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Copyright © 2022

LANCE PROVOCANTE
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Revisão: Juliana Mangi e Ana Luiza Tinoco


Diagramação: Fox Assessoria Literárias

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.


Dedicatória
Playlist
1. Cacau Lyra
2. Tassio Arraes
3. Cacau Lyra
4. Tassio Arraes
5. Cacau Lyra
6. Tassio Arraes
7. Cacau Lyra
8. Tassio Arraes
9. Cacau Lyra
10. Tassio Arraes
11. Cacau Lyra
12. Tassio Arraes
13. Cacau Lyra
14. Tassio Arraes
15. Cacau Lyra
16. Tassio Arraes
17. Cacau Lyra
18. Tassio Arraes
19. Cacau Lyra
20. Tassio Arraes
21. Cacau Lyra
22. Tassio Arraes
23. Cacau Lyra
24. Tassio Arraes
25. Cacau Lyra
26. Tassio Arraes
Epílogo – Cacau Lyra
Leia também os outros LANCES.
Agradecimentos

Sumário
Marias-chuteiras, esse
momento é de vocês!
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Ou
Escaneie
— Você não pode estar falando sério! — Exclamo horrorizada.
— Eu pareço alguém disposta a fazer brincadeiras, Cacau? — Rita diz,
e é impossível impedir que meus olhos percorram o corpo alto deitado na
cama hospitalar.
O rosto de pele marrom é uma confusão de hematomas e curativos. Há
tantas partes do seu tronco enfaixadas que é possível ver gaze mesmo sob a
camisola genérica. Um dos braços está preso a uma tipoia, e uma das pernas
está engessada e elevada por uma esteira presa a um gancho no teto. Ainda
assim, a expressão em seu rosto é, sem dúvida alguma, a parte mais
assustadora do quadro geral.
Desvio os olhos para as paredes brancas ao meu redor. Rita não é uma
chefe ruim. Exigente e, com certeza, excêntrica, mas qual escritor, não é?
Se ela estivesse me pedindo para fazer qualquer outra coisa, eu estaria
dizendo sim sem pensar duas vezes sobre isso.
Até esse preciso momento, eu tinha certeza de que ter sido contratada
como jovem aprendiz em sua pequena editora, há nove meses, havia sido
um daqueles golpes de sorte aos quais cada alma só tem direito a um na
vida.
Meu sonho sempre foi me tornar jornalista, mesmo que a realidade não
pareça muito disposta a me ajudar com isso. Três anos depois de me formar
na escola, estou tão perto de começar uma faculdade hoje do que eu estava
há trinta e seis meses atrás: longe, muito longe.
Se antes eu precisava me equilibrar entre as aulas do ensino médio,
cuidar do meu irmão mais novo e trabalhar em uma banca de jornais para
ajudar em casa, agora me equilibro entre cuidar do meu irmão, trabalhar
freneticamente em toda e qualquer coisa que Rita me pedir e gastar mais de
metade do meu salário de aprendiz ajudando minha mãe a pagar nosso
aluguel.
Não é o ideal, mas há meses repito para mim mesma que esse é o
caminho mais curto até meu objetivo: ter dinheiro o suficiente para pagar a
faculdade enquanto trabalho na área de atuação dos meus sonhos.
Enquanto volto meu olhar para o rosto determinado de Rita, começo a
me perguntar se trabalhar como sua aprendiz, ao invés do milagre que
sempre considerei, não é mais uma daquelas piadinhas infames do destino.
Eu não posso fazer isso. Simplesmente não posso.
— Eu não sou uma jornalista. — digo, porque ser demitida não é nada
perto das milhares de coisas que podem dar errado se eu aceitar fazer o que
Rita está me pedindo.
— Eu sei disso, mas a única outra jornalista dessa empresa está ainda
pior do que eu. — Aperto os olhos. Porra.
Coço a sobrancelha e expulso o ar dos pulmões com força o suficiente
para causar uma ventania. Rita está certa. Sua assistente quebrou as duas
pernas, fraturou três costelas e teve um traumatismo craniano no acidente
de carro que as duas sofreram há dois dias.
Estupidamente, Duda não usava o cinto de segurança e foi arremessada
através do para-brisa. Se ela não estivesse tão mal, eu daria uma salva de
palmas em sua cara pela irresponsabilidade. Felizmente, apesar do cenário
pavoroso que encontrei no quarto ao lado do de Rita, Duda vai se recuperar,
mesmo que lentamente.
— Rita... — começo, mas ela me interrompe.
— Eu vou orientar você em cada passo do caminho, Cacau. Vamos fazer
chamadas diárias, podemos fazer duas, dez ou vinte. Quantas você precisar.
Nas entrevistas fechadas, eu posso até participar por chamada de vídeo.
Mas eu preciso que você vá.
— Você fala como se estivesse me pedindo pra ir à esquina e não ao
Catar!
— É a mesma coisa! — Desdenha, e minha respiração sai num assobio.
Rita é a única pessoa que conheço que seria capaz de dizer um sacrilégio
desses.
— Eu não sei nada sobre aquele país, Rita. Vou acabar sendo presa e,
pior, nem vou conseguir me defender, porque, adivinha? Eu não falo inglês!
— Então que bom que Tassio Arraes é um jogador da seleção
portuguesa. Todos na concentração falarão português que, adivinhe? É a sua
língua materna. — responde com deboche, ignorando totalmente o que eu
disse sobre a possibilidade muito real de eu acabar sendo presa por
desobedecer a alguma lei que eu sequer conheço. — E, além disso, eu não
sou um monstro. Vou mandar um segurança com você que pode atuar como
tradutor também. E você ainda tem alguns dias antes de viajar num voo de
vinte e duas horas. É tempo o suficiente para fazer uma imersão completa
no Google.
— E por que simplesmente não contratar outra pessoa? Ou não repassar
essa etapa para um freelancer[1]?
— Eu estou esperando por isso há vinte anos! Não há a menor
possibilidade de eu perder essa oportunidade ou de eu deixar que um
acidente de carro me pare. — A voz da minha chefe fica mais fina a cada
palavra dita ilustrando o aumento considerável em seu grau de irritação por
eu estar me recusando a simplesmente concordar com ela.
— Rita... — tento outra vez apenas para ser interrompida de novo.
— Não é negociável.
— Você não está pensando direito. Eu vou estragar tudo.
— Você tem passaporte?
— Tenho, mas... —
— Então está decidido. A única coisa que me impediria era a ausência
de um.
— Rita...
— Sorria, Cacau. — Ela me interrompe outra vez, e nem é como esse
não fosse um hábito seu. É e, geralmente, não me incomoda. Mas hoje está
acabando com os meus nervos. — Você queria uma grande chance, aí está
uma que veio embalada de sonho com papel colorido e laço de fita:
acompanhar uma copa do mundo do lado de dentro, diretamente da
concentração e ao lado de uma seleção poderosa enquanto conta a história
do ídolo de uma geração.
E talvez eu sorrisse, se não fosse o sonho errado, a seleção errada e,
definitivamente, o ídolo errado. Se eu não for presa por ferir alguma lei
tradicionalista e misógina do Catar, provavelmente serei por tentar
assassinar a estrela da seleção portuguesa. Eu odeio aquele homem. Jamais
poderia trabalhar a menos de cento e cinquenta metros de distância dele,
muito menos como sua sombra, o que eu vou precisar ser se estiver
acompanhando a última copa do mundo da sua carreira para relatar em sua
biografia.
— Vou deixar isso mais interessante para você. — Rita resmunga, e eu
engulo a risada sem humor que tenta escapar pela minha garganta. Acho
muito improvável que ela consiga fazer isso. Não há nenhuma palavra que
possa sair da sua boca agora que me convenceria a aceitar esse trabalho. —
Eu pago sua faculdade.
— O-o q-quê? — gaguejo, chocada.
— Cem por cento. — Os olhos arroxeados se estreitam para mim
enquanto tudo o que faço é observar imóvel enquanto os lábios de Rita se
movem jogando no mundo palavras que eu nunca imaginei que um dia
passariam por eles. — Eu não, a editora, claro. Faça isso por mim, Cacau.
Vá e me traga um furo sobre Tassio Arraes. Qualquer um, desde que seja
relevante e inédito, e eu encerro seu contrato como jovem aprendiz, faço
um novo de assistente júnior que, além de um aumento de salário, vai
incluir o pagamento de toda a sua graduação e uma cláusula de não
demissão antes que você tenha concluído o curso.
Nenhuma palavra poderia ter me convencido a dizer sim, exceto essas.
O gramado impecável sussurra o convite que comecei a ouvir há tanto
tempo que já nem me lembro quanto. Olho ao meu redor, descobrindo
novos detalhes do complexo esportivo Al Shahaniya Club[2], a casa de
Portugal no Catar.
Curvo o corpo e apoio os cotovelos sobre os joelhos. O termômetro
marca trinta e dois graus, mas a sensação térmica supera os quarenta e o
suor escorrendo em gotas pelo meu corpo é um lembrete bem-vindo de que
eu ainda estou aqui, mesmo que esta seja a última vez, minha última copa, e
mesmo que esses sejam meus últimos jogos como profissional.
— Sabe, velho? — A voz de Gaspar, meu colega de time catorze anos
mais jovem, soa relaxada quando ele se senta ao meu lado. — Ninguém te
condenaria se você simplesmente suspendesse a aposentadoria. Na verdade,
tenho quase certeza de que aqueles que não esperam por isso estão, pelo
menos, torcendo. Você não precisa ficar aí todo sentimental, babando no
gramado.
Um sorriso pequeno se acumula no canto da minha boca. Gaspar, assim
como eu, tem dupla cidadania. Sua mãe é brasileira e seu pai é português.
Mas, enquanto eu fui para Portugal quando tinha apenas nove anos, levado
pelo olheiro de um time de futebol lusitano, Andrei chegou a Portugal aos
quinze quando seu pai voltou para sua terra natal depois de perder a esposa.
O garoto está no topo do mundo, onde eu mesmo já estive quando tinha
a sua idade. E, embora tenha essa mania irritante de me chamar de velho,
tê-lo como meu pupilo no Bayern de Munique [3]pelas últimas três
temporadas e dividir o palco dos meus últimos jogos com ele não é algo de
que eu abriria mão. Fazer o quê? Talvez eu tenha mesmo me tornado um
velho sentimental.
— Não vai acontecer. — digo em português brasileiro. Gaspar é um dos
poucos na concentração com quem posso me dar esse luxo.
Embora eu tenha chegado a Portugal ainda criança, minha preferência
pela versão brasileira da língua nunca se perdeu. Eu acho a versão
portuguesa horrorosa mesmo despois de todos esses anos falando-a com
muito mais frequência do que a outra.
— E o mundo inteiro continua se perguntando o porquê.
— Todas as coisas, um dia, encontram seu fim. Mesmo as boas, mesmo
as incríveis.
— Ainda é cedo, velho.
— Eu tenho trinta e oito anos, garoto. Pode ser tudo, menos cedo.
— Você ainda é melhor do que mais da metade dos jogadores que
acabaram de começar no profissional.
— Eu sou. — concordo. — Dediquei minha vida a esse esporte, e se eu
não fosse o melhor, estaria desapontado comigo mesmo. Mas é isso, eu
dediquei minha vida a esse esporte. Está na hora de me dedicar a outras
coisas. — minto, mas o silêncio de Gaspar é o suficiente para me dizer que
ele engoliu a mentira.
Quando comecei a pensar em justificativas inquestionáveis para a minha
aposentadoria inesperada, eu não imaginei que seria tão fácil. Mas acontece
que, diferente de mim, as pessoas acham que quando se renuncia a todo o
resto por uma única coisa é natural se arrepender depois de alguns anos ou,
então, tentar recuperar o tempo perdido.
Eu nunca vi dessa forma. O futebol me deu tudo o que eu tenho. O
futebol me fez quem eu sou. Salvou a minha família e eu da miséria e me
deu a oportunidade de salvar muitas outras pessoas através de projetos
sociais nos quais só pude investir porque alguém investiu em mim primeiro.
Eu correria atrás de uma bola apoiado a uma bengala, se pudesse.
Mas, enquanto o cansaço do corpo cirurgias e tratamentos milionários
podem resolver, o da mente é imparável, e eu jamais me arriscaria a
prejudicar o esporte que eu tanto amo.
— Vai ser uma honra fazer parte do capítulo final da carreira do
Demolidor, velho. — Gaspar diz por fim, e eu sorrio ao ouvir o apelido que
ganhei na minha primeira copa do mundo, dezesseis anos atrás.
— Quem é o sentimental agora, hein? — Pergunto e empurro meu
ombro contra o dele.
— E sua biografia? — Gaspar mal acaba de falar e já está dando uma
risadinha. Eu bufo.
— Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando assinei essa porra de
contrato.
— Provavelmente, nas pernas de uma mulher. — Comenta, e eu balanço
a cabeça, negando.
É muito mais provável que eu estivesse concentrado demais nos treinos
e em me tornar o melhor jogador do mundo. Tão concentrado que apenas
acatei o que quer que meu agente da época estava recomendando. Eu tinha
dezoito anos, porra.
Permitir e colaborar com a produção da biografia da minha carreira
quando eu estivesse prestes a me aposentar parecia uma ideia para além de
distante. Não havia por que dizer não. Ainda que eu tivesse dedicado um
segundo pensamento à questão, não imaginaria o quanto eu estaria
colocando em risco para o Tassio de hoje quando aquele Tassio disse sim.
Afinal, eu não previa o futuro.
— A jornalista chega hoje.
— Eu sei. Todo mundo tá falando em como é que vocês conseguiram
colocar uma jornalista externa dentro da concentração. E uma brasileira
ainda.
— Sinceramente? Eu não faço a menor ideia. Eu estava torcendo com
todas as minhas forças pro Matias não conseguir.
— E existe alguma coisa que aquele filho da puta não consiga? —
Gaspar pergunta aos risos.
— Ele não conseguiu me livrar do maldito contrato da biografia.
— Ele não quis te livrar do contrato da biografia. Ele disse que esse era
o último recurso na tentativa de te fazer desistir da aposentadoria.
— Depois de mais de dez anos, ele devia saber que não ia funcionar e ter
me poupado dessa mulher. Porra, eu não suporto essa tal de Rita. Uma
sensacionalistazinha da porra.
— Rita? — O tom de voz de Gaspar me faz desviar os olhos do gramado
para olhar para o seu rosto de pele escura e olhos negros.
— Rita Escarlate. — Expulso o ar por entre os dentes. Quem caralhos se
chama de Escarlate? — Não é esse o nome da jornalista?
— Em que mundo você tá vivendo, Tassio? — Minha resposta é um
arquear silencioso de sobrancelha — Na última semana, você não abriu o
Twitter, pelo menos?
— Uma semana antes da copa do mundo? Mas é claro que não!
— Você é um cretino metódico. — Gaspar balança a cabeça, negando,
antes de enfiar a mão no bolso dos shorts de treino apenas para perceber
que o celular não está lá. — Rita Escarlate sofreu um acidente de carro na
semana passada, Tassio. A mulher vai ficar de molho por um tempo. —
Explica, e eu pisco, pego completamente desprevenido pela notícia.
— O quê?
— É! — Ele confirma, sacudindo a cabeça para cima e para baixo.
— Mas se não é ela, quem está chegando hoje?
Eu nunca achei que diria isso, mas Hell de Janeiro [4] é um parque aquático
em comparação com o Catar. Puta que me pariu! Que lugar quente do caralho e
nós estamos em novembro! Em novembro! Passo a língua seca sobre os lábios
em uma tentativa inútil de aplacar a sensação de ressecamento.

Se eu não estivesse tão apavorada com a perspectiva de dizer qualquer coisa


errada e acabar na prisão, eu, com certeza, teria xingado pelo menos meia dúzia
de palavrões assim que coloquei os pés para fora do aeroporto e fui nocauteada
por uma massa de calor opressivo que só ficou muito pior por eu estar usando
calça e blusas de mangas cumpridas.
Mais um presente incrível desse país atrasado. De todas as copas, precisava
ser justamente nessa que o anjo protetor de mulheres fanáticas por futebol
atenderia ao meu desejo? Até a da Rússia teria sido melhor, e eu só tinha
dezesseis anos na época.
Meus olhos se fecham involuntariamente quando piso no saguão do hotel, e
meu corpo é envolvido pelo frescor do ar-condicionado. Foram apenas dez
passos do carro até aqui e, ainda assim, o suficiente para me fazer querer voltar
para casa pela milésima vez desde que saí dela ontem à noite.
Inspiro profundamente e mantenho o ar preso por alguns segundos antes de
soltá-lo.

— Senhorita Lyra? — Silvio, o brasileiro que Rita contratou para me


acompanhar quando eu precisar sair do hotel, chama meu nome, obrigando-me
a abrir os olhos.
O homem de pele queimada de sol e barba cheia tem um sorriso gentil no
rosto que faz eu me sentir péssima pelo meu mau humor.
— Desculpe, Silvio. Eu só... — me interrompo e aperto os olhos. O pobre
não tem qualquer obrigação de ouvir todos os milhares de motivos pelos quais
eu estou me sentindo miserável. — Acho que é o jet lag. [5]— Minto, e ele
assente, ampliando o sorriso.
— Se me permite uma sugestão, não deixe ele te impedir de aproveitar a
experiência, a senhorita está no Catar! — Sente a necessidade de me lembrar, e
eu nem sou capaz de julgá-lo.
Só não sei como explicar que, para mim, isso não é tão maravilhoso quanto
seria para a maioria das pessoas. Silvio dá dois passos para trás e abre o braço
em um aceno dramático que se torna ainda mais significativo quando,
conduzidos por seu gesto, meus olhos prestam, pela primeira vez, atenção ao
nosso redor.
Consigo impedir meu corpo de cair para trás, mas não sou capaz de fazer o
mesmo pelo meu queixo, que vai parar no chão. Pisco, sentindo-me
subitamente emocionada, e o sorriso que transforma meu rosto é totalmente
involuntário.
Mordo o lábio, de repente, me sentindo ingrata. Caramba, eu estou no Catar!
Eu, logo eu, Cacau da Silva Lyra, brasileira, suburbana de vinte anos de idade
que só tem o ensino médio completo e nenhuma formação acadêmica relevante
em andamento, vou ficar hospedada em um hotel no qual algumas das diárias
chegam a custar vinte e sete mil reais.
Está calor para caralho? Sim! O trabalho que vim fazer aqui é difícil em
níveis alarmantes? Sim! Eu posso acabar sendo presa nos próximos dias? Com
certeza. Mas se eu estou no inferno... Giro o pescoço, varrendo o saguão de
ponta a ponta, absorvendo a decoração e a arquitetura rústicas em padrões do
Oriente Médio que minha imaginação jamais seria capaz de contemplar. É
belíssimo.
As paredes e os móveis têm tons e texturas terrosos enquanto a decoração é
riquíssima em tapeçarias coloridas, almofadas e pedras brilhantes espalhadas
por todo lugar. Não há flores, afinal, estamos no deserto, mas a riqueza
impregnada em cada centímetro do espaço comum é tamanha que poderia ser
opressiva se eu não tivesse consciência do quão pobre eu sou.
Mas eu tenho e, por isso, enquanto olho ao meu redor, não me sinto
oprimida, mas privilegiada e estúpida por quase me cegar para essa
oportunidade por nada além dos meus próprios caprichos.

A voz de minha mãe me dizendo exatamente isso enquanto eu socava blusa


de mangas compridas atrás de blusa de mangas compridas dentro da mala
emprestada ressoa dentro da minha cabeça, e eu reviro os olhos, porque ela
estava certa. É claro que ela estava, Dona Regina sempre está.
De repente, todo o nervosismo que vinha sendo suplantado pela teimosia
durante a última semana sobe à superfície e transforma meu estômago num
ninho de cobras inquietas. Eu acho que vou vomitar. Será que vou ser presa por
vomitar nesse chão caro e brilhante? Deus. Mesmo consciente do revertério em
minha barriga, não consigo parar de sorrir. Algo de errado não está certo.
Enfio a mão no bolso da calça e aperto o pequeno gravador ali. A
familiaridade do objeto plástico me dá alguma tranquilidade, e eu só não o
puxo e desato a despejar sobre ele todos os meus excessos de sentimentos
porque sei o quão estranho isso soaria para Silvio e eu não preciso que o
homem tenha mais essa visão negativa a meu respeito. Ele é um cara legal e vai
garantir que eu não seja presa. Não ser presa é realmente uma coisa muito
importante.
— Assim é melhor. — Sua voz me arranca dos meus pensamentos mais uma
vez, e eu só preciso me virar em sua direção para entender do que ele está
falando. — A senhorita é muito mais bonita quando sorri.

— Obrigada, Silvio.
— Check-in?

— Sim, por favor.


— Se estiveres a precisar de alguma coisa, basta discar o número 9. — O
mensageiro que me acompanhou até o meu quarto diz com um forte sotaque
europeu que acentua todos os r’s e fecha todas as vogais. Assinto, concordando.
A descoberta de que o hotel está repleto de funcionários que falam
português fez o meu dia. Graças a Deus. Pelo menos eu não morro de fome,
nem fico perdida por aqui.

— Obrigada.
— Por nada! Tenha um bom dia, senhorita. — Se despede e, olhando por
sobre o ombro, acompanho sua saída.
A porta se fecha com um clique suave e, lentamente, começo a andar ao
redor do quarto que tem, pelo menos, duas vezes o tamanho da casa alugada
onde vivo com minha mãe e irmão no Brasil.
— Puta merda! — digo em voz alta antes de girar como a Cinderela ao ser
tocada pela varinha da fada madrinha. — Puta merda! — E, simples assim, eu
estou pulando feito uma louca, me chacoalhando inteira, sem poder acreditar
que isso é real. Eu realmente estou aqui. Pelo tempo que Portugal se mantiver
na competição, esse quarto será meu.
Como uma pipoca, vou pulando pelo quarto até me jogar na cama. O
colchão afunda sob o meu peso, mas não muito, apenas o suficiente para se
moldar ao formato do meu corpo, e eu tenho certeza de que deve ser a sensação
de deitar em uma nuvem. É como desligar um interruptor.
Toda a minha excitação é rapidamente transformada em letargia e, mesmo
que eu saiba que eu deveria me levantar e terminar de explorar o quarto, ou,
pelo menos, tomar um banho, é impossível. O cansaço me pega de uma vez.
Meus olhos se fecham, minha respiração encontra o próprio ritmo contra a
minha vontade e tenho tempo para somente um pensamento antes de ser
arrastada para a terra dos sonhos.
Tudo bem, Tassio Arraes. Novo plano! Eu não vou deixar você estragar essa
experiência pra mim. Sou eu quem vai estragar essa experiência pra você. A
vingança é mesmo um prato que se come frio, mesmo que o Catar seja quente
feito o inferno.
— Muito bem. — Digo, pressionando o botão de ligar do gravador em
minha mão. — O dia 1 no Catar não começou exatamente com o pé direito, —
reconheço para a Cacau do futuro. — Mas nós viramos o jogo e decidimos que,
ao invés de sofrer por estar aqui, vamos fazer com que outra pessoa sofra por
nós estarmos aqui: Tassio Arraes! — Quando abro a boca para continuar a falar,
meu celular toca em cima da mesa de cabeceira.
Olho para o imenso relógio esculpido em mármore preso à uma das paredes
do meu quarto e não preciso ter a visão de longo alcance do Superman para
saber quem está me ligando.
— Oi, mãe. — Digo assim que atendo à chamada sem nem mesmo olhar o
visor.
— Oi, Cacau! — A voz de Felipe soa ao fundo na ligação. Pelo horário,
meu irmão deve estar sentado, fazendo sua lição de casa.
— Oi, Felipe.
— Por que demorou tanto pra atender, Cacau? — Minha mãe pergunta, mas,
logo em seguida, se responde. — Você estava gravando, não estava?
— Me conhece tão bem... — brinco, porque não é como se essa fosse uma
conclusão difícil de se chegar. É claro que eu estava gravando. Mas em minha
defesa quem me deu um gravador ao invés de um diário no meu aniversário de
dez anos foi ela.
E eu queria muito, muito mesmo, um diário. Então decidi que o gravador
poderia ser um, desde então, nunca mais parei.
— Como estão as coisas aí? Tá tudo bem? — Ela ignora completamente
minha ironia.
— Mãe, eu acabei de te enviar 5 podcasts disfarçados de áudio e três vídeos.
Você, literalmente, acabou de me ver.
— Não é a mesma coisa de falar ao vivo. — Reclama, e eu inclino a cabeça
para trás, achando graça.
— Eu estou ótima, mãe. — Cedo. — Como eu disse nos áudios, não fiz
nada além de dormir pelas últimas seis horas, aqui é ridiculamente quente, não,
eu não fui assediada no caminho do aeroporto até aqui e o hotel é absurdamente
seguro. Zero chance de eu ser sequestrada estando hospedada aqui.
— Tudo bem. Tudo bem. — Ela diz para acalmar a si mesma. — Aí é uma
da tarde, né?
— Uma e vinte e três.
— E a que horas você vai conhecer o jogador?
— Ainda não sei. Tenho que encontrar o assessor de imprensa da seleção em
duas horas. Ele vai me dar mais informações.
— Tudo bem. Tudo bem. — Repete.
— Mãe, eu estou bem. — Digo, suavizando meu tom. — É sério.
— Eu sei. — Dona Regina concorda e solta um longo suspiro. — É só que
você está longe demais dos meus braços. E se acontecer alguma coisa? — E aí
está, o momento que eu sabia que chegaria. Aquele em que eu precisaria
consolá-la.
— Nada vai acontecer, mãe. Eu vou voltar pra casa inteira e solteira.
Nenhum Sheik vai me obrigar a me tornar parte do seu harém, Dona Regina.
Respira e fica calma. Vou voltar pra casa tão encalhada quanto saí.
— Só vou ficar calma quando você estiver longe desse lugar.
— Não é tão ruim assim. — Ando para trás até que minhas pernas batam
contra a cama alta e me jogo nela. — Quer dizer, eu ainda não vi muita coisa, é
verdade. Mas o que vi é lindo. A sujeira está muito bem escondida nesses dias e
acho que, de onde estou olhando, ela vai continuar impossível de ver até que eu
volte pra casa. Na minha frente só tem coisas bonitas e caras. — O silêncio que
segue as minhas palavras não precisa de explicações. Eu a entendo.
A cultura do Oriente Médio não é exatamente conhecida por favorecer as
mulheres. Muito pelo contrário, a segregação e a desvalorização praticadas
pelos países cujas leis se baseiam na religião islâmica são mundialmente
conhecidas e, ainda que eu entenda o respeito à pluralidade, não entendo como
a Fifa[6] aceitou que um evento de proporção mundial e multicultural fosse
sediado aqui.
Assistir a uma copa do mundo dos estádios sempre foi um sonho. Meu pai
era fanático por futebol e, apesar de ter convivido muito pouco com ele, acabei
herdando essa paixão. Eu o perdi quando tinha doze anos, pouco depois de meu
irmão mais novo nascer e me manter fiel ao seu amor pelo esporte e ao Vasco,
seu time do coração, pareceram a maneira certa de mantê-lo perto de mim.
Em 2014, quando o Brasil sediou a copa, eu tinha apenas catorze anos, e não
havia a menor possibilidade de eu conseguir chegar perto de um estádio. Não
tínhamos dinheiro.
Esse era um sonho que eu não esperava conseguir realizar nem tão cedo,
mas, mesmo que as circunstâncias fossem diferentes, mesmo que eu tivesse
recursos o suficiente para de escolher vir ao Catar assistir à Copa como turista,
não acho que eu faria. Porque, se com toda a segurança dada a uma das
seleções, eu ainda estou me sentindo amedrontada, como eu me sentiria se
estivesse por minha conta?
É muito difícil me sentir segura em um país onde mulheres que são
violentadas comumente são punidas por adultério quando se atrevem a
denunciar seu agressor[7].
— Por isso, pelo menos, eu estou grata.

— Vai ficar tudo bem, mãe. — Repito, dessa vez, tanto para ela quanto para
mim mesma. — Vai ficar tudo bem. Tão encalhada quanto saí, é uma promessa.
— Minha filha, nós também não precisamos chegar a extremos. Tão
encalhada quanto saiu é um pouco radical demais. — Ela brinca, tentando
amenizar o clima e eu aceito a deixa.
— Mãe!
Os frascos dentro da nécessaire me encaram questionadores, mas minha
resposta não muda. Eu me recuso a tomar essa merda. Fecho a bolsa de
couro com muito mais força do que o necessário antes de arremessá-la de
volta na mala vazia. Abaixo a cabeça e aperto os olhos. Calma, porra.
Calma.
O exercício de respiração vem naturalmente depois de meses usando-o
como muleta. Leva quase cinco minutos até que eu abra os olhos outra vez
e boa parte do avanço que eu havia feito no esforço para me acalmar vai
pelo ralo quando me deparo com a imensa fotografia, tirada há muitos anos,
impressa em preto e branco, colada sobre a cabeceira do quarto de hotel.
Minha versão criança está agarrada a uma bola de futebol. Eu me lembro
do dia em que meu pai tirou essa foto. O garotinho de cabelos escuros e
olhos castanhos me observa sorridente, e é foda saber que um dia ele vai se
sentir um impostor fazendo aquilo que mais ama na vida. Solto uma
expiração profunda e dou as costas para a imagem.
A decoração surpresa no quarto de hotel teria sido motivo de orgulho
para mim há quatro anos, na última copa de que fiz parte. É incrível como
as coisas podem mudar num passe de mágica. Olho para o relógio em meu
pulso para confirmar o que já sei, não tenho muito tempo.
Felizmente, a assessoria de imprensa definiu o que eu preciso vestir
agora ou eu provavelmente sairia do quarto usando meias trocadas, se
saísse. O caminho do quarto até o elevador é feito no automático. Estou tão
distraído que só me dou conta dos outros três jogadores parados no fim do
corredor quando quase trombo neles.
— Opa, velho! Vai devagar! Carne de burro ainda não é transparente. —
Gaspar brinca, exibindo o sorriso imenso de dentes muito brancos, como
sempre.
— Burro és tu! — João Marques se defende assim que entende a piada
de Gaspar. Marcelo apenas ri.
— Desculpem, malta. Eu estava distraído.
— Animado pra coletiva, Arraes? Eles vão cair a matar pra cima de ti.
— Marcelo pergunta, e eu franzo o nariz, porque, sim, eles vão. Última
copa e o caralho...
— Quem fica animado pra coletivas? — Dou de ombros.
— Eu fico! — Gaspar se apressa em dizer, erguendo uma mão como se
estivesse pedindo permissão para falar durante uma das explicações táticas
do técnico. O garoto me arranca uma risada alta, e o elevador chega. — O
que eu posso fazer? As câmeras amam-me! — Completa, arrancando mais
risadas, dessa vez, de todos nós.
— Eu estou animado pra ver minha filha. Entre o fim da temporada e o
início do mundial, acreditas que só consegui ver minha bebé três vezes
desde o dia que ela nasceu?
— Afrodith sabe que o pai dela está em uma missão importante. — Digo
e aperto o ombro de João. Suas sobrancelhas se erguem em uma surpresa
clara por eu me lembrar o nome de sua filha recém-nascida.
— Ele é o capitão, sua abécula! — É Gaspar, mais uma vez, e eu dou um
pescotapa no moleque falastrão para caralho. — Ai! — Reclama.
— Ignora-o. — digo antes de assentir para João.
— A tua família vem, Arraes? — Marcelo pergunta, e eu nego com a
cabeça. — Estamos a combinar uma saidinha pra folga. Vai quase toda a
gente, tem planos pra folga ou vais ficar aqui sozinho no hotel? Se for a
opção número dois, você está intimado a vir ter conosco.
As portas do elevador voltam a se abrir, dessa vez, no andar da sala de
imprensa do hotel.
— Vou pensar nisso. — Garanto, e é o suficiente para que eles se deem
por satisfeitos.
Saímos para o corredor e começamos a caminhar na direção da porta
ainda fechada. A coletiva só começa em quarenta minutos, então, por
enquanto, as coisas ainda estão calmas ao nosso redor.
Tão calmas que vejo Wilker, nosso assessor de imprensa, caminhando
bem à nossa frente acompanhado por uma mulher. Ela movimenta a cabeça
me dando um rápido vislumbre de seu rosto antes que eles sumam depois de
virar no fim do corredor. Interrompo meus passos imediatamente. Pisco,
porque não pode ser. Isso seria impossível, porra! Mas será que, além de
tudo, agora minha mente também decidiu me pregar peças?
— Arraes? — Marcelo chama quando, pelo menos dez passos à minha
frente, meus colegas de time percebem que fiquei para trás.
Franzo as sobrancelhas e alterno o olhar entre o lugar onde Wilker e a
mulher estiveram e aquele onde Marcelo, João e Gaspar me esperam.
Balanço a cabeça. Impossível. Isso seria impossível. Volto a andar.
— E essa é a última área comum a que sua credencial dá acesso. Para
se mover entre os andares e áreas do hotel, você só precisa passar o
cartão no sensor do elevador ou ao lado das portas. Se for autorizada,
elas se abrirão, se não, terá sua entrada negada. — O gestor da equipe de
jornalistas diz sem nem mesmo fingir simpatia.
Tudo bem, eu entendi. Sou uma jornalista brasileira infiltrada na
equipe oficial de reportagem da seleção portuguesa. Você não gosta de
mim, mas, adivinhe, cosplay de Seneca Crane[8]? Eu também não gosto
de você e quero estar nessa posição tanto quanto você gostaria que eu
estivesse.
O único culpado por isso é Tassio Arraes, mas eu duvido muito que a
estrelinha da seleção lusitana esteja recebendo um tratamento
semelhante. Me pergunto o que exatamente Rita disse para essas
pessoas, porque, apesar do desdém evidente de Wilker por mim, ele
ainda está me tratando como uma profissional, uma de quem ele não
gosta, mas uma profissional.
O que ele diria se soubesse que, até uma semana atrás, eu não
passava da moça do cafezinho? Ah, sua cara seria impagável, com
certeza. Engulo o bufar enquanto repito mentalmente que preciso ser
profissional. Há muito em jogo. Muito. E eu amo e odeio minha chefe
por isso.
— Tudo bem. E quando eu terei minha entrevista preliminar com
Tassio? — Wilker estreita o olhar para mim, e eu me amaldiçoo por não
ter conseguido esconder meu desgosto bem o suficiente.
— Achei que você estivesse aqui pra observar e relatar. — Ah, ele
está puto. Tão puto. E, talvez, ter prazer em fazer com que ele se revire
por isso faça de mim uma pessoa infantil, mas quem se importa?
— Estou. Mas parte do meu trabalho de observação consiste em
relacionar as expectativas de Tassio com a realidade. — repito as
palavras que Rita me disse. — Para isso, eu realmente preciso conhecer
as expectativas dele. Você não acha?
As narinas de Wilker se inflam, e esse é o único sinal que seu rosto
dá de sua irritação crescente.
— Muito bem. Depois da coletiva.
— Haverá uma coletiva? A que horas?
— A senhorita não foi convidada para ela. — É categórico, e eu ergo
uma sobrancelha. Tudo bem, talvez birrenta seja uma palavra mais
apropriada para me descrever. Mas foda-se. Eu posso não estar aqui
alegremente, mas vou fazer o trabalho que vim fazer da melhor maneira
possível.
Eu já tenho obstáculos mais do que o suficiente sem um idiota
pomposo tentar me sabotar.
— Sem problemas. Eu espero que ela termine.
— A senhorita pretende aguardar no quarto?
— Precisamente.
— Então eu peço que a informem lá.
— Agradeço imensamente.
— Por nada.

A porta de madeira escura tem arabescos dourados e não deixa passar


qualquer som do que está acontecendo do lado de dentro. Eu até cogitei
realmente esperar no quarto até que Wilker me dissesse o que fazer e
para onde ir, mas, logo depois, me perguntei: “O que Rita Escarlate
faria?”
Ela, definitivamente, não esperaria no quarto. A mulher se recusa a
fazer isso mesmo que seu corpo esteja praticamente impossibilitado de
se movimentar. Não é por isso que eu estou aqui, afinal de contas?
Porque Rita se recusou a perder uma oportunidade? É com isso em
mente que passo minha credencial no sensor da sala onde está
começando a coletiva.
Me controlo para não dar pulinhos quando as portas se abrem
imediatamente, e o caos de vozes, cores e flashes explode diante dos
meus olhos. Todos estão concentrados demais na mesa na frente da sala
para prestar atenção a mim.
Entro sorrateiramente e me sento numa cadeira quase escondida atrás
de uma pilastra. Mantenho a cabeça abaixada por alguns minutos antes
de, lentamente, estudar o ambiente ao meu redor. Nada. Nenhum olhar
em minha direção. Nenhum segurança vindo me arrastar para fora.
Muito bem. Sopro o ar pela boca e ergo os olhos.
Eu deveria ter passado mais tempo me preparando.
A respiração fica presa em minha garganta. Eu não me lembrava de
ele ser tão bonito. O rosto de linhas retas e maxilar forte está
concentrado em um ponto qualquer. Há outros cinco jogadores, além do
técnico, sentados à mesa, mas é impossível olhar para qualquer um que
não seja Tassio Arraes.
Ele está sentado com os ombros retos e uma expressão impassível no
rosto enquanto o técnico da seleção faz as considerações iniciais, e eu
me forço a desviar os olhos para os outros. Andrei Gaspar é todo
sorrisos, sua energia sempre me pareceu contagiante mesmo pela
televisão.
Eu não estava errada, eu sorriria também se alguma coisa viva não
estivesse se debatendo em meu estômago. Alguma coisa viva e que, de
um jeito esquisito, parece determinada a fazer com que meus olhos
voltem a se concentrar em Tassio. Me recuso.
João Gomes é o próximo alvo do meu olhar. Apesar de não estar tão
sorridente quanto Andrei, ele está obviamente feliz, satisfeito por estar
ali. O rosto de pele muito clara tem um ar de satisfação inconfundível e
até mesmo seus cachos conhecidos mundialmente por estarem sempre
uma bagunça, hoje, foram penteados.
Marcelo Tavares está atento a cada uma das palavras sendo ditas por
Domenico. O técnico da seleção portuguesa continua falando sobre o
esquema tático e as novidades que vem sendo planejadas nos últimos
meses, tudo visando que a equipe lusitana de 2022 conquiste para a
nação seu primeiro título mundial.
Gabriel Marquez é o mais jovem jogador convocado da seleção
portuguesa. O garoto tem a minha idade e parece tão deslumbrado
quanto Tassio parece indiferente. O que é muito.
O pensamento faz meus olhos me traírem e procurarem pelo capitão
novamente. No que será que ele está pensando? No quanto odeia estar
aqui? No quanto tinha coisas melhores para fazer? Nos esqueletos que
sua postura arrogante com certeza esconde dentro do armário? Bom, eu
só preciso de um deles.
Como se minhas perguntas o atraíssem, Tassio Arraes desvia o olhar
do ponto ao qual estava tão apegado. Seu rosto varre a sala lentamente,
procurando por algo até pararem... em mim. O atacante da Seleção
Portuguesa olha para mim, de todas as pessoas na sala, e me prende em
seu olhar pelo que parece uma eternidade.
Há um leve franzir em suas sobrancelhas que eu teria perdido se fosse
míope, mas consigo ver. É rápido e, como se nunca tivesse acontecido,
tamanha é a velocidade com que vai e vem de seu rosto.
Sua atenção ateia fogo em minha pele e em todos os meus órgãos
vitais. Eu me esqueço completamente de respirar. Por que ele está
olhando para mim? E por que eu pareço estar me afogando, presa,
incapaz de fugir do seu escrutínio?
Ele me liberta, virando-se outra vez para aquele ponto, e eu só
percebo que todo o meu corpo estava tenso quando minhas costas voltam
a se apoiar no encosto que eu não me lembro de ter abandonado, em
primeiro lugar. Abro a boca para expirar por ela e pisco freneticamente.
O que acabou de acontecer aqui?
De repente, a necessidade de autopreservação se torna muito maior
do que a de agir como minha chefe agiria. Sem pensar duas vezes ou me
preocupar em chamar atenção, eu me levanto e saio.
O tic-tac do relógio, normalmente silencioso, faz cada um dos meus
nervos se contorcer. A expectativa pelo momento em que minha
campainha vai tocar parece pronta para implodir meu corpo inteiro em
uma confusão de anseios e incredibilidade.
Aquela mulher na coletiva.
Levo as mãos à cabeça e empurro os fios para trás com violência
injustificada. Louco. Eu estou ficando louco. Ela estava lá, e eu tinha
certeza de que era uma peça sendo pregada pela minha mente. Eu só não
esperava que seu sumiço repentino confirmasse isso. Grunho, frustrado.
Porra! Porra! Porra!
Levanto-me da cama onde estava sentado e começo a me movimentar
de um lado para outro. Precisa haver outra explicação para isso que não
a loucura. Precisa. A ansiedade para que a campainha toque é
completamente substituída pelo desespero para chegar a uma conclusão
racional. Mas o tempo nunca esperou e decide que agora não é uma boa
hora para começar a fazer isso.
A campainha toca.
Aperto os dentes e os olhos. Ótimo momento para receber a enviada
de Rita Escarlate. Incrível! Puta que pariu.
Me obrigo a movimentar os ombros até que a tensão acumulada neles
se dissolva pelo menos um pouco. Jornalistas como Rita e sua trupe
sentem o cheiro de sangue e se excitam com ele. Tudo de que não
preciso é dessa mulher desconfiando de que há uma história onde preciso
que ela não enxergue uma.
Expulso o ar dos pulmões com força, abro e fecho os dedos das mãos
várias vezes e me olho no espelho. Desfaço a bagunça que fiz em meu
cabelo há alguns segundos e ajeito a camiseta branca. Muito bem, vamos
fazer isso. É só uma entrevista preliminar sobre expectativas. Quanto
mais rápido começar, mais rápido me livro da mulher.
Exceto que, quando abro a porta, meus planos vão do desejo de me
livrar da minha visita para uma quase necessidade de fazê-la ficar por
quanto tempo for necessário para descobrir o que ela está fazendo aqui
porque eu não estou louco.
A mulher que vem assombrando meus pensamentos não é uma
miragem dos desertos do Catar, é a substituta de Rita Escarlate e,
aparentemente, minha sombra pelos próximos trinta dias.
Pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, olhos cor de
chocolate me paralisam por completo. Tassio me mede da cabeça aos pés
com o maxilar trincado, gritando em silêncio que minha presença é
absolutamente indesejada, o que só torna a maneira como meu corpo
está reagindo ao seu olhar, de novo, mais vergonhosa.
— Você é a correspondente da Rita Escarlate? — A voz grave exige
resposta.
— Eu sou. — Pateticamente, é tudo o que sou capaz de responder
enquanto meu coração nem disfarça a excitação despropositada
percorrendo minhas veias. Ele retumba no peito no ritmo acelerado da
melhor das baterias das escolas de samba.
Eu costumava ter um crush em Tassio. Qual é? Que mulher em sã
consciência não teria? Olha o corpo desse homem! E há os seus sorrisos
sempre muito reservados, sempre muito falsos que fazem a gente se
perguntar, constantemente, o quão bonitos aqueles lábios cheios ficariam
se sorrissem de verdade.
Como uma adolescente fanática por futebol, Arraes foi para onde eu
direcionei todos os hormônios da minha puberdade. Havia pôsteres seus
espalhados pelas paredes do meu quarto; fotos e figurinhas suas coladas
em meus cadernos e, o clássico dos clássicos, eu costumava escrever as
iniciais dos nossos nomes dentro de um coração em qualquer papel que
tivesse a disposição. Mas é o que dizem: nunca conheça seus ídolos. Eu
deveria ter ouvido.
Porque desde aquele dia, dois anos atrás, toda a admiração que
cultivei por anos pelo homem diante de mim foi transformada em
aversão pura e simples. Ou, pelo menos, eu achei que era o que tinha
acontecido. Eu me lembro de como meu corpo reagiu quando estive
perto de Tassio Arraes naquela que foi a primeira e a qual eu estava
determinada a que tivesse sido a última vez.
Eu tinha dezoito anos e as coisas aconteceram tão rápido que eu mal
tive tempo de reconhecer as sensações que me dominaram em primeiro
lugar, porque as que vieram em seguida foram muito mais intensas:
raiva, indignação, decepção e ódio.
Eu não estava preparada para sentir às primeiras sensações outra vez
e, pior, de maneira quase sufocante. Se as sensações despertadas pelo
olhar de Tassio à distância me fizeram praticamente correr da coletiva de
imprensa, as coisas que estou sentindo agora parecem estar fazendo um
esforço conjunto para que eu me torne uma poça no chão.
Um empreendimento de completo sucesso entre as minhas pernas,
diga-se de passagem. Minha calcinha foi arruinada por um olhar
arrogante e meia dúzia de palavras hostis. Quem diria que você era
dessas hein, Cacau?
Santo Deus! Eu sou uma vergonha para a classe das mulheres que
odeiam um homem. Que tipo de ódio se rende tão facilmente a um corpo
musculoso, uma pele cheirosa e um olhar incendiário?
— Por favor, entre. — Tassio diz e me dá passagem para dentro do
seu quarto. Eu continuo parada no lugar, vendo, por trás dos meus olhos,
todas as razões pelas quais essa é uma péssima ideia.
Existe um risco real de eu me jogar em cima desse homem? Eu não
sei, porque é possível que eu tenha perdido completamente o controle
sobre mim mesma. Pelo amor de Deus, eu já posso ver a manchete:
“Jornalista louca é presa no Catar depois de invadir quarto de jogador
e tentar violentá-lo sexualmente.”
As sobrancelhas de Tassio se franzem quando tempo demais se passa
sem que eu me mova. Vamos lá, Cacau. Coragem! Você não é mais uma
adolescente dominada pelos seus hormônios. Você não vai atacar o
homem. Tenha a santa paciência!
Me segurando para não soltar uma longa inspiração, dou um passo
para dentro do quarto, depois outro. Paro de frente para o atacante da
seleção portuguesa e ele me estuda com atenção. Atenção demais. Meus
mamilos endurecem e minha pele esquenta. Mas que inferno!
Seu quarto é muito diferente do meu. Infinita e impossivelmente
maior. Desvio os olhos e aproveito a curiosidade para me distrair do seu
olhar e me reequilibrar ou, pelo menos, tentar fazer isso. Se no meu
apartamento cabem duas da casa em que vivo no Rio, no de Tassio
cabem seis ou sete, no mínimo. Talvez mais, dependendo de que
tamanho tem seu banheiro.
Posso ver três ambientes em planta aberta. Uma sala de estar, uma
sala para refeições com lareira - para quê, eu não sei, já que estamos no
deserto - e o quarto onde uma imensa cama de dossel reina absoluta.
Os mesmos tons terrosos da decoração das áreas comuns do hotel são
abundantes aqui, mas no quarto do jogador há detalhes em vermelho e
verde e em verde e amarelo, celebrando sua dupla nacionalidade. A
equipe de eventos fez seu trabalho de casa.
— Você está bem? — Pergunta e eu engulo a resposta que quero dar.
“Não, porque eu não trouxe meu vibrador por medo de que ele me
fizesse ser presa e, agora, vou precisar me virar com meus dedos quando
eu claramente tenho uma situação que exige ajuda extra.”
— Claro. Como você quer começar? — Me arrependo imediatamente
depois de dizer essas palavras.
Pelo amor de Deus, Cacau! Pelo amor de Deus! Uma das
sobrancelhas de Arraes se ergue e, o que é aquilo no canto da boca dele?
O cretino está se divertindo com isso?
A ponta de sua língua umedece os lábios e eu me pergunto se ele está
fazendo isso tão lentamente quanto parece ou se é apenas a minha mente
pervertida me sabotando.
— Eu acho que podemos começar devagar. — Diz em um tom muito
mais sugestivo do que a minha péssima escolha de palavras foi e, agora,
ele realmente sorri.
Aquele sorriso maldito que eu costumava adorar. Ele está flertando
comigo? Tassio Arraes está tendo a audácia de debochar de mim dessa
maneira? Isso me força a me recompor, ou tentar.
— Se você não se importar, aqui me parece um bom lugar. — Digo,
já caminhando na direção da sala de estar e odiando o fato de haver uma
cama tão perto.
Eu perdi completamente o controle dos meus pensamentos. Eles estão
correndo livres e soltos sobre todas as coisas que Tassio poderia fazer
comigo em cima daqueles lençóis. É muito tarde para voltar para casa?
Sim, é. Você precisa daquele furo, Cacau.
— Parece bom pra mim também. — Diz, sentando-se na poltrona em
frente àquela que escolhi.
— Você se importa se eu gravar? — pergunto depois de me forçar a
desfocar da maneira como seus músculos definidos se contraíram e
relaxaram conforme ele se ajustou no estofado. Descontrolada, estou
completamente descontrolada.
— Absolutamente.
Ela não faz a menor ideia do que está fazendo.
Depois de passar os últimos vinte anos da minha vida lidando com
jornalistas, eu consigo reconhecer um amador a quilômetros de distância.
Isso, na verdade, é uma necessidade básica de sobrevivência quando se é
uma figura pública.
E eu posso não saber como essa mulher, de todas as outras, veio parar
aqui, mas eu tenho certeza de que não preciso me preocupar com ela.
Não como eu precisaria me preocupar com Rita Escarlate, e como achei
que precisaria fazer com uma pupila sua andando pelos corredores do
CT e da concentração.
Engulo o suspiro aliviado, e a sensação de um caminhão de uma
tonelada saindo das minhas costas, relaxa meus músculos imediatamente
mesmo que a outra tensão que se instalou neles no instante em que abri a
porta continue aqui, firme e forte.
— Cacau Lyra, certo? — Pergunto, recostando-me à cadeira e
levantando uma das pernas para apoiar um tornozelo sobre o joelho.
Cacau não perde o movimento e não sei se não se preocupa em
disfarçar ou não percebe que não está fazendo isso. A julgar por sua
expressão corporal, voto na segunda opção.
— Só Cacau. — Assinto e ela tira o gravador do bolso da calça de
tecido clara que veste e o apoia em cima da mesa antes de recostar-se à
cadeira, tentando pela terceira vez, desde que chegou, assumir o controle
sobre a própria postura ao aprumar os ombros.
Ela é tão jovem. Duvido muito que tenha mais de vinte e dois anos.
Os lábios cheios e rosados estão limpos de maquiagem assim como o
rosto de pele queimada de sol. Os cabelos escuros estão presos no alto da
cabeça em um coque simples que deixa todo o rosto bonito de olhos
escuros à mostra. Ela é linda. Exatamente como eu me lembrava. Será
que ela se lembra que já nos encontramos uma vez?
— Você trabalha pra Rita há muito tempo, Cacau? — Seu nome tem
um gosto doce em minha boca e ecoa nos meus pensamentos depois de a
última sílaba soar ao nosso redor. Eu me perguntei qual seria ele por
tanto tempo. Porra.
— Alguns meses.
— Onde você se formou? — Seu corpo inteiro endurece ao ouvir
minha pergunta e essa é toda a resposta de que preciso. Ela não se
formou. Ah, universo. Puta que pariu! Obrigado. Muito obrigado. Isso
ainda nãos nos deixa quites, mas ajuda. — Você ainda está em
formação. — Concluo antes que Cacau consiga encontrar uma resposta
para me dar, porque não preciso dela tensa sobre isso. Na verdade,
descubro que não a quero tensa sobre nada, e é uma realização esquisita.
— Isso. — Concorda — Podemos começar?
— Quando você quiser. — Não resisto ao tom engraçadinho.
Há alguma coisa em vê-la se contorcer em constrangimento que é
gostoso para caralho e já faz algum tempo que nada desperta em mim
essa sensação de um jeito tão fácil e simples. Ninguém pode me julgar
por aproveitá-la. Cacau limpa a garganta, estende o braço e aperta o
botão no meio do gravador em cima da mesa. O visor digital acende e a
palavra “ON” surge na pequena tela.
— Como foi explicado, enquanto sua participação na copa durar...
— Enquanto minha participação na copa durar? — Eu a interrompo
bem aí, achando graça. — Você não acredita que Portugal possa ganhar.
— Afirmo, mordendo um sorriso quando percebo que seu comentário
não tem nada a ver com aquilo que não quero que ela descubra, mas com
um favoritismo que ela não teve nenhum pudor em simplesmente
escancarar.
Cacau abre a boca, mas não diz nada e a fecha. Ela desvia os olhos
castanhos, ganhando tempo enquanto pensa.
— O que eu acho não importa. — Declara finalmente, voltando a
olhar para mim.
— Sério? Você é uma brasileira na concentração portuguesa. Acho
que posso discordar de você, principalmente quando você não está
torcendo pela equipe que está te empregando. Você acredita que o Brasil
vai ganhar?
— Meu trabalho é ser uma narradora imparcial, e eu vou acompanhá-
lo muito mais como uma observadora não tão silenciosa do que como
uma jornalista. — Retoma o assunto sem me dar chance de opinar sobre
isso e eu dou uma risadinha baixa.
Cacau pode não saber o que está fazendo, mas com essa postura, não
vai ser difícil aprender. Ela não se intimidou comigo em momento
algum. Suas reticências têm muito mais a ver com a atração inesperada
que nos envolveu quando abri a porta do que com ela se sentir insegura
com o meu status de melhor jogador do mundo.
Eu poderia apostar que esse é o seu primeiro trabalho de campo e
ainda assim, aqui está ela me dizendo que não está nem aí para o que eu
penso a seu respeito, porque ela é uma narradora imparcial. Mordo o
lábio mais intrigado com ela agora do que me senti nos últimos dois
anos, o que já foi muito.
— Parece justo.
— Dadas as proporções do evento em si, eu não poderei acompanhar
todas as suas atividades, mas nós temos uma escala. Você a recebeu?
— Sim. Observação constante e algumas entrevistas pontuais. Em
algum momento sua chefe se juntará a nós?
— O plano era que ela fizesse isso remotamente, mas seu quadro
médico não está favorável nem a isso, no momento. Talvez ela consiga
em algumas semanas.
— Se Portugal durar isso tudo na competição. — Completo o que ela
pensou, mas não disse.
— Isso. — Rio outra vez.
— Muito bem. — Concordo e nenhum de nós dois fala nada por
alguns segundos. De alguma forma, nossos olhares acabam travados e o
laço invisível ao nosso redor se aperta, fazendo a distância de não mais
do que um metro entre nós parecer imensa. Eu gostaria de tocá-la.
Gostaria para caralho. — Está gostando da experiência no Catar, Cacau?
— Pergunto, de repente, curioso sobre tudo a respeito dela. A risada seca
que ela me dá em resposta me faz erguer uma sobrancelha.
— Por enquanto, tem sido quase tudo o que eu achei que seria.
— E por que isso não soou como uma coisa boa?
— Porque não é. Mas vamos falar sobre você, certo? O que você
achou sobre a escolha da sede da Copa do mundo deste ano?
— Acredito que a Fifa entenda a importância de o futebol ser um
esporte plural que respeita todas as culturas, e que a organização está
trabalhando, junto ao governo do Catar, para que essa seja uma festa tão
bonita quanto todas as anteriores já foram. — Dou a resposta escrita pela
assessoria de imprensa da seleção e o estreitar de olhos de Cacau me diz
que ela sabe disso.
— E como você se sente sabendo que esse país, cuja escolha foi em
nome da pluralidade cultural, muitas vezes ignora a pluralidade e aos
direitos humanos?
— Você não precisa de um caderno?
— Eu tenho um gravador em perfeito funcionamento. E você não
respondeu à minha pergunta. — Declara, me fazendo sorrir, porque eu
não vou responder. Não enquanto a competição durar e isso puder afetar
diretamente à minha equipe.
A Fifa ameaçou punir jogadores que se posicionassem em campo,
usando, por exemplo, braçadeiras que fizessem referência ao orgulho
LGBTQIAP+. Não me espantaria se eles começassem a punir, por
debaixo dos panos, quem eles julgassem estar falando demais.
Isso não seria um problema para mim se afetasse única e
exclusivamente à minha pessoa. Mas não vou correr o risco de deixar
que minhas falas respinguem na minha seleção.
— Por que você não me faz essas perguntas algumas semanas depois
do fim da competição? — Cacau recua a cabeça e eu quase posso ver as
engrenagens do seu cérebro trabalhando para entender todas as possíveis
implicações daquilo que eu disse.
Sei o momento exato em que ela entende, porque seus olhos grandes
piscam várias vezes e ela afunda os dentes no lábio inferior. Seu olhar
me dá a sugestão de algo quase como admiração e eu me pergunto se ela
realmente entendeu toda a extensão da minha recusa, porque parece que
sim.
Que outro motivo ela teria para admirá-la? Nem mesmo isso seria o
suficiente, para dizer a verdade. Porque como capitão do time, proteger à
minha equipe é minha obrigação.
— Quais são as suas expectativas para esse evento como um todo e
para o primeiro jogo? — Muda completamente o rumo da conversa.
— As mesmas de sempre. — Respondo, apesar de querer fazer novas
perguntas sobre ela. — Vencer o jogo, vencer a competição, levar o
título pra casa, encerrar minha carreira dando ao meu país o maior título
ainda não conquistado.
— Soa clichê. — Seu tom é quase frustrado.
— Mas não deixa de ser verdade por isso.
— Não, só é superficial. A versão que se dá para a imprensa.
— E não é isso o que você é?
— Talvez eu seja alguém que quer descobrir seus segredos. —
Sugere tão naturalmente que é impossível não me sentir seduzido pela
advertência.
— E talvez eu queira que você descubra alguns deles. — Seus olhos
se estreitam quando o desejo óbvio e algo quase como aversão se debate
neles.
— Nunca achei que você fizesse o tipo sedutor, Tassio.
— Essa é uma conversa não oficial, Cacau?
— Absolutamente tudo o que conversarmos, esteja o gravador ligado
ou não, será uma conversa oficial. — A boca declara enfaticamente
enquanto todo o seu corpo luta contra aquilo que as palavras não
disseram e, ainda assim, deixaram muito claro. Ela devia saber que me
desafiar não é uma boa ideia.
— Uma pena. — Finjo lamentar. — Parece que a versão oficial é
tudo o que você vai ter de mim, então. — É um lampejo, mas eu vejo
quando seus olhos lamentam que essa realmente seja uma possibilidade.
Mas não é. Não no que depender de mim. Eu neguei meus instintos
uma vez e o rosto dessa mulher me atormentou pelos últimos dois anos.
Naquela época, eu não sabia seu nome e não havia trocado mais do que
meia dúzia de palavras com ela. Eu não conhecia a extensão do desejo
que ela seria capaz de provocar em mim.
Agora eu sei. Minha aparente indiferença ao desejo fluindo em
minhas veias nesse momento é fruto de um autocontrole que precisou de
anos para ser aperfeiçoado e que até hoje, esteve sempre dirigido aos
limites físicos do meu corpo, que eram testados pelo esporte, não pelo
tesão.
E, se isso não fosse o suficiente, há ainda o fato de que essa é a
primeira vez em meses que me sinto capaz de respirar em meio ao
afogamento constante que meus dias se tornaram. Se eu estivesse
disposto a ignorar o primeiro, ainda assim, não conseguiria deixar o
segundo de lado.
Esse vai ser um mês interessante.
Girls:
Mah: HAHAHAHAHAHAHA...
Thalissa: Só você acreditava que seu crush supremo
tinha acabado, Cacau.
Diana: Tão inocente...
Diana: Nós devíamos ter apostado, meninas.
Diana: Por que nós não apostamos?
Thalissa: Provavelmente nenhuma de nós teria
ganhado. Quer dizer, eu sabia que o ódio da Cacau
não ia durar, mas qual é? Um encontro?
Thalissa: Essa nem eu previ.
Mah: kkkkkkkkkkkkkkkkk
Cacau: Sério, eu não sei por que eu sou amiga de
vocês. De verdade.
Mah: Porque nós somos as melhores.
Diana: Com certeza! Nós definitivamente somos as
melhores.
Thalissa: E porque nós te passávamos cola nas
provas de matemática.
Cacau: Com certeza tem a ver com essa segunda
opção... kkkkkkkk
Cacau: É sério, gente. Eu não sei o que fazer!
Mah: Como assim não sabe o que fazer?
Mah: A solução é óbvia!
Cacau: Voltar pra casa com o rabo entre as pernas?
Thalissa: O quê? Mas é claro que não!
Thalissa: Será que a gente tem que fazer tudo?
Diana: Eu definitivamente gostaria de sentar no
Tassio Arraes por ela!
Diana: E só pro caso de não ter ficado claro, essa é
a solução óbvia: sentar nele.
Cacau: Vocês são loucas!
Cacau: E pro caso de terem esquecido, ele ainda é
um babaca do caralho.
Mah: Por isso a gente tá te dizendo pra transar com
ele, não pra casar com ele.
Thalissa: Não existe nenhuma lei que proíba a gente
de sentar em homens idiotas.
Diana: Graças a Deus!
Diana: Esses, infelizmente, costumam ser os
melhores pra se fazer de cadeira.
Cacau: A lá a maluca que tem o dedo podre e se
orgulha disso.
Diana: Eu me orgulho de estar transando, Cacau.
Essa sua teia já virou um hímen novo. Quando foi a
última vez que você transou? A primeira?
Cacau: HA HA HA
Cacau: Tão engraçada...
Mah: Errada a Di não tá...
Cacau: Sério, Mah?
Thalissa: O quê? Você não transa a eras, Cacau!
Que jeito melhor de reabrir seu parquinho do que
com o crush da sua adolescência inteira?
Cacau: Eu não posso sentar nele, porque 1) eu odeio
esse homem e 2) quem sou eu na fila do pão pra
Tassio Arraes olhar pra mim como alguma coisa
além de uma pedra no sapato?
Mah: 1) sua boceta discorda terminantemente. 2)
pelo que você contou, ele já tá te olhando como algo
muito maior que uma pedra no sapato.
Diana: De novo, tão inocente...
Thalissa: Isso resolveria dois problemas. Você seria
quase como uma espiã!
Cacau: E eu posso saber como é que as gênias
acham que isso aconteceria? Sexo não é permitido
na concentração.
Mah: Ora vejam só, o que temos aqui? A senhora
“Não vou sentar nele porque o odeio” está realmente
se perguntando como poderia sentar nele?
Cacau: Não é nada disso!
Diana: Ela foi convencida rapidinho, não foi, Mah?
Diana: kkkkkkkkkkkkkkk
Cacau: Eu não fui convencida a nada!
Thalissa: kkkkkkkkkkkkk
Cacau: Eu só queria mostrar meu ponto.
Thalissa: Você acabou de voltar do quarto dele,
Cacau.
Cacau: De uma entrevista!
Thalissa: Até onde eu sei, vocês poderiam ter
passado as últimas duas horas fazendo sexo
selvagem e suado e ninguém teria nada a ver com
isso.
Mah: Exatamente, ninguém nunca precisaria saber.
Diana: Só a gente, é claro. Porque eu realmente
quero saber se Tassio Arraes tem um pau de
respeito.
Cacau: Eu não vou transar com ele, droga!
Mah: Uhum... vou anotar aqui...
Mah: A lápis...
Cacau: Quer saber de uma coisa?
Cacau: Vão plantar batatas, todas vocês!
Cacau: Boa noite!
Cacau: Estou brava!
Diana: Eiiii
Diana: Volta aqui!
Thalissa: A gente muda de assunto.
Mah: É! Queremos saber como é o Catar.
Diana: Até agora, a única coisa que você fez foi
reclamar! Do calor, do trabalho, do Tassio...
Cacau: Mentira, eu falei bem do meu quarto e da
cama.
Diana: Ah, claro. Me desculpa, eu tinha esquecido
disso.
Mah: O que você vai fazer na folga?
Cacau: Provavelmente maratonar uma temporada
inteira de Friends[9] ou de Sex and the city[10], de
novo.
Diana: O QUÊ?
Diana: MAS É CLARO QUE NÃO.
Diana: VOCÊ TÁ NO CATAR!
Cacau: Exatamente.
Cacau: Eu tô no Catar.
Cacau: Não consigo me sentir segura nesse lugar.
Cacau: Eu brinco, mas sensação de que posso
acabar fazendo algo errado sem querer e ser presa,
ou pior, ser sequestrada e acabar no porão ou no
harém de algum sheik é muito real. Se eu não sair do
hotel, não me arrisco.
Mah: Eu entendo o seu medo.
Mah: Mas você não pode passar o próximo mês
trancada no quarto.
Cacau: Não vai ser o mês inteiro. Duvido que
Portugal passe das oitavas.
Diana: kkkkkkkkkkkkk, o que eu não daria pra ter
visto a cara do Arraes quando você disse isso.
Cacau: Eu não disse exatamente isso.
Thalissa: Mas foi como se dissesse.
Cacau: Ele pareceu meio ultrajado, mas também
pareceu achar graça.
Cacau: E vocês estão me enrolando! Parem de ser
sonsas! Nós não vamos voltar a falar sobre ele.
Mah: Muito bem. Vamos falar sobre a sua folga.
Cacau: Eu já reclamei da amizade tóxica de vocês
hoje?
Mah: Já, mas isso não vai nos impedir.
Mah: Você não precisa turistar, mas precisa sair do
hotel, Cacau. Deve ter algum lugar onde você possa
ver gente, ver um pouco mais do Catar e se sentir
segura.
Cacau: E como é que eu vou chegar nesse lugar ou
me comunicar quando estiver nele? Eu não falo
inglês, esqueceram?
Diana: Tem uns aplicativos de tradução imediata
ótimos! Vou te mandar alguns.
Mah: E eu vou pesquisar lugares que você possa
curtir sem ter medo de estar lá.
Thalissa: E quanto a como você vai chegar lá, achei
que a Rita tivesse contratado alguém pra te
acompanhar caso você quisesse ou precisasse sair do
hotel.
Cacau: Ela contratou. Silvio é ótimo, mas ainda
assim...
Mah: Mas nada!
Mah: Está decidido! Você vai sair!
Thalissa: E vai levar a gente!
Diana: Chamada de vídeo no Catar! Uhuuuuul!
Cacau: Não prometo nada.
Mah: Não precisa.
Diana: Não é como se a gente fosse te dar a opção
de não sair.
Cacau: Chatas.
Cacau: Tóxicas.
Thalissa: Também amamos você.
— Então o teu plano é distrair a rapariga com sexo pra lhe manteres a
atenção bem longe de onde tu não queres que ela esteja a olhar? —
Tadeu pergunta, me entregando uma toalha quando me sento na mesa de
massagens depois da nossa sessão.
— Quando você diz assim, soa como uma grande filha da putagem.
— A sobrancelha do meu amigo se levanta em uma afirmação silenciosa
e eu reviro os olhos. — Ela não é uma pobre menina indefesa, Tadeu. E
eu não vou levá-la pra cama só pra mantê-la distraída. Na verdade, isso é
um bônus. Eu vou levá-la pra cama porque a quero lá. — Ele resmunga
algo ininteligível e eu me coloco de pé. Largo a toalha e pego os shorts
para começar a me vestir. — Não me diga que justamente você, que
passou os últimos meses me dizendo que eu precisava reagir, já está se
arrependendo no primeiro sinal de uma reação de verdade.
Tadeu é meu amigo há anos. Nos conhecemos no início de ambas as
nossas carreiras que começaram na mesma época e prosperaram
praticamente no mesmo ritmo. Eu como jogador, ele como massagista.
Não foram poucas as vezes que nossas trajetórias profissionais se
cruzaram ao longo dos anos e, assim como essa é minha terceira copa
pela seleção lusitana, também é a dele.
— Eu não senti falta desse teu ego de jogador de futebol. — diz e eu bufo.
— Estás a dizer que a vais levar pra cama como se já fosse um dado
adquirido. — Estalo a língua e um sorriso de canto brota em meus lábios.
— Porque é. É só uma questão de tempo até acontecer. E você não
pode escolher quais partes da minha personalidade quer funcionando
cem por cento e quais não quer.
— Infelizmente. — Ele balança a cabeça quando visto a camiseta e
volto a me sentar na cama. — E isso vai dar merda. Se tu não queres que
descubram o que está a acontecer, Tassio...
— Vão me expulsar da seleção? Porra nenhuma. Vão me dar uma
multa gorda e mais nada. E qual é? Nunca fui pego quando era novo e
estúpido, não vou ser pego agora que...—
— Que é velho e estúpido?
— Vai se foder!
Eu não deveria estar parada, no meio do corredor da ala médica do CT
tentando encontrar uma desculpa razoável para justificar o fato de estar
parada no meio do corredor da ala médica do CT. Mas quando você ouve
uma frase que parece muito estar falando de você, suas células te forçam a
interromper os passos e colar a orelha na porta, independentemente de
onde você esteja.
Na verdade, eu sou uma lutadora por ter resistido ao impulso de,
literalmente, colar a orelha na porta. Eu apenas me ajoelhei e estou
fingindo amarrar os cadarços dos meus tênis enquanto quase tenho um
aneurisma no esforço de continuar a ouvir a conversa na sala ao meu lado
entre Tassio Arraes e quem quer que seja a segunda pessoa lá dentro.
“Uma jornalista brasileira”, é de mim que estão falando, certo? Porque,
segundo Margareth, uma das integrantes da assessoria de imprensa que
conheci esta manhã, eu sou a única brasileira na concentração. Há dois
brasileiros, mas do gênero feminino, apenas eu.
Então quando o homem falou sobre a possibilidade de pegarem Tassio
com uma jornalista brasileira, ele estava falando de mim. E quando Arraes
não negou a intenção de realmente ficar com a jornalista, ele também
estava falando de mim. Puta que pariu.
Passo a língua sobre os lábios rapidamente, mas não adianta. A secura
que tomou conta da minha boca não vai a lugar algum. É verdade que eu
desconfiei das intenções do atacante da seleção portuguesa muito mais do
que contei para as minhas amigas há alguns dias. Mas isso? Eu não
esperava por isso, nem pelas sensações que tomam meu corpo de assalto
quando minha mente entende o que as palavras sorrateiramente ouvidas
realmente significam.
Eu odeio esse homem, lembro a mim mesmo. Ouvir em alto e bom som
que o desejo que sinto é recíproco não deveria me importar nem um pouco.
Eu nem deveria sentir desejo algum.
Entretanto, contrariando tudo que eu sei que deveria ser, minha boceta
está palpitando apenas com a ideia de que Tassio Arraes pode estar tão
disposto a conhecê-la quanto ela está desesperada para ser apresentada a
ele. Oh, Deus. Mas que bagunça! Que imensa bagunça!
“Se você não quer que descubram o que está acontecendo” — a voz
masculina que não é de Tassio começa e meu coração, que já batia
acelerado no peito, assume um ritmo ainda mais frenético, arrancando-me
do caos interno em que as últimas palavras que eu havia ouvido através da
porta me colocaram.
Será que o universo decidiu que depois de tudo o que aconteceu nos
últimos dias, finalmente é hora de me dar um refresco? A resposta para
essa pergunta chega um segundo depois, quando o Tassio interrompe o que
o outro homem estava prestes a contar.
“Então nós não deveríamos nem mesmo falar sobre isso. As paredes
costumam ter ouvidos, porra.” Arraes avisa em um tom duro e frustrado e
minhas sobrancelhas quase alcançam as raízes dos cabelos. Ele tem um
esqueleto no armário, no fim das contas. Suspiro, em algum nível...
decepcionada? Descubro que alguma parte estúpida de mim desejou que
não houvesse nada a expor, mesmo sabendo o que isso significaria para
mim.
Voltar de mãos vazias para o Brasil é o mesmo que assinar minha
sentença de sabe-se lá quanto tempo mais sem ter ideia de quando vou
conseguir começar a faculdade. Isso. É nisso que eu preciso me focar.
Repito a afirmação para minha mente e para o meu corpo,
completamente aceso, uma e outra vez. Não há sexo que valha tudo o que
eu colocaria em jogo se me permitisse cair na lábia de Tassio Arraes, ainda
que a verdade seja que o homem nem precisa falar muito para me colocar
em estado de atenção.
Sua proximidade é mais do que o suficiente. Seu cheiro. Sua presença.
Há alguma coisa nele que me deixa mole e pronta para me voluntariar para
passar um dia fazendo cosplay de massinha de modelar, contanto que
sejam aquelas mãos grandes e cheias de veias quem irão me manipular.
Continuo ali até que passos soem à distância e eu me obrigue a me
colocar em movimento. Do que quer que Tassio e o outro homem tivessem
começado a falar, eles não continuariam, de qualquer forma. E, não
importa o que mais ele dissesse sobre suas intenções comigo, nada
mudaria, porque eu tenho planos.

Cada pelo do meu corpo está arrepiado e meus olhos ardem,


completamente dominados pela emoção ondulando no estádio de futebol
lotado. Eu vinha acompanhando os jogos que conseguia pela televisão ou
pela internet, mas a vida que pulsa através das vozes cantando para
Portugal de um lado e para Gana de outro, chacoalham cada fibra minha de
maneira muito mais intensa do que qualquer jogo que eu tenha assistido
através de uma tela já foi capaz de fazer.
E, crescendo na intenção de se tornar uma onda gigante, o nome de
Tassio Arraes ecoa pelo espaço com a força de um terremoto ao ser
entoado pelos lábios dos milhares de torcedores da seleção portuguesa
presentes no primeiro jogo dos lusitanos na copa. Eles clamam pelo
Demolidor português.
Do alto, no camarote das famílias, onde estou, é mais do que bonito. É
lindo para caralho ver a arquibancada tremer quando os jogadores vestindo
a bandeira portuguesa entram em campo. Eu nunca tive dúvidas de que o
futebol era um instrumento poderoso. Ele vai muito além de entreter.
O futebol une pessoas, nações e propósitos. Ele transforma vidas, cria
oportunidades onde mais nada é capaz e, principalmente, ele preserva a
memória e a identidade. É impossível não pensar no meu pai. É impossível
não fazer uma prece silenciosa para que onde quer que ele esteja, ele saiba
que a garotinha dele cresceu e não abandonou a paixão que
compartilharam. Ela está aqui, assistindo a uma copa ao vivo e em cores.
O juiz joga a moeda para cima, campo e bola são entregues aos seus
respectivos donos e o jogo começa. O nervosismo é evidente em ambas as
equipes, apesar de Portugal demonstrar mais segurança e mais atividade
nos minutos iniciais da partida, indo para frente, marcando a zaga de Gana
impiedosamente.
O jogo avança, mas os ganeses, não. A seleção de Gana encontra uma
dificuldade cada vez maior de sair com a bola graças à marcação
implacável de Portugal. E conforme os minutos correm, Gana vai ficando
cada vez mais na defensiva e Portugal cada vez mais ofensivo. As bolas
aéreas portuguesas se tornam uma constante apesar do porte atlético e alta
estatura dos jogadores ganeses.
A expectativa devora meu estômago e o de todos os outros torcedores.
É um jogaço recheado de nervosismo e ansiedade pelo primeiro gol. Aos
trinta e quatro minutos do primeiro tempo, cada respiração no estádio fica
suspensa quando Tassio dá uma cabeçada.
O tempo para enquanto cada par de olhos no Stadium 974 acompanha a
trajetória da bola que estufa a rede pela primeira vez na estreia dos Gajos
no Catar. O camarote explode em festa e o estádio vai abaixo. E mesmo
enquanto pulo e grito, contagiada pela explosão ao meu redor, não consigo
desviar meus olhos de Tassio. Ele é uma máquina, ele é o Demolidor.
Arraes é uma bagunça de pele e músculos brilhantes de suor e uniforme
sujo enquanto comemora na lateral do campo com os colegas de time. Ele
ergue os braços, pedindo que a torcida cante mais alto e ela obedece ao seu
maestro, gritando “DEMOLIDOR” a plenos pulmões. Eu poderia voltar
para casa agora e, para mim, a copa já teria valido a pena mesmo que eu
ainda nem tenha assistido ao Brasil jogar, percebo.
— Perdida? — Pergunto baixo, parado atrás de uma Cacau confusa,
na primeira manhã de folga.
Eu a observei por alguns minutos antes de me aproximar. Seus
cabelos estão presos, como sempre, e, também como sempre, atiçando
minha imaginação sobre qual será a sensação de tocá-los, sobre o quão
ainda mais linda Cacau deve ficar com os fios livres e espalhados sobre
lençóis e travesseiros brancos. Os meus lençóis e travesseiros brancos.
Suas roupas também são a tradicional calça de tecido claro e camiseta
da assessoria de imprensa portuguesa, além do crachá de identificação.
Ela não se assusta com a minha aproximação sorrateira, mas o leve
estremecimento do seu corpo me diz que se seus braços e pernas não
estivessem cobertos, eu conseguiria ver os pelos arrepiados, assim como
consigo ver os de sua nuca.
Eu não deveria me aproximar tanto da jornalista bem no meio do
restaurante do hotel, mas com quase todos fora, quis o destino que eu a
encontrasse sozinha, provavelmente, prestes a tomar café da manhã.
É a primeira vez que a vejo sem que estejamos cercados por pessoas
desde aquele encontro em meu quarto. Conforme prometido, ela tem
sido uma sombra nem sempre tão silenciosa assim. Cacau vai aos
treinos, às sessões de fisioterapia e já participou até mesmo de uma
reunião tática que foi aberta para o canal da seleção portuguesa no
Youtube.
Ela fala somente comigo e quando não há ninguém prestando
atenção, nunca anota nada, mas seu gravador está sempre por perto. A
distância natural que se estabeleceu entre nós, de alguma maneira, só
torna a minha vontade de acabar com qualquer espaço entre a brasileira e
eu. Fazia realmente muito tempo que eu não me sentia tão determinado a
alguma coisa.

— Tassio. — Meu nome deixa seus lábios junto com um suspiro antes
de ela virar o corpo de frente para mim.
— Cacau. — Seus olhos se desviam e ela morde o lábio inferior. —
Perdida? — Repito a primeira pergunta que fiz.
— Surpresa. Acho que nunca vi o hotel tão vazio.
— É o dia de folga.
— E as pessoas realmente aproveitaram. — Comenta mais para si
mesma do que para mim. Eu rio.
— E você não pretende aproveitar?
— No meu quarto, assistindo tv.
— Sério? — Franzo as sobrancelhas.
— Sério. — Confirma baixinho.
— Por quê? — A pergunta é um impulso. Cacau volta a concentrar os
olhos em mim e me encara por quase um minuto inteiro antes de me
responder.
— Eu não falo inglês. — Recuo a cabeça e franzo as sobrancelhas,
genuinamente surpreso. Cacau vira o rosto para o lado, mas não antes
que eu percebesse a cor começando a tomar conta das suas bochechas.
— Eu conheço um lugar onde você só vai precisar do português.
Ele me trouxe para o almoço das famílias dos jogadores.
Aceitar o convite de Tassio foi mais um impulso do que qualquer outra
coisa, mas depois de uma semana na concentração, eu não esperava me sentir
tão pequena ao encontrar o restaurante vazio pela manhã.
Todos saíram para viver a novidade que é estar no Catar. Mesmo as
mulheres, porque são capazes de, no mínimo, se comunicar. Enquanto eu não
consigo superar meu pânico porque sei que, se me perdesse de Silvio por
alguma razão, eu estaria completamente perdida, em todos os sentidos.
Mas eu não esperava que saíssemos do hotel da seleção para o hotel das
famílias da seleção. Muito menos que estaríamos vindo para a versão
portuguesa de um churrasco em que, ao invés de assar carnes, linguiça e
frango na churrasqueira, eles assam peixe. Isso nem faz sentido, pelo amor de
Deus!
— Então, eu acho — Gaspar diz, sentando-se ao meu lado num sofá à
beira da piscina. — Que você devia me dar uma chance. — Eu jogo a cabeça
para trás em uma gargalhada divertida. Não é a primeira vez que ele diz algo
do tipo.
Andrei é exatamente o que aparenta ser, um cara jovem, lindo, confiante e
extremamente divertido. Nos últimos dias perdi a conta de quantas vezes
achei graça em ver a interação entre ele e Tassio. Eles são como água e vinho
e, na maior parte do tempo, acho que Arraes está desesperado para fazer
Gaspar sumir do mapa. Sinceramente, não entendo ainda como eles podem se
dar tão bem, apesar disso.
— Nós já tivemos essa conversa, Andrei. Eu estou aqui a trabalho. — Dou
a resposta de sempre, embora muito mais sorridente do que das últimas vezes.
Não estar num ambiente oficial faz com que eu me sinta muito menos
pressionada sobre o que os outros podem pensar. Andrei só está sendo legal,
não preciso ser clínica sobre isso. Pelo menos, não aqui.
O olhar de Tassio, a alguns metros de distância, me encontra e seus olhos
se estreitam quando ele percebe Gaspar sentado ao meu lado e, num timing
impressionante, o homenzarrão negro de sorriso fácil e brilhante decide que é
um bom momento para estender o braço por sobre o encosto do sofá, como
quem não quer nada.
Arraes mantém os olhos em seu amigo e em mim mesmo que Manoel, o
goleiro, esteja falando com ele. Tassio nem mesmo disfarça sua total falta de
atenção na conversa. Desde que chegamos, há pouco mais de meia hora, ele
ainda não havia me deixado sozinha por nenhum minuto sequer.
Ele só se levantou para pegar bebidas e, no caminho de volta, foi
interceptado por Manoel. Eu não me incomodei em ficar sozinha por mais
tempo, além de Gaspar não ser o primeiro a vir me fazer sala. A verdade é que
fiquei surpresa que Tassio não tivesse simplesmente me deixado sozinha
assim que chegamos. Fiquei grata também.
Tassio Arraes vem me surpreendendo e muito essa semana. Desde a
maneira como ele se comporta com seus colegas de time até a forma como
olha para mim. Apesar da conversa que ouvi, ele não fez nenhum movimento
em minha direção, o que, não importa o quanto eu intimamente esperasse que
acontecesse, não importa o quanto nossos corpos desejem que aconteça, ainda
assim, seria inapropriado.
— Eu entendi isso. — Andrei continua. — E respeito isso. — Diz e eu me
forço a desviar o olhar do maxilar trincado de Tassio para prestar atenção em
Gaspar.
Eu não deveria me sentir tão bem com a possibilidade de Arraes estar com
ciúmes, ou, pelo menos, incomodado, mas não consigo evitar, mesmo que eu
me recrimine por isso.
— Então por que nós estamos tendo essa conversa? De novo?
— Porque você está pensando a curto prazo. A copa não vai durar pra
sempre. — Eu gargalho outra vez.
— Você mora na Alemanha!
— E os aviões estão aí pra isso. — diz como se fosse uma coisa muito
simples.
— Você é hilário!
— É, Gaspar. Você é hilário. — A voz potente de Tassio afirma, atraindo
tanto a minha atenção quanto a de Andrei para o rosto nada satisfeito do
atacante.
— Qual é, cara? Você precisa me ajudar nessa. — Andrei pede, brincalhão
e Tassio revira os olhos.
— Eu acho que a sua mãe está te chamando, Andrei.
— Não, ela não está.
— Ah, ela está sim. — Arraes repete. — Definitivamente, ela está. Eu
posso ouvir daqui. — Diz entre dentes e é a vez de Andrei jogar a cabeça para
trás e gargalhar.
— Tudo bem, tudo bem. Eu me rendo. — O meio-campo ergue as mãos
espalmadas para cima ao se levantar. — Mas isso não é um adeus, é um até
logo. — Dá uma piscadinha olhando para mim antes de sair na direção de um
grupo de outros jogadores.
É impossível não rir, mas minha risada logo morre quando um Tassio
emburrado ocupa o espaço deixado por Andrei e me oferece um dos copos
que tinha na mão, aquele que tem refrigerante ao invés de água.
— Obrigada.
— Não por isso. — Diz tão objetivamente que soa quase rude.
— Você não precisa bancar minha babá, sabe? — Brinco, mas, ao mesmo
tempo, falo sério. — Você já me convidou, não precisa ficar preso aqui
comigo.
Tassio me olha por tanto tempo que acho que ele não vai me responder, vai
apenas roubar todos os meus segredos e me abandonar vazia aqui, na beira da
piscina mais linda em que já pus meus olhos, mas ele responde.
— Eu não sou sua babá, Cacau. Sou sua companhia. — Essas duas frases
não deveriam mexer comigo de maneira alguma, mas mexem.
— Por que sua família não veio?
— Essa é uma conversa oficial? — A pergunta substitui a dureza em sua
expressão por um ar de divertimento que me faz torcer os lábios.
— Não. — Reviro os olhos. — Nós estamos de folga, hoje.
— Minha mãe queria vir, mas eu não gosto da ideia de ela viajando e se
hospedando sozinha e meu irmão tinha uma viagem de negócios inadiável.
— Vocês parecem se dar bem.
— Nos damos.
— A sua mãe nunca se casou depois que vocês perderam seu pai, certo? —
Pergunto e uma das sobrancelhas de Tassio se ergue.
— Tem certeza de que essa ainda é uma conversa não oficial?
— Muito bem, do que você quer falar, então?
— Qual é a sua sobremesa favorita?
— O quê? — Recuo a cabeça, franzo o cenho e torço os lábios. — Por
quê?
— Porque as conversas oficiais são sempre sobre mim. É justo que as não
oficiais sejam sobre você. Eu não sei nada a seu respeito e você sabe tudo
sobre mim.
— Isso não é verdade. Tem muitas coisas que eu gostaria de saber sobre
você.
— Me diga algumas sobre você e, quem sabe, eu não me sinto um pouco
mais generoso?
— Você é um manipulador.
— Eu com certeza sou. — desvio os olhos, mas não evito o sorriso. — E
você gosta disso. — Ele constata, fazendo minhas bochechas esquentarem. —
Quem diria, hein? Isso definitivamente foi uma descoberta mais interessante
do que sua sobremesa favorita, mas eu ainda quero saber qual é.
— Eu não tenho uma. — Respondo aos risos e Tassio leva a mão ao peito
encenando ultraje.
— Não.
— Sim.
— Não mesmo.
— Com certeza, sim. Eu prefiro comidas salgadas.
— Isso é um sacrilégio. Isso é inaceitável. Você já comeu um pastel de
Belém?
— Já, e odiei. E sério? Pastel de Belém? Não dava pra ser mais clichê,
português?
— Uau! — Ele ergue a mão espalmada em minha direção, pedindo tempo.
— Uau! — Quando Arraes pousa mão de volta ao próprio colo, ele balança a
cabeça devagar, parecendo devastado. — Essa é uma decepção e tanto. Mudei
de ideia, não acho que eu possa ter conversas não oficiais com você hoje. —
Declara e me arranca uma gargalhada alta que chega a chamar a atenção de
algumas das pessoas ao nosso redor.
Tassio sorri também e não é aquele sorrisinho falso de sempre. Não, é um
sorriso de verdade que responde todas as minhas dúvidas sobre o quão mais
bonito ele ficaria. Infinitamente. Infinitamente mais bonito.
Ele está tão solto, tão leve. Tão diferente do homem tenso que eu vejo nos
treinos, sempre preocupado com alguma ameaça invisível.
— Eu prefiro assim. — Ele diz, interrompendo meus pensamentos e eu
pisco.
— Assim como?
— Quando as suas gargalhadas são pra mim. — Mordo o lábio quando
suas palavras se assentam cheias de significados entre nós e eu percebo que eu
também prefiro assim. — Qual é o seu animal favorito? — Muda de assunto
sem me dar a chance de responder ao anterior. — Se você me disser que não
tem um animal favorito, eu lamento, mas vou precisar me levantar e ir
embora.
— Eu gosto de raias.
— Raias? — questiona, cético.
— Raias.
— O peixe?
— Isso. — Balanço a cabeça para cima e para baixo, confirmando.
— O que há de errado com cachorros? — pergunta, inconformado, e eu
gargalho outra vez.
— Nada. Eu gosto de cachorros, mas você me perguntou qual era o meu
animal favorito. São as raias. Você já viu uma raia sorridente?
— Uma raia sorridente?
— Você sabe que não precisa repetir o que eu digo, certo? Só pra
confirmar.
— Ah, eu sei. Eu só realmente preciso de confirmação pra esses absurdos.
— Então você nunca viu uma raia sorridente. — determino. — Elas são
irresistíveis.
— Quantos anos você tem, Cacau? Eu preciso saber que você tem
salvação.
— Eu tenho vinte e não preciso de salvação, obrigada. — respondo e
Tassio interrompe o movimento que fazia de levar o copo de água à boca.
— Vinte?
— Você parece surpreso.
— Eu estou. — diz baixinho e abaixa os olhos para o chão, parecendo estar
falando mais consigo mesmo do que comigo. — Eu estou. — repete e ri
baixinho.
— O quê? — Arraes aproxima o rosto do meu e olha para os dois lados,
como se estivesse prestes a me contar um grande segredo. Involuntariamente,
me pego fazendo o mesmo, em expectativa.
— Você ainda tem salvação. — sussurra.

A sequência de letras aleatórias digitadas pelo bater constante da minha


testa contra o teclado do notebook são as primeiras palavras que escrevo em
duas horas. Depois de uma semana no Catar, esperava-se que eu já fosse capaz
de escrever algum tipo de relatório preliminar sobre quem é Tassio Arraes na
frente e por trás das câmeras, no entanto, mesmo com o auxílio das horas de
gravações, tanto do meu diário quanto daquele que uso durante o trabalho, não
fui capaz de produzir nada além de elogios ao homem.
Os dois gravadores idênticos ao lado do meu computador não aguentam
mais repetir, incessantemente, os mesmos trechos, mas mesmo que eu avance
e retroceda um milhão de vezes nossas conversas, minhas conclusões
primárias não mudam: Arraes é um jogador do caralho, um bom amigo, um
excelente líder e uma pessoa doce.
O problema é que eu não posso escrever isso, porque isso não combina em
nada com o homem que conheci dois anos atrás. O homem que me fez
companhia hoje, me arrancou gargalhadas sem fim e me tratou, o tempo todo,
como se eu fosse preciosa, não é o mesmo que teve a capacidade de destratar
uma criança que só queria conhecer seu ídolo. Expulso o ar dos pulmões, me
apegando à lembrança daquele dia.
Era um típico dia de verão no Rio de Janeiro, o que significava uma
sensação térmica de mais de cinquenta graus, mas eu não me importava.
Acamparia na porta do Copacabana Palace por quantas horas fossem
necessárias se isso significasse que meu irmão, de apenas seis anos na época,
teria sua camisa do Bayern de Munique autografada pelo seu grande ídolo do
momento: Serge Bnertch.
E, se de quebra eu ainda conseguisse dar uma espiada no meu crush
supremo, Tassio Arraes, que também estava de férias no Rio e hospedado no
Copacabana Palace junto com seu colega de time, bem, então eu seria capaz
de montar acampamento na porta do hotel mais luxuoso da minha cidade por
no mínimo uma semana.
Não precisou de tudo isso. Depois de seis horas no sol, eles chegaram. Eu
não era a única esperando, é claro. Mas era uma das poucas mulheres. Puxei
Felipe pela mãozinha pequena e, só Deus sabe como, consegui chegar perto o
suficiente da dupla de jogadores para que eles me ouvissem.

— Hey! Please, Serge! My brother is a Huge fan of you! [11]— Gritei sobre
as vozes da multidão com meu inglês precário, aprendido no google tradutor
especificamente para aquela ocasião.
Mas quem me respondeu não foi aquele de quem meu irmão esperava
atenção e sim aquele por quem eu queria muito ser notada. Tassio se virou em
minha direção e seus olhos travaram nos meus pelo que pareceu uma
eternidade.
Meu corpo se tornou impossivelmente mais quente depois de seis horas
sob o sol escaldante do Rio de Janeiro e eu fui completamente incapaz de
dizer qualquer coisa para o único, entre os dois por quem passei horas
esperando, com quem eu realmente poderia me comunicar de maneira
decente. Então eu sorri. Era tudo o que eu me sentia capaz de fazer de
maneira minimamente não tão embaraçosa.
Arraes, no entanto, pouco se importou com minha cordialidade. Ele
desviou o olhar de mim para Felipe que, mesmo não achando que era ele o
melhor jogador andando sobre a face da terra naquele momento, olhava para
Tassio como se ele fosse um deus.
— Nos deixe em paz! Nós estamos cansados. — O atacante do Bayern
disse sem qualquer pudor, virou as costas, e entrou no hotel.
Eu pisquei, atordoada por vários segundos antes do choro do meu irmão
me despertar. Peguei um Felipe aos prantos no colo e o abracei enquanto
meu coração se despedaçava com sua primeira decepção que era muito mais
do que amorosa, era de caráter.
Que tipo de pessoa fazia uma coisa daquelas? Definitivamente, uma ruim.
Pisco quando a lembrança se desfaz como fumaça. Uma pessoa ruim. É
esse o tipo que Tassio Arraes é e eu não posso me deixar esquecer nem por um
segundo. Não de novo.
Determinada a apagar a tarde mentirosa que passamos juntos da minha
cabeça, pego celular e abro meu grupo com as meninas. Nele, o endereço de
um café numa região de imigrantes brasileiros no Catar me espera, assim
como todas as instruções de como chegar até ele, como Mah havia prometido.
Abro o contato de Silvio e ligo para ele. Vou precisar de um motorista.
O apito da chegada do elevador ao térreo me distrai da espera pela resposta
da recepcionista. Viro o rosto na direção das portas de metal.
Uma Cacau concentrada passa por elas sem ver nada ao seu redor, apenas
aquilo que está à sua frente. Abro a boca para chamá-la, mas a recepcionista
escolhe esse momento para encontrar a informação pela qual passei os últimos
cinco minutos esperando e me chama.
Eu a ouço, mas não presto atenção. Só consigo me perguntar o que
exatamente Cacau pode estar indo fazer fora do hotel quando falta muito
pouco para o anoitecer e ela me confidenciou ainda esta manhã, que não fala
inglês. Levo um tempo para perceber que o sentimento em meu peito é
preocupação. O Catar não é o país mais seguro do mundo para uma mulher,
ainda mais uma mulher sozinha.
É uma decisão impulsiva, mais uma, na verdade, que tomo nos últimos
dias graças a essa menina. Saio do hotel procurando por ela e a vejo entrar no
banco de trás de um carro. Mordo o lábio sabendo que eu deveria parar de
obedecer aos meus impulsos exatamente aqui, mas não consigo.
Meu carro ainda está estacionado na frente do hotel, aguardando que o
Vallet o leve para o estacionamento subterrâneo. Entro nele e, sem pensar nem
um pouco a respeito, sigo o carro que vi Cacau entrar. É uma viagem curta e
tensa. Vinte minutos depois, paro o carro em frente a um café de nome “Brasil
no Catar”.
As janelas de vidro deixam ver todo o espaço interno da cafeteria que se
parece muito com uma Starbucks[12]. Ainda dentro do carro, observo Cacau
sair daquele onde estava, entrar no estabelecimento evidentemente brasileiro,
sentar-se em uma mesa, tirar um notebook da bolsa, abri-lo e, depois de
alguns minutos, acenar para o que eu imagino que seja uma câmera.
Uma chamada de vídeo? Ela veio até aqui para fazer uma chamada de
vídeo? Por quê? Eu deveria ir embora. Aquilo que começou como
preocupação começa a se parecer muito com invasão de privacidade, mas,
ainda assim, não saio do lugar. Como ela vai voltar para o hotel?
Levo a mão à nuca e faço pressão ali. Tassio, Tassio. Que porra você está
fazendo? Balanço a cabeça em negativa e dou partida no carro mesmo que
tudo em mim se rebele contra a simples ideia de deixar Cacau sozinha.

Duas horas depois, ela continua no mesmo lugar. Voltei aqui só por
desencargo de consciência. Ou, talvez, eu tenha passado as últimas duas horas
dirigindo sem destino apenas para dar privacidade à jornalista e, depois, ainda
assim, poder levá-la de volta ao hotel em segurança.
A noite já engoliu a cidade desértica e eu desligo o carro, determinado a
colocar um fim na minha própria atitude maníaca. O plano é simples: entrar
no café, fingir que é uma grande coincidência encontrá-la ali e oferecer uma
carona de volta para o hotel. Ela aceita, nós voltamos e, como recompensa
pelo comportamento perturbador, ganho mais meia hora sozinho com Cacau.
É um bom plano, digo para mim mesmo, me recusando a pensar no quão
absurdo ele é, ao invés disso.
O carro se fecha assim que atravesso a rua e eu entro na cafeteria. A dupla
mudança brusca de temperatura no espaço de menos de um minuto me faz
ofegar. Porra. Que país quente do caralho. Meus olhos têm destino certo e
encontram Cacau rapidamente. Ela ainda está falando com alguém por vídeo,
mas de costas para a porta, não me vê.
Vou até o balcão de produtos quentes, acreditando que é melhor que eu a
aborde segurando alguma coisa, provavelmente, vai tornar minhas desculpas
ridículas mais críveis. E não poderia ser só uma água, certo. Um café. Um
café brasileiro faria mais sentido. Peço um ao atendente e ele pergunta que
nome escrever no copo.
Digo nome e sobrenome na esperança de que a própria Cacau ouça quando
ele me chamar e que a cena inteira me poupe das minhas justificativas mal
ensaiadas para a minha presença aqui. O rapaz é brasileiro e não tem
dificuldade alguma em entender e escrever meu nome, mas para minha
frustração, nada acontece quando ele me chama para entregar o café.
Cacau continua tão entretida em sua conversa quanto estava antes e eu não
tenho opção, a não ser me aproximar. Faço isso devagar, preocupado que,
quem quer que seja a outra parte da conversa, possa me ver através da câmera
e perceber o quão ruim é minha encenação. No entanto, conforme dou passos
na direção da mulher com quem passei boa parte do meu dia hoje, me torno
capaz de ouvir o que ela está dizendo tão acaloradamente e não é nada que eu
imaginaria ouvir dos seus lábios.
— Ele é um filho da puta manipulador! — declara com ênfase o suficiente
para me deixar preocupado de que algo tenha acontecido nas duas horas em
que a deixei aqui sozinha. — Eu quase esqueci. — diz e ri sem humor. — Mas
se ele pensa que meia dúzia de palavras açucaradas e uma semana se fazendo
de bom moço vão me convencer de que ele magicamente mudou de
personalidade e me impedir de relatar quem ele realmente é, Tassio Arraes vai
ter uma grande surpresa.
Eu interrompo meus passos quando há pouco menos de meio metro de
distância entre nós. Espera, ela está falando de mim? Eu sou o filho da puta
manipulador?
— Sabe de uma coisa? Isso tudo só vai tornar meu plano inicial muito
melhor. — digo, usando as palavras como combustível para a raiva fluindo em
minhas veias desde o momento em que me entreguei à lembrança do dia em
que vi Tassio pessoalmente pela primeira vez.
— Ca. — Thalissa me chama, mas eu ainda não estou pronta para parar de
destilar meu veneno. Eu preciso colocar tudo para fora ou corro um sério risco
de me engasgar com ele e não acordar amanhã.
— Eu vou expor o tipo de pessoa que ele é quando ninguém está olhando
pra qualquer pessoa que comprar esse maldito livro e vou comemorar como se
fosse o Brasil conquistando o hexa a cada vez que um trecho particularmente
invasivo sobre Tassio for compartilhado no Twitter.
— Cacau. — Thalissa tenta outra vez apenas para que eu continue
ignorando-a.
—Então, a cereja do bolo vai ser conseguir...—
— CACAU! — Dessa vez, minha amiga grita meu nome, me assustando e
me fazendo arregalar os olhos.
— O quê?
— Cala a porra da boca e olha pra trás! — Não penso sobre o motivo de
ela estar me pedindo isso, só obedeço, ansiosa para cumprir a missão e voltar
a falar mal de Tassio. Há apenas um obstáculo entre a concretização do meu
plano e eu: um Arraes absolutamente chocado que, aparentemente, ouviu cada
uma das muitas palavras que eu acabei de dizer.
— Uau. — diz depois de minutos inteiros durantes os quais nos encaramos
em silêncio. — Isso com certeza foi esclarecedor. — Seu tom é tão
desapontado que sinto minha coragem e militância anti-Tassio Arraes
murcharem como balões furados.
Abro a boca, mas a fecho sem que nenhuma palavra tenha passado por ela,
porque o que eu poderia dizer? Que ele entendeu errado? Que não era nada do
que ele estava pensando? Não vou mentir para nenhum de nós dois desse
jeito, mesmo que, dentro de mim, o arrependimento já esteja brotando como o
espinho de crescimento mais acelerado da história.
— Eu vou deixar você terminar seu café e sua conversa. Boa noite, Cacau.
— Se despede e vira as costas antes que eu tenha a chance de responder. Ele
dá dois passos na direção da porta antes de parar de andar. Tassio aperta os
punhos e se vira ficando, outra vez, de frente para mim. — Você tem como
voltar para o hotel? — pergunta entre dentes e com as narinas inflando à
medida que expirações agressivas passam por elas. Eu engulo em seco.
— Tenho. — respondo baixinho.
— De forma segura?
— Sim. Rita me contratou um motorista para o caso de eu precisar sair do
hotel. Foi ele que me trouxe.
— Muito bem, então. Boa noite. — Dessa vez, ele não para. Tassio sai da
cafeteria sem olhar para trás.
Não consigo parar de me movimentar.
Há uma energia nervosa explodindo dentro de mim que torna impossível
ficar parada. Ando de um lado para o outro no meu quarto. O que eu deveria
fazer? Bater na porta dele? Eu provavelmente nem conseguiria chegar ao seu
andar. O passe que me foi dado para chegar lá na nossa primeira entrevista, a
essa altura do campeonato, já foi para lá de cancelado.
E mesmo que eu conseguisse bater em sua porta. O que eu deveria dizer?
Que eu odeio pelo que ele fez há dois anos? Que um evento corriqueiro em
sua vida marcou a minha e a do meu irmão para sempre? Que odiá-lo é a
única corda a que posso me apegar porque meu corpo não consegue ficar
perto dele sem entrar em parafuso e que minha mente ameaçava ir pelo
mesmo caminho depois de apenas uma tarde de conversa?
Eu não sei qual das confissões seria mais patética, mas sou impedida de
continuar me debatendo a respeito quando a batidas soam em minha porta.
Caminhar até ela e abri-la é um movimento automático e completamente
impensado, porque um, eu estou vestindo uma camisola ridiculamente curta e
dois, quem poderia ser às onze da noite no Catar?
Se Tassio for me mandar para casa, eles vão esperar pelo menos até
amanhã de manhã antes de pedir que Wilker venha me dispensar, certo? No
entanto, não é o assessor de imprensa da seleção portuguesa que encontro em
minha porta quando a abro, é Tassio Arraes.
— Posso entrar? — pergunta sério como eu nunca vi antes, nem mesmo na
coletiva de imprensa. Minha resposta é abrir caminho para que ele passe e,
logo depois fechar a porta. Viro-me na direção do recém-chegado ao meu
quarto e apoio meu peso contra a superfície de madeira em minhas costas.
A presença de Tassio parece mudar até mesmo o ar ao meu redor e, se
antes havia uma energia nervosa consumindo cada grama do meu ser, agora há
expectativa e outra coisa. Uma que eu me recuso a nomear.
— Eu passei as últimas duas horas tentando descobrir o que fazer agora,
Cacau. Mas considerando o tanto que você tem a dizer sobre mim, achei que
seria melhor vir te perguntar. O que você acha que eu deveria fazer? —
Apesar de as palavras escorrerem sarcasmo, o tom usado é sério e
inquestionável. Eu engulo em seco, de repente, extremamente confusa sobre
todos os sentimentos girando como um tornado dentro de mim.
— Eu não sei o que você quer dizer.
— Você está tão convencida de que eu sou esse “tipo” de pessoa. —
explica, fazendo sinal de aspas ao dizer a palavra tipo. — E eu me pergunto, o
que ela faria, Cacau?
— Eu posso ter me excedido com as coisas que eu falei, mas elas não eram
pros seus ouvidos e você também não é inocente, Tassio.
— Inocente de que, porra? — pergunta, perdendo o pouco controle com o
qual chegou aqui e dando um passo em minha direção.
Minhas costas se pressionam ainda mais contra a madeira na tentativa de
se fundir a ela e Tassio para, apertando as mãos em punhos com tanta força
que suas unhas provavelmente estão ferindo a pele de suas palmas.
— Você nem se lembra, não é? — rio sem humor algum. — Sabe, Arraes?
É pela forma como as pessoas tratam àqueles que não importam que nós
conhecemos seu verdadeiro caráter.
— Do que você está falando? — pergunta, pontuando as palavras.
— Do dia em que nos conhecemos! Mas você não se lembra, é claro que
você não lembra. Eu não era ninguém pra você, eu ainda não sou ninguém pra
você.
— Dezessete de janeiro de dois mil e vinte. — Ele diz a data precisa do
nosso encontro na porta do Copacabana Palace e eu congelo.
Ela acha que não me lembro dela. Que piada do caralho quando, por
praticamente todos os dias, desde então, seu rosto assombrou meus
pensamentos.
Primeiro, a beleza dele, depois a juventude que fazia eu me recriminar
sempre que pensava nela, me perguntando se a garota que se recusava a
abandonar meus pensamentos era, pelo menos, maior de idade. Graças a
Deus, sim, porra!
E, é claro, havia a decepção escancarada em seus olhos com a minha
atitude. Outra coisa que sempre me perguntei: Ela tinha entendido o que
realmente aconteceu naquele dia? Parece que não.
Nunca fui um homem governado pelas minhas vontades e atribuo a isso
meu sucesso no futebol. A disciplina me trouxe até aqui, mas, agora,
enquanto olho para o rosto espantado de Cacau, a última coisa que se passa
pela minha cabeça é ser um homem disciplinado.
Foda-se.
Elimino a distância entre nós dois com um único e largo passo. Seu
corpo já estava prensado contra a porta, o que facilita e muito a minha vida.
Ela ofega quando meu calor envolve sua pele sem tocá-la. Milímetros de
distância evitam que nossos troncos se pressionem um contra o outro e eu
espalmo as mãos ao lado de sua cabeça.
Cacau parou de respirar e quando voltar, será impossível que o
movimento de subir e descer dos seus peitos não faça com que eles se
esfreguem em meu tórax.
— Perdeu as palavras, Cacau? — Ela morde o lábio, seus olhos grandes
e castanhos se erguem para encarar os meus. Os lábios entreabertos sopram
morno em meu queixo, arrepiando cada centímetro meu.
Não tento impedir o latejar insistente entre as minhas pernas. Meu pau
pulsa, excitado pelas densas ondas de desejo nos envolvendo, pesando o ar
do quarto imenso que, de repente, não parece maior do que uma caixa de
sapatos que continua a diminuir.
O laço já familiar ao nosso redor se torna mais apertado a cada segundo,
exigindo que toda e qualquer distância que nos separa seja sumariamente
eliminada, povoando cada centímetro meu com absoluto desespero para
tocar Cacau, para descobrir a sensação da sua pele sob minhas palmas, o
gosto da sua boca em minha língua.
— Você se lembra. — Ela finalmente responde.
— O que você acha que aconteceu naquele dia, Cacau?
— Por que você se lembra? — questiona genuinamente surpresa e eu rio
antes de aproximar o rosto do seu. Ela estremece contra a madeira e seu
cheiro domina cada um dos meus sentidos quando eu o inspiro
profundamente.
— Eu perguntei primeiro. — Ela engole em seco quando seu corpo se
movimenta sem saber se quer espaço ou toque.
— Eu lembro — começa, mas pausa, puxa uma inspiração profunda que
faz seu peito inflar e os mamilos, visíveis através da fina camisola preta que
ela usa, roçarem em minha camiseta. Nós vamos precisar ter uma conversa
sobre roupas apropriadas para se abrir a porta para uma visita. Cacau
umedece os lábios em uma provocação totalmente inconsciente antes de
continuar. — Eu lembro de você tendo um ataque de estrelismo e
maltratando a uma criança inocente por isso. — consegue completar o
pensamento, mas as palavras não têm nada da força, que eu tenho certeza,
que sua dona gostaria de imprimir.
— Foi o que eu pensei. — Abaixo o rosto e deslizo a ponta do nariz na
curva do pescoço e do ombro finos. A pele lisa se arrepia com o resvalar,
Cacau geme baixinho e é a porra do som mais gostoso que eu já ouvi na
vida.
— Tassio. — Ela adverte fraca.
— Tudo o que você tem que fazer é me pedir pra parar e eu paro. —
sussurro contra sua pele antes de plantar um beijo suave ali.
— Tassio. — Dessa vez, meu nome soa muito mais como uma súplica
do que como uma advertência.
— Me diz pra ir embora e eu vou, Cacau. Me diz que não me quer aqui,
e eu saio sem olhar pra trás. — Levanto a cabeça e emparelho nossos olhos.
— Me diz que não me quer.
Suas mãos chegam antes da sua boca.
Erguendo-se nas pontas dos pés, Cacau cola os lábios nos meus, um
segundo depois de seus braços envolverem meu pescoço. É como ter
adrenalina injetada diretamente na veia. Sua língua invade minha boca com
uma fome muito mais antiga do que a semana de convivência no Catar e eu
me pergunto, se, assim como eu, desde aquele encontro, dois anos atrás, ela
também se perguntava se algum dia esse momento chegaria.
Colo meu corpo ao seu. A sensação dos seus peitos se esfregando em
mim é a porra do paraíso e leva somente um instante para que eu a tenha em
meu colo. Suas pernas enlaçam minha cintura com firmeza enquanto
minhas mãos exploram cada centímetro de pele que encontram até serem
capazes de se infiltrar sob o tecido fino do qual eu não vejo a hora de me
livrar.
Mordo seu lábio com força e ela geme alto, esfregando-se mais em mim.
Uma das alças de sua camisola cai pelo ombro e eu desço minha boca,
lambuzando seu queixo e pescoço de saliva enquanto faço meu caminho até
a pele recém-exposta. Beijo seu ombro, lambo e continuo descendo até que
a curva do seu seio esteja sob o toque dos meus lábios.
— Todas as coisas que eu quero fazer com você, menina... — Só
percebo que expressei meus pensamentos em voz alta quando ouço uma
resposta atrevida, ofegante e choramingada, tudo ao mesmo tempo, para
eles.
— Por favor, que me comer seja a primeira coisa dessa lista, por favor.
— Eu rio contra a pele macia antes de cravar os dentes no alto dos seios
cada vez menos cobertos pela camisola prestativa que continua revelando
uma quantidade cada vez maior de pele.
— Com certeza é, bebê. — E, para confirmar minhas palavras, deslizo
as mãos pela pele quente, enrolando o tecido que a cobre no processo, até
que eu consiga arremessar a camisola para um lugar que sequer vejo. Tiro
um minuto para observar os peitos pesados de mamilos rosados, o abdômen
macio, a pele deliciosa. — Você é toda gostosa, não é? — pergunto e
alcanço um dos mamilos com o polegar. Cacau derruba a cabeça contra
porta, entregando-se imediatamente às sensações.
Levo minha boca até o vale entre os seios. Eu quero fazer isso devagar,
depois rápido e, então, devagar outra vez. Lambo a curva dos seus peitos,
chupo, me farto com o sabor delicioso e acho que poderia fazer isso o dia
todo apesar da dor em minhas bolas e, talvez eu realmente pudesse, se
Cacau não começasse a rebolar, subindo e descendo, esfregando-se em
minha ereção.
— Quer gozar, bebê?
— Preciso. — choraminga enquanto mantém o movimento dos quadris,
usando o apoio em meus ombros para dar impulso. Seus olhos estão
fechados, a cabeça derrubada para trás, e a maior parte do seu corpo nu, e
os gemidos que deixam seus lábios se tornam cada vez mais altos.
Deixo que ela persiga o próprio prazer enquanto eu assisto ao show mais
delicioso da minha vida. Cacau gozando apenas com a fricção da boceta
ainda coberta pela calcinha contra as minhas calças é com certeza, a minha
nova lembrança de sexo favorita, principalmente quando é meu nome que
deixa sua boca quando ela explode, se convulsionando inteira.
É o meu limite.
Assalto sua boca sem conseguir pensar em mais nada que não seja estar
dentro dela, agora. Seu beijo é tão faminto quanto antes mesmo que ela
tenha acabado de gozar e, rapidamente, minha camiseta se juntou à sua
camisola no chão. As mãos pequenas descem, procurando o fecho da minha
bermuda e eu saio dos meus sapatos enquanto isso, mas a cueca ainda fica.
— Porra! — reclamo para ninguém em particular e Cacau dá uma
risadinha. Ela solta o aperto de suas pernas ao redor de minha cintura e eu
apoio no chão por tempo o suficiente para tirar a sunga e pegar uma
camisinha em minha carteira.
A menina não perde nenhum segundo do meu trabalho de vestir o
preservativo enquanto morde o lábio inchado. Uma imagem daquela boca
deslizando ao redor da minha ereção invade minha mente e me torna ainda
mais dolorido. Depois, caralho! Com certeza, depois.
— Me diz que eu posso te comer contra essa porta? Hein? — Peço,
encaixando minha mão em seu pescoço e pressionando-me inteiro contra
ela. A sensação de pele contra pele é uma loucura do caralho. Cacau geme e
impulsiona os quadris para frente, espremendo minha ereção entre nós.
Aperto os dentes quando o prazer finca suas garras em mim e as arrasta
torturantemente a cada movimento do corpo se esfregando contra o meu.
Minha mão encontra sua cintura como se um imã a estivesse atraindo para
lá e tornando impossível ficar longe.
Deslizo a palma para baixo e acaricio a coxa farta, gostosa para caralho,
antes de contorná-la e infiltrar um dedo sob a calcinha de algodão branca. O
tecido completamente encharcado me dá as boas-vindas e, outra vez, sem
paciência para esperar, Cacau empurra para frente, fazendo meu dedo ser
engolido pelos grandes lábios.
— Porra, Cacau! — murmuro quando sua umidade encharca meu dedo.
Ela está mais do que pronta.
— Agora você tem a obrigação de fazer isso. — geme e, outra vez, fica
na ponta dos pés em um pedido silencioso que mais se parece com uma
ordem silenciosa.
Abandono o calor da sua boceta para tirar sua calcinha e quando a tenho
completamente nua, espalmo as mãos em sua bunda. Cacau pula, prendendo
as pernas ao redor da minha cintura novamente.
Nos encaramos por algum tempo antes de ela começar a rebolar. Meu
pau encontra sua entrada quase imediatamente, como se soubesse que
aquele é o seu lugar. A pressão faz uma gota de suor escorrer pela minha
coluna já na entrada. Apertada.
— Apertada pra caralho, bebê. — Estoco de uma vez, preenchendo-a
por completo e seu grito e meu grunhido inundam o quarto com uma
sinfonia de dois sons.
Com meu pau totalmente afundado em sua boceta quente, eu a beijo,
porque quero devorá-la inteira, não só uma parte ou outra, não uma coisa de
cada vez. Eu quero tudo e ao mesmo tempo. Quero seus gemidos, seus
suspiros, quero sua boca, sua boceta, seus gritos e seu gozo.
Total e completamente preenchida é como eu me sinto.
Tassio é enorme e alarga minhas paredes em uma pressão deliciosa, mesmo
parado, mas isso não dura muito. O primeiro movimento é sutil, ele sai
devagar, me fazendo suspirar de satisfação. Mas o segundo é o completo
oposto. Arraes estoca rápido e forme, me arremessando na lua.
— Puta merda! — grito, completamente consumida pelo prazer disparando
em minhas veias como se fosse uma bolinha de pinball[13]. Tassio mal
começou e eu já acho que meu corpo está prestes a entrar em curto-circuito.
Não consigo pensar em nada que não seja a necessidade de mais, não
consigo ver nada que não seja o homem entrando e saindo de mim, não
consigo sentir nada que não seja o cheiro do seu corpo quente e suado ou o
gosto da sua boca e eu não suportaria que um detalhe sequer fosse diferente
disso. Ele é uma delícia. Sua boca me beija, suas mãos me acariciam e seu pau
me fode até que eu perca a consciência do meu próprio corpo.
Tudo o que existe é prazer. Uma piscina dele na qual estou me afogando.
Cada investida de Tassio me empurra mais para baixo dentro dela e eu nunca
achei que ficar sem ar poderia ser tão delicioso, até que todo o meu corpo se
estilhaça e bate contra uma superfície muito real atrás de mim, me puxando de
volta para realidade. Eu pisco.
— Linda, bebê. Linda pra caralho. — murmura contra os meus lábios
abertos antes de rebolar completamente dentro de mim.
Mesmo sobrecarregado, meu corpo saúda a sensação deliciosa. Eu
choramingo, achando que não vou mais suportar. Tassio não se importa e,
depois de me torturar com mais duas reboladas, volta a me foder furiosamente
e antes que eu possa me parar, estou gritando e gemendo outra vez.
— Tassio! — Seu nome é uma prece exaltada em meus lábios quando eu
aperto meus dedos em seus ombros tendo a certeza de que o próximo orgasmo
vai varrer minha existência do mundo. — Tassio!
Jogo a cabeça para trás, batendo-a contra porta, mas não me importando
com a dor. Não quando o êxtase me domina da unha do dedo mínimo dos pés
até a raiz dos cabelos e a boca de Arraes me consome num beijo avassalador
enquanto ele encontra o próprio gozo completamente enterrado em mim.
— Ah, bebê. — Ele diz abrindo os olhos escuros e focando-os em mim. —
Eu espero que você não tenha esquecido que esse era só o item número um.

— Por favor, me diz que sua lista acabou? — peço ofegante depois de sabe
Deus qual orgasmo. Parei de contar no quinto. — Eu estou exausta. —
reclamo, sentindo todo o meu corpo mole e minha mente prontíssima para se
entregar ao sono dos campeões.
Tassio ri e se vira na cama, encostando a frente do seu corpo a lateral do
meu. Sua boca ainda tem resquícios da minha umidade e ele passa a língua
sobre os lábios como se não quisesse desperdiçar nenhuma gota do meu gozo.
Minha boceta sem noção palpita, querendo mais da sua língua, mesmo que eu
não ache que aguente outro orgasmo sem desmaiar.
— Por hoje. — decreta e deixa um beijo no meu ombro. Se eu estivesse
um pouco menos sonolenta, talvez prestasse atenção ao que está implícito na
declaração, mas eu não estou.
— Você deveria ir. — Ele ri outra vez.
— Você é engraçada. — Essas palavras me despertam, pelo menos um
pouco e eu sento na cama.
— O quê?
— Nós ainda não conversamos, bebê. — É ridículo que ele me chame
assim, no entanto, cada vez que essa palavra deixou sua boca essa noite eu
não fiz nada além de derreter. Dessa vez, não é diferente, mas eu finjo que é.
— Você disse que se eu pedisse pra você ir embora, você iria.
— E, ao invés disso, você me beijou.
— Eu estou pedindo agora. — digo e puxo o lençol para me cobrir. Tassio
segura minha mão no meio do movimento e meneia a cabeça em um sinal de
negativa. Segundos depois, ele está montado em mim, prendendo minhas
pernas entre as suas, com seu pau em descanso entre nós.
— Se esconder de mim não vai mudar o que aconteceu. — Ele leva a mão
à minha nunca, me arrepiando inteira. Esse carinho precisava ser tão gostoso?
Mas que inferno.
— Eu não disse que mudaria. Aconteceu. Foi uma coisa de uma noite, um
lance. Agora você vai embora, nós dormimos e, quando acordarmos, será
outro dia em que nós não seremos nada além de colegas de trabalho. — Ele ri
mais.
— De novo, bebê. Você é engraçada.
— Tassio! — Alerto, entredentes.
— Você não pode ter só a parte boa, Cacau. Não me mandou embora
quando teve a chance. No meu pacote, sexo vem com conversa. Não importa a
ordem dos fatores, mas você não pode ter só um ou outro.
— Teria sido interessante saber disso antes. — digo irritada e o sorriso
cretino no rosto de Arraes cresce. Sua mão se fecha em um aperto nas raízes
dos meus cabelos e é impossível não gemer.
— Jura, Cacau? — Ele sussurra, trazendo a boca para tão perto do meu
rosto que sou capaz de sentir seu hálito morno em minha bochecha. — Teria
mudado alguma coisa?
— Talvez. — choramingo.
— Mentirosa. — Ele me solta e sai de cima de mim, sentando-se ao meu
lado na cama. Sinto falta do seu toque imediatamente. Olho para ele e a
pergunta deve estar estampada em meus olhos. — Nós precisamos conversar
e, se eu continuar tocando você, não vamos fazer isso, porque eu vou te foder,
de novo. E, além disso, você está cansada. — Ergo uma sobrancelha, dizendo,
sem palavras, que ele não parecia muito preocupado com isso a apenas alguns
segundos. Tassio estala um beijo em meus lábios antes de responder ao que eu
não disse. — Eu poderia transar com você por uma semana inteira, bebê. Mas
não sou um homem das cavernas. Posso te dar algumas horas pra descansar.
— Ele dá uma piscadinha sacana e eu arfo.
— Algumas horas? Você está jogando uma copa do mundo, homem!
— E você está perdendo o foco. — Ele pausa e sua mão procura a minha.
— Nunca esqueci o seu rosto, sabia? Eu continuava pensando em você, dia
após dia, e não fazia ideia do porquê. — Esse conhecimento não deveria
significar nada para mim, certo? Mas que mulher consegue ficar indiferente
quando Tassio Arraes lhe diz que passou os últimos dois anos sem conseguir
tirar seu rosto da cabeça? Pelo amor de Deus, uma, sem dúvida alguma, como
muito mais bom senso do que eu. — Eu esperava que você tivesse entendido o
que aconteceu naquele dia.
— E o que aconteceu naquele dia? — Foco nos fatos ao invés de nas
acrobacias que meu coração decidiu fazer em meu peito.
— Serge não estava adequado para falar com uma criança.
— Adequado? — Franzo as sobrancelhas e Tassio ergue as dele. Quando
não dou sinais de estar entendendo o que ele não quer dizer, Arraes suspira.
— Ele estava drogado, Cacau. Eu tentei avisar com o olhar.
— Mas você nunca deu qualquer indício de que tinha algo de errado com
ele. Você só olhou pra mim.
— É, talvez eu tenha esquecido dessa parte da mensagem. — Ele coça a
cabeça.
— Tassio!
— Eu sei. — Arraes dá uma risadinha sem jeito. — Em retrospecto, talvez
eu não tenha sido o melhor comunicador na ocasião. De qualquer maneira,
você gritou que seu irmão era muito fã dele, então eu achei que seria melhor
pra uma criança que alguém com quem ele não se importava fosse o estúpido,
ao invés de o seu ídolo.
— Uau.
— Difícil de acreditar? — Eu rio sem humor.
— Toda essa situação é difícil de acreditar, Tassio. Não me leve a mal, mas
eu estou nua, numa cama no Catar, ao lado de um Tassio Arraes também nu
enquanto ele me explica que o ódio que vim alimentando por ele nos últimos
dois anos foi fruto de um grande mal-entendido. Isso, é claro, sem mencionar
o fato de que essa conversa está acontecendo depois de ele me exaurir de tanto
me fazer gozar.
— Você esqueceu de acrescentar que ele passou os últimos dois anos
pensando em você. Querendo saber seu nome e, se um dia, te veria de novo.
— Eu me viro novamente em sua direção. Ele não teria por que mentir sobre
isso, sobre qualquer uma dessas coisas, na verdade.
— Eu não sei o que fazer agora. — digo, honestamente. Tassio sorri mais
um dos seus muitos sorrisos de verdade que recebi hoje.
— Eu tenho algumas ideias. — comenta, brincando com os nós dos dedos
da minha mão antes de beijá-los.
— É mesmo? Que tipo de ideias?
— Como é que você chamou a nossa noite?
— De uma noite? — Ele estala a língua.
— Não. De um lance. Você chamou de um lance.
— E o que tem?
— Minhas ideias incluem muitos desses.
— Você está jogando uma copa do mundo! — O lembro, pela segunda vez,
mesmo que ao terminar de falar, eu já esteja sentada em seu colo.
— Então nós vamos precisar aproveitar muito bem as folgas. — Tassio
aproxima o rosto do meu e envolve minha cintura em seus braços.
— E ninguém vai poder saber. — aviso.
— Por enquanto.
— Nada de por enquanto. — protesto. — Um lance. Enquanto a copa
durar. E ninguém nunca vai saber. — determino.
— Um lance, bebê. Isso é tudo com o que você vai conseguir me fazer
concordar. — E antes que eu possa reclamar, sua boca me cala.
— Preciso da sua ajuda. — Gaspar diz assim que senta ao meu lado
no restaurante do CT.
Na extremidade oposta do salão, Cacau está sentada com o grupo de
jornalistas responsável pelo canal do Youtube da seleção. Ela se
encontrou entre eles, é claro que se encontrou. São os jornalistas mais
jovens da equipe. Um deles, inclusive, parece interessado demais no que
Cacau tem a dizer e eu estreito meus olhos em sua direção.
Desde nosso encontro em seu quarto há três noites, tem sido
necessário um esforço genuíno para não bater em sua porta diariamente.
Não me orgulho de ter saído de fininho antes que amanhecesse, mas se
esse é o preço de tê-la toda para mim, eu o pago com prazer. Ela é tão
gostosa. Toda gostosa. Seu corpo, sua risada, sua conversa.
Minha ansiedade pelo próximo jogo começa a atingir níveis
alarmantes e isso não tem nada a ver com a sua importância para a
competição. O fato é que, depois dele, vem à folga e isso significa
finalmente ter mais do que os poucos beijos e olhares roubados que
consegui nos últimos dias. Como é possível que eu tenha me viciado
depois de uma única vez?
Em pensar que eu planejei distrai-la com sexo. Esse feitiço
definitivamente se virou contra o feiticeiro.
— Você está me ouvindo, Tassio?
— Claro! — Minto descaradamente.
— Ótimo! Então você me ajuda? — Finalmente viro o rosto na
direção do garoto. Andrei tem uma expressão ansiosa no rosto que me
diz que, seja lá o que ele tenha me pedido, é importante. E como tenho
certeza de que ele não me pediria nada antiético ou ilegal, concordo.
— Ok.
— Isso, porra! — Ele comemora e dá dois soquinhos sobre a
superfície da mesa. Depois, volta a se concentrar em mim. — Ideias? —
Franzo as sobrancelhas.
— Como assim?
— Pra fazer a Cacau se abrir pra mim. — Explica e eu pisco,
horrorizado. Com o que porra eu acabei de concordar?
O estado de saúde de Rita parece tão ruim à distância quanto parecia ao
vivo e em cores. Mesmo depois de mais de duas semanas desde que a visitei
no hospital, seu rosto ainda está coberto de hematomas, seu braço e sua perna
ainda estão imobilizados e, é claro, seu humor conseguiu piorar.
— Isso não é o suficiente! — A voz da minha chefe ecoa através dos alto-
falantes do notebook enquanto, na tela, sua mão ergue um maço de papéis que
eu suponho serem as anotações que enviei por e-mail ontem.
Sentada na escrivaninha do quarto, olho para os dois gravadores ao lado do
computador. Eles não fazem mágica, droga. Nem eu faço. Só posso relatar
aquilo que vi e ouvi.
Bem, você ouviu uma coisa... Meu subconsciente sussurra, me lembrando
da quase conversa que peguei Tassio tendo em uma das salas da área médica
do CT. Naquele momento, com a ideia que eu tinha dele, parecia justo
espionar, agora só parece errado. Foi por isso que coloquei qualquer suspeita
de lado quando escrevi meu primeiro relatório para Rita.
Relatei apenas o que vi. Todas as coisas incríveis que Tassio fez pelos
colegas, pela equipe que está aqui a trabalho e, até mesmo por mim. Não os
orgasmos, é claro. Embora esses realmente tenham sido fantásticos, eu os
deixei de lado.
Falei da seriedade e competência do capitão da seleção, do seu espírito de
liderança e da sua disciplina nos treinos e em qualquer outra atividade.
Obviamente, Rita não acharia que isso é o suficiente. Eu sabia que ela não
acharia.
— Eu estou no Qatar há pouco menos de dez dias, Rita. Você precisa ter
um pouco mais de paciência. — Ela estala a língua.
— Bobagem. Paciência não é uma virtude, é perda de tempo. Você já
deveria ter aprendido isso depois de meses trabalhando pra mim.
— Eu não posso fabricar informações porque você acha que as que
existem não são boas o bastante — penso em voz alta e só percebo isso
quando é tarde demais.
— O que você disse? — ela pergunta com uma expressão que eu conheço
muito bem.
— Nada.
— Eu não estou pedindo pra você fabricar informações, Cacau. Estou
dizendo que você precisa começar a procurar em lugares melhores. A copa
não vai durar pra sempre e você só tem até o final dela pra me dar o que eu
preciso. Ou você está esquecendo do que está em jogo pra você?
— Não. Claro que não. Um contrato novo e a minha faculdade quitada.
Esse não é o tipo de coisa que eu possa simplesmente esquecer, Rita.
— Bom. Eu espero mesmo que não. Não é porque eu não estou em
condições de aparecer nas entrevistas que vou deixar as coisas correrem sem a
minha supervisão. Melhore, Cacau. Apenas melhore. Espero informações
mais substanciais no próximo parecer. Boa noite. — E, simples assim, ela
desliga a chamada sem nem esperar por resposta.
— Melhore, Cacau. Apenas melhore. — repito para o meu gravador que
deixei ligado durante a reunião, só para o caso de Rita me dizer algo
importante ou me orientar. Eu deveria ter imaginado que não aconteceria.
Desligo a aparelho.
— Melhore.
Batidas suaves me assustam e eu estremeço sobre a cama. Não consegui
pregar os olhos depois da chamada de vídeo com Rita. Eu não faço ideia de
como melhorar.
Um furo de reportagem. De onde eu vou tirar um? E, pior, supondo que eu
consiga, como eu deveria entregá-lo para Rita sem me tornar exatamente o
tipo de pessoa que eu passei dois anos odiando achar que Tassio era?
Levanto o braço, aproximando meu gravador diário da boca.
— Hoje é o dia nove e eu já consegui inverter totalmente minhas
prioridades. Transei com o homem que eu odiava e já decretei que é
impossível trair sua confiança, não por ele, mas por mim. Mesmo que a gente
só tenha transado uma vez. Parabéns, Cacau! — Balanço a cabeça, negando, e
novas batidas não tão suaves quanto as primeiras soam. Eu percebo que elas
vêm da minha porta.
Estreito os olhos antes de levá-los até o relógio. Duas da manhã. Eu não
deveria estar sorrindo. Por que eu estou sorrindo? Me levanto da cama com
pressa e abro a porta quase afobada. Em um piscar de olhos, Tassio está dentro
do meu quarto, com as costas na porta fechado, os braços ao redor da minha
cintura e a boca descendo sobre a minha.
Deus, seu beijo é tão absurdamente bom. Sua língua ocupa minha boca
como se ela a pertencesse. Ele não pede passagem, toma, lambe, chupa,
massageia minha língua e, depois, faz o mesmo com os meus lábios. Eu sigo
seu comando silencioso, aceitando e repetindo o ritmo imposto por ele.
Quando o beijo se desfaz, estamos ambos ofegantes.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto baixinho, mesmo não me
importando nem um pouco.
Desde a noite em que transamos, ficar perto de Tassio se tornou ainda mais
intenso do que já era. Se antes meu corpo reagia à química quase palpável que
está sempre ao nosso redor, agora ele reage às lembranças de tudo o que
podemos fazer com ela.
Eu não sabia que era possível sentir saudades de algo que só se teve uma
vez, mas agora percebo que era exatamente isso o que eu estava sentindo e
não sabia, saudades. Do seu beijo sem pressa, do seu toque despudorado, de
poder inspirar seu cheiro sem me preocupar se alguém vai perceber ou entrar
na sala onde nós dois estamos escondidos.
— Eu não tinha conseguido te beijar hoje. —diz com simplicidade, me
arrancando uma risada.
— Você passou trinta e oito anos sem me beijar.
— E eu realmente não sei como. — Para provar o que diz, seus lábios
procuram os meus outra vez. Suas mãos se convidam para participar do
momento e deslizam pelo meu corpo, se infiltrando sob a camisola fina.
Tassio grunhe ao me encontrar sem calcinha e eu jogo a cabeça pra trás,
interrompendo nosso beijo, frustrada.
— Você joga amanhã. — Lembro.
— Eu vou jogar muito melhor depois de me enterrar dentro de você. —
sussurra, beijando meu pescoço depois de eu lhe negar minha boca.
— Vai mesmo? — questiono com uma sobrancelha arqueada, e Cássio
grunhe outra vez, agora, de frustração.
Ele sabe que eu estou certa e é comprometido demais para negar isso. Já é
uma quebra de rotina grande o suficiente que ele esteja aqui, às duas da
manhã, ao invés de dormindo. Isso não deveria me excitar, mas excita para
caralho. Sua testa se apoia em meu ombro, e nós ficamos em silêncio por
algum tempo.
— Nós realmente precisamos conversar sobre os seus trajes de abrir a
porta do quarto, Cacau. — resmunga, e eu recuo a cabeça o suficiente para
espalmar as mãos em seu rosto e alinhar nossos olhos.
— O quê?
— Você não pode abrir a porta assim, principalmente sem vestir uma
calcinha por baixo, porra! — Reviro os olhos.
— Eu sabia que era você.
— E da primeira vez? Também sabia? Porque você também estava de
camisola quando abriu a porta pra mim. — Estreito os olhos.
— Eu estava nervosa.
— De quem será que era a culpa, hein? — Uma de suas sobrancelhas se
ergue.
— Achei que você fosse me colocar no primeiro voo de volta pro Brasil.
— Se você não começar a atender a porta decentemente vestida, talvez eu
coloque.
— Idiota.

As coisas não estão boas para a seleção portuguesa.


Aos vinte e sete do segundo tempo, o Uruguai está na frente por dois a
zero. O Lusail Stadium[1] treme sob o canto das duas torcidas e a tensão dos
gajos poderia ser cortada com uma faca, de tão grande. A derrota aqui não é
uma passagem de volta para casa, mas se torna uma desvantagem imensa.
Meus olhos se recusam a desviar de Tassio. Ele exorta os colegas de time,
fala, grita, estimulando-os a não desistir. Do camarote das famílias, é
impossível ouvir qualquer coisa que não sejam as torcidas, mas, depois de
acompanhar vários treinos, eu posso imaginar quais são as palavras de
incentivo que ele está gritando a plenos pulmões.
Meu coração parece se encolher a cada minuto que passa e o placar não
muda. Deus, quando foi que eu comecei a torcer tão fervorosamente pela
seleção portuguesa? Eu sou uma fraude! É isso o que eu sou!
O jogo continua truncado. A seleção uruguaia briga para manter a posse de
bola, porque, precisando mudar o placar, os gajos correm atrás tentando, a
todo custo, igualar o saldo de gols antes que o relógio marque os quarenta e
cinco finais.
Aos tinta e nove minutos, o português já não tem pernas para correr e
jogam movidos pelo coração. Aos quarenta e quatro, uma bola despretensiosa,
lançada na lateral da zaga uruguaia, faz o zagueiro da Azul Celeste [14]cometer
uma falha.
A bola sobra para Andrei, na ponta do campo. Ele a carrega para a linha de
fundo e a respiração dos portugueses fica suspensa no ar. Gaspar entra na
grande área, e um suspiro coletivo pode ser ouvido. Quando ele rola a bola
para trás e Tassio a emplaca de uma vez no gol, a torcida desesperada vai à
loucura com a possibilidade de um empate.
Falta apenas um gol.
Os jogadores nem mesmo comemoram o que acabou de sair, não querendo
perder tempo. Arraes recupera a bola das redes adversárias e a carrega para o
centro do campo a fim de retomar a partida o mais rápido possível,
comprometido com a chance conquistada.
A posse de bola é uruguaia, e o juiz dá apenas três minutos de acréscimo.
Portugal vai para cima, tentando roubar a bola, mas, agora, com a atenção
redobrada após a falha que permitiu o lance do primeiro gol de Portugal, o
Uruguai fecha todos os espaços, impossibilitando qualquer avanço dos gajos.
É um fim de jogo bonito de se ver, mas que não muda o resultado final da
partida. O Uruguai vence Portugal por 2 a 1 e, enquanto profissionalmente eu
sei muito bem o que vou precisar fazer, pessoalmente, eu não faço ideia de
como me comportar.
— Sinto muito. — Uma voz reticente diz, e eu ergo os olhos do chão onde
eu repassava cada erro que cometi durante o jogo desta tarde tanto como
jogador quanto como capitão do time.
Cacau me olha sem jeito. É, provavelmente, a primeira vez que ela lida
com um jogador logo depois da derrota, mas, se ela realmente seguir a carreira
de jornalista esportiva, com certeza, não será a última. Bato no espaço ao meu
lado no banco, convidando-a. Somos os últimos no vestiário e, pela hora,
tenho quase certeza de que estamos entre os últimos no CT também.
Normalmente, depois de um jogo, nós voltaríamos pro hotel. Mas hoje o
técnico quis que viéssemos imediatamente para cá para repassarmos os muitos
erros que cometemos durante a partida enquanto o corpo ainda estava quente e
a mente, fresca. Uma tortura psicológica se me perguntarem, mas uma tortura
eficaz.
— Você sempre quis ser jornalista, Cacau? — pergunto quando ela senta
ao meu lado e gira o pequeno gravador na mão.
— Não. — responde, e ri baixinho. — Eu já quis ser muitas coisas.
Cantora, astronauta, bailarina profissional. Jornalista é provavelmente a minha
centésima opção. — Eu viro o rosto em sua direção achando seu comentário
tão inesperado que até sorrio.
— Sério?
— Sério.
— Quando eu era criança, — conto — Eu não sabia que podia escolher o
que seria quando crescesse. Eu via as pessoas ao meu redor fazendo qualquer
coisa que garantisse a próxima refeição e achava que aquele era o normal. Que
era daquele jeito pra todo mundo. — Ela pisca, surpresa, porque essa não é
uma informação de registro público. As pessoas sabem que eu vim do nada,
mas elas não fazem ideia de que o nada é literal.
— Nós não precisamos fazer isso. — Ela interpreta errado minha pausa. —
Eu sei que precisamos ter uma conversa pós-primeira derrota, mas, se você
não quiser, não precisamos. Balanço a cabeça, negando.
— Isso não é uma conversa oficial, Cacau. Se você quiser usar o que eu
estou te contando, tudo bem, mas não é por isso que eu estou contando. —
Cacau entreabre os lábios antes de umedecê-los e assentir. — Jogar bola era a
única coisa que eu sabia que faria pelo resto da vida. Mesmo quando eu
tivesse um emprego, mesmo quando eu tivesse uma família que dependesse
de mim, mesmo que eu só pudesse fazer isso por dez minutos a cada mês, eu
ainda faria. Então, um olheiro me encontrou. — Rio com a lembrança da
esperança nos olhos dos meus pais. — Foi só então que eu entendi que nem
todas as pessoas têm o privilégio de escolher o que serão, mas que, a partir
daquele momento, eu tinha me tornado um privilegiado.
— Por que você está se aposentando, Tassio? — pergunta, e eu abaixo a
cabeça. — Você é, sem exageros, um dos maiores gênios que o esporte já viu
no último século. Você tem a idade de um veterano, mas a postura de um
jogador que está no meio da carreira. Por que parar? Você claramente ama o
que faz.
— Quando você ama alguma coisa de verdade, se torna incapaz de feri-la,
não importa quão mínimo seja o prejuízo.
— Você está louco se acha que a sua permanência no cenário poderia de
alguma forma prejudicá-lo.
— Todas as coisas um dia encontram seu fim, Cacau. Mesmo as boas.
Mesmo as incríveis. — repito para ela as mesmas frases que disse para Gaspar
e, também, que ouvi um milhão de vezes meu pai dizer.
— Todas as coisas. — Ela repete baixinho antes de abaixar os olhos para o
chão.
— E como você decidiu que seria jornalista?
— Eu sou fofoqueira. — Eu rio.
— Isso explica alguma coisa. — pontuo, e ela levanta o rosto para me
mostrar seus olhos estreitados.
— E como é que você acabou trabalhando para Rita Escarlate?
— Um golpe de sorte, na verdade.
— Sorte? — questiono com as sobrancelhas erguidas.
— Você está tentando me induzir a falar mal da minha chefe?
— Eu estou tentando te induzir a falar a verdade.

— Você devia ir. — Cacau diz sonolenta, se aninhando mais a mim. O


corpo nu e quente é delicioso. Porra, o gosto amargo da derrota ainda está
aqui, mas, com certeza, bem menos intenso do que teria sido sem a sua
companhia.
— Com prazer, assim que você me soltar. — Brinco, e ela levanta a
cabeça, emparelhando nossos olhares.
— Com prazer, é?
— É você que continua me expulsando da sua cama.
— Essa foi só a segunda vez.
— Só? Eu realmente não estou acostumado a ser expulso. — Ela estreita
os olhos e se afasta o suficiente para que eu tenha espaço para me levantar.
— Ok, agora você definitivamente está de saída. — avisa, e eu gargalho.
— Você é ciumenta, Cacau?
— Não! — responde imediatamente. — Mas existem regras de etiqueta na
cama, e você acabou de ferir a mais importante delas, então tchau.
— Sério? Quando? — provoco, ainda sem me levantar.
— Tchau, Tassio. — Balanço a cabeça, negando, mas me levanto, porque
já são quatro da manhã e, sendo dia de folga, daqui a pouco as pessoas
realmente vão começar a sair dos quartos para fazer seus passeios.
— O que você vai fazer hoje?
— Não sei. Dormir, ver tv, trabalhar um pouco.
— Você devia sair. — sugiro enquanto visto minhas calças.
— Não, obrigada. — responde.
— E por que não? Você não tem um motorista?
— Tenho, mas ainda é não, obrigada. — Sua certeza absoluta me deixa
intrigado. Depois de vestir a camisa, me sento na beirada da cama e estendo a
mão para a sua bochecha.
— Por que você não quer sair? — Cacau me estuda por algum tempo antes
de admitir.
— Não me sinto segura aqui. Tenho medo de fazer alguma coisa errada
sem querer e acabar presa, ou, pior, sequestrada. Eu prometi à minha mãe que
voltaria pra casa tão encalhada quanto saí. — Eu estava levando sua
preocupação muito a sério, mas o último comentário me faz explodir em uma
gargalhada potente que curva meu corpo para frente. — Tchau, Tassio. Se ia
debochar, não sei pra que perguntou — ela reclama. Prendo a respiração na
tentativa de segurar a risada, mas falho. Preciso de mais duas tentativas até
conseguir.
— Eu entendo a sua preocupação e respeito. Se você tem um
acompanhante, acho um pouco exagerada, mas entendo. Não era disso que eu
estava rindo. Era da promessa que você fez à sua mãe.
— Acredita que ela teve a audácia de dizer que também não precisávamos
exagerar? — pontua, e é o suficiente para romper o pouco controle que eu
tinha conquistado sobre o meu riso. Me curvo sobre o corpo nu de Cacau e
apoio a cabeça em sua barriga, rindo até sentir meu abdômen repuxar e o ar
faltar. — Agora você só quer me irritar. — acusa, e eu me levanto com as
mãos espalmadas para cima.
— Eu vou embora. — Estalo um beijo em seus lábios e me levanto da
cama. Quando coloco a mão na maçaneta, me viro para trás. — E sabe o que é
mais engraçado?
— O quê? — ela pergunta revirando os olhos.
— A copa ainda nem acabou e você já quebrou essa promessa. — Dou
uma piscadinha e saio de fininho para o corredor, desviando na hora de um
travesseiro voador.

Os frascos brancos me encaram exatamente da mesma maneira que fazem


todos os dias quando eu abro essa nécessaire. No entanto, hoje, não me sinto
tão ofendido por eles quanto de costume.
Na verdade, a sensação de ofensa tem se tornado cada vez menor há dias, e
eu não preciso pensar muito sobre o que é que vem desencadeando essa
mudança. Cacau Lyra. O sono exausto em que caio depois de sair do seu
quarto sorrateiramente nas folgas, com certeza, também ajuda.
Rio do meu próprio reflexo no espelho embaçado. Isso era uma tragédia
anunciada, não era? Em que mundo alguém passa dois anos com o rosto de
uma mulher na cabeça e tem alguma chance de não se envolver com ela
quando, por um acaso do destino, a reencontra? Certamente, não nesse.
Penteio os cabelos para trás com a mão e puxo uma inspiração profunda. O
peso que já se tornou familiar não foi a lugar algum, mas, agora, ele não é
tudo o que há.
Saio do banheiro para o quarto e me deparo imediatamente com a minha
foto em preto e branco presa à parede acima da cabeceira da cama. Como é
possível que eu me sinta mais como aquele garoto hoje, menos de um mês
depois de chegar ao Catar tendo a certeza de ser um impostor? Isso não faz
nenhum sentido.
Meu celular toca em cima da mesa de cabeceira e, quando eu vejo o nome
no visor, me parece estranhamente apropriado. Meu empresário sempre teve
um quê de abutre, não me espanta que ele tenha decidido ligar justamente
quando eu estava pensando sobre a minha carreira.
— Oi, Henry. — atendo em inglês.
— Como está a Copa, meu melhor jogador?
— Corta a merda, Henry. Você sabe perfeitamente como está a Copa,
perdemos o último jogo, vamos ganhar o próximo.
— Sem enrolação, então?
— Por favor. Poupe a nós dois.
— Recebemos uma nova proposta. — Eu rio.
— Você sabe perfeitamente bem que não vamos aceitar qualquer outra
proposta.
— É o dobro da última.
— Eu não me importo. Não vou jogar a próxima temporada.
— É aí que está. Não é pra temporada de 2023, é pra de 2024. — A
resignação que fluía em minhas veias é rapidamente substituída por raiva
quando a perspectiva do que ele pode ter revelado para conseguir uma
proposta como essa se descortina diante dos meus olhos.
— E eu posso saber como caralhos você conseguiu uma proposta dessas,
Henry? — pergunto entredentes.
— Eu posso ter dito que você precisava de uma pausa por questões
pessoais, mas não se preocu—
— Não me preocupar, porra?! — interrompo. — Você acabou de me atirar
às porras dos leões e me diz pra eu não me preocupar? Em uma semana, no
máximo duas, o que você “pode ter dito” — praticamente cuspo as últimas
três palavras — vai estar estampando todas as capas de jornais, revistas e
blogs esportivos que importam, enquanto eles especulam sobre a minha vida,
caralho!
— Me dê algum crédito, ok? Foi em caráter sigiloso. Eles não têm uma
fonte, porque eu nunca confirmaria nada.
— Me dê algum crédito você, porra! Você está cansado de saber que o que
não falta nesse meio são ratos que não se importam com fontes.
— Você está exagerando.
— Sabe de uma coisa, Henry? Você pode pegar meu exagero e enfiar no
cu. E a resposta pra essa e qualquer outra proposta que você arrumar continua
sendo não!
Jogo o celular em cima da cama e, pela força que uso, é um milagre que
ele não tenha encontrado a parede ao invés do colchão. Aperto as mãos em
punho até sentir minhas unhas curtas maltratando a pele. A dor ajuda a me
concentrar, e eu começo o exercício de respiração.
Eu não deveria ter atendido à ligação.

Cacau passou toda a sessão de fisioterapia atenta a mim. Ela circulou pela
sala, conversou com alguns dos profissionais do CT e até mesmo com alguns
jogadores, mas não me perdeu de sua vista em nenhum momento. De alguma
forma, ela sabe que alguma coisa está errada. Ela só não faz ideia de que isso
não é algo que ela ou qualquer pessoa possa consertar.
— Vou suspender nossa entrevista de hoje. — Aviso quando a sessão acaba
e todos começam a se organizar para sair da sala de treino.
Eu deveria ficar e conversar com Cacau. Eu deveria, no mínimo, ter
esperado que todos saíssem para dizer que não ficaria, e sei disso. Mas eu
preciso sair daqui, agora.
— Tassio, eu— Ela começa, mas não lhe dou a chance de terminar.
— Eu estou suspendendo a entrevista. — Digo outra vez, e alguns rostos
se viram em nossa direção, atraídos pelo tom rude que usei.
— Qual é, cara. Não precisa de tanto. — Gaspar diz ao se aproximar de
Cacau e tocar seu ombro em apoio. Eu balanço a cabeça em negação, pego
minha bolsa sem me importar de estar ou não deixando alguma coisa para trás
e saio.

Tassio: Me desculpe.
Tassio: Eu fui um idiota.
Cacau: Sim, você foi.
Tassio: Foi um dia ruim.
Cacau: Não justifica.
Tassio: Eu sei que não, nada justificaria ser rude com você.
Me perdoa?
Cacau: Não sei. Vou pensar.
Tassio: Tudo bem. Parece justo.
Tassio: Já pensou?
Cacau: Não se passou nem um minuto ainda, Arraes!
Tassio: E agora?
Cacau: Você não é o burro do Shrek[15]!
Tassio: Se eu arrumar uma fantasia dele, me vestir e te
mandar uma foto, você vai me perdoar?
Cacau: kkkkkkkkkkkkkkk
Cacau: Não precisa, essa imagem mental já valeu o seu
perdão.
Tassio: Fácil assim?
Cacau: Sou aquariana, ué.
Tassio: Isso deveria significar alguma coisa específica?
Cacau: Qual é o seu signo, Tassio?
Tassio: Não sei!?
Cacau: Isso é impossível! Você tem trinta e oito anos, em
algum momento deles alguém deve ter tido essa conversa com
você.
Tassio: Você tem um problema com a minha idade, bebê?
Cacau: É você quem me chama de bebê, não sou eu quem
te chama de velho.
Tassio: Eu gosto da sua idade.
Cacau: Você tem uma lancha?
Tassio: Uma lancha?
Cacau: Ah, Tassio! Pelo amor de Deus! Você não sabe o
próprio signo e não entende memes clássicos? Em que mundo
você vive?
Tassio: No real?
Cacau: Mudei de ideia.
Cacau: Você é velho.
Tassio: Talvez eu vá até aí te mostrar como minha
experiência pode ser vantajosa.
Cacau: Eu nunca neguei isso. Só disse que você é velho.
Cacau: Anda logo! Vamos pesquisar seu mapa astral.
Tassio: Meu mapa astral?
Tassio: É um mapa de verdade? Pesquisar onde?
Cacau: Santo Deus!
Cacau: O dia em que você nasceu eu já sei, mas a que horas
foi?
Tassio: Essa parece uma informação muito específica.
Cacau: Porque é muito específica, é por isso que os mapas
são tão precisos.
Tassio: Mas todos os mapas não deveriam ser precisos?
Cacau: Sim!? Porque eles são criados com base em
informações específicas! Que horas, vai? Quero pesquisar seu
mapa!
Tassio: Eu tenho uma ideia melhor.
Cacau: Jura? Qual?
Tassio: O que você está vestindo?
— Você tá comendo direito, minha filha? Tô te achando mais magra. —
Minha mãe diz, esticando o pescoço como se o movimento fosse lhe dar os
poderes mágicos necessários para me pesar através da câmera do computador.
Eu rio.
Os cabelos finos e escuros estão presos em um rabo de cavalo, e ela e meu
irmão estão sentados no chão da sala. Se eu fechar os olhos, consigo imaginar
exatamente onde está cada coisa em casa, até mesmo que minha mãe apoiou o
telefone no suporte de controle remoto para falar comigo sem precisar ficar
segurando o aparelho.
Seus olhos escuros me investigam com atenção, procurando qualquer sinal
de algo fora do lugar. Isso é típico dela. Sempre preocupada, sempre disposta
a resolver qualquer problema por Felipe e eu.
— Mãe, eu estou normal. Não perdi um grama sequer. A comida não é a
sua e, definitivamente, não é uma feijoada. Mas ruim não é. Só não é
brasileira.
— Hum... — Ela torce os lábios, ainda não convencida, e eu reviro os
olhos.
— Felipe. — chamo meu irmão, e seu sorriso se abre rapidamente.
— Oi, Cah.
— Eu tenho uma surpresa pra você quando eu voltar pro Brasil.
— Só quando voltar? Mas ainda falta muito! — O garoto pequeno e
magricelo cruza os braços finos na frente do peito, frustrado. Jogo a cabeça
para trás e gargalho.
— Já fez a prova de matemática? — pergunto com uma sobrancelha
arqueada.
— Já!
— E já saiu a nota?
— Já! — responde animado, provavelmente, já imaginando o que estou
prestes a dizer.
— E quanto foi que você tirou?
— Nove! — quase grita de tão entusiasmado.
— Uau! Eu acho que alguém que tira nove não merece esperar pra ganhar
uma surpresa, né, mãe? — Dou uma piscadinha para ela e seus lábios finos se
curvam para cima em uma risadinha discreta quando ela entra na minha.
— Não, não. Quem tira nove merece a surpresa na hora.
— Então esperem aí que eu vou buscar. — Me levanto da escrivaninha e
vou até o armário. Tiro de lá a sacola vermelha e trago comigo de volta para a
mesa.
— O que é? O que é? — Felipe pergunta, impaciente.
Pego a pequena blusa oficial da seleção portuguesa de dentro da bolsa e
estendo na frente da câmera. Meu irmão solta um “Uau” sonoro, aumentando
o sorriso satisfeito em meu rosto.
— E a blusa nem é a melhor parte.
— Não? — A voz infantil pergunta.
— Não. Olha aqui. — Viro a camiseta, mostrando as costas coberta de
autógrafos para o meu irmão. Todos os jogadores da seleção assinaram, uma
cortesia de Tassio. Felipe não diz nada. Ele apenas olha para mim, estático por
vários minutos.
— Não vai agradecer sua irmã, meu filho?
— São de verdade? — Ele pergunta já com a voz embargada e, droga,
meus olhos começam a arder. — Os autógrafos. São de verdade, Cah?
— Cada um deles! — confirmo, e os olhos vermelhos do meu irmão
anunciam seu choro antes que a primeira lágrima caia.
— Obrigada, irmã. Muito obrigada. — agradece choroso, e minha mãe o
abraça. — Eu prometo que não peço nada de presente nem de Natal nem de
aniversário até o ano que vem.
Rio e levo as mãos ao rosto, secando minhas próprias lágrimas. Minha mãe
abraça e acaricia um Felipe extremamente emocionado e, enquanto os
observo, me lembro da conversa que tive com Tassio no vestiário.
Eu nunca soube como era não ter nada. Cresci com muito pouco, é
verdade, mas, na minha casa, nunca faltou permissão para sonhar e amor. Meu
coração vibra no peito com essa certeza, e a preocupação que eu vinha
alimentando sobre não conseguir alcançar as expectativas de Rita e perder
minha grande chance, de repente, perde força.
Essa não é a minha grande chance. É uma chance muito boa, mas é uma
entre muitas outras que virão. As únicas coisas que eu não posso perder são os
dois pares de olhos que me encaram com todo amor do mundo através da tela
do notebook.
Eles e, talvez, um terceiro. Uma parte atrevida do meu subconsciente
sussurra, mas eu ignoro.

— O que você está fazendo aqui? E não adianta dizer que não me beijou
hoje, porque você beijou. — digo ao abrir a porta à uma e quinze da
madrugada do dia do terceiro jogo de Portugal.
— Nós já não conversamos sobre abrir a porta de camisola, bebê? —
pergunta já entrando em meu quarto, e eu olho para cima, fingindo estar
pensativa.
— Conversamos.
— Então por que você continua fazendo isso?
— Porque isso foi tudo que nós fizemos, Tassio, conversar. Ouvir o que
você tem a dizer não significa que eu vou concordar ou obedecer. — Ele bufa
em resposta. — Tão maduro... — cantarolo. — E então? O que você está
fazendo aqui?
— Eu vim beijar você, porque não importa quantas vezes eu faça isso,
nunca parece o suficiente. — Cola os lábios nos meus várias vezes entre as
palavras. Merda, como eu vou brigar com ele por isso se me sinto da mesma
maneira?
É uma coisa tão esquisita, intensa demais, rápida demais. Tenho me
recusado a pensar sobre o assunto. Decidi empurrar tudo para o canto mais
escuro da minha cabeça e só pensar sobre, se em algum momento eu decidir
fazer isso, depois que eu estiver em casa e longe de Arraes.
— Hum... — Sim, tudo o que eu consigo responder é um gemido. Patética.
Absolutamente patética.
— Mas isso não é tudo o que eu vim fazer. — declara ao voltar a olhar
para mim e ergue a mão, mostrando uma sacola de papel.
— O que é isso?
— Um presente. — Ergo uma sobrancelha, desconfiada.
— Por que eu acho que você tem intenções obscuras por trás disso? —
Tassio me dá um sorriso imenso.
— Porque você é uma mulher inteligente, linda. — Arranho a garganta e
aceito a sacola.
Dou alguns passos para trás e enfio a mão na bolsa. Tecido macio toca
meus dedos e eu franzo o cenho. Puxo o pano para fora e descubro uma
camiseta da seleção portuguesa.
— Você já me entregou a camiseta do meu irmão. — comento, e o sorriso
exuberante que continua enfeitando os lábios de Tassio enquanto eu estico a
blusa é um sinal de que ele sabe perfeitamente bem disso. Não é um modelo
infantil, é um modelo feminino com um único autógrafo no peito e o número
vinte e cinco nas costas. A assinatura e o número são dele. — Você é ridículo.
Eu não vou usar isso amanhã. — aviso, prendendo a gargalhada que quero dar.
— Por que não?
— Porque isso vai parecer muito uma declaração, e você é grandinho o
suficiente pra saber disso, Arraes. — Ele cruza os braços na frente do peito e
me observa em silêncio por algum tempo.
— E se dar uma declaração for a minha intenção? — pergunta com
seriedade o bastante para fazer meu coração parar de bater. O que ele está
fazendo? Do que ele está falando? Oh, Deus! Oh, Deus!
— A menos que nós estejamos falando de uma declaração de posse, você
escolheu um péssimo jeito de me pedir por qualquer outra. — consigo dizer
sem gaguejar mesmo que eu sinta que minhas pernas estejam prestes a
bambear.
— Então é só uma questão de saber pedir?
— Do que nós estamos falando, Tassio?
— Você sabe do que nós estamos falando.
— Se eu soubesse do que você está falando, eu diria que é muito cedo pra
termos esse tipo de conversa.
— Duas semanas parecem tempo mais do que o suficiente pra mim.
— Isso é porque você é velho. — brinco, nervosa, porque não, ele não
pode estar falando sério. Mas, ao invés de seguir a minha deixa e mudar de
assunto, ele se ofende.
— É esse o problema? Eu sou velho demais pra algo menos casual que um
lance?
— Pelo amor de Deus, Tassio! Foi uma piada! Tenha dó! — Nego
imediatamente e, em um único movimento, ele cola meu peito ao seu.
— Bom. Muito bom. Achei que eu precisaria te mostrar de novo que
minha idade é uma vantagem, não um inconveniente.
— Acredite, Arraes, eu estou ciente.
— Eu adoro quando você me chama de Arraes.
— É mesmo?
— Podemos tentar senhor?
— Você precisa ir agora. — aviso, engolindo mais uma gargalhada.
— Tudo bem. — concorda apenas para, um segundo depois, assaltar minha
boca.
— Você gosta de nos torturar. — reclamo ofegante quando o beijo acaba.
— É você quem está dizendo que é cedo demais, não eu. — sussurra em
meu ouvido e beija minha testa. — É uma questão de saber pedir, anotado. —
Dá uma piscadinha para mim, e eu me distancio dois passos quando seus
braços me soltam.
— Eu não disse isso, Tassio!
— Tudo bem, bebê. Eu entendi. Você quer algo maior do que uma blusa.
— Ele abre a porta.
— Arraes, pelo amor de Deus! — sussurro aos gritos, com medo de que
alguém nos ouça, mas sem conseguir evitar a sensação de pânico com a
possibilidade de esse homem fazer alguma estupidez.
— Confia em mim. — pisca outra vez, sai e fecha porta. Eu ainda fico
encarando a madeira por um minuto inteiro me perguntando: que diabos eu
acabei de provocar?

A camiseta que Tassio me deu ainda está pendurada sobre o encosto da


cadeira, e eu olho para ela pela milésima vez quando estou com a mão na
maçaneta, pronta para sair do quarto e ir para o jogo. Eu deveria vesti-la?
Não, a pergunta certa não é essa. A pergunta certa é: eu quero vesti-la?
Sim, definitivamente, eu quero. Mas há um milhão de motivos pelos quais eu
não deveria. Pelo menos, não ainda. Mordo o lábio e balanço a cabeça de um
lado para o outro, negando. Não, é melhor não. Abro a porta e saio para
assistir ao jogo vestindo uma camiseta preta e lisa. É melhor assim.

A energia circulando o estádio hoje é completamente diferente daquelas


que o preencheram nos jogos anteriores. No primeiro jogo havia expectativa,
ansiedade e emoção. No segundo, depois de um tempo, a apreensão tomou
conta e, hoje, é uma mistura abundante de todos os sentimentos anteriores
com confiança.
A torcida portuguesa acredita que sua seleção vai entregar um cenário
completamente diferente do último jogo, e eu me pego nervosa, desejando
tanto quanto eles.
Os times entram em campo, os hinos nacionais são cantados, e a bola rola.
Portugal assume uma postura ofensiva já nos primeiros segundos, avançando
e atacando, não dando espaço para a equipe adversária gostar do jogo. A
Coréia do Sul é um ônibus estacionado em sua própria grande área. O time
coreano passa mais da metade do primeiro tempo sem conseguir atravessar o
meio de campo.
Aos vinte e oito minutos do primeiro tempo, todo o esforço de Portugal é
compensando quando, em uma jogada individual de João, ele ultrapassa dois
jogadores coreanos e arremata para o gol. O goleiro defende, a bola quica,
sobe e, no rebote, Tassio sacode a rede em um gol de voleio lindo para
caralho.
Eu pulo, grito e abraço pessoas que já não são mais estranhas para mim
depois de três jogos e um almoço juntos. Não consigo me decidir se
comemoro o gol ou se mantenho meus olhos em Tassio.
No entanto, uma linha invisível puxa meus olhos para o campo no instante
exato em que o capitão da seleção portuguesa corre pelo gramado até estar
parado na direção do camarote das famílias, olha para as janelas de vidro no
topo da arquibancada e faz uma referência ensaiada. Eu me esqueço de como
é que se respira, porque Tassio Arraes acabou de fazer um gol para mim.

Eu deveria esperar por ele nua? Me pergunto. Ele definitivamente merece


que eu espere por ele nua. Portugal venceu a Coreia do Sul por quatro a um.
Dois gols de Arraes, um de Gaspar e um de João. Foi o melhor jogo da
seleção portuguesa até hoje, e meu coração parece preparadíssimo para saltar
pela boca de ansiedade quando eu entro no meu quarto de hotel.
A visão de um imenso buquê de rosas vermelhas sobre a minha
escrivaninha me pega completamente desprevenida, e eu estaco no lugar,
antes mesmo de entrar de verdade no quarto. Olho para um lado e para o outro
como se o responsável por deixar as flores ali fosse saltar de dentro dos
armários a qualquer momento. Eu rio, me recriminando, e entro.
O cheiro das rosas está por todo lugar, e eu estendo a mão para tocar as
pétalas aveludadas de cor tão vívida quanto eu jamais vi antes. São lindas.
Aninhada a elas, há um pequeno envelope branco. Eu o pego ansiosa para
descobrir as palavras escritas ali.
“Cacau,
Há um carro esperando por você do lado de fora do hotel. Tenho uma
surpresa pra você, se você aceitar vir comigo. É completamente seguro,
prometo que, amanhã pela manhã, você ainda vai estar viva, saudável e livre
para cumprir à promessa que fez à sua mãe. Bem, pelo menos em parte.
Espero você no deserto, traga uma ou duas mudas de roupas.
Ps: Esse sou eu encontrando um bom jeito de pedir por aquela
declaração.”
Eu já estive em muitos lugares ao longo dos anos, mas os desertos
sempre me fascinaram, e não havia a menor chance que de eu deixar que
Cacau passasse por um sem ter a experiência de conhecê-lo por medo. Não
mesmo.
Falei sério quando disse para ela que eu queria fazer uma declaração.
Não tinha pensado nisso até aquele momento, mas depois que a ideia se
formou na minha cabeça, nada vai conseguir tirá-la. Agora eu só preciso
convencer à minha menina. Ela vai descobrir que eu posso ser muito, muito
persuasivo quando quero, ou seja, o tempo todo.
As abas da tenda branca montada ao meu lado ondulam sob o ataque da
brisa noturna, e eu me pergunto se minha jornalista vai gostar da
experiência ou odiar o fato de que não há uma cama de verdade à
disposição. Eu tenho certeza de que ela vai encontrar um jeito de me
divertir qualquer que seja a alternativa correta, porque ela sempre faz.
Ao seu lado, rir é uma constante e essa foi apenas mais uma das coisas
que Cacau me lembrou de que eu estava esquecendo de fazer. Olho por
sobre o ombro quando o som de rodas abrindo caminho na areia se
aproxima.
Me levanto assim que o carro estaciona, e Cacau abre a porta sem
esperar que o motorista tenha a chance de fazer o próprio trabalho. O
homem olha para mim apreensivo. Eu o tranquilizo antes de dispensá-lo.
Nenhum de nós diz nada mesmo depois de termos sido deixados
sozinhos há algum tempo. Eu olho para ela, admirando cada pedacinho da
mulher que começou a dominar meus pensamentos dois anos atrás e decidiu
estabelecer residência permanente neles há pouco mais de duas semanas.
Ela usa um vestido longo azul caneta que cobre seus braços até a altura
dos cotovelos, seus cabelos estão soltos e balançando conforme a vontade
do vento e seu rosto tem uma maquiagem leve, exceto pelo batom, que é
vermelho.
Eu não tinha me dado conta do quanto queria estar sozinho com Cacau.
Tivemos momentos furtivos, sim, mas não é a mesma coisa. Tenho a
sensação de que ela também está percebendo isso.
— Por que nós estamos no deserto? — quebra o silêncio.
— Porque é bonito. — Estendo a mão em sua direção, e ela caminha até
mim. Enlaço sua cintura e afundo o nariz em seu pescoço antes de os meus
lábios procurarem os seus. — Oi, bebê.
— Oi — responde parecendo subitamente tímida, e eu sorrio. Ergo uma
das mãos até seu rosto e acaricio sua bochecha, dando a ela tempo para se
acostumar com a existência de um nós para além das quatro paredes do seu
quarto. — Você é Tassio Arraes — diz depois de alguns minutos e afunda
os dentes no lábio inferior.
— Eu sou.
— E fez um gol pra mim. — A afirmação planta um sorriso imenso no
meu rosto.
— Eu fiz dois.
— O que nós estamos fazendo, Tassio? — pergunta, inclinando a cabeça
para trás para que nossos olhares se encontrem. — Quer dizer, o que você
está fazendo?
— Uau! Você não quer nem fazer sala antes de termos essa conversa? —
brinco.
— Nós estamos no deserto, não tem uma sala.
— Na verdade, tem. Mas eu posso responder sua pergunta aqui mesmo,
então. Eu estou conquistando você.
— Por quê? — Seu tom deixa claro que ela realmente não vê qualquer
motivo lógico para isso.
— Porque eu passei minha vida inteira sem viver qualquer coisa que não
fosse trabalho. Eu acredito em destino, Cacau. Acredito que se eu não pude
esquecer seu rosto por dois anos inteiros, seria muita estupidez da minha
parte tentar fazer isso agora que eu sei muito mais a seu respeito do que
como você se parece.
— É uma coisa muito bonita de se dizer, mas você ainda é Tassio Arraes
e eu ainda sou só uma suburbana do Rio de janeiro.
— Não, bebê. — digo e entrelaço meus dedos às raízes dos seus cabelos.
— Você é a mulher que se recusou a sair da minha cabeça por dois anos e
que, agora, sou eu quem se recusa a deixar ir.
— Você mora na Alemanha. — Ela sussurra.
— Eu estou me aposentando, posso morar onde eu quiser.
— Você tem trinta e oito anos.
— Você está me chamando de velho? De novo?
— Não! Para de ser complexado, Tassio! — reclama e dá um tapa leve
em meu braço. Cacau ri, exatamente como achei que faria.
— Eu acho que me apaixonei por você à primeira vista, na porta do
Copacabana Palace.
— Tassio. — sussurra, com os olhos arregalados.
— Você é Cacau Lyra, e isso é tudo o que me importa, meu bem. Eu sei
— aproximo meu rosto do seu — que quinze dias não são o suficiente pra
definirmos nossos próximos trinta anos, mas eu acho que são o suficiente
pra eu definir que quero você na minha vida.
— Você devia ser o mais racional de nós dois. — murmura, mordendo o
lábio. — Você não devia estar me dizendo essas coisas. Faz ser muito difícil
resistir a você.
— Então meu plano está dando certo. — respondo com um sorriso
imenso. — Dança comigo?
— Não tem música, Tassio.
— Eu estou tornando a sua vida difícil, lembra? Que graça teria se
tivesse música? — Digo baixinho, quase colando meus lábios aos seus. —
Você não poderia ficar se revirando na cama quando eu não estiver nela,
pensando no quão romântico eu fui ao nos fazer dançar sob as estrelas, no
deserto, quando nem música tocando tinha. — Ergo um dos braços de
Cacau e, entrelaçando nossos dedos, colo as costas de sua mão em meu
ombro enquanto meu outro braço permanece enlaçando sua cintura e eu
começo a nos movimentar lentamente.
— Então o seu plano é me tornar incapaz de dormir?
— Sem mim? Com certeza! — Ela joga a cabeça para trás e dá uma
gargalhada gostosa.
— O Catar não está sendo nada do que eu achei que seria.
— Pra mim também não. — confesso, girando seu corpo em um
movimento audacioso antes de trazê-lo de volta ao meu encontro, curvá-lo
para trás e quase beijar a boca gostosa de Cacau. No último instante, a ergo,
sem colar nossos lábios e ela estreita os olhos para mim.
— E o que é que você esperava?
— Passar metade do tempo fugindo da sua chefe e a outra metade
treinando ao máximo. Dançar sem música no deserto com certeza não
estava em minha agenda oficial.
— Ah, se as integrantes do seu fã clube soubessem desse seu lado... —
pensa alto.
— Elas o adorariam.
— Sem dúvida alguma. Provavelmente, o número de fanfics a seu
respeito cresceria consideravelmente. E olha que ele já não é pequeno.
— Andou lendo fanfics sobre mim, Cacau?
— É possível que eu tenha escrito algumas... — insinua — Durante a
adolescência...
— Ok, vamos mudar de assunto antes que eu me esqueça do quão
inapropriado seria fazer uma piada de duplo sentido sobre isso. — Ela
gargalha. — Eu estou sendo o mais racional de nós dois, — Volto o foco
para o assunto do qual nos desviamos. — Eu poderia ter te sequestrado e te
obrigado a ser parte do meu harém. Mas aqui estou eu, sob o céu estrelado
do Catar, no deserto, dançando sem música.
— Obrigada por não me sequestrar. — diz, sorrindo. — Isso faria muito
difícil eu manter a promessa que fiz para a minha mãe.
— De nada.
Alguém deveria avisar às pobres mulheres como eu que quando seu crush
supremo decide investir pesado na missão de te conquistar, não há nada que
você possa fazer para se manter imune à sua determinação. Quer dizer, dançar
sem música sob um céu estrelado? Isso não chega nem perto de poder ser
considerado justo.
A boca de Tassio encontra a minha, e todos os pensamentos e sentimentos
que eu vinha soterrando em meu peito explodem dentro de mim de uma vez.
Meu coração ganha um ritmo novo, muito mais ansioso, mas também muito
mais feliz, quando Arraes aperta os braços ao meu redor.
Apaixonado. Ele disse que está apaixonado por mim. A emoção da
novidade e de todas as coisas que podemos viver inunda minhas veias e
acrescenta lenha na fogueira na qual o toque sutil de Tassio me transformou.
— Não quero ser presa. — consigo murmurar antes que seus beijos e
carícias me façam esquecer disso também.
— Então é melhor a gente entrar.
— Entrar onde? — pergunto completamente desnorteada pelo seu gosto,
cheiro e toque intoxicando meus sentidos.
— Na cabana, bebê. — Me lembro da tenda branca que vi há menos de um
minuto.
O poder que a presença desse homem tem sobre mim é realmente
avassalador. Ele se afasta o suficiente para que possamos andar lado a lado e
entra na tenda primeiro. Eu pisco, pega de surpresa pelo interior do que eu
achei ser uma simples barraca de praia.
O espaço é pequeno, mas está finamente decorado e equipado com tudo o
que eu não imaginei que poderia haver aqui. Solto as sandálias que eu
carregava desde que as tirei antes de descer do carro e giro ao redor de mim
mesma, absorvendo cada detalhe e cor.
Há almofadas e futons espalhados pelo chão, tapeçarias penduradas nas
“paredes” e até mesmo uma pequena fogueira num buraco na areia. Há uma
mesa baixa cheia de pratos fartos, algo muito parecido com um frigobar em
um dos cantos e uma música suave está tocando em um volume baixo. Uma
sala, de fato.
— Gostou? — Tassio pergunta aos risos sem desviar os olhos do meu rosto
estupefato.
— Eu estou um pouco chocada, mas quem não amaria esse lugar, Tassio?
— Ele fecha outra vez a distância entre nós, e eu enlaço seu pescoço com
meus braços.
— Eu vou mimar tanto você, Cacau. — diz com uma naturalidade
arrogante que me faz jogar a cabeça para trás em uma gargalhada.
— Eu provavelmente vou me espantar todas as vezes, — aviso, — mas eu
com certeza não sou o tipo de pessoa que dispensa mimos! Não mesmo!
— Então essa vai ser minha missão.
— Qual? — pergunto com uma sobrancelha arqueada.
— Te mimar até que você me diga que eu preciso começar a me esforçar
mais. — Eu rio, achando graça e, ao mesmo tempo, incapaz de acreditar. Isso
realmente está acontecendo? Comigo? Em que momento a minha vida se
tornou um desses romances temáticos que são lançados durante a Copa do
Mundo? Porque essa história, com certeza, daria um livro! — No que você
está pensando? — Arraes pergunta quando eu passo tempo demais em
silêncio.
— Que essa história daria um livro. — comento e fico nas pontas dos pés
para beijar seus lábios suavemente.
— E talvez seja. Talvez nós sejamos dois personagens sendo desenhados
pelas palavras de uma escritora exausta que está louca para dormir, mas aqui,
agora, pra você e pra mim, nós somos reais, meu bem, e isso é tudo o que me
importa. — Fala devagar, abaixando a voz a cada palavra, roçando a ponta do
nariz em meu rosto a cada chance e, como num passe de mágicas, eu estou
entregue outra vez.
Eu o beijo. Corro a língua sobre os seus lábios rapidamente antes de
invadir sua boca na primeira oportunidade que tenho. Tassio puxa o meu
corpo contra o seu, e eu adoro ser esmagada pela sua força.
Arrasto as unhas pela sua nuca, arranhando a pele e arrancando gemidos
baixos de Arraes. A próxima coisa que sinto são suas mãos apertando meus
peitos por cima do vestido.
— Porra, Cacau. Eu pretendia te alimentar primeiro. — murmura com a
boca colada à minha, e eu abro os olhos. Não preciso de um espelho para
saber que eles estão cheios de luxúria.
— Ah, Tassio. Sim, por favor, faça isso. — peço, e ele solta uma risada
seca.
— Ah, bebê. Cuidado com o que pede. — Cola a boca na minha e anda
para frente, forçando-me a dar passos para trás até que eu sinto almofadas
baterem em meus calcanhares. Tassio interrompe nosso beijo com violência.
Ele me rodeia e para atrás de mim. Suas mãos encontram o zíper do
vestido e, poucos movimentos depois, a peça está indo ao chão, me deixando
coberta apenas pela calcinha pequena de renda.
Mãos reúnem meus cabelos em um ombro só e lábios pressionam minha
nuca, depois, meu pescoço, ombros e, por fim, minha coluna. A brisa fria
entrando pelas abas entreabertas da tenda castiga minha pele sensível e deixa
meus mamilos duros ainda mais doloridos do que já estavam.
Arraes pega minha mão e me faz subir no tablado coberto de futons. Ele
não me beija outra vez nem toca qualquer parte do meu corpo além das
carícias suaves que seus lábios me fizeram e das quais já estou louca de
saudade.
— Ajoelha, meu bem. — A ordem clara me faz ofegar, e eu me vejo
obedecendo rápido demais. Tassio ri e estende a mão para o meu rosto.
Seu polegar acaricia meus lábios. Passo a ponta da minha língua sobre ele.
Seus olhos, ainda mais escuros do que de costume, se estreitam quando eu
chupo seu dedo com vontade. Sem me permitir olhar para qualquer outro
lugar, alcanço o botão da sua bermuda e o desfaço.
Puxo o tecido junto com a cueca para baixo, e o pau grande e grosso salta,
enchendo minha boca d’água. Abandono a brincadeira com seu dedo para
buscar algo muito maior e mais gostoso. Resvalo a ponta do nariz pela carne
macia, adorando o cheiro gostoso.
Quando volto meu rosto para a cabeça larga e inchada e abro a boca,
pronta para devorá-la, volto também a olhar para cima. Abocanho a glande
com os olhos travados nos de Arraes.
Ele arfa ao sentir minha língua, e eu apoio as mãos em suas coxas antes de
deslizar para frente, engolindo cada centímetro de sua ereção até que a ponta
bata no fundo da minha garganta.
— Puta que pariu, Cacau! — rosna, pego de surpresa pela investida, e eu
me delicio com seu descontrole.
Assumo um ritmo acelerado, deslizando para frente, para trás e engolindo
todas as vezes que o sinto fundo. Tassio fecha os olhos e balança a cabeça de
um lado para o outro, negando, mas eu não estou nem um pouco disposta a
parar.
Continuo chupando e desço uma das minhas mãos para suas bolas. Eu as
acaricio devagar ao mesmo tempo em que minha língua trabalha
incansavelmente. Sugo até que minhas bochechas estejam fundas,
pressionando por completo a ereção de Tassio em minha boca.
Suas mãos alcançam meus cabelos e seus dedos se infiltram pelas raízes.
Ele para meus movimentos e olha para mim ofegante em um pedido
silencioso.
Minha resposta é sugar levemente a cabeça de seu pau e, no instante
seguinte, Arraes está fodendo a minha boca ao seu bel prazer. Deixo que ele
conduza o vai e vem. Me concentro nos movimentos da minha língua e em
acariciar suas bolas com uma das mãos.
Com a outra, sinto quando os músculos de sua coxa ficam tensos,
anunciando que ele está prestes a gozar, e aumento a pressão dos meus lábios.
Seu gosto domina cada centímetro da minha boca quando ele esporra no
fundo da minha garganta e eu engulo tudo, amando o sabor, o cheiro, amando
estar de joelhos para ele, amando que a expressão de prazer estampada em seu
rosto tenha sido colocada lá por mim.

— Nós não vamos embora? — pergunto sonolenta, aninhando meu corpo


exausto ainda mais ao de Tassio. O calor da nossa nudez é muito melhor do
que qualquer fogueira, e eu suspiro satisfeita.
— Não, bebê. Essa parte do deserto é toda nossa até amanhã à noite. Pode
dormir, eu vou cuidar de você. — promete, e eu acredito.
— Eu vou. — digo fraca e bocejo alto. — Eu vou. — Sinto um beijo em
minha testa. — É a primeira vez que dormimos juntos. — Não sei se falo,
penso ou sonho as palavras.
— Esse é só o começo, amor. Só o começo. — Sorrio, descobrindo que
sonhei, porque ele me chamou de amor.

São os movimentos bruscos que me despertam. É só depois dele que eu


começo a ouvir os sons. Aperto os olhos, ainda sonolenta, mas os arregalo
imediatamente quando a movimentação ao meu lado se torna mais intensa. A
escuridão da noite não ajuda com a sensação de insegurança, e eu estico o
braço, afobada para acender a lâmpada eletrônica que Tassio deixou ao nosso
lado.
A iluminação é fraca, mas suficiente. Levo alguns segundos para entender
o que está acontecendo e, quando consigo, pisco freneticamente, sem saber o
que fazer. Tassio está tendo um pesadelo. Não apenas um sonho ruim, mas
algo grande que o faz se debater e grunhir. O suor empapa sua pele e seu rosto
está vermelho mesmo no sono.
— Tassio. — chamo, mas depois de horas sem uso, minha voz sai rouca e
baixa demais para despertá-lo.
Eu me sento na cama improvisada e me arrasto até a ponta dela, me
afastando tanto quanto é possível do corpo agitado de Arraes sem sentir que o
estou abandonando.
— Tassio. — tento de novo, dessa vez, mais alto e forte, mas ainda não é o
suficiente. — Tassio! — falo ainda mais alto e ele abre os olhos, mas quando
senta na cama, ainda não parece desperto.
Tassio tem os olhos arregalados e o corpo tremendo violentamente. Eu não
sei o que fazer. Minha respiração não encontra um ritmo normal, acelerando
também as batidas do meu coração. Me inclino para frente, pronta para me
aproximar, no entanto, o medo de atrapalhá-lo de alguma maneira me paralisa.
O frio cobre minha pele nua como se eu estivesse vestindo uma camada de
gelo. Arraes parece tão perdido, tão desnorteado. Eu só queria poder fazer
alguma coisa, poder ajudá-lo de alguma maneira.
— Tassio? — chamo e, pela primeira vez desde que despertou, seus olhos
piscam. Suas sobrancelhas se franzem antes de ele piscar pela segunda vez e,
quando seus olhos se abrem, parecem menos distantes.
— Cacau? — pisca novamente.
— Oi — digo, encolhida na ponta da cama de futons. — Você está bem?
— Ah, caralho! — Ele grunhe e arrasta as mãos pelos cabelos, obviamente
frustrado, antes de se ajoelhar sobre as almofadas e se arrastar na minha
direção. — Desculpa, amor. Desculpa. — pede, me abraçando com força, e
senti-lo acordado e lúcido sopra alívio dentro de mim. — Eu não queria te
assustar. Desculpa. — pede de novo. — Desculpa.
— Tá tudo bem. Foi só um pesadelo. Tá tudo bem. — Recuo a cabeça o
suficiente para procurar seus olhos e me surpreendo ao encontrar uma
expressão torturada em seu rosto. — Tassio? — chamo, mas ele desvia o olhar
mesmo que seus braços continuem ao meu redor. Quero perguntar se ele quer
conversar sobre isso, mas o medo de ser invasiva me mantém calada. Espalmo
as mãos em suas bochechas e conduzo seus olhos ao encontro dos meus. —
Vamos deitar. — digo e ele assente, em silêncio. Apago a luz.
Depois de muitos minutos, o sono ainda não voltou e a respiração
controlada de Arraes me diz que ele também está acordado. Estou pronta para
dizer qualquer coisa que estoure a bolha estranha que se formou ao nosso
redor quando ele quebra o silêncio.
— Eu estou doente. — As palavras, embora quase sussurradas, caem entre
nós com o peso de uma bigorna. Passo os próximos minutos tentando
descobrir se posso ter entendido errado, porque isso não faz sentido algum.
— Mas seu desempenho, ele—
— Não meu corpo, minha mente. — Tassio explica em um tom distante
demais e eu me recuso a deixar que esse espaço seja aberto entre nós.
Me movo, saindo da cama e deitando meu corpo sobre o seu. Meu peso
esmaga meus peitos entre nós e, mesmo que o escuro não me deixe ver muito
do seu rosto, as coisas parecem muito menos impessoais quando ele envolve
minha cintura em seus braços.
— Os pesadelos começaram no meio da temporada. No início, achei que
era só cansaço, mas eles foram se tornando mais frequentes, mais intensos,
mais graves.
— Você não procurou um médico?
— Não até o fim da temporada. — Eu pisco, assustada.
— Mas Tassio... Isso são—
— Meses. Meses sem conseguir dormir a menos que eu levasse meu corpo
ao limite e, mesmo assim, nunca o suficiente.
— O que o médico disse?
— Parece que anos de estresse corporal severo cobraram um preço, afinal.
— declara com amargura e, na minha cabeça, todas as peças começam a se
encaixar. O segredo. Era esse o segredo que ninguém podia descobrir.
— É por isso que você vai se aposentar. — sussurro, de repente, sendo
invadida por uma tristeza absoluta. — Tassio...
— Eu já lidei com isso, amor. Você não precisa ficar triste. — diz,
interpretando totalmente certo a mudança em meu tom de voz.
— Você não precisa parar — começo, mas ele me interrompe.
— Sim, eu preciso. Honestamente, no começo, eu não entendia isso. Ia me
aposentar porque não queria prejudicar o esporte que me deu tanto. Mas as
últimas semanas me mostraram que não é pelo esporte que eu preciso me
tratar, Cacau. É por mim. Há muitas coisas que eu quero viver, que eu quero
fazer, que eu quero mostrar pra você. — Meus olhos ardem e, antes que eu
consiga impedir, uma lágrima rola e cai no rosto de Tassio.
— Eu sinto muito, eu—
— Não chora, amor. — pede, me interrompendo e invertendo nossas
posições. Envolvo seu pescoço com os meus braços. — Eu estou bem com
isso, de verdade. E eu vou ficar saudável também. Nunca desisti de nada na
minha vida, não vai ser agora que eu vou começar. Não quando eu ainda
preciso te convencer de que está tudo bem se apaixonar por mim. — brinca,
muito mais relaxado do que quando acordou, e eu percebo que sua postura
retraída não era tristeza, mas preocupação com a mera possibilidade de ter me
machucado durante a crise.
— Eu estou bem. — Sinto a necessidade de dizer quando entendo.
— Graças a Deus! — Suspira aliviado e cola a testa na minha. — Eu fiquei
apavorado pra caralho, Cacau! Pra caralho! — confessa, afundando o rosto na
curva entre meu ombro e pescoço. — Eu não vou mais dormir com você
enquanto eu não estiver cem por cento bem. — avisa, alinhando o rosto com o
meu.
— Você está sendo exagerado.
— Não estou, não. Eu estou sendo cuidadoso.
— E o que é que nós vamos fazer até amanhecer?
— Você pode dormir. Eu vou adorar ficar olhando pra você.
— Sem chance, se você não dorme, eu não durmo.
— Quem está exagerando agora? — pergunta e eu estalo a língua. — Nós
podemos conversar. — sugere.
— Podemos. — concordo e pauso, me dando um segundo para pensar se
realmente quero dizer minhas próximas palavras, mas não é como se as
guardar só para mim fosse mudar a verdade já enraizada nelas. A vida é um
sopro, então quem se importa que pareça cedo demais? Não é possível que
exista um tempo mínimo estabelecido antes que se possa ser feliz. — Ou nós
podemos fazer amor.
— Fazer amor, é? — pergunta baixinho e, mesmo no escuro, posso ver a
sombra do sorriso que se forma em seus lábios.
— Você não precisa me convencer de que está tudo bem se apaixonar por
você, Tassio.
— Não?
— Não. — Balanço a cabeça, enfatizando a negativa. — Eu já me
apaixonei. — confesso e Tassio estende a mão, acendendo outra vez a
lâmpada que já havia sido apagada.
— Repete. — Eu sorrio.
— Eu me apaixonei por você, Tassio Arraes, por cada pedacinho de você.
Boa sorte com isso. — Ele ri sonoramente.
— Você é toda a sorte de que eu preciso, amor. Toda ela. — E me beija.
Cacau se vira na cama e agarra o travesseiro que eu usava assim que
eu me levanto para, mais uma vez, sair de fininho do seu quarto em
plena madrugada. A verdade é que, sendo véspera de jogo, eu nem
deveria ter vindo aqui esta noite, mas desde o nosso encontro no deserto,
há alguns dias, se tornou simplesmente impossível passar uma noite
sequer sem uma dose do meu vício: a mulher nua e esparramada na
cama.
Depois de encontrar e vestir minha cueca e minha calça, passo os
olhos ao redor do quarto, procurando minha camiseta. Eu a encontro
jogada sobre o notebook de Cacau, na escrivaninha. Olho para a minha
menina outra vez, mas me obrigo a andar porque eu realmente poderia
fazer isso o dia todo.
Puxo a camiseta de cima do computador portátil e o som de
inicialização do Windows me assusta. Merda! Olho para a cama,
preocupado que eu possa tê-la acordado, mas Cacau continua tão
desmaiada quanto estava dez segundos atrás.
Me curvo sobre a escrivaninha para desligar o computador antes que
a claridade faça o que o barulho não fez. Mas, em um reflexo
automático, meus olhos leem o título do e-mail na tela, e meu coração
para de bater.
“Entrega do furo sobre Tassio Arraes”
Cacau: Boa sorte no jogo. Vai, Portugal!
A mensagem sem resposta mesmo depois de quase uma hora me faz
franzir o cenho. Tassio não costuma demorar nem dois minutos para me
responder, mas, considerando a importância do jogo de hoje, eu não
estranharia se ele tivesse simplesmente abandonado o aparelho no fundo de
uma gaveta para não se distrair.
Me olho no espelho novamente antes de pegar a bolsa. A expectativa
corroendo meu estômago não tem nada a ver com a possibilidade de
Portugal ser eliminado, caso perca o jogo de hoje e tudo a ver com a minha
insegurança sobre o que fiz.
Já me perguntei se realmente deveria ter enviado aquele e-mail para Rita
um milhão de vezes e já mudei de ideia sobre a resposta certa ser o sim ou o
não outro milhão delas. Mas era uma oportunidade única. Eu espero que
Tassio entenda. Confiro meu reflexo uma última vez antes de abrir a porta.
Eu realmente espero que ele entenda.
Eu não deveria ter lido aquela porra de e-mail. Não deveria mesmo,
caralho. Não consigo manter minha cabeça em qualquer outro lugar e,
mesmo sabendo da importância do jogo de hoje, conquistar a vitória para
a seleção portuguesa é minha última preocupação.
A pergunta afundando minhas entranhas é. Cacau seria capaz de fazer
isso? Teria realmente sido tudo atuação? Cada palavra, gesto, beijo?
Não consigo me forçar a acreditar que sim, por isso, me recusei a
confrontá-la. Não ainda. Eu precisava pensar. O ônibus estaciona e só
então me dou conta de que chegamos ao palco das oitavas de final da
Copa do Mundo de 2022.
Me levanto, assim como os outros jogadores.
— Ae, Arraes! Fizeste um golaço! — Manoel diz ao passar pela
minha poltrona enquanto cruza o corredor até a frente do ônibus e eu
franzo o cenho.
Pego minha bolsa no suporte e sigo o goleiro. No caminho, várias
outras felicitações me são dadas, e eu estou prestes a perguntar de que
caralhos estão todos falando quando Gaspar me intercepta quase na porta
do ônibus.
— Você poderia ter me contado. — diz com um sorriso imenso.
— Do que—
— Arraes! Gaspar! Vamos! — O técnico me interrompe antes que eu
possa terminar a pergunta, e Andrei passa por mim. Ao alcançar os
degraus, ele revira os olhos e estende o aparelho celular para mim.
— É disso aqui que estão todos falando. — Eu grunho. Talvez eu seja
mesmo um velho.
Desço os degraus até a calçada com os olhos na tela do celular de
Andrei onde uma manchete imensa estampa a página inicial do blog de
Rita Escarlate.

“Craque da seleção portuguesa tem um novo amor!”

E, abaixo do título, está uma foto minha e de Cacau tirada na noite


que passamos no deserto. Fui eu quem tirou essa foto. Cacau está linda
para caralho, sorrindo, e qualquer um que olhar para a foto vai concordar
com Rita, porque eu pareço mesmo um bobo apaixonado. Um pigarro
alto chama a minha atenção antes de eu ouvir meu nome.
— Hum... Arraes? Eu acho que você vai querer ver isso. — Gaspar
avisa, e eu levanto a cabeça.
O caos habitual de jornalistas cerca o tapete vermelho no acesso da
seleção ao estádio. Flashs são disparados, perguntas são gritadas,
seguranças contêm os repórteres mais atrevidos, e há uma multidão de
torcedores nos cercando também.
Mas não é de nada disso que Andrei está falando. Não.
No fim do tapete vermelho, Cacau está parada com os cabelos soltos,
um sorriso imenso no rosto, um par de tênis brancos nos pés, calças
jeans e uma camisa da seleção portuguesa. A minha camisa.
O número vinte e cinco está estampado do lado esquerdo do seu
peito, na altura do coração, e é impossível não sorrir quando todas as
peças se encaixam. Ela começa a andar em minha direção, mas eu não
tenho a paciência necessária para esperar, então caminho na sua também.
Cada um de nós anda metade do caminho.
— Espero que você não se importe, mas eu decidi fazer uma
declaração. — explica por cima do barulho quando não há mais de trinta
centímetros entre nós.
Olhando para ela, afundo os dentes no lábio inferior antes de sorrir
ainda mais do que antes. Fodam-se as regras, o consulado que lide com
isso depois. Em um movimento digno de cinema, giro cacau em meus
braços e nos curvo até que ela esteja de costas e inclinada para o chão, só
então, eu a beijo.
E eu imagino que, se antes havia caos, agora a recepção da imprensa
deve ter se tornado um pandemônio. Mas eu não me importo. Enquanto
nossos lábios se encaixam e nossas línguas se encontram, nada mais
importa. Só que, independente do resultado desse jogo, dessa Copa, eu
sou o homem mais vitorioso que já andou sobre a face da terra.
Sopro a vuvuzela na direção de Felipe e nem isso é capaz de tirá-lo do
transe. Meu irmão continua olhando para Tassio como se ele fosse uma
assombração. Mas quem pode culpá-lo, certo?
Se, há um mês, alguém tivesse me falado que eu estaria assistindo à final
da Copa do Mundo numa cobertura no Leblon, com a minha mãe e irmão,
enquanto meu namorado, Tassio Arraes, faz churrasco, eu provavelmente
teria mandado internar essa pessoa.
— No que você está pensando? — Tassio pergunta quando entro na
varanda gourmet da cobertura ainda com um olhar aéreo.
— Que não posso culpar Felipe por estar catatônico. — Arraes olha para
o meu irmão, e dá uma risadinha.
— É uma pena que nós tenhamos sido expulsos do Catar, se não, ele
poderia ver o Brasil jogar a final ao vivo. — comenta, secando as mãos com
um pano de prato. A camiseta verde e amarela combina tanto com a sua
pele que eu quero lambê-lo inteiro.
— É fofo que você lamente mais ter sido expulso do Catar porque nos
beijamos em público do que o fato de que isso aconteceu depois de Portugal
ser eliminado. Mas, na próxima Copa, Felipe vai ver o Brasil jogar a final
ao vivo. — Dou de ombros, e Tassio gargalha.
— Tão confiante...
— O hepta vem aí!
— Por que não esperamos pra ver se o Hexa vem?
— Com Diego Ramalho e Samuel Bernardino? Tá no papo! — afirmo,
convicta. — A França não tem chance! Depois do sete a um de hoje,
ninguém mais vai se lembrar do de 2014. — Tassio empurra a bochecha
com a língua.
— Tem certeza disso? — pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Absoluta.
— Que tal uma aposta? — propõe, esticando os braços sobre a bancada,,
e eu me distraio por um segundo com as veias deliciosas.
— Uma aposta?
— Uhum. Se você acertar o placar, pode me pedir o que quiser.
— O que eu quiser? — Cruzo os braços na frente do peito.
— O que você quiser.
— E se eu errar?
— Nos casamos na próxima copa. — Jogo a cabeça para trás em uma
gargalhada escandalosa.
— Ai, Arraes. Você é tão engraçado!
— Ué! Você não disse que estava confiante? — questiona divertido,, e
eu estreito meus olhos para ele.
— Você está falando sério?
— Seríssimo! — Mordo o lábio.
— Bem, eu estou me sentindo inconsequente hoje. — Estendo a mão
para selar nosso acordo, e Tassio dá um sorriso do tamanho do mundo ao
apertá-la.
— Vai,, Brasil! — brinc,a, e eu reviro olhos.
Volto para a sala e me sento ao lado de Felipe no sofá, mais ansiosa do
que nunca pelo resultado do jogo, sem ter certeza se quero acertá-lo ou não.
E quando o primeiro tempo termina ainda no zero a zero, meu estômago
está dando cambalhotas.
Mas é aos trinte e dois do segundo tempo, quando a França empata um
dois a dois que eu paro de respirar.
O Brasil ganha a Copa do mundo de 2022 e se torna hexacampeão do
Mundial...
... Nos pênaltis.
CONHEÇA OS OUTROS LIVROS DA SÉRIE:
Age Gap - Enemies to lovers - Grumpy & Sunshine
Pietra Coutinho está tendo a oportunidade de sua vida. Recém-formada em
Fisioterapia, a brasileira, jovem e inocente, acaba de ganhar a chance de
trabalhar com a Inglaterra na Copa do Mundo.

É o momento de virada da sua carreira, mas há alguém que pode colocar


tudo a perder: o possessivo astro da seleção que a odeia
instantaneamente.
Erza Wood é o capitão da equipe inglesa, o jogador mais velho do
campeonato, o maior artilheiro da história do país. Por seu jeito frio,
misterioso e dominador, ele é uma incógnita para os fãs, a mídia e os outros
jogadores.

Mas, quando a fisioterapeuta treze anos mais jovem e inocente aparece,


tudo se torna arriscado e, sobretudo, proibido.
ATENÇÃO: LIVRO PARA MAIORES DE 18 ANOS.
Um enemies to lovers em clima de Copa!
Uma viagem com tudo pago para o Catar.
O que parecia um sonho, tornou-se um pesadelo para Penélope Mendes. Do
outro lado do mundo ela reencontrou Samuel Bernardino que, além de ser
atacante da seleção brasileira, era seu ex-namorado e havia dado um fora
nela 4 anos atrás.
Um encontro inesperado.
Faíscas soltas pelo ar.
Muita confusão.
Quando Penélope e Samuel se encontram, tudo pode acontecer.

ATENÇÃO: LIVRO PARA MAIORES DE 18 ANOS.


ROMANCE DE MENTIRA + JOGADOR DE FUTEBOL +
PROTAGONISTA MIDSIZE + QUÍMICA DE MILHÕES

Diego Ramalho é um sucesso no gramado. O problema é fora dele. O


lateral da Seleção atrai fofoca por onde passa e agora o bad boy do futebol
pode ter causado um incidente diplomático: foi visto seminu em um
corredor de hotel beijando uma mulher.

Bruna Santos é uma camareira e influenciadora de maquiagem, e caiu


de paraquedas em uma polêmica. Ela queria uma noite sem nomes e
terminou apontada como a namorada de um jogador de futebol. Agora, com
a imprensa e perfis de fofoca atrás dos dois, Diego e Bruna fazem um
acordo: fingirem ser um casal para abafar a situação e salvar a carreira de
ambos.

Eles só não contavam com a vontade de repetir o primeiro encontro.


Várias e várias vezes.

Atenção! Não recomendável para menores de 18 anos.


O oitavo livro do ano, o último livro do ano e isso só foi possível com a
ajuda de muitas pessoas. Eu não poderia deixar de agradecer a cada uma
delas por isso.
Em primeiro lugar, obrigada @Deus por mais uma vez ter me trazido até
o final.
Agradeço também à minha família sempre presente, sempre
compreensiva e sempre na torcida. Sem vocês, nada seria possível.
Marido, você é a base de tudo. Eu te amo, jamais se esqueça.
Preciso fazer um agradecimento MEGA especial à Olivia Uviplais por
ter juntado esse time maravilhoso para criar esses jogadores gostosos e
cadelinhas. Karen Santos e Hellen R. P, obrigada pela acolhida. Foi incrível
trabalhar com vocês.
Jennifer, dessa vez, você não betou, mas você sabe que nossa parceria
vai muito além disso, então obrigada por segurar meus surtos, mas não só
por isso.
À minha equipe cada vez mais linda e essencial, vocês embarcam nas
minhas loucuras, compram os meus surtos e não tiram o pé do acelerador
até que tenhamos alcançado a linha de chegada. Eu nunca terei palavras o
suficiente para agradecer por isso.
À minha panelinha do Whatsapp, obrigada IMENSO por não me
abandonarem mesmo quando eu mereço. Eu amo vocês, Lolalovers!
E a você, leitora que chegou até aqui, metaforicamente ou não. Que ano
incrível tivemos juntas. Obrigada, muito obrigada!
Pra saber o que vem aí em 2023, me segue no insta!
@lola.belluci.autora
[1] Freelancer, também conhecido popularmente no Brasil pelas expressões ou gírias freela ou frila, é

o termo inglês para denominar o profissional autónomo que se autoemprega em diferentes empresas
ou, ainda, guia seus trabalhos por projetos, captando e atendendo seus clientes de forma
independente.
[2] Centro de Treinamento Al-Shahaniya Sports Club.
[3] O Bayern de Munique, comumente referido como FC Bayern München, FC Bayern,

simplesmente Bayern ou abreviado como FCB é um clube alemão multidesportivo sediado na cidade
de Munique, no estado da Baviera.
[4] Apelido dado à cidade do Rio de Janeiro em função de suas altas temperaturas. Em inglês, Hell

significa inferno. A expressão quer dizer Inferno de janeiro.


[5] O jet lag, em termos médicos, significa “dissincronose”. Trata-se de uma mudança brusca que

pode pegar o metabolismo da pessoa de surpresa.


[6] A sigla FIFA significa originalmente Fédération Internationale de Football Association

(Federação Internacional de Futebol), é a entidade que supervisiona diversas federações,


confederações e associações relacionadas com o futebol ao redor do mundo.
[7] https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/02/4987005-mulher-e-condenada-a-100-

chicotadas-e-a-prisao-ao-denunciar-abuso-sexual.html e
aqui: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/05/a-reviravolta-no-caso-da-mexicana-condenada-
a-100-chibatadas-apos-denunciar-agressao-no-catar.ghtml
[8] Seneca Crane era o Idealizador-chefe dos Jogos Vorazes. Ele foi encarregado de executar a 72,

73 e 74º Jogos Vorazes e ordenando obstáculos na área. Após o 74º, ele foi morto sob as ordens do
Presidente Snow.
[9] Friends é uma sitcom americana criada por David Crane e Marta Kauffman e apresentada pela

rede de televisão NBC entre 22 de setembro de 1994 e 6 de maio de 2004, com um total de 236
episódios.
[10] Sex and the City é uma série de televisão norte-americana criada por Darren Star, e baseada no

livro homônimo de Candace Bushnell. Foi originalmente transmitida pela HBO, entre 1998 a 2004.
[11] Ei, Serge! Por favor! Meu irmão é um grande fã seu!
[12] Starbucks é uma empresa multinacional norte-americana, com a maior cadeia de cafeterias do

mundo.
[13] Pinball é um jogo eletromecânico onde o jogador manipula duas ou mais 'palhetas' de modo a

evitar que uma ou mais bolas de metal (geralmente mais bolas aparecem em "modos missão no
jogo") caiam no espaço existente na parte inferior da área de jogo.
[14] Apelido da seleção uruguaia.
[15] Burro é um personagem fictício da série de livros e filmes Shrek. Sua voz é feita por Eddie

Murphy nos Estados Unidos, Mário Jorge Andrade no Brasil e Rui Paulo em Portugal.

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