que se encontram numa
relação causal, embora não surjam constantemente associados. Como
acontece, por exemplo, nos casos em que essa relação causal é uma
ocorrência singular, única e irrepetível (ou quando é a primeira vez que alguém
testemunha uma instância de uma dada relação causal). Por exemplo, no que
diz respeito à origem do universo, não podemos dizer que há uma conjunção
constante entre a causa e o seu efeito, o que significa que a teoria humeana da
causalidade tem a estranha implicação de que o universo não teve uma causa.

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 Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação

Bertrand Russell rejeita as conclusões céticas de Hume, pois considera que a


sua ideia de “fundamento racional” (ou “racionalmente justificável”) é
demasiado restrita. Hume parece admitir que nenhuma crença está
racionalmente justificada, a menos que exista uma prova definitiva da sua
verdade. Para Russell, pode ser racional acreditar numa crença, mesmo na
ausência deste tipo de prova, pois pode simplesmente acontecer que, de entre
as alternativas disponíveis para explicar a nossa experiência, exista uma
hipótese mais plausível do que todas as outras (pelo que é mais racional
acreditar na sua verdade do que em qualquer uma das alternativas). Chama-se
a esta forma de argumentação “abdução” ou, mais simplesmente,
argumentação a favor da melhor explicação.

Russell acredita que a existência de um mundo exterior às nossas mentes é


uma explicação da nossa experiência muito mais simples e apelativa do que
qualquer cenário cético que possamos imaginar e, por isso, considera que
estamos racionalmente justificados a acreditar nisso.
Para ilustrar a sua ideia, Russell recorre à análise do comportamento de um
gato. Quando vemos um gato aparecer numa parte da sala e posteriormente
nos apercebemos que este está noutro espaço da casa, parece bastante mais
aceitável a hipótese de que ele se deslocou de um lado para o outro quando
não o estávamos a observar, passando por uma série de posições intermédias,
do que aceitar a possibilidade de o gato ter simplesmente desaparecido da sala
quando deixámos de o observar para voltar a aparecer no novo espaço.

Esta estratégia argumentativa aplica-se igualmente à ideia de causalidade.


Hume sugere que a nossa crença de que existe uma relação causal (ou
conexão necessária) entre diferentes objetos ou acontecimentos não tem
qualquer fundamento racional e corresponde apenas à expetativa de que um
deles ocorra sempre que o outro ocorrer, devido à experiência que temos da
conjunção constante desses dois acontecimentos. Mas, se Hume estiver certo,
como se explica essa conjunção constante? Parece mais razoável aceitar que

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as relações causais, de facto, existem do que supor que essas conjunções
constantes simplesmente ocorrem no mundo de um modo casual.

Comparação entre Descartes e Hume


 Conhecimento

Tanto Descartes como Hume admitem a experiência e o pensamento como


fontes de conhecimento, mas atribuem-lhes uma prioridade diferente. É esta
divergência que nos leva a caracterizar o primeiro como racionalista e o
segundo como empirista.
Segundo Descartes, todo o conhecimento genuíno, infalivelmente justificado,
encontra o seu fundamento no pensamento ou na razão. É na intuição racional
do cogito que encontramos a primeira certeza, a partir da qual podemos inferir,
de uma forma totalmente a priori, os alicerces de tudo o que sabemos.
Hume, pelo contrário, encontra na experiência a fonte prioritária de
conhecimento. Só a experiência nos permite resolver questões de facto. Por
isso mesmo, o nosso pensamento apenas consegue estabelecer relações de
ideias, as quais nada nos dizem acerca do mundo exterior. Todo o
conhecimento dos factos que constituem o mundo é a posteriori.

 A validade do conhecimento

Descartes diria que as nossas pretensões ao conhecimento não são válidas.


Mas validá-las é algo que está ao nosso alcance. Recorrendo à dúvida
metódica, acabamos por descobrir o cogito e depois por provar que Deus
existe. A existência de deus garante que as nossas faculdades, devidamente
utilizadas, proporcionam conhecimento.
Hume, pelo contrário, sugere que muitas das nossas pretensões ao
conhecimento são infundadas. Temos conhecimento das nossas próprias
perceções, mas, quando vamos além do testemunho dos sentidos e da
memória, passamos a apoiar-nos em suposições que não conseguimos
justificar, nomeadamente na suposição de que a natureza é uniforme, a qual

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subjaz a todas as inferências causais, e na suposição de que o mundo exterior
é real. Como muitas das nossas crenças se apoiam nestas suposições e elas
não estão justificadas, podemos inferir que também essas crenças não estão
justificadas e que, portanto, não constituem conhecimento.

Questões Descartes Hume


Perspetiva teórica
Racionalismo Empirismo
filosófica?
Fonte do conhecimento
Razão Sentidos (ou experiências)
mais valorizada?
Não. Todas as ideias têm
Sim. Por exemplo, o cogito origem nas impressões
Há ideias inatas?
e a ideia de Deus (mesmo as mais abstratas
como a ideia de Deus)
Como pode ser obtido o Através da intuição e da Através da intuição e da
conhecimento a priori? dedução. dedução.
Não. É um conhecimento
das relações de ideias,
Sim. Permite-nos ter
O conhecimento a priori é não dá informações sobre
informações sobre o
substancial? o mundo. Os factos do
mundo.
mundo só podem ser
conhecidos a posteriori.
Qual é o fundamento do O cogito (é um As impressões (é um
nosso conhecimento do fundamento racional, a fundamento empírico, a
mundo? priori). posteriori)
Não. É possível alcançar Em parte. Temos alguns
conhecimentos conhecimentos, mas em
indubitáveis (ideias claras muitas áreas não temos
Os céticos têm razão? e distintas, cuja verdade é conhecimento, apenas
garantida por Deus) que crenças sem justificação,
podem ser racionalmente mas que não podemos
justificados. rejeitar.

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SÍNTESE

 Hume era empirista e considerava a experiência a fonte principal do


conhecimento humano: todos os nossos conteúdos mentais derivam
dela.

 Chamava perceções a esses conteúdos e dividia-os em impressões e


ideias.

 As impressões podem ser externas (ligadas aos sentidos) ou internas


(sentimentos e desejos). São as perceções mais vívidas. Podem ser
simples (se não se dividirem noutras) ou complexas (se se dividirem
noutras).

 De acordo com o princípio da cópia, todas as ideias são cópias das


impressões e por isso são menos intensas do que estas. Podem ser
simples ou complexas. Sendo assim, não há ideias inatas.

 Certas ideias complexas (Deus, sereia, unicórnio, etc.) não copiam


diretamente nenhuma impressão, mas são compostas por ideias menos
complexas que copiam impressões.

 Existem dois géneros de investigação: a investigação de relações de


ideias e a investigação de questões de facto.

 O conhecimento de relações de ideias é a priori e corresponde a


proposições que têm as seguintes características:
o São verdades necessárias (não podemos nega-las sem nos
contradizermos);
o São certas;
o Nada dizem sobre o que existe no mundo.

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 O conhecimento de questões de facto é a posteriori e corresponde a
proposições que têm as seguintes características:
o São verdades contingentes (podemos nega-las sem nos
contradizermos);
o São apenas prováveis;
o Dizem respeito àquilo que existe no mundo, isto é, são
substanciais.

 Raciocinar sobre relações de ideias é fazer demonstrações, as quais


têm um carácter dedutivo.

 Raciocinar sobre questões de facto é fazer inferências causais, as quais


têm um carácter indutivo.

 O nosso conhecimento das relações causais baseia-se na experiência.

 A causalidade só pode ser compreendida a posteriori. Consiste apenas


na conjunção constante entre géneros de objetos ou de acontecimentos
observáveis.

 Nunca observamos qualquer conexão necessária entre causa e efeito. A


ideia de conexão necessária tem origem num sentimento interno
produzido pelo hábito de esperar (a expectativa) que vai voltar a
acontecer. Depois projetamos esse hábito no mundo e acreditamos que
é real.

 Todas as formas de ceticismo radical são indefensáveis:


o O ceticismo cartesiano é incurável. Se começarmos por
desconfiar totalmente das nossas faculdades, nunca
conseguiremos estabelecer qualquer conclusão a partir do cogito.
o O ceticismo pirrónico é impraticável. Deixar de acreditar em tudo o
que não consigamos justificar, vivendo permanentemente na

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dúvida, é algo que está fora do nosso alcance e que tornaria
impossível a ação.

 Devemos adotar um ceticismo mitigado. O ceticismo resulta das


seguintes conclusões:
o Somos incapazes de justificar a crença de que a natureza é
uniforme, a qual subjaz às nossas inferências causais;
o Somos incapazes de justificar a crença de que o mundo exterior é
real, pois não conseguimos mostrar que as nossas percepções
são causadas por objectos reais.

 O cético mitigado ou moderado não reage a estas conclusões como o


pirrónico. Não passa a duvidar de tudo aquilo que não consegue
justificar, mas toma consciência dos limites do entendimento humano.
Isso leva-o a não ser dogmático e a evitar questões demasiado
especulativas.

 Objeções a Hume:
o É implausível que o conhecimento matemático não seja
substancial, pois quando se fazem cálculos matemáticos parece
haver conhecimento novo e não uma mera explicitação de ideias;
o A matemática aplica-se ao mundo, no quotidiano e nas ciências.
o A identificação humeana entre causalidade e conjunção
constante, se for aceite, leva à admissão de falsidades. Por
exemplo, o dia é causa da noite (ou vice-versa), já que entre eles
existe conjunção constante, o mundo não teve uma causa, já que
a criação do mundo aconteceu só uma vez, não havendo uma
conjunção constante.

Questões a Hume
Quais são as principais teses empiristas?

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Todo o conhecimento deriva da experiência. A mente é, à partida, uma tábua
rasa. Não existem ideias inatas.

Quem foi David Hume?


David Hume foi um filósofo empirista escocês do século XVIII que desenvolveu
uma profunda investigação sobre as capacidades do entendimento humano.
Ficou célebre pelo seu ceticismo moderado (ou mitigado).

Como se caracterizam os conteúdos da mente, segundo Hume?


Todos os conteúdos da mente são, segundo Hume, perceções. As perceções
dividem-se em dois tipos, de acordo com o seu grau de força e intensidade:
impressões e ideias. As impressões são mais vivas e intensas e dizem respeito
ao sentir (por exemplo, a dor que sinto quando entalo um dedo corresponde a
uma impressão). As ideias são menos vivas e intensas e dizem respeito ao
pensar (por exemplo, a recordação de ter entalado o dedo corresponde a uma
ideia). As impressões correspondem, portanto, às nossas sensações, tanto
internas (emoções) como externas (cinco sentidos). As ideias são cópias de
impressões e podem ser simples (produto da memória) ou complexas
(resultado da imaginação). Na ausência de impressões, jamais conseguiremos
formar ideias.

Que conhecimentos formamos, de acordo com Hume?


Temos, segundo Hume, duas formas de constituir conhecimento: relações de
ideias e questões de facto. As relações de ideias são conhecimentos a priori
(anteriores e independentes da experiência) e puramente racionais; a sua
verdade é logicamente necessária (é assim e não pode ser de outro modo, sob
pena de autocontradição) e delas podemos ter certeza absoluta; baseiam-se no
raciocínio dedutivo. As verdades da lógica, da matemática e da geometria são
relações de ideias. Apesar de seguras, as relações de ideias não nos dão
qualquer informação sobre o que se passa no mundo. As questões de facto
são conhecimentos a posteriori (adquiridos através da experiência); a sua
verdade é logicamente contingente (é assim, mas pode também ser de um
outro modo, sem risco de contradição) e delas nunca podemos ter certeza

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absoluta; baseiam-se no raciocínio indutivo. Os conhecimentos das ciências
naturais e das ciências humanas são questões de facto. Só as questões de
facto nos dizem como são e como acontecem as coisas do mundo.

Em que consiste o problema da causalidade, segundo Hume?


Ao raciocinarmos sobre questões de facto estabelecemos relações de
causalidade. A ideia de causalidade como conexão necessária é, assim, a base
dos nossos conhecimentos sobre o mundo. Acontece que esta ideia não pode
ser justificada a priori (não pode ser inferida apenas com base na razão,
independentemente da experiência), nem tão pouco a posteriori (pois isso
implicaria que tivéssemos a impressão correspondente, o que não acontece). A
causalidade resulta de uma tendência psicológica, não existe nos objetos.
Forma-se na nossa mente em virtude do costume ou do hábito de observarmos
repetidamente que dois fenómenos ocorrem conjunta e sucessivamente.
Porque o passado me mostrou existir uma conjunção constante entre A e B,
tendo a imaginar que existe uma conexão necessária, uma relação de
causalidade, isto é, que um é necessária e inevitavelmente a causa do outro.
Contudo, esta crença não está justificada. Nunca observamos qualquer
conexão necessária, apenas conjunções constantes, que podem ser arbitrárias
e casuais. Nisto consiste o problema da causalidade.

Em que consiste o problema da indução, segundo Hume?


O problema da causalidade cruza-se, na proposta de Hume, com um outro
problema, o da indução. As inferências indutivas são a base do nosso
conhecimento sobre o mundo. Estarão elas justificadas? Segundo Hume, não.
Só poderíamos confiar na indução se partíssemos do princípio de que a
natureza é uniforme e regular, sem lugar para imprevistos. Acontece que a
nossa crença na regularidade da natureza é ela própria fundada na indução.
Estamos, pois, encerrados numa petição de princípio, numa justificação circular
que nada justifica: todos os nossos argumentos indutivos pressupõe a crença
de que a natureza é regular, crença esta que, por sua vez, foi construída com
base em inferências indutivas. A ideia de que a natureza é uniforme é uma
verdade contingente, pois é perfeitamente possível que a natureza não seja

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uniforme e que o futuro não repita o passado. O exemplo do ornitorrinco é
revelador de que o número de observações que serve de base a uma indução
é logicamente independente da verdade da conclusão.

Por que razão Hume é um cético moderado?


Hume evidencia o seu ceticismo ao sublinhar os limites da inteligência humana,
mostrando que a parte mais considerável do nosso saber assenta apenas no
costume ou hábito e em inferências que não conseguimos justificar. Mas,
apesar das conclusões a que chega relativamente aos problemas da
causalidade e da indução, Hume defende que não devemos abandonar a
nossa crença na regularidade da natureza, pois não conseguiríamos pensar ou
agir na sua ausência. Devemos, contudo, evitar o dogmatismo e a
especulação.

Existem objeções ao empirismo de Hume?


Sim. Hume foi frequentemente acusado de irracionalidade, dado o seu
ceticismo. Se nenhuma das nossas crenças é racionalmente justificável, então
não há diferenças assinaláveis entre ciência e superstição e não há razões
para preferir a primeira à segunda.

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