Ensaio Filosofico

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Ensaio Filosófico

- Será que o conceito teísta de Deus é coerente ou consistente?

O objetivo deste ensaio é buscar uma explicação (prudencial e epistémica) para a


existência do conceito teísta de Deus, ou seja, se os argumentos que temos (sejam eles a
favor ou contra), mostram real veracidade quanto ao seu conteúdo e, caso esses sejam,
busca-se compreender o modo como as conclusões às quais chegamos por esta análise
mantém-se concisas.

Este problema é importante porque a incerteza entre as correntes filosóficas e pessoas a


respeito do assunto, é evidente. Portanto, chegar a um consenso é difícil, e causa
insegurança quanto ao que podemos ou não acreditar.

Avaliaremos se é possível que aqueles atributos do Deus teísta (tal como a omnipotência, a
omnisciência e a perfeição moral) sejam simultaneamente verdadeiros, ou se por ventura,
os atributos se contradizem entre si e são logicamente inconsistentes.

O teísmo não é uma religião, pois não se trata de um sistema de costumes, rituais; não
possui sacerdotes ou uma instituição. O teísmo coloca em causa a existência de um deus -
ou vários deuses - com ao menos um deus que represente a todos, sendo este o maioral
entre eles.

Os teístas creem que a existência de Deus é uma verdade absoluta e que essa divindade é
a fonte da criação. Eles afirmam que Deus é omnipotente, omnisciente e omnipresente, isto
é, que o mesmo detém todo o poder, sabe tudo o que acontece e está presente em todos os
lugares. Essa crença em um Deus todo-poderoso fornece uma explicação para o mistério
da existência humana, bem como para o universo em geral.

O filósofo americano Michael Martin (1932-2015) defendeu o seguinte: “Há pelo menos
duas formas básicas de justificar a descrença em Deus. A primeira, por meio do argumento
do mal (...). A segunda é mostrar que o conceito de Deus é incoerente ou que a
existência de Deus é de alguma forma conceptualmente impossível.” Estes tipos de
argumentos podem tentar mostrar que um dos atributos divinos é em si incoerente
ou que a combinação de atributos é inconsistente. Se qualquer dessas vias for
bem-sucedida, então o Deus teísta não existe.

Em vista disso, temos conceitos como o “Paradoxo da Pedra”, que apresenta a seguinte
questão:

“Sendo um dos atributos centrais do teísmo a omnipotência divina ( um ser omnipotente que
pode realizar qualquer ação), contudo, se esta premissa for verdadeira, é fácil levantar uma
objeção para a omnipotência de Deus, nomeadamente encontrar alguma coisa que ele não
possa fazer: Deus tem o poder de criar uma pedra tão pesada que Ele próprio seja incapaz
de a levantar ou não tem esse poder. Se tem o poder de criar tal pedra, então há algo que
Deus não pode fazer: levantar a pedra que criou. Se não tem o poder de criar tal pedra,
então há também algo que Ele não pode fazer: criar uma pedra tão pesada que Ele próprio
seja incapaz de a levantar. Em qualquer dos casos, há algo que Deus não pode fazer. Logo,
Deus não é omnipotente.”
Assistant Professor of Philosophy at the Faculty of Arts and Humanities of the
University of Porto (FLUP), Domingos Faria.

- Objeção: Uma resposta a este problema é a de que Deus não pode criar
impossibilidades lógicas.

Outro problema é o de saber se a existência de Deus é compatível com a liberdade


humana, ou seja, se Deus é omnisciente (sabe tudo) e se é presciente (prevê o que
vai acontecer, mesmo antes de nascermos, então sabe o que vamos fazer), mas, se sabe
o que vamos fazer, então o que vamos fazer já está determinado, logo, não pode haver
livre-arbítrio. Não há liberdade humana.

Outra dificuldade se levanta: como conciliar e compatibilizar a existência do Deus


teísta (omnipotente e sumamente bom ou omnibenevolente) com a existência do mal?

O problema do mal, de Epicuro, surge quando admitimos a existência de Deus,


sobretudo concebido à maneira teísta: um Deus sumamente bom, misericordioso,
omnisciente e omnipotente, com total domínio sobre o mundo. Como é que um Deus com
esses atributos pode permitir a existência do mal? Se Deus é sumamente bom, não
quer o mal; se é omnisciente, sabe que o mal existe; se é omnipotente, pode
suprimir o mal. Assim, se Deus existe, não existe o mal. Mas o mal existe. Então, Deus não
existe. Parece, pois, haver uma incompatibilidade entre a existência do mal no mundo e a
existência de Deus. Isto significa que a existência do mal pode servir de argumento a favor
do ateísmo. Ora, se tais atributos forem inconsistentes entre si, o teísmo será impossível.

- Objeção: Teodiceia de Leibniz - “o melhor de todos os mundos possíveis não


implica num mundo sem males”.

De acordo com Leibniz, Deus criou o melhor de todos os mundos possíveis. Isso decorre
da definição do Deus teísta. Porque sendo Deus omnipotente e omnisciente, nada há
que o possa impedir de criar o melhor mundo, e a sua perfeição moral obriga-o a criar o
melhor mundo possível. Portanto, se Deus existe, o nosso mundo é o melhor mundo. Mas
para cada mundo que se conceba, poderia ser possível pensar num mundo ainda melhor e
assim sucessivamente até ao infinito, sendo que dessa forma não haveria um “melhor
mundo possível”.

A resposta de Leibniz é que isso é implausível. Pois, se fosse verdade que não há o melhor
de todos os mundos possíveis, não haveria uma razão suficiente para explicar por que
razão Deus criaria o nosso mundo e não um outro qualquer. Portanto, nesta premissa
Leibniz defende que o mundo como um todo é o melhor mundo possível. O filósofo salienta
que um mundo sem qualquer tipo de mal não seria o melhor mundo possível, porque
algumas partes más do mundo são tais que, se Deus as eliminasse, estaria a eliminar
partes boas e valiosas do mundo que superam esses males. Por exemplo, vamos supor que
o ato de perdoar é um aspeto valioso e bom do nosso mundo (dado que pode vir a
fortalecer as relações), todavia, é impossível haver perdão sem haver algum tipo de ofensa,
ou seja, algum tipo de mal. Leibniz usa o exemplo de um general de um exército que
prefere uma vitória significativa ainda que daí resultem alguns ferimentos em vez de uma
situação em que não há qualquer ferimento nem, sequer, vitória.

Com estes casos parece plausível aceitar a ideia de que haver partes indesejáveis
pode ser necessário para haver uma maior perfeição do todo, neste caso, do mundo.
Assim, qualquer candidato a ser um melhor mundo possível tem simultaneamente aspetos
bons e aspetos maus, sendo que “o melhor mundo” possível é aquele em que o valor dos
aspetos bons supera o valor dos maus aspetos.

- Resposta à objeção: Mas não poderíamos pensar num mundo com menos mal?
Será que o exemplo do veado dado por William Rowe não parece um caso de mal
gratuito que não contribui para qualquer bem maior? Não será isso evidência de que
o nosso mundo não é o melhor mundo possível?

- Como resposta, Leibniz advoga que, considerando todas as coisas, não temos
justificação para afirmar isso. Pois não podemos saber se é possível criar um
mundo melhor sem esses aspetos negativos, dado que não sabemos quais as
conexões entre estes aspetos e os outros aspetos do mundo. É verdade que se
pudéssemos eliminar o sofrimento sem que com isso se alterasse o mundo,
teríamos um mundo melhor. O problema é que não temos forma de saber se essa
mudança deixaria o mundo inalterado ou se, em vez disso, tornaria as coisas piores.
Portanto, o caso do veado não parece permitir rejeitar a segunda premissa do
argumento de Leibniz. Mas, assim, aceitando as premissas de Leibniz, estamos a
aceitar que Deus tem razões para permitir a existência de mal no mundo, não
havendo dessa forma males gratuitos ou injustificados. Mas terá Leibniz razão?
Ficará ao teu critério avaliar se estamos perante uma boa teodiceia, entretanto, na
maior parte das vezes, a resposta de Leibniz ao problema do mal parece incoerente,
ou pelo menos arbitrária.

A defesa mediante o livre-arbítrio é a de que um mundo sem mal e sem livre-arbítrio seria
pior do que o mundo em que vivemos. O mal é necessário porque é a condição do nosso
aperfeiçoamento moral e espiritual. A resposta clássica para o problema do mal é
considerar que o mal é uma consequência do livre-arbítrio. Santo Agostinho
(354-430) foi um dos mais destacados defensores desta estratégia. Na sua opinião, é
melhor viver num mundo onde temos livre-arbítrio, apesar de podermos fazer
escolhas erradas e causar algum sofrimento, do que viver num mundo onde não
passamos de fantoches nas mãos do Criador. Assim, ainda que Deus fosse
suficientemente poderoso para criar um mundo sem mal, a sua bondade fez com que nos
concedesse liberdade de escolha.

Deste modo, o mal que existe no mundo não resulta diretamente da criação divina,
mas sim das nossas escolhas livres. No entanto, além do mal moral (que decorre das
nossas escolhas, por deliberação através do livre arbítrio, e/ou por omissão e negligência),
o mundo está repleto de mal natural, mal que decorre de catástrofes naturais, como
doenças, tempestades, furacões, terramotos, tsunamis, etc. Este tipo de flagelos não
depende em absoluto da vontade humana, portanto, ainda que a resposta do livre-arbítrio
seja capaz de explicar a existência do mal moral, dificilmente será capaz de justificar a
existência do mal natural. Contudo, os teístas consideram que também para este tipo
de mal existe uma justificação. Segundo eles, Deus permite o mal natural porque esse
tipo de tragédias traz ao de cima o que de melhor existe na nossa natureza, promovendo o
nosso aperfeiçoamento moral.

Um pensamento adjacente ao de Santo Agostinho é o de Blaise Pascal (1623-1662), que


usou um argumento que se tornou célebre, hoje denominado “aposta de Pascal”. Trata-se
de um argumento que, diferentemente daqueles que estudámos, procura não
propriamente demonstrar ou argumentar a favor da existência de Deus, mas mostrar
as vantagens de “apostar” nessa existência.

A conclusão que tiramos de todos os argumentos citados é que não há provas ou


conclusões suficientes para acreditar na coerência e consistência do conceito do Deus
teísta através do olhar crítico de cada um destes filósofos. A fé prova-se ser a firme
convicção e crença em algo, sendo as razões para esta: epistémicas ou prudenciais. Sendo
assim, não temos meios para tirarmos pleno proveito dos conceitos vistos até então, cabe a
cada um avaliar qual crença se aplica melhor à sua consciência e conceito de moralidade.

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