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Lance Provocante 4 - Lola Belluci
Lance Provocante 4 - Lola Belluci
LANCE PROVOCANTE
1ª Edição
Sumário
Marias-chuteiras, esse
momento é de vocês!
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— Você não pode estar falando sério! — Exclamo horrorizada.
— Eu pareço alguém disposta a fazer brincadeiras, Cacau? — Rita diz,
e é impossível impedir que meus olhos percorram o corpo alto deitado na
cama hospitalar.
O rosto de pele marrom é uma confusão de hematomas e curativos. Há
tantas partes do seu tronco enfaixadas que é possível ver gaze mesmo sob a
camisola genérica. Um dos braços está preso a uma tipoia, e uma das pernas
está engessada e elevada por uma esteira presa a um gancho no teto. Ainda
assim, a expressão em seu rosto é, sem dúvida alguma, a parte mais
assustadora do quadro geral.
Desvio os olhos para as paredes brancas ao meu redor. Rita não é uma
chefe ruim. Exigente e, com certeza, excêntrica, mas qual escritor, não é?
Se ela estivesse me pedindo para fazer qualquer outra coisa, eu estaria
dizendo sim sem pensar duas vezes sobre isso.
Até esse preciso momento, eu tinha certeza de que ter sido contratada
como jovem aprendiz em sua pequena editora, há nove meses, havia sido
um daqueles golpes de sorte aos quais cada alma só tem direito a um na
vida.
Meu sonho sempre foi me tornar jornalista, mesmo que a realidade não
pareça muito disposta a me ajudar com isso. Três anos depois de me formar
na escola, estou tão perto de começar uma faculdade hoje do que eu estava
há trinta e seis meses atrás: longe, muito longe.
Se antes eu precisava me equilibrar entre as aulas do ensino médio,
cuidar do meu irmão mais novo e trabalhar em uma banca de jornais para
ajudar em casa, agora me equilibro entre cuidar do meu irmão, trabalhar
freneticamente em toda e qualquer coisa que Rita me pedir e gastar mais de
metade do meu salário de aprendiz ajudando minha mãe a pagar nosso
aluguel.
Não é o ideal, mas há meses repito para mim mesma que esse é o
caminho mais curto até meu objetivo: ter dinheiro o suficiente para pagar a
faculdade enquanto trabalho na área de atuação dos meus sonhos.
Enquanto volto meu olhar para o rosto determinado de Rita, começo a
me perguntar se trabalhar como sua aprendiz, ao invés do milagre que
sempre considerei, não é mais uma daquelas piadinhas infames do destino.
Eu não posso fazer isso. Simplesmente não posso.
— Eu não sou uma jornalista. — digo, porque ser demitida não é nada
perto das milhares de coisas que podem dar errado se eu aceitar fazer o que
Rita está me pedindo.
— Eu sei disso, mas a única outra jornalista dessa empresa está ainda
pior do que eu. — Aperto os olhos. Porra.
Coço a sobrancelha e expulso o ar dos pulmões com força o suficiente
para causar uma ventania. Rita está certa. Sua assistente quebrou as duas
pernas, fraturou três costelas e teve um traumatismo craniano no acidente
de carro que as duas sofreram há dois dias.
Estupidamente, Duda não usava o cinto de segurança e foi arremessada
através do para-brisa. Se ela não estivesse tão mal, eu daria uma salva de
palmas em sua cara pela irresponsabilidade. Felizmente, apesar do cenário
pavoroso que encontrei no quarto ao lado do de Rita, Duda vai se recuperar,
mesmo que lentamente.
— Rita... — começo, mas ela me interrompe.
— Eu vou orientar você em cada passo do caminho, Cacau. Vamos fazer
chamadas diárias, podemos fazer duas, dez ou vinte. Quantas você precisar.
Nas entrevistas fechadas, eu posso até participar por chamada de vídeo.
Mas eu preciso que você vá.
— Você fala como se estivesse me pedindo pra ir à esquina e não ao
Catar!
— É a mesma coisa! — Desdenha, e minha respiração sai num assobio.
Rita é a única pessoa que conheço que seria capaz de dizer um sacrilégio
desses.
— Eu não sei nada sobre aquele país, Rita. Vou acabar sendo presa e,
pior, nem vou conseguir me defender, porque, adivinha? Eu não falo inglês!
— Então que bom que Tassio Arraes é um jogador da seleção
portuguesa. Todos na concentração falarão português que, adivinhe? É a sua
língua materna. — responde com deboche, ignorando totalmente o que eu
disse sobre a possibilidade muito real de eu acabar sendo presa por
desobedecer a alguma lei que eu sequer conheço. — E, além disso, eu não
sou um monstro. Vou mandar um segurança com você que pode atuar como
tradutor também. E você ainda tem alguns dias antes de viajar num voo de
vinte e duas horas. É tempo o suficiente para fazer uma imersão completa
no Google.
— E por que simplesmente não contratar outra pessoa? Ou não repassar
essa etapa para um freelancer[1]?
— Eu estou esperando por isso há vinte anos! Não há a menor
possibilidade de eu perder essa oportunidade ou de eu deixar que um
acidente de carro me pare. — A voz da minha chefe fica mais fina a cada
palavra dita ilustrando o aumento considerável em seu grau de irritação por
eu estar me recusando a simplesmente concordar com ela.
— Rita... — tento outra vez apenas para ser interrompida de novo.
— Não é negociável.
— Você não está pensando direito. Eu vou estragar tudo.
— Você tem passaporte?
— Tenho, mas... —
— Então está decidido. A única coisa que me impediria era a ausência
de um.
— Rita...
— Sorria, Cacau. — Ela me interrompe outra vez, e nem é como esse
não fosse um hábito seu. É e, geralmente, não me incomoda. Mas hoje está
acabando com os meus nervos. — Você queria uma grande chance, aí está
uma que veio embalada de sonho com papel colorido e laço de fita:
acompanhar uma copa do mundo do lado de dentro, diretamente da
concentração e ao lado de uma seleção poderosa enquanto conta a história
do ídolo de uma geração.
E talvez eu sorrisse, se não fosse o sonho errado, a seleção errada e,
definitivamente, o ídolo errado. Se eu não for presa por ferir alguma lei
tradicionalista e misógina do Catar, provavelmente serei por tentar
assassinar a estrela da seleção portuguesa. Eu odeio aquele homem. Jamais
poderia trabalhar a menos de cento e cinquenta metros de distância dele,
muito menos como sua sombra, o que eu vou precisar ser se estiver
acompanhando a última copa do mundo da sua carreira para relatar em sua
biografia.
— Vou deixar isso mais interessante para você. — Rita resmunga, e eu
engulo a risada sem humor que tenta escapar pela minha garganta. Acho
muito improvável que ela consiga fazer isso. Não há nenhuma palavra que
possa sair da sua boca agora que me convenceria a aceitar esse trabalho. —
Eu pago sua faculdade.
— O-o q-quê? — gaguejo, chocada.
— Cem por cento. — Os olhos arroxeados se estreitam para mim
enquanto tudo o que faço é observar imóvel enquanto os lábios de Rita se
movem jogando no mundo palavras que eu nunca imaginei que um dia
passariam por eles. — Eu não, a editora, claro. Faça isso por mim, Cacau.
Vá e me traga um furo sobre Tassio Arraes. Qualquer um, desde que seja
relevante e inédito, e eu encerro seu contrato como jovem aprendiz, faço
um novo de assistente júnior que, além de um aumento de salário, vai
incluir o pagamento de toda a sua graduação e uma cláusula de não
demissão antes que você tenha concluído o curso.
Nenhuma palavra poderia ter me convencido a dizer sim, exceto essas.
O gramado impecável sussurra o convite que comecei a ouvir há tanto
tempo que já nem me lembro quanto. Olho ao meu redor, descobrindo
novos detalhes do complexo esportivo Al Shahaniya Club[2], a casa de
Portugal no Catar.
Curvo o corpo e apoio os cotovelos sobre os joelhos. O termômetro
marca trinta e dois graus, mas a sensação térmica supera os quarenta e o
suor escorrendo em gotas pelo meu corpo é um lembrete bem-vindo de que
eu ainda estou aqui, mesmo que esta seja a última vez, minha última copa, e
mesmo que esses sejam meus últimos jogos como profissional.
— Sabe, velho? — A voz de Gaspar, meu colega de time catorze anos
mais jovem, soa relaxada quando ele se senta ao meu lado. — Ninguém te
condenaria se você simplesmente suspendesse a aposentadoria. Na verdade,
tenho quase certeza de que aqueles que não esperam por isso estão, pelo
menos, torcendo. Você não precisa ficar aí todo sentimental, babando no
gramado.
Um sorriso pequeno se acumula no canto da minha boca. Gaspar, assim
como eu, tem dupla cidadania. Sua mãe é brasileira e seu pai é português.
Mas, enquanto eu fui para Portugal quando tinha apenas nove anos, levado
pelo olheiro de um time de futebol lusitano, Andrei chegou a Portugal aos
quinze quando seu pai voltou para sua terra natal depois de perder a esposa.
O garoto está no topo do mundo, onde eu mesmo já estive quando tinha
a sua idade. E, embora tenha essa mania irritante de me chamar de velho,
tê-lo como meu pupilo no Bayern de Munique [3]pelas últimas três
temporadas e dividir o palco dos meus últimos jogos com ele não é algo de
que eu abriria mão. Fazer o quê? Talvez eu tenha mesmo me tornado um
velho sentimental.
— Não vai acontecer. — digo em português brasileiro. Gaspar é um dos
poucos na concentração com quem posso me dar esse luxo.
Embora eu tenha chegado a Portugal ainda criança, minha preferência
pela versão brasileira da língua nunca se perdeu. Eu acho a versão
portuguesa horrorosa mesmo despois de todos esses anos falando-a com
muito mais frequência do que a outra.
— E o mundo inteiro continua se perguntando o porquê.
— Todas as coisas, um dia, encontram seu fim. Mesmo as boas, mesmo
as incríveis.
— Ainda é cedo, velho.
— Eu tenho trinta e oito anos, garoto. Pode ser tudo, menos cedo.
— Você ainda é melhor do que mais da metade dos jogadores que
acabaram de começar no profissional.
— Eu sou. — concordo. — Dediquei minha vida a esse esporte, e se eu
não fosse o melhor, estaria desapontado comigo mesmo. Mas é isso, eu
dediquei minha vida a esse esporte. Está na hora de me dedicar a outras
coisas. — minto, mas o silêncio de Gaspar é o suficiente para me dizer que
ele engoliu a mentira.
Quando comecei a pensar em justificativas inquestionáveis para a minha
aposentadoria inesperada, eu não imaginei que seria tão fácil. Mas acontece
que, diferente de mim, as pessoas acham que quando se renuncia a todo o
resto por uma única coisa é natural se arrepender depois de alguns anos ou,
então, tentar recuperar o tempo perdido.
Eu nunca vi dessa forma. O futebol me deu tudo o que eu tenho. O
futebol me fez quem eu sou. Salvou a minha família e eu da miséria e me
deu a oportunidade de salvar muitas outras pessoas através de projetos
sociais nos quais só pude investir porque alguém investiu em mim primeiro.
Eu correria atrás de uma bola apoiado a uma bengala, se pudesse.
Mas, enquanto o cansaço do corpo cirurgias e tratamentos milionários
podem resolver, o da mente é imparável, e eu jamais me arriscaria a
prejudicar o esporte que eu tanto amo.
— Vai ser uma honra fazer parte do capítulo final da carreira do
Demolidor, velho. — Gaspar diz por fim, e eu sorrio ao ouvir o apelido que
ganhei na minha primeira copa do mundo, dezesseis anos atrás.
— Quem é o sentimental agora, hein? — Pergunto e empurro meu
ombro contra o dele.
— E sua biografia? — Gaspar mal acaba de falar e já está dando uma
risadinha. Eu bufo.
— Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando assinei essa porra de
contrato.
— Provavelmente, nas pernas de uma mulher. — Comenta, e eu balanço
a cabeça, negando.
É muito mais provável que eu estivesse concentrado demais nos treinos
e em me tornar o melhor jogador do mundo. Tão concentrado que apenas
acatei o que quer que meu agente da época estava recomendando. Eu tinha
dezoito anos, porra.
Permitir e colaborar com a produção da biografia da minha carreira
quando eu estivesse prestes a me aposentar parecia uma ideia para além de
distante. Não havia por que dizer não. Ainda que eu tivesse dedicado um
segundo pensamento à questão, não imaginaria o quanto eu estaria
colocando em risco para o Tassio de hoje quando aquele Tassio disse sim.
Afinal, eu não previa o futuro.
— A jornalista chega hoje.
— Eu sei. Todo mundo tá falando em como é que vocês conseguiram
colocar uma jornalista externa dentro da concentração. E uma brasileira
ainda.
— Sinceramente? Eu não faço a menor ideia. Eu estava torcendo com
todas as minhas forças pro Matias não conseguir.
— E existe alguma coisa que aquele filho da puta não consiga? —
Gaspar pergunta aos risos.
— Ele não conseguiu me livrar do maldito contrato da biografia.
— Ele não quis te livrar do contrato da biografia. Ele disse que esse era
o último recurso na tentativa de te fazer desistir da aposentadoria.
— Depois de mais de dez anos, ele devia saber que não ia funcionar e ter
me poupado dessa mulher. Porra, eu não suporto essa tal de Rita. Uma
sensacionalistazinha da porra.
— Rita? — O tom de voz de Gaspar me faz desviar os olhos do gramado
para olhar para o seu rosto de pele escura e olhos negros.
— Rita Escarlate. — Expulso o ar por entre os dentes. Quem caralhos se
chama de Escarlate? — Não é esse o nome da jornalista?
— Em que mundo você tá vivendo, Tassio? — Minha resposta é um
arquear silencioso de sobrancelha — Na última semana, você não abriu o
Twitter, pelo menos?
— Uma semana antes da copa do mundo? Mas é claro que não!
— Você é um cretino metódico. — Gaspar balança a cabeça, negando,
antes de enfiar a mão no bolso dos shorts de treino apenas para perceber
que o celular não está lá. — Rita Escarlate sofreu um acidente de carro na
semana passada, Tassio. A mulher vai ficar de molho por um tempo. —
Explica, e eu pisco, pego completamente desprevenido pela notícia.
— O quê?
— É! — Ele confirma, sacudindo a cabeça para cima e para baixo.
— Mas se não é ela, quem está chegando hoje?
Eu nunca achei que diria isso, mas Hell de Janeiro [4] é um parque aquático
em comparação com o Catar. Puta que me pariu! Que lugar quente do caralho e
nós estamos em novembro! Em novembro! Passo a língua seca sobre os lábios
em uma tentativa inútil de aplacar a sensação de ressecamento.
— Obrigada, Silvio.
— Check-in?
— Obrigada.
— Por nada! Tenha um bom dia, senhorita. — Se despede e, olhando por
sobre o ombro, acompanho sua saída.
A porta se fecha com um clique suave e, lentamente, começo a andar ao
redor do quarto que tem, pelo menos, duas vezes o tamanho da casa alugada
onde vivo com minha mãe e irmão no Brasil.
— Puta merda! — digo em voz alta antes de girar como a Cinderela ao ser
tocada pela varinha da fada madrinha. — Puta merda! — E, simples assim, eu
estou pulando feito uma louca, me chacoalhando inteira, sem poder acreditar
que isso é real. Eu realmente estou aqui. Pelo tempo que Portugal se mantiver
na competição, esse quarto será meu.
Como uma pipoca, vou pulando pelo quarto até me jogar na cama. O
colchão afunda sob o meu peso, mas não muito, apenas o suficiente para se
moldar ao formato do meu corpo, e eu tenho certeza de que deve ser a sensação
de deitar em uma nuvem. É como desligar um interruptor.
Toda a minha excitação é rapidamente transformada em letargia e, mesmo
que eu saiba que eu deveria me levantar e terminar de explorar o quarto, ou,
pelo menos, tomar um banho, é impossível. O cansaço me pega de uma vez.
Meus olhos se fecham, minha respiração encontra o próprio ritmo contra a
minha vontade e tenho tempo para somente um pensamento antes de ser
arrastada para a terra dos sonhos.
Tudo bem, Tassio Arraes. Novo plano! Eu não vou deixar você estragar essa
experiência pra mim. Sou eu quem vai estragar essa experiência pra você. A
vingança é mesmo um prato que se come frio, mesmo que o Catar seja quente
feito o inferno.
— Muito bem. — Digo, pressionando o botão de ligar do gravador em
minha mão. — O dia 1 no Catar não começou exatamente com o pé direito, —
reconheço para a Cacau do futuro. — Mas nós viramos o jogo e decidimos que,
ao invés de sofrer por estar aqui, vamos fazer com que outra pessoa sofra por
nós estarmos aqui: Tassio Arraes! — Quando abro a boca para continuar a falar,
meu celular toca em cima da mesa de cabeceira.
Olho para o imenso relógio esculpido em mármore preso à uma das paredes
do meu quarto e não preciso ter a visão de longo alcance do Superman para
saber quem está me ligando.
— Oi, mãe. — Digo assim que atendo à chamada sem nem mesmo olhar o
visor.
— Oi, Cacau! — A voz de Felipe soa ao fundo na ligação. Pelo horário,
meu irmão deve estar sentado, fazendo sua lição de casa.
— Oi, Felipe.
— Por que demorou tanto pra atender, Cacau? — Minha mãe pergunta, mas,
logo em seguida, se responde. — Você estava gravando, não estava?
— Me conhece tão bem... — brinco, porque não é como se essa fosse uma
conclusão difícil de se chegar. É claro que eu estava gravando. Mas em minha
defesa quem me deu um gravador ao invés de um diário no meu aniversário de
dez anos foi ela.
E eu queria muito, muito mesmo, um diário. Então decidi que o gravador
poderia ser um, desde então, nunca mais parei.
— Como estão as coisas aí? Tá tudo bem? — Ela ignora completamente
minha ironia.
— Mãe, eu acabei de te enviar 5 podcasts disfarçados de áudio e três vídeos.
Você, literalmente, acabou de me ver.
— Não é a mesma coisa de falar ao vivo. — Reclama, e eu inclino a cabeça
para trás, achando graça.
— Eu estou ótima, mãe. — Cedo. — Como eu disse nos áudios, não fiz
nada além de dormir pelas últimas seis horas, aqui é ridiculamente quente, não,
eu não fui assediada no caminho do aeroporto até aqui e o hotel é absurdamente
seguro. Zero chance de eu ser sequestrada estando hospedada aqui.
— Tudo bem. Tudo bem. — Ela diz para acalmar a si mesma. — Aí é uma
da tarde, né?
— Uma e vinte e três.
— E a que horas você vai conhecer o jogador?
— Ainda não sei. Tenho que encontrar o assessor de imprensa da seleção em
duas horas. Ele vai me dar mais informações.
— Tudo bem. Tudo bem. — Repete.
— Mãe, eu estou bem. — Digo, suavizando meu tom. — É sério.
— Eu sei. — Dona Regina concorda e solta um longo suspiro. — É só que
você está longe demais dos meus braços. E se acontecer alguma coisa? — E aí
está, o momento que eu sabia que chegaria. Aquele em que eu precisaria
consolá-la.
— Nada vai acontecer, mãe. Eu vou voltar pra casa inteira e solteira.
Nenhum Sheik vai me obrigar a me tornar parte do seu harém, Dona Regina.
Respira e fica calma. Vou voltar pra casa tão encalhada quanto saí.
— Só vou ficar calma quando você estiver longe desse lugar.
— Não é tão ruim assim. — Ando para trás até que minhas pernas batam
contra a cama alta e me jogo nela. — Quer dizer, eu ainda não vi muita coisa, é
verdade. Mas o que vi é lindo. A sujeira está muito bem escondida nesses dias e
acho que, de onde estou olhando, ela vai continuar impossível de ver até que eu
volte pra casa. Na minha frente só tem coisas bonitas e caras. — O silêncio que
segue as minhas palavras não precisa de explicações. Eu a entendo.
A cultura do Oriente Médio não é exatamente conhecida por favorecer as
mulheres. Muito pelo contrário, a segregação e a desvalorização praticadas
pelos países cujas leis se baseiam na religião islâmica são mundialmente
conhecidas e, ainda que eu entenda o respeito à pluralidade, não entendo como
a Fifa[6] aceitou que um evento de proporção mundial e multicultural fosse
sediado aqui.
Assistir a uma copa do mundo dos estádios sempre foi um sonho. Meu pai
era fanático por futebol e, apesar de ter convivido muito pouco com ele, acabei
herdando essa paixão. Eu o perdi quando tinha doze anos, pouco depois de meu
irmão mais novo nascer e me manter fiel ao seu amor pelo esporte e ao Vasco,
seu time do coração, pareceram a maneira certa de mantê-lo perto de mim.
Em 2014, quando o Brasil sediou a copa, eu tinha apenas catorze anos, e não
havia a menor possibilidade de eu conseguir chegar perto de um estádio. Não
tínhamos dinheiro.
Esse era um sonho que eu não esperava conseguir realizar nem tão cedo,
mas, mesmo que as circunstâncias fossem diferentes, mesmo que eu tivesse
recursos o suficiente para de escolher vir ao Catar assistir à Copa como turista,
não acho que eu faria. Porque, se com toda a segurança dada a uma das
seleções, eu ainda estou me sentindo amedrontada, como eu me sentiria se
estivesse por minha conta?
É muito difícil me sentir segura em um país onde mulheres que são
violentadas comumente são punidas por adultério quando se atrevem a
denunciar seu agressor[7].
— Por isso, pelo menos, eu estou grata.
— Vai ficar tudo bem, mãe. — Repito, dessa vez, tanto para ela quanto para
mim mesma. — Vai ficar tudo bem. Tão encalhada quanto saí, é uma promessa.
— Minha filha, nós também não precisamos chegar a extremos. Tão
encalhada quanto saiu é um pouco radical demais. — Ela brinca, tentando
amenizar o clima e eu aceito a deixa.
— Mãe!
Os frascos dentro da nécessaire me encaram questionadores, mas minha
resposta não muda. Eu me recuso a tomar essa merda. Fecho a bolsa de
couro com muito mais força do que o necessário antes de arremessá-la de
volta na mala vazia. Abaixo a cabeça e aperto os olhos. Calma, porra.
Calma.
O exercício de respiração vem naturalmente depois de meses usando-o
como muleta. Leva quase cinco minutos até que eu abra os olhos outra vez
e boa parte do avanço que eu havia feito no esforço para me acalmar vai
pelo ralo quando me deparo com a imensa fotografia, tirada há muitos anos,
impressa em preto e branco, colada sobre a cabeceira do quarto de hotel.
Minha versão criança está agarrada a uma bola de futebol. Eu me lembro
do dia em que meu pai tirou essa foto. O garotinho de cabelos escuros e
olhos castanhos me observa sorridente, e é foda saber que um dia ele vai se
sentir um impostor fazendo aquilo que mais ama na vida. Solto uma
expiração profunda e dou as costas para a imagem.
A decoração surpresa no quarto de hotel teria sido motivo de orgulho
para mim há quatro anos, na última copa de que fiz parte. É incrível como
as coisas podem mudar num passe de mágica. Olho para o relógio em meu
pulso para confirmar o que já sei, não tenho muito tempo.
Felizmente, a assessoria de imprensa definiu o que eu preciso vestir
agora ou eu provavelmente sairia do quarto usando meias trocadas, se
saísse. O caminho do quarto até o elevador é feito no automático. Estou tão
distraído que só me dou conta dos outros três jogadores parados no fim do
corredor quando quase trombo neles.
— Opa, velho! Vai devagar! Carne de burro ainda não é transparente. —
Gaspar brinca, exibindo o sorriso imenso de dentes muito brancos, como
sempre.
— Burro és tu! — João Marques se defende assim que entende a piada
de Gaspar. Marcelo apenas ri.
— Desculpem, malta. Eu estava distraído.
— Animado pra coletiva, Arraes? Eles vão cair a matar pra cima de ti.
— Marcelo pergunta, e eu franzo o nariz, porque, sim, eles vão. Última
copa e o caralho...
— Quem fica animado pra coletivas? — Dou de ombros.
— Eu fico! — Gaspar se apressa em dizer, erguendo uma mão como se
estivesse pedindo permissão para falar durante uma das explicações táticas
do técnico. O garoto me arranca uma risada alta, e o elevador chega. — O
que eu posso fazer? As câmeras amam-me! — Completa, arrancando mais
risadas, dessa vez, de todos nós.
— Eu estou animado pra ver minha filha. Entre o fim da temporada e o
início do mundial, acreditas que só consegui ver minha bebé três vezes
desde o dia que ela nasceu?
— Afrodith sabe que o pai dela está em uma missão importante. — Digo
e aperto o ombro de João. Suas sobrancelhas se erguem em uma surpresa
clara por eu me lembrar o nome de sua filha recém-nascida.
— Ele é o capitão, sua abécula! — É Gaspar, mais uma vez, e eu dou um
pescotapa no moleque falastrão para caralho. — Ai! — Reclama.
— Ignora-o. — digo antes de assentir para João.
— A tua família vem, Arraes? — Marcelo pergunta, e eu nego com a
cabeça. — Estamos a combinar uma saidinha pra folga. Vai quase toda a
gente, tem planos pra folga ou vais ficar aqui sozinho no hotel? Se for a
opção número dois, você está intimado a vir ter conosco.
As portas do elevador voltam a se abrir, dessa vez, no andar da sala de
imprensa do hotel.
— Vou pensar nisso. — Garanto, e é o suficiente para que eles se deem
por satisfeitos.
Saímos para o corredor e começamos a caminhar na direção da porta
ainda fechada. A coletiva só começa em quarenta minutos, então, por
enquanto, as coisas ainda estão calmas ao nosso redor.
Tão calmas que vejo Wilker, nosso assessor de imprensa, caminhando
bem à nossa frente acompanhado por uma mulher. Ela movimenta a cabeça
me dando um rápido vislumbre de seu rosto antes que eles sumam depois de
virar no fim do corredor. Interrompo meus passos imediatamente. Pisco,
porque não pode ser. Isso seria impossível, porra! Mas será que, além de
tudo, agora minha mente também decidiu me pregar peças?
— Arraes? — Marcelo chama quando, pelo menos dez passos à minha
frente, meus colegas de time percebem que fiquei para trás.
Franzo as sobrancelhas e alterno o olhar entre o lugar onde Wilker e a
mulher estiveram e aquele onde Marcelo, João e Gaspar me esperam.
Balanço a cabeça. Impossível. Isso seria impossível. Volto a andar.
— E essa é a última área comum a que sua credencial dá acesso. Para
se mover entre os andares e áreas do hotel, você só precisa passar o
cartão no sensor do elevador ou ao lado das portas. Se for autorizada,
elas se abrirão, se não, terá sua entrada negada. — O gestor da equipe de
jornalistas diz sem nem mesmo fingir simpatia.
Tudo bem, eu entendi. Sou uma jornalista brasileira infiltrada na
equipe oficial de reportagem da seleção portuguesa. Você não gosta de
mim, mas, adivinhe, cosplay de Seneca Crane[8]? Eu também não gosto
de você e quero estar nessa posição tanto quanto você gostaria que eu
estivesse.
O único culpado por isso é Tassio Arraes, mas eu duvido muito que a
estrelinha da seleção lusitana esteja recebendo um tratamento
semelhante. Me pergunto o que exatamente Rita disse para essas
pessoas, porque, apesar do desdém evidente de Wilker por mim, ele
ainda está me tratando como uma profissional, uma de quem ele não
gosta, mas uma profissional.
O que ele diria se soubesse que, até uma semana atrás, eu não
passava da moça do cafezinho? Ah, sua cara seria impagável, com
certeza. Engulo o bufar enquanto repito mentalmente que preciso ser
profissional. Há muito em jogo. Muito. E eu amo e odeio minha chefe
por isso.
— Tudo bem. E quando eu terei minha entrevista preliminar com
Tassio? — Wilker estreita o olhar para mim, e eu me amaldiçoo por não
ter conseguido esconder meu desgosto bem o suficiente.
— Achei que você estivesse aqui pra observar e relatar. — Ah, ele
está puto. Tão puto. E, talvez, ter prazer em fazer com que ele se revire
por isso faça de mim uma pessoa infantil, mas quem se importa?
— Estou. Mas parte do meu trabalho de observação consiste em
relacionar as expectativas de Tassio com a realidade. — repito as
palavras que Rita me disse. — Para isso, eu realmente preciso conhecer
as expectativas dele. Você não acha?
As narinas de Wilker se inflam, e esse é o único sinal que seu rosto
dá de sua irritação crescente.
— Muito bem. Depois da coletiva.
— Haverá uma coletiva? A que horas?
— A senhorita não foi convidada para ela. — É categórico, e eu ergo
uma sobrancelha. Tudo bem, talvez birrenta seja uma palavra mais
apropriada para me descrever. Mas foda-se. Eu posso não estar aqui
alegremente, mas vou fazer o trabalho que vim fazer da melhor maneira
possível.
Eu já tenho obstáculos mais do que o suficiente sem um idiota
pomposo tentar me sabotar.
— Sem problemas. Eu espero que ela termine.
— A senhorita pretende aguardar no quarto?
— Precisamente.
— Então eu peço que a informem lá.
— Agradeço imensamente.
— Por nada.
— Tassio. — Meu nome deixa seus lábios junto com um suspiro antes
de ela virar o corpo de frente para mim.
— Cacau. — Seus olhos se desviam e ela morde o lábio inferior. —
Perdida? — Repito a primeira pergunta que fiz.
— Surpresa. Acho que nunca vi o hotel tão vazio.
— É o dia de folga.
— E as pessoas realmente aproveitaram. — Comenta mais para si
mesma do que para mim. Eu rio.
— E você não pretende aproveitar?
— No meu quarto, assistindo tv.
— Sério? — Franzo as sobrancelhas.
— Sério. — Confirma baixinho.
— Por quê? — A pergunta é um impulso. Cacau volta a concentrar os
olhos em mim e me encara por quase um minuto inteiro antes de me
responder.
— Eu não falo inglês. — Recuo a cabeça e franzo as sobrancelhas,
genuinamente surpreso. Cacau vira o rosto para o lado, mas não antes
que eu percebesse a cor começando a tomar conta das suas bochechas.
— Eu conheço um lugar onde você só vai precisar do português.
Ele me trouxe para o almoço das famílias dos jogadores.
Aceitar o convite de Tassio foi mais um impulso do que qualquer outra
coisa, mas depois de uma semana na concentração, eu não esperava me sentir
tão pequena ao encontrar o restaurante vazio pela manhã.
Todos saíram para viver a novidade que é estar no Catar. Mesmo as
mulheres, porque são capazes de, no mínimo, se comunicar. Enquanto eu não
consigo superar meu pânico porque sei que, se me perdesse de Silvio por
alguma razão, eu estaria completamente perdida, em todos os sentidos.
Mas eu não esperava que saíssemos do hotel da seleção para o hotel das
famílias da seleção. Muito menos que estaríamos vindo para a versão
portuguesa de um churrasco em que, ao invés de assar carnes, linguiça e
frango na churrasqueira, eles assam peixe. Isso nem faz sentido, pelo amor de
Deus!
— Então, eu acho — Gaspar diz, sentando-se ao meu lado num sofá à
beira da piscina. — Que você devia me dar uma chance. — Eu jogo a cabeça
para trás em uma gargalhada divertida. Não é a primeira vez que ele diz algo
do tipo.
Andrei é exatamente o que aparenta ser, um cara jovem, lindo, confiante e
extremamente divertido. Nos últimos dias perdi a conta de quantas vezes
achei graça em ver a interação entre ele e Tassio. Eles são como água e vinho
e, na maior parte do tempo, acho que Arraes está desesperado para fazer
Gaspar sumir do mapa. Sinceramente, não entendo ainda como eles podem se
dar tão bem, apesar disso.
— Nós já tivemos essa conversa, Andrei. Eu estou aqui a trabalho. — Dou
a resposta de sempre, embora muito mais sorridente do que das últimas vezes.
Não estar num ambiente oficial faz com que eu me sinta muito menos
pressionada sobre o que os outros podem pensar. Andrei só está sendo legal,
não preciso ser clínica sobre isso. Pelo menos, não aqui.
O olhar de Tassio, a alguns metros de distância, me encontra e seus olhos
se estreitam quando ele percebe Gaspar sentado ao meu lado e, num timing
impressionante, o homenzarrão negro de sorriso fácil e brilhante decide que é
um bom momento para estender o braço por sobre o encosto do sofá, como
quem não quer nada.
Arraes mantém os olhos em seu amigo e em mim mesmo que Manoel, o
goleiro, esteja falando com ele. Tassio nem mesmo disfarça sua total falta de
atenção na conversa. Desde que chegamos, há pouco mais de meia hora, ele
ainda não havia me deixado sozinha por nenhum minuto sequer.
Ele só se levantou para pegar bebidas e, no caminho de volta, foi
interceptado por Manoel. Eu não me incomodei em ficar sozinha por mais
tempo, além de Gaspar não ser o primeiro a vir me fazer sala. A verdade é que
fiquei surpresa que Tassio não tivesse simplesmente me deixado sozinha
assim que chegamos. Fiquei grata também.
Tassio Arraes vem me surpreendendo e muito essa semana. Desde a
maneira como ele se comporta com seus colegas de time até a forma como
olha para mim. Apesar da conversa que ouvi, ele não fez nenhum movimento
em minha direção, o que, não importa o quanto eu intimamente esperasse que
acontecesse, não importa o quanto nossos corpos desejem que aconteça, ainda
assim, seria inapropriado.
— Eu entendi isso. — Andrei continua. — E respeito isso. — Diz e eu me
forço a desviar o olhar do maxilar trincado de Tassio para prestar atenção em
Gaspar.
Eu não deveria me sentir tão bem com a possibilidade de Arraes estar com
ciúmes, ou, pelo menos, incomodado, mas não consigo evitar, mesmo que eu
me recrimine por isso.
— Então por que nós estamos tendo essa conversa? De novo?
— Porque você está pensando a curto prazo. A copa não vai durar pra
sempre. — Eu gargalho outra vez.
— Você mora na Alemanha!
— E os aviões estão aí pra isso. — diz como se fosse uma coisa muito
simples.
— Você é hilário!
— É, Gaspar. Você é hilário. — A voz potente de Tassio afirma, atraindo
tanto a minha atenção quanto a de Andrei para o rosto nada satisfeito do
atacante.
— Qual é, cara? Você precisa me ajudar nessa. — Andrei pede, brincalhão
e Tassio revira os olhos.
— Eu acho que a sua mãe está te chamando, Andrei.
— Não, ela não está.
— Ah, ela está sim. — Arraes repete. — Definitivamente, ela está. Eu
posso ouvir daqui. — Diz entre dentes e é a vez de Andrei jogar a cabeça para
trás e gargalhar.
— Tudo bem, tudo bem. Eu me rendo. — O meio-campo ergue as mãos
espalmadas para cima ao se levantar. — Mas isso não é um adeus, é um até
logo. — Dá uma piscadinha olhando para mim antes de sair na direção de um
grupo de outros jogadores.
É impossível não rir, mas minha risada logo morre quando um Tassio
emburrado ocupa o espaço deixado por Andrei e me oferece um dos copos
que tinha na mão, aquele que tem refrigerante ao invés de água.
— Obrigada.
— Não por isso. — Diz tão objetivamente que soa quase rude.
— Você não precisa bancar minha babá, sabe? — Brinco, mas, ao mesmo
tempo, falo sério. — Você já me convidou, não precisa ficar preso aqui
comigo.
Tassio me olha por tanto tempo que acho que ele não vai me responder, vai
apenas roubar todos os meus segredos e me abandonar vazia aqui, na beira da
piscina mais linda em que já pus meus olhos, mas ele responde.
— Eu não sou sua babá, Cacau. Sou sua companhia. — Essas duas frases
não deveriam mexer comigo de maneira alguma, mas mexem.
— Por que sua família não veio?
— Essa é uma conversa oficial? — A pergunta substitui a dureza em sua
expressão por um ar de divertimento que me faz torcer os lábios.
— Não. — Reviro os olhos. — Nós estamos de folga, hoje.
— Minha mãe queria vir, mas eu não gosto da ideia de ela viajando e se
hospedando sozinha e meu irmão tinha uma viagem de negócios inadiável.
— Vocês parecem se dar bem.
— Nos damos.
— A sua mãe nunca se casou depois que vocês perderam seu pai, certo? —
Pergunto e uma das sobrancelhas de Tassio se ergue.
— Tem certeza de que essa ainda é uma conversa não oficial?
— Muito bem, do que você quer falar, então?
— Qual é a sua sobremesa favorita?
— O quê? — Recuo a cabeça, franzo o cenho e torço os lábios. — Por
quê?
— Porque as conversas oficiais são sempre sobre mim. É justo que as não
oficiais sejam sobre você. Eu não sei nada a seu respeito e você sabe tudo
sobre mim.
— Isso não é verdade. Tem muitas coisas que eu gostaria de saber sobre
você.
— Me diga algumas sobre você e, quem sabe, eu não me sinto um pouco
mais generoso?
— Você é um manipulador.
— Eu com certeza sou. — desvio os olhos, mas não evito o sorriso. — E
você gosta disso. — Ele constata, fazendo minhas bochechas esquentarem. —
Quem diria, hein? Isso definitivamente foi uma descoberta mais interessante
do que sua sobremesa favorita, mas eu ainda quero saber qual é.
— Eu não tenho uma. — Respondo aos risos e Tassio leva a mão ao peito
encenando ultraje.
— Não.
— Sim.
— Não mesmo.
— Com certeza, sim. Eu prefiro comidas salgadas.
— Isso é um sacrilégio. Isso é inaceitável. Você já comeu um pastel de
Belém?
— Já, e odiei. E sério? Pastel de Belém? Não dava pra ser mais clichê,
português?
— Uau! — Ele ergue a mão espalmada em minha direção, pedindo tempo.
— Uau! — Quando Arraes pousa mão de volta ao próprio colo, ele balança a
cabeça devagar, parecendo devastado. — Essa é uma decepção e tanto. Mudei
de ideia, não acho que eu possa ter conversas não oficiais com você hoje. —
Declara e me arranca uma gargalhada alta que chega a chamar a atenção de
algumas das pessoas ao nosso redor.
Tassio sorri também e não é aquele sorrisinho falso de sempre. Não, é um
sorriso de verdade que responde todas as minhas dúvidas sobre o quão mais
bonito ele ficaria. Infinitamente. Infinitamente mais bonito.
Ele está tão solto, tão leve. Tão diferente do homem tenso que eu vejo nos
treinos, sempre preocupado com alguma ameaça invisível.
— Eu prefiro assim. — Ele diz, interrompendo meus pensamentos e eu
pisco.
— Assim como?
— Quando as suas gargalhadas são pra mim. — Mordo o lábio quando
suas palavras se assentam cheias de significados entre nós e eu percebo que eu
também prefiro assim. — Qual é o seu animal favorito? — Muda de assunto
sem me dar a chance de responder ao anterior. — Se você me disser que não
tem um animal favorito, eu lamento, mas vou precisar me levantar e ir
embora.
— Eu gosto de raias.
— Raias? — questiona, cético.
— Raias.
— O peixe?
— Isso. — Balanço a cabeça para cima e para baixo, confirmando.
— O que há de errado com cachorros? — pergunta, inconformado, e eu
gargalho outra vez.
— Nada. Eu gosto de cachorros, mas você me perguntou qual era o meu
animal favorito. São as raias. Você já viu uma raia sorridente?
— Uma raia sorridente?
— Você sabe que não precisa repetir o que eu digo, certo? Só pra
confirmar.
— Ah, eu sei. Eu só realmente preciso de confirmação pra esses absurdos.
— Então você nunca viu uma raia sorridente. — determino. — Elas são
irresistíveis.
— Quantos anos você tem, Cacau? Eu preciso saber que você tem
salvação.
— Eu tenho vinte e não preciso de salvação, obrigada. — respondo e
Tassio interrompe o movimento que fazia de levar o copo de água à boca.
— Vinte?
— Você parece surpreso.
— Eu estou. — diz baixinho e abaixa os olhos para o chão, parecendo estar
falando mais consigo mesmo do que comigo. — Eu estou. — repete e ri
baixinho.
— O quê? — Arraes aproxima o rosto do meu e olha para os dois lados,
como se estivesse prestes a me contar um grande segredo. Involuntariamente,
me pego fazendo o mesmo, em expectativa.
— Você ainda tem salvação. — sussurra.
— Hey! Please, Serge! My brother is a Huge fan of you! [11]— Gritei sobre
as vozes da multidão com meu inglês precário, aprendido no google tradutor
especificamente para aquela ocasião.
Mas quem me respondeu não foi aquele de quem meu irmão esperava
atenção e sim aquele por quem eu queria muito ser notada. Tassio se virou em
minha direção e seus olhos travaram nos meus pelo que pareceu uma
eternidade.
Meu corpo se tornou impossivelmente mais quente depois de seis horas
sob o sol escaldante do Rio de Janeiro e eu fui completamente incapaz de
dizer qualquer coisa para o único, entre os dois por quem passei horas
esperando, com quem eu realmente poderia me comunicar de maneira
decente. Então eu sorri. Era tudo o que eu me sentia capaz de fazer de
maneira minimamente não tão embaraçosa.
Arraes, no entanto, pouco se importou com minha cordialidade. Ele
desviou o olhar de mim para Felipe que, mesmo não achando que era ele o
melhor jogador andando sobre a face da terra naquele momento, olhava para
Tassio como se ele fosse um deus.
— Nos deixe em paz! Nós estamos cansados. — O atacante do Bayern
disse sem qualquer pudor, virou as costas, e entrou no hotel.
Eu pisquei, atordoada por vários segundos antes do choro do meu irmão
me despertar. Peguei um Felipe aos prantos no colo e o abracei enquanto
meu coração se despedaçava com sua primeira decepção que era muito mais
do que amorosa, era de caráter.
Que tipo de pessoa fazia uma coisa daquelas? Definitivamente, uma ruim.
Pisco quando a lembrança se desfaz como fumaça. Uma pessoa ruim. É
esse o tipo que Tassio Arraes é e eu não posso me deixar esquecer nem por um
segundo. Não de novo.
Determinada a apagar a tarde mentirosa que passamos juntos da minha
cabeça, pego celular e abro meu grupo com as meninas. Nele, o endereço de
um café numa região de imigrantes brasileiros no Catar me espera, assim
como todas as instruções de como chegar até ele, como Mah havia prometido.
Abro o contato de Silvio e ligo para ele. Vou precisar de um motorista.
O apito da chegada do elevador ao térreo me distrai da espera pela resposta
da recepcionista. Viro o rosto na direção das portas de metal.
Uma Cacau concentrada passa por elas sem ver nada ao seu redor, apenas
aquilo que está à sua frente. Abro a boca para chamá-la, mas a recepcionista
escolhe esse momento para encontrar a informação pela qual passei os últimos
cinco minutos esperando e me chama.
Eu a ouço, mas não presto atenção. Só consigo me perguntar o que
exatamente Cacau pode estar indo fazer fora do hotel quando falta muito
pouco para o anoitecer e ela me confidenciou ainda esta manhã, que não fala
inglês. Levo um tempo para perceber que o sentimento em meu peito é
preocupação. O Catar não é o país mais seguro do mundo para uma mulher,
ainda mais uma mulher sozinha.
É uma decisão impulsiva, mais uma, na verdade, que tomo nos últimos
dias graças a essa menina. Saio do hotel procurando por ela e a vejo entrar no
banco de trás de um carro. Mordo o lábio sabendo que eu deveria parar de
obedecer aos meus impulsos exatamente aqui, mas não consigo.
Meu carro ainda está estacionado na frente do hotel, aguardando que o
Vallet o leve para o estacionamento subterrâneo. Entro nele e, sem pensar nem
um pouco a respeito, sigo o carro que vi Cacau entrar. É uma viagem curta e
tensa. Vinte minutos depois, paro o carro em frente a um café de nome “Brasil
no Catar”.
As janelas de vidro deixam ver todo o espaço interno da cafeteria que se
parece muito com uma Starbucks[12]. Ainda dentro do carro, observo Cacau
sair daquele onde estava, entrar no estabelecimento evidentemente brasileiro,
sentar-se em uma mesa, tirar um notebook da bolsa, abri-lo e, depois de
alguns minutos, acenar para o que eu imagino que seja uma câmera.
Uma chamada de vídeo? Ela veio até aqui para fazer uma chamada de
vídeo? Por quê? Eu deveria ir embora. Aquilo que começou como
preocupação começa a se parecer muito com invasão de privacidade, mas,
ainda assim, não saio do lugar. Como ela vai voltar para o hotel?
Levo a mão à nuca e faço pressão ali. Tassio, Tassio. Que porra você está
fazendo? Balanço a cabeça em negativa e dou partida no carro mesmo que
tudo em mim se rebele contra a simples ideia de deixar Cacau sozinha.
Duas horas depois, ela continua no mesmo lugar. Voltei aqui só por
desencargo de consciência. Ou, talvez, eu tenha passado as últimas duas horas
dirigindo sem destino apenas para dar privacidade à jornalista e, depois, ainda
assim, poder levá-la de volta ao hotel em segurança.
A noite já engoliu a cidade desértica e eu desligo o carro, determinado a
colocar um fim na minha própria atitude maníaca. O plano é simples: entrar
no café, fingir que é uma grande coincidência encontrá-la ali e oferecer uma
carona de volta para o hotel. Ela aceita, nós voltamos e, como recompensa
pelo comportamento perturbador, ganho mais meia hora sozinho com Cacau.
É um bom plano, digo para mim mesmo, me recusando a pensar no quão
absurdo ele é, ao invés disso.
O carro se fecha assim que atravesso a rua e eu entro na cafeteria. A dupla
mudança brusca de temperatura no espaço de menos de um minuto me faz
ofegar. Porra. Que país quente do caralho. Meus olhos têm destino certo e
encontram Cacau rapidamente. Ela ainda está falando com alguém por vídeo,
mas de costas para a porta, não me vê.
Vou até o balcão de produtos quentes, acreditando que é melhor que eu a
aborde segurando alguma coisa, provavelmente, vai tornar minhas desculpas
ridículas mais críveis. E não poderia ser só uma água, certo. Um café. Um
café brasileiro faria mais sentido. Peço um ao atendente e ele pergunta que
nome escrever no copo.
Digo nome e sobrenome na esperança de que a própria Cacau ouça quando
ele me chamar e que a cena inteira me poupe das minhas justificativas mal
ensaiadas para a minha presença aqui. O rapaz é brasileiro e não tem
dificuldade alguma em entender e escrever meu nome, mas para minha
frustração, nada acontece quando ele me chama para entregar o café.
Cacau continua tão entretida em sua conversa quanto estava antes e eu não
tenho opção, a não ser me aproximar. Faço isso devagar, preocupado que,
quem quer que seja a outra parte da conversa, possa me ver através da câmera
e perceber o quão ruim é minha encenação. No entanto, conforme dou passos
na direção da mulher com quem passei boa parte do meu dia hoje, me torno
capaz de ouvir o que ela está dizendo tão acaloradamente e não é nada que eu
imaginaria ouvir dos seus lábios.
— Ele é um filho da puta manipulador! — declara com ênfase o suficiente
para me deixar preocupado de que algo tenha acontecido nas duas horas em
que a deixei aqui sozinha. — Eu quase esqueci. — diz e ri sem humor. — Mas
se ele pensa que meia dúzia de palavras açucaradas e uma semana se fazendo
de bom moço vão me convencer de que ele magicamente mudou de
personalidade e me impedir de relatar quem ele realmente é, Tassio Arraes vai
ter uma grande surpresa.
Eu interrompo meus passos quando há pouco menos de meio metro de
distância entre nós. Espera, ela está falando de mim? Eu sou o filho da puta
manipulador?
— Sabe de uma coisa? Isso tudo só vai tornar meu plano inicial muito
melhor. — digo, usando as palavras como combustível para a raiva fluindo em
minhas veias desde o momento em que me entreguei à lembrança do dia em
que vi Tassio pessoalmente pela primeira vez.
— Ca. — Thalissa me chama, mas eu ainda não estou pronta para parar de
destilar meu veneno. Eu preciso colocar tudo para fora ou corro um sério risco
de me engasgar com ele e não acordar amanhã.
— Eu vou expor o tipo de pessoa que ele é quando ninguém está olhando
pra qualquer pessoa que comprar esse maldito livro e vou comemorar como se
fosse o Brasil conquistando o hexa a cada vez que um trecho particularmente
invasivo sobre Tassio for compartilhado no Twitter.
— Cacau. — Thalissa tenta outra vez apenas para que eu continue
ignorando-a.
—Então, a cereja do bolo vai ser conseguir...—
— CACAU! — Dessa vez, minha amiga grita meu nome, me assustando e
me fazendo arregalar os olhos.
— O quê?
— Cala a porra da boca e olha pra trás! — Não penso sobre o motivo de
ela estar me pedindo isso, só obedeço, ansiosa para cumprir a missão e voltar
a falar mal de Tassio. Há apenas um obstáculo entre a concretização do meu
plano e eu: um Arraes absolutamente chocado que, aparentemente, ouviu cada
uma das muitas palavras que eu acabei de dizer.
— Uau. — diz depois de minutos inteiros durantes os quais nos encaramos
em silêncio. — Isso com certeza foi esclarecedor. — Seu tom é tão
desapontado que sinto minha coragem e militância anti-Tassio Arraes
murcharem como balões furados.
Abro a boca, mas a fecho sem que nenhuma palavra tenha passado por ela,
porque o que eu poderia dizer? Que ele entendeu errado? Que não era nada do
que ele estava pensando? Não vou mentir para nenhum de nós dois desse
jeito, mesmo que, dentro de mim, o arrependimento já esteja brotando como o
espinho de crescimento mais acelerado da história.
— Eu vou deixar você terminar seu café e sua conversa. Boa noite, Cacau.
— Se despede e vira as costas antes que eu tenha a chance de responder. Ele
dá dois passos na direção da porta antes de parar de andar. Tassio aperta os
punhos e se vira ficando, outra vez, de frente para mim. — Você tem como
voltar para o hotel? — pergunta entre dentes e com as narinas inflando à
medida que expirações agressivas passam por elas. Eu engulo em seco.
— Tenho. — respondo baixinho.
— De forma segura?
— Sim. Rita me contratou um motorista para o caso de eu precisar sair do
hotel. Foi ele que me trouxe.
— Muito bem, então. Boa noite. — Dessa vez, ele não para. Tassio sai da
cafeteria sem olhar para trás.
Não consigo parar de me movimentar.
Há uma energia nervosa explodindo dentro de mim que torna impossível
ficar parada. Ando de um lado para o outro no meu quarto. O que eu deveria
fazer? Bater na porta dele? Eu provavelmente nem conseguiria chegar ao seu
andar. O passe que me foi dado para chegar lá na nossa primeira entrevista, a
essa altura do campeonato, já foi para lá de cancelado.
E mesmo que eu conseguisse bater em sua porta. O que eu deveria dizer?
Que eu odeio pelo que ele fez há dois anos? Que um evento corriqueiro em
sua vida marcou a minha e a do meu irmão para sempre? Que odiá-lo é a
única corda a que posso me apegar porque meu corpo não consegue ficar
perto dele sem entrar em parafuso e que minha mente ameaçava ir pelo
mesmo caminho depois de apenas uma tarde de conversa?
Eu não sei qual das confissões seria mais patética, mas sou impedida de
continuar me debatendo a respeito quando a batidas soam em minha porta.
Caminhar até ela e abri-la é um movimento automático e completamente
impensado, porque um, eu estou vestindo uma camisola ridiculamente curta e
dois, quem poderia ser às onze da noite no Catar?
Se Tassio for me mandar para casa, eles vão esperar pelo menos até
amanhã de manhã antes de pedir que Wilker venha me dispensar, certo? No
entanto, não é o assessor de imprensa da seleção portuguesa que encontro em
minha porta quando a abro, é Tassio Arraes.
— Posso entrar? — pergunta sério como eu nunca vi antes, nem mesmo na
coletiva de imprensa. Minha resposta é abrir caminho para que ele passe e,
logo depois fechar a porta. Viro-me na direção do recém-chegado ao meu
quarto e apoio meu peso contra a superfície de madeira em minhas costas.
A presença de Tassio parece mudar até mesmo o ar ao meu redor e, se
antes havia uma energia nervosa consumindo cada grama do meu ser, agora há
expectativa e outra coisa. Uma que eu me recuso a nomear.
— Eu passei as últimas duas horas tentando descobrir o que fazer agora,
Cacau. Mas considerando o tanto que você tem a dizer sobre mim, achei que
seria melhor vir te perguntar. O que você acha que eu deveria fazer? —
Apesar de as palavras escorrerem sarcasmo, o tom usado é sério e
inquestionável. Eu engulo em seco, de repente, extremamente confusa sobre
todos os sentimentos girando como um tornado dentro de mim.
— Eu não sei o que você quer dizer.
— Você está tão convencida de que eu sou esse “tipo” de pessoa. —
explica, fazendo sinal de aspas ao dizer a palavra tipo. — E eu me pergunto, o
que ela faria, Cacau?
— Eu posso ter me excedido com as coisas que eu falei, mas elas não eram
pros seus ouvidos e você também não é inocente, Tassio.
— Inocente de que, porra? — pergunta, perdendo o pouco controle com o
qual chegou aqui e dando um passo em minha direção.
Minhas costas se pressionam ainda mais contra a madeira na tentativa de
se fundir a ela e Tassio para, apertando as mãos em punhos com tanta força
que suas unhas provavelmente estão ferindo a pele de suas palmas.
— Você nem se lembra, não é? — rio sem humor algum. — Sabe, Arraes?
É pela forma como as pessoas tratam àqueles que não importam que nós
conhecemos seu verdadeiro caráter.
— Do que você está falando? — pergunta, pontuando as palavras.
— Do dia em que nos conhecemos! Mas você não se lembra, é claro que
você não lembra. Eu não era ninguém pra você, eu ainda não sou ninguém pra
você.
— Dezessete de janeiro de dois mil e vinte. — Ele diz a data precisa do
nosso encontro na porta do Copacabana Palace e eu congelo.
Ela acha que não me lembro dela. Que piada do caralho quando, por
praticamente todos os dias, desde então, seu rosto assombrou meus
pensamentos.
Primeiro, a beleza dele, depois a juventude que fazia eu me recriminar
sempre que pensava nela, me perguntando se a garota que se recusava a
abandonar meus pensamentos era, pelo menos, maior de idade. Graças a
Deus, sim, porra!
E, é claro, havia a decepção escancarada em seus olhos com a minha
atitude. Outra coisa que sempre me perguntei: Ela tinha entendido o que
realmente aconteceu naquele dia? Parece que não.
Nunca fui um homem governado pelas minhas vontades e atribuo a isso
meu sucesso no futebol. A disciplina me trouxe até aqui, mas, agora,
enquanto olho para o rosto espantado de Cacau, a última coisa que se passa
pela minha cabeça é ser um homem disciplinado.
Foda-se.
Elimino a distância entre nós dois com um único e largo passo. Seu
corpo já estava prensado contra a porta, o que facilita e muito a minha vida.
Ela ofega quando meu calor envolve sua pele sem tocá-la. Milímetros de
distância evitam que nossos troncos se pressionem um contra o outro e eu
espalmo as mãos ao lado de sua cabeça.
Cacau parou de respirar e quando voltar, será impossível que o
movimento de subir e descer dos seus peitos não faça com que eles se
esfreguem em meu tórax.
— Perdeu as palavras, Cacau? — Ela morde o lábio, seus olhos grandes
e castanhos se erguem para encarar os meus. Os lábios entreabertos sopram
morno em meu queixo, arrepiando cada centímetro meu.
Não tento impedir o latejar insistente entre as minhas pernas. Meu pau
pulsa, excitado pelas densas ondas de desejo nos envolvendo, pesando o ar
do quarto imenso que, de repente, não parece maior do que uma caixa de
sapatos que continua a diminuir.
O laço já familiar ao nosso redor se torna mais apertado a cada segundo,
exigindo que toda e qualquer distância que nos separa seja sumariamente
eliminada, povoando cada centímetro meu com absoluto desespero para
tocar Cacau, para descobrir a sensação da sua pele sob minhas palmas, o
gosto da sua boca em minha língua.
— Você se lembra. — Ela finalmente responde.
— O que você acha que aconteceu naquele dia, Cacau?
— Por que você se lembra? — questiona genuinamente surpresa e eu rio
antes de aproximar o rosto do seu. Ela estremece contra a madeira e seu
cheiro domina cada um dos meus sentidos quando eu o inspiro
profundamente.
— Eu perguntei primeiro. — Ela engole em seco quando seu corpo se
movimenta sem saber se quer espaço ou toque.
— Eu lembro — começa, mas pausa, puxa uma inspiração profunda que
faz seu peito inflar e os mamilos, visíveis através da fina camisola preta que
ela usa, roçarem em minha camiseta. Nós vamos precisar ter uma conversa
sobre roupas apropriadas para se abrir a porta para uma visita. Cacau
umedece os lábios em uma provocação totalmente inconsciente antes de
continuar. — Eu lembro de você tendo um ataque de estrelismo e
maltratando a uma criança inocente por isso. — consegue completar o
pensamento, mas as palavras não têm nada da força, que eu tenho certeza,
que sua dona gostaria de imprimir.
— Foi o que eu pensei. — Abaixo o rosto e deslizo a ponta do nariz na
curva do pescoço e do ombro finos. A pele lisa se arrepia com o resvalar,
Cacau geme baixinho e é a porra do som mais gostoso que eu já ouvi na
vida.
— Tassio. — Ela adverte fraca.
— Tudo o que você tem que fazer é me pedir pra parar e eu paro. —
sussurro contra sua pele antes de plantar um beijo suave ali.
— Tassio. — Dessa vez, meu nome soa muito mais como uma súplica
do que como uma advertência.
— Me diz pra ir embora e eu vou, Cacau. Me diz que não me quer aqui,
e eu saio sem olhar pra trás. — Levanto a cabeça e emparelho nossos olhos.
— Me diz que não me quer.
Suas mãos chegam antes da sua boca.
Erguendo-se nas pontas dos pés, Cacau cola os lábios nos meus, um
segundo depois de seus braços envolverem meu pescoço. É como ter
adrenalina injetada diretamente na veia. Sua língua invade minha boca com
uma fome muito mais antiga do que a semana de convivência no Catar e eu
me pergunto, se, assim como eu, desde aquele encontro, dois anos atrás, ela
também se perguntava se algum dia esse momento chegaria.
Colo meu corpo ao seu. A sensação dos seus peitos se esfregando em
mim é a porra do paraíso e leva somente um instante para que eu a tenha em
meu colo. Suas pernas enlaçam minha cintura com firmeza enquanto
minhas mãos exploram cada centímetro de pele que encontram até serem
capazes de se infiltrar sob o tecido fino do qual eu não vejo a hora de me
livrar.
Mordo seu lábio com força e ela geme alto, esfregando-se mais em mim.
Uma das alças de sua camisola cai pelo ombro e eu desço minha boca,
lambuzando seu queixo e pescoço de saliva enquanto faço meu caminho até
a pele recém-exposta. Beijo seu ombro, lambo e continuo descendo até que
a curva do seu seio esteja sob o toque dos meus lábios.
— Todas as coisas que eu quero fazer com você, menina... — Só
percebo que expressei meus pensamentos em voz alta quando ouço uma
resposta atrevida, ofegante e choramingada, tudo ao mesmo tempo, para
eles.
— Por favor, que me comer seja a primeira coisa dessa lista, por favor.
— Eu rio contra a pele macia antes de cravar os dentes no alto dos seios
cada vez menos cobertos pela camisola prestativa que continua revelando
uma quantidade cada vez maior de pele.
— Com certeza é, bebê. — E, para confirmar minhas palavras, deslizo
as mãos pela pele quente, enrolando o tecido que a cobre no processo, até
que eu consiga arremessar a camisola para um lugar que sequer vejo. Tiro
um minuto para observar os peitos pesados de mamilos rosados, o abdômen
macio, a pele deliciosa. — Você é toda gostosa, não é? — pergunto e
alcanço um dos mamilos com o polegar. Cacau derruba a cabeça contra
porta, entregando-se imediatamente às sensações.
Levo minha boca até o vale entre os seios. Eu quero fazer isso devagar,
depois rápido e, então, devagar outra vez. Lambo a curva dos seus peitos,
chupo, me farto com o sabor delicioso e acho que poderia fazer isso o dia
todo apesar da dor em minhas bolas e, talvez eu realmente pudesse, se
Cacau não começasse a rebolar, subindo e descendo, esfregando-se em
minha ereção.
— Quer gozar, bebê?
— Preciso. — choraminga enquanto mantém o movimento dos quadris,
usando o apoio em meus ombros para dar impulso. Seus olhos estão
fechados, a cabeça derrubada para trás, e a maior parte do seu corpo nu, e
os gemidos que deixam seus lábios se tornam cada vez mais altos.
Deixo que ela persiga o próprio prazer enquanto eu assisto ao show mais
delicioso da minha vida. Cacau gozando apenas com a fricção da boceta
ainda coberta pela calcinha contra as minhas calças é com certeza, a minha
nova lembrança de sexo favorita, principalmente quando é meu nome que
deixa sua boca quando ela explode, se convulsionando inteira.
É o meu limite.
Assalto sua boca sem conseguir pensar em mais nada que não seja estar
dentro dela, agora. Seu beijo é tão faminto quanto antes mesmo que ela
tenha acabado de gozar e, rapidamente, minha camiseta se juntou à sua
camisola no chão. As mãos pequenas descem, procurando o fecho da minha
bermuda e eu saio dos meus sapatos enquanto isso, mas a cueca ainda fica.
— Porra! — reclamo para ninguém em particular e Cacau dá uma
risadinha. Ela solta o aperto de suas pernas ao redor de minha cintura e eu
apoio no chão por tempo o suficiente para tirar a sunga e pegar uma
camisinha em minha carteira.
A menina não perde nenhum segundo do meu trabalho de vestir o
preservativo enquanto morde o lábio inchado. Uma imagem daquela boca
deslizando ao redor da minha ereção invade minha mente e me torna ainda
mais dolorido. Depois, caralho! Com certeza, depois.
— Me diz que eu posso te comer contra essa porta? Hein? — Peço,
encaixando minha mão em seu pescoço e pressionando-me inteiro contra
ela. A sensação de pele contra pele é uma loucura do caralho. Cacau geme e
impulsiona os quadris para frente, espremendo minha ereção entre nós.
Aperto os dentes quando o prazer finca suas garras em mim e as arrasta
torturantemente a cada movimento do corpo se esfregando contra o meu.
Minha mão encontra sua cintura como se um imã a estivesse atraindo para
lá e tornando impossível ficar longe.
Deslizo a palma para baixo e acaricio a coxa farta, gostosa para caralho,
antes de contorná-la e infiltrar um dedo sob a calcinha de algodão branca. O
tecido completamente encharcado me dá as boas-vindas e, outra vez, sem
paciência para esperar, Cacau empurra para frente, fazendo meu dedo ser
engolido pelos grandes lábios.
— Porra, Cacau! — murmuro quando sua umidade encharca meu dedo.
Ela está mais do que pronta.
— Agora você tem a obrigação de fazer isso. — geme e, outra vez, fica
na ponta dos pés em um pedido silencioso que mais se parece com uma
ordem silenciosa.
Abandono o calor da sua boceta para tirar sua calcinha e quando a tenho
completamente nua, espalmo as mãos em sua bunda. Cacau pula, prendendo
as pernas ao redor da minha cintura novamente.
Nos encaramos por algum tempo antes de ela começar a rebolar. Meu
pau encontra sua entrada quase imediatamente, como se soubesse que
aquele é o seu lugar. A pressão faz uma gota de suor escorrer pela minha
coluna já na entrada. Apertada.
— Apertada pra caralho, bebê. — Estoco de uma vez, preenchendo-a
por completo e seu grito e meu grunhido inundam o quarto com uma
sinfonia de dois sons.
Com meu pau totalmente afundado em sua boceta quente, eu a beijo,
porque quero devorá-la inteira, não só uma parte ou outra, não uma coisa de
cada vez. Eu quero tudo e ao mesmo tempo. Quero seus gemidos, seus
suspiros, quero sua boca, sua boceta, seus gritos e seu gozo.
Total e completamente preenchida é como eu me sinto.
Tassio é enorme e alarga minhas paredes em uma pressão deliciosa, mesmo
parado, mas isso não dura muito. O primeiro movimento é sutil, ele sai
devagar, me fazendo suspirar de satisfação. Mas o segundo é o completo
oposto. Arraes estoca rápido e forme, me arremessando na lua.
— Puta merda! — grito, completamente consumida pelo prazer disparando
em minhas veias como se fosse uma bolinha de pinball[13]. Tassio mal
começou e eu já acho que meu corpo está prestes a entrar em curto-circuito.
Não consigo pensar em nada que não seja a necessidade de mais, não
consigo ver nada que não seja o homem entrando e saindo de mim, não
consigo sentir nada que não seja o cheiro do seu corpo quente e suado ou o
gosto da sua boca e eu não suportaria que um detalhe sequer fosse diferente
disso. Ele é uma delícia. Sua boca me beija, suas mãos me acariciam e seu pau
me fode até que eu perca a consciência do meu próprio corpo.
Tudo o que existe é prazer. Uma piscina dele na qual estou me afogando.
Cada investida de Tassio me empurra mais para baixo dentro dela e eu nunca
achei que ficar sem ar poderia ser tão delicioso, até que todo o meu corpo se
estilhaça e bate contra uma superfície muito real atrás de mim, me puxando de
volta para realidade. Eu pisco.
— Linda, bebê. Linda pra caralho. — murmura contra os meus lábios
abertos antes de rebolar completamente dentro de mim.
Mesmo sobrecarregado, meu corpo saúda a sensação deliciosa. Eu
choramingo, achando que não vou mais suportar. Tassio não se importa e,
depois de me torturar com mais duas reboladas, volta a me foder furiosamente
e antes que eu possa me parar, estou gritando e gemendo outra vez.
— Tassio! — Seu nome é uma prece exaltada em meus lábios quando eu
aperto meus dedos em seus ombros tendo a certeza de que o próximo orgasmo
vai varrer minha existência do mundo. — Tassio!
Jogo a cabeça para trás, batendo-a contra porta, mas não me importando
com a dor. Não quando o êxtase me domina da unha do dedo mínimo dos pés
até a raiz dos cabelos e a boca de Arraes me consome num beijo avassalador
enquanto ele encontra o próprio gozo completamente enterrado em mim.
— Ah, bebê. — Ele diz abrindo os olhos escuros e focando-os em mim. —
Eu espero que você não tenha esquecido que esse era só o item número um.
— Por favor, me diz que sua lista acabou? — peço ofegante depois de sabe
Deus qual orgasmo. Parei de contar no quinto. — Eu estou exausta. —
reclamo, sentindo todo o meu corpo mole e minha mente prontíssima para se
entregar ao sono dos campeões.
Tassio ri e se vira na cama, encostando a frente do seu corpo a lateral do
meu. Sua boca ainda tem resquícios da minha umidade e ele passa a língua
sobre os lábios como se não quisesse desperdiçar nenhuma gota do meu gozo.
Minha boceta sem noção palpita, querendo mais da sua língua, mesmo que eu
não ache que aguente outro orgasmo sem desmaiar.
— Por hoje. — decreta e deixa um beijo no meu ombro. Se eu estivesse
um pouco menos sonolenta, talvez prestasse atenção ao que está implícito na
declaração, mas eu não estou.
— Você deveria ir. — Ele ri outra vez.
— Você é engraçada. — Essas palavras me despertam, pelo menos um
pouco e eu sento na cama.
— O quê?
— Nós ainda não conversamos, bebê. — É ridículo que ele me chame
assim, no entanto, cada vez que essa palavra deixou sua boca essa noite eu
não fiz nada além de derreter. Dessa vez, não é diferente, mas eu finjo que é.
— Você disse que se eu pedisse pra você ir embora, você iria.
— E, ao invés disso, você me beijou.
— Eu estou pedindo agora. — digo e puxo o lençol para me cobrir. Tassio
segura minha mão no meio do movimento e meneia a cabeça em um sinal de
negativa. Segundos depois, ele está montado em mim, prendendo minhas
pernas entre as suas, com seu pau em descanso entre nós.
— Se esconder de mim não vai mudar o que aconteceu. — Ele leva a mão
à minha nunca, me arrepiando inteira. Esse carinho precisava ser tão gostoso?
Mas que inferno.
— Eu não disse que mudaria. Aconteceu. Foi uma coisa de uma noite, um
lance. Agora você vai embora, nós dormimos e, quando acordarmos, será
outro dia em que nós não seremos nada além de colegas de trabalho. — Ele ri
mais.
— De novo, bebê. Você é engraçada.
— Tassio! — Alerto, entredentes.
— Você não pode ter só a parte boa, Cacau. Não me mandou embora
quando teve a chance. No meu pacote, sexo vem com conversa. Não importa a
ordem dos fatores, mas você não pode ter só um ou outro.
— Teria sido interessante saber disso antes. — digo irritada e o sorriso
cretino no rosto de Arraes cresce. Sua mão se fecha em um aperto nas raízes
dos meus cabelos e é impossível não gemer.
— Jura, Cacau? — Ele sussurra, trazendo a boca para tão perto do meu
rosto que sou capaz de sentir seu hálito morno em minha bochecha. — Teria
mudado alguma coisa?
— Talvez. — choramingo.
— Mentirosa. — Ele me solta e sai de cima de mim, sentando-se ao meu
lado na cama. Sinto falta do seu toque imediatamente. Olho para ele e a
pergunta deve estar estampada em meus olhos. — Nós precisamos conversar
e, se eu continuar tocando você, não vamos fazer isso, porque eu vou te foder,
de novo. E, além disso, você está cansada. — Ergo uma sobrancelha, dizendo,
sem palavras, que ele não parecia muito preocupado com isso a apenas alguns
segundos. Tassio estala um beijo em meus lábios antes de responder ao que eu
não disse. — Eu poderia transar com você por uma semana inteira, bebê. Mas
não sou um homem das cavernas. Posso te dar algumas horas pra descansar.
— Ele dá uma piscadinha sacana e eu arfo.
— Algumas horas? Você está jogando uma copa do mundo, homem!
— E você está perdendo o foco. — Ele pausa e sua mão procura a minha.
— Nunca esqueci o seu rosto, sabia? Eu continuava pensando em você, dia
após dia, e não fazia ideia do porquê. — Esse conhecimento não deveria
significar nada para mim, certo? Mas que mulher consegue ficar indiferente
quando Tassio Arraes lhe diz que passou os últimos dois anos sem conseguir
tirar seu rosto da cabeça? Pelo amor de Deus, uma, sem dúvida alguma, como
muito mais bom senso do que eu. — Eu esperava que você tivesse entendido o
que aconteceu naquele dia.
— E o que aconteceu naquele dia? — Foco nos fatos ao invés de nas
acrobacias que meu coração decidiu fazer em meu peito.
— Serge não estava adequado para falar com uma criança.
— Adequado? — Franzo as sobrancelhas e Tassio ergue as dele. Quando
não dou sinais de estar entendendo o que ele não quer dizer, Arraes suspira.
— Ele estava drogado, Cacau. Eu tentei avisar com o olhar.
— Mas você nunca deu qualquer indício de que tinha algo de errado com
ele. Você só olhou pra mim.
— É, talvez eu tenha esquecido dessa parte da mensagem. — Ele coça a
cabeça.
— Tassio!
— Eu sei. — Arraes dá uma risadinha sem jeito. — Em retrospecto, talvez
eu não tenha sido o melhor comunicador na ocasião. De qualquer maneira,
você gritou que seu irmão era muito fã dele, então eu achei que seria melhor
pra uma criança que alguém com quem ele não se importava fosse o estúpido,
ao invés de o seu ídolo.
— Uau.
— Difícil de acreditar? — Eu rio sem humor.
— Toda essa situação é difícil de acreditar, Tassio. Não me leve a mal, mas
eu estou nua, numa cama no Catar, ao lado de um Tassio Arraes também nu
enquanto ele me explica que o ódio que vim alimentando por ele nos últimos
dois anos foi fruto de um grande mal-entendido. Isso, é claro, sem mencionar
o fato de que essa conversa está acontecendo depois de ele me exaurir de tanto
me fazer gozar.
— Você esqueceu de acrescentar que ele passou os últimos dois anos
pensando em você. Querendo saber seu nome e, se um dia, te veria de novo.
— Eu me viro novamente em sua direção. Ele não teria por que mentir sobre
isso, sobre qualquer uma dessas coisas, na verdade.
— Eu não sei o que fazer agora. — digo, honestamente. Tassio sorri mais
um dos seus muitos sorrisos de verdade que recebi hoje.
— Eu tenho algumas ideias. — comenta, brincando com os nós dos dedos
da minha mão antes de beijá-los.
— É mesmo? Que tipo de ideias?
— Como é que você chamou a nossa noite?
— De uma noite? — Ele estala a língua.
— Não. De um lance. Você chamou de um lance.
— E o que tem?
— Minhas ideias incluem muitos desses.
— Você está jogando uma copa do mundo! — O lembro, pela segunda vez,
mesmo que ao terminar de falar, eu já esteja sentada em seu colo.
— Então nós vamos precisar aproveitar muito bem as folgas. — Tassio
aproxima o rosto do meu e envolve minha cintura em seus braços.
— E ninguém vai poder saber. — aviso.
— Por enquanto.
— Nada de por enquanto. — protesto. — Um lance. Enquanto a copa
durar. E ninguém nunca vai saber. — determino.
— Um lance, bebê. Isso é tudo com o que você vai conseguir me fazer
concordar. — E antes que eu possa reclamar, sua boca me cala.
— Preciso da sua ajuda. — Gaspar diz assim que senta ao meu lado
no restaurante do CT.
Na extremidade oposta do salão, Cacau está sentada com o grupo de
jornalistas responsável pelo canal do Youtube da seleção. Ela se
encontrou entre eles, é claro que se encontrou. São os jornalistas mais
jovens da equipe. Um deles, inclusive, parece interessado demais no que
Cacau tem a dizer e eu estreito meus olhos em sua direção.
Desde nosso encontro em seu quarto há três noites, tem sido
necessário um esforço genuíno para não bater em sua porta diariamente.
Não me orgulho de ter saído de fininho antes que amanhecesse, mas se
esse é o preço de tê-la toda para mim, eu o pago com prazer. Ela é tão
gostosa. Toda gostosa. Seu corpo, sua risada, sua conversa.
Minha ansiedade pelo próximo jogo começa a atingir níveis
alarmantes e isso não tem nada a ver com a sua importância para a
competição. O fato é que, depois dele, vem à folga e isso significa
finalmente ter mais do que os poucos beijos e olhares roubados que
consegui nos últimos dias. Como é possível que eu tenha me viciado
depois de uma única vez?
Em pensar que eu planejei distrai-la com sexo. Esse feitiço
definitivamente se virou contra o feiticeiro.
— Você está me ouvindo, Tassio?
— Claro! — Minto descaradamente.
— Ótimo! Então você me ajuda? — Finalmente viro o rosto na
direção do garoto. Andrei tem uma expressão ansiosa no rosto que me
diz que, seja lá o que ele tenha me pedido, é importante. E como tenho
certeza de que ele não me pediria nada antiético ou ilegal, concordo.
— Ok.
— Isso, porra! — Ele comemora e dá dois soquinhos sobre a
superfície da mesa. Depois, volta a se concentrar em mim. — Ideias? —
Franzo as sobrancelhas.
— Como assim?
— Pra fazer a Cacau se abrir pra mim. — Explica e eu pisco,
horrorizado. Com o que porra eu acabei de concordar?
O estado de saúde de Rita parece tão ruim à distância quanto parecia ao
vivo e em cores. Mesmo depois de mais de duas semanas desde que a visitei
no hospital, seu rosto ainda está coberto de hematomas, seu braço e sua perna
ainda estão imobilizados e, é claro, seu humor conseguiu piorar.
— Isso não é o suficiente! — A voz da minha chefe ecoa através dos alto-
falantes do notebook enquanto, na tela, sua mão ergue um maço de papéis que
eu suponho serem as anotações que enviei por e-mail ontem.
Sentada na escrivaninha do quarto, olho para os dois gravadores ao lado do
computador. Eles não fazem mágica, droga. Nem eu faço. Só posso relatar
aquilo que vi e ouvi.
Bem, você ouviu uma coisa... Meu subconsciente sussurra, me lembrando
da quase conversa que peguei Tassio tendo em uma das salas da área médica
do CT. Naquele momento, com a ideia que eu tinha dele, parecia justo
espionar, agora só parece errado. Foi por isso que coloquei qualquer suspeita
de lado quando escrevi meu primeiro relatório para Rita.
Relatei apenas o que vi. Todas as coisas incríveis que Tassio fez pelos
colegas, pela equipe que está aqui a trabalho e, até mesmo por mim. Não os
orgasmos, é claro. Embora esses realmente tenham sido fantásticos, eu os
deixei de lado.
Falei da seriedade e competência do capitão da seleção, do seu espírito de
liderança e da sua disciplina nos treinos e em qualquer outra atividade.
Obviamente, Rita não acharia que isso é o suficiente. Eu sabia que ela não
acharia.
— Eu estou no Qatar há pouco menos de dez dias, Rita. Você precisa ter
um pouco mais de paciência. — Ela estala a língua.
— Bobagem. Paciência não é uma virtude, é perda de tempo. Você já
deveria ter aprendido isso depois de meses trabalhando pra mim.
— Eu não posso fabricar informações porque você acha que as que
existem não são boas o bastante — penso em voz alta e só percebo isso
quando é tarde demais.
— O que você disse? — ela pergunta com uma expressão que eu conheço
muito bem.
— Nada.
— Eu não estou pedindo pra você fabricar informações, Cacau. Estou
dizendo que você precisa começar a procurar em lugares melhores. A copa
não vai durar pra sempre e você só tem até o final dela pra me dar o que eu
preciso. Ou você está esquecendo do que está em jogo pra você?
— Não. Claro que não. Um contrato novo e a minha faculdade quitada.
Esse não é o tipo de coisa que eu possa simplesmente esquecer, Rita.
— Bom. Eu espero mesmo que não. Não é porque eu não estou em
condições de aparecer nas entrevistas que vou deixar as coisas correrem sem a
minha supervisão. Melhore, Cacau. Apenas melhore. Espero informações
mais substanciais no próximo parecer. Boa noite. — E, simples assim, ela
desliga a chamada sem nem esperar por resposta.
— Melhore, Cacau. Apenas melhore. — repito para o meu gravador que
deixei ligado durante a reunião, só para o caso de Rita me dizer algo
importante ou me orientar. Eu deveria ter imaginado que não aconteceria.
Desligo a aparelho.
— Melhore.
Batidas suaves me assustam e eu estremeço sobre a cama. Não consegui
pregar os olhos depois da chamada de vídeo com Rita. Eu não faço ideia de
como melhorar.
Um furo de reportagem. De onde eu vou tirar um? E, pior, supondo que eu
consiga, como eu deveria entregá-lo para Rita sem me tornar exatamente o
tipo de pessoa que eu passei dois anos odiando achar que Tassio era?
Levanto o braço, aproximando meu gravador diário da boca.
— Hoje é o dia nove e eu já consegui inverter totalmente minhas
prioridades. Transei com o homem que eu odiava e já decretei que é
impossível trair sua confiança, não por ele, mas por mim. Mesmo que a gente
só tenha transado uma vez. Parabéns, Cacau! — Balanço a cabeça, negando, e
novas batidas não tão suaves quanto as primeiras soam. Eu percebo que elas
vêm da minha porta.
Estreito os olhos antes de levá-los até o relógio. Duas da manhã. Eu não
deveria estar sorrindo. Por que eu estou sorrindo? Me levanto da cama com
pressa e abro a porta quase afobada. Em um piscar de olhos, Tassio está dentro
do meu quarto, com as costas na porta fechado, os braços ao redor da minha
cintura e a boca descendo sobre a minha.
Deus, seu beijo é tão absurdamente bom. Sua língua ocupa minha boca
como se ela a pertencesse. Ele não pede passagem, toma, lambe, chupa,
massageia minha língua e, depois, faz o mesmo com os meus lábios. Eu sigo
seu comando silencioso, aceitando e repetindo o ritmo imposto por ele.
Quando o beijo se desfaz, estamos ambos ofegantes.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto baixinho, mesmo não me
importando nem um pouco.
Desde a noite em que transamos, ficar perto de Tassio se tornou ainda mais
intenso do que já era. Se antes meu corpo reagia à química quase palpável que
está sempre ao nosso redor, agora ele reage às lembranças de tudo o que
podemos fazer com ela.
Eu não sabia que era possível sentir saudades de algo que só se teve uma
vez, mas agora percebo que era exatamente isso o que eu estava sentindo e
não sabia, saudades. Do seu beijo sem pressa, do seu toque despudorado, de
poder inspirar seu cheiro sem me preocupar se alguém vai perceber ou entrar
na sala onde nós dois estamos escondidos.
— Eu não tinha conseguido te beijar hoje. —diz com simplicidade, me
arrancando uma risada.
— Você passou trinta e oito anos sem me beijar.
— E eu realmente não sei como. — Para provar o que diz, seus lábios
procuram os meus outra vez. Suas mãos se convidam para participar do
momento e deslizam pelo meu corpo, se infiltrando sob a camisola fina.
Tassio grunhe ao me encontrar sem calcinha e eu jogo a cabeça pra trás,
interrompendo nosso beijo, frustrada.
— Você joga amanhã. — Lembro.
— Eu vou jogar muito melhor depois de me enterrar dentro de você. —
sussurra, beijando meu pescoço depois de eu lhe negar minha boca.
— Vai mesmo? — questiono com uma sobrancelha arqueada, e Cássio
grunhe outra vez, agora, de frustração.
Ele sabe que eu estou certa e é comprometido demais para negar isso. Já é
uma quebra de rotina grande o suficiente que ele esteja aqui, às duas da
manhã, ao invés de dormindo. Isso não deveria me excitar, mas excita para
caralho. Sua testa se apoia em meu ombro, e nós ficamos em silêncio por
algum tempo.
— Nós realmente precisamos conversar sobre os seus trajes de abrir a
porta do quarto, Cacau. — resmunga, e eu recuo a cabeça o suficiente para
espalmar as mãos em seu rosto e alinhar nossos olhos.
— O quê?
— Você não pode abrir a porta assim, principalmente sem vestir uma
calcinha por baixo, porra! — Reviro os olhos.
— Eu sabia que era você.
— E da primeira vez? Também sabia? Porque você também estava de
camisola quando abriu a porta pra mim. — Estreito os olhos.
— Eu estava nervosa.
— De quem será que era a culpa, hein? — Uma de suas sobrancelhas se
ergue.
— Achei que você fosse me colocar no primeiro voo de volta pro Brasil.
— Se você não começar a atender a porta decentemente vestida, talvez eu
coloque.
— Idiota.
Cacau passou toda a sessão de fisioterapia atenta a mim. Ela circulou pela
sala, conversou com alguns dos profissionais do CT e até mesmo com alguns
jogadores, mas não me perdeu de sua vista em nenhum momento. De alguma
forma, ela sabe que alguma coisa está errada. Ela só não faz ideia de que isso
não é algo que ela ou qualquer pessoa possa consertar.
— Vou suspender nossa entrevista de hoje. — Aviso quando a sessão acaba
e todos começam a se organizar para sair da sala de treino.
Eu deveria ficar e conversar com Cacau. Eu deveria, no mínimo, ter
esperado que todos saíssem para dizer que não ficaria, e sei disso. Mas eu
preciso sair daqui, agora.
— Tassio, eu— Ela começa, mas não lhe dou a chance de terminar.
— Eu estou suspendendo a entrevista. — Digo outra vez, e alguns rostos
se viram em nossa direção, atraídos pelo tom rude que usei.
— Qual é, cara. Não precisa de tanto. — Gaspar diz ao se aproximar de
Cacau e tocar seu ombro em apoio. Eu balanço a cabeça em negação, pego
minha bolsa sem me importar de estar ou não deixando alguma coisa para trás
e saio.
Tassio: Me desculpe.
Tassio: Eu fui um idiota.
Cacau: Sim, você foi.
Tassio: Foi um dia ruim.
Cacau: Não justifica.
Tassio: Eu sei que não, nada justificaria ser rude com você.
Me perdoa?
Cacau: Não sei. Vou pensar.
Tassio: Tudo bem. Parece justo.
Tassio: Já pensou?
Cacau: Não se passou nem um minuto ainda, Arraes!
Tassio: E agora?
Cacau: Você não é o burro do Shrek[15]!
Tassio: Se eu arrumar uma fantasia dele, me vestir e te
mandar uma foto, você vai me perdoar?
Cacau: kkkkkkkkkkkkkkk
Cacau: Não precisa, essa imagem mental já valeu o seu
perdão.
Tassio: Fácil assim?
Cacau: Sou aquariana, ué.
Tassio: Isso deveria significar alguma coisa específica?
Cacau: Qual é o seu signo, Tassio?
Tassio: Não sei!?
Cacau: Isso é impossível! Você tem trinta e oito anos, em
algum momento deles alguém deve ter tido essa conversa com
você.
Tassio: Você tem um problema com a minha idade, bebê?
Cacau: É você quem me chama de bebê, não sou eu quem
te chama de velho.
Tassio: Eu gosto da sua idade.
Cacau: Você tem uma lancha?
Tassio: Uma lancha?
Cacau: Ah, Tassio! Pelo amor de Deus! Você não sabe o
próprio signo e não entende memes clássicos? Em que mundo
você vive?
Tassio: No real?
Cacau: Mudei de ideia.
Cacau: Você é velho.
Tassio: Talvez eu vá até aí te mostrar como minha
experiência pode ser vantajosa.
Cacau: Eu nunca neguei isso. Só disse que você é velho.
Cacau: Anda logo! Vamos pesquisar seu mapa astral.
Tassio: Meu mapa astral?
Tassio: É um mapa de verdade? Pesquisar onde?
Cacau: Santo Deus!
Cacau: O dia em que você nasceu eu já sei, mas a que horas
foi?
Tassio: Essa parece uma informação muito específica.
Cacau: Porque é muito específica, é por isso que os mapas
são tão precisos.
Tassio: Mas todos os mapas não deveriam ser precisos?
Cacau: Sim!? Porque eles são criados com base em
informações específicas! Que horas, vai? Quero pesquisar seu
mapa!
Tassio: Eu tenho uma ideia melhor.
Cacau: Jura? Qual?
Tassio: O que você está vestindo?
— Você tá comendo direito, minha filha? Tô te achando mais magra. —
Minha mãe diz, esticando o pescoço como se o movimento fosse lhe dar os
poderes mágicos necessários para me pesar através da câmera do computador.
Eu rio.
Os cabelos finos e escuros estão presos em um rabo de cavalo, e ela e meu
irmão estão sentados no chão da sala. Se eu fechar os olhos, consigo imaginar
exatamente onde está cada coisa em casa, até mesmo que minha mãe apoiou o
telefone no suporte de controle remoto para falar comigo sem precisar ficar
segurando o aparelho.
Seus olhos escuros me investigam com atenção, procurando qualquer sinal
de algo fora do lugar. Isso é típico dela. Sempre preocupada, sempre disposta
a resolver qualquer problema por Felipe e eu.
— Mãe, eu estou normal. Não perdi um grama sequer. A comida não é a
sua e, definitivamente, não é uma feijoada. Mas ruim não é. Só não é
brasileira.
— Hum... — Ela torce os lábios, ainda não convencida, e eu reviro os
olhos.
— Felipe. — chamo meu irmão, e seu sorriso se abre rapidamente.
— Oi, Cah.
— Eu tenho uma surpresa pra você quando eu voltar pro Brasil.
— Só quando voltar? Mas ainda falta muito! — O garoto pequeno e
magricelo cruza os braços finos na frente do peito, frustrado. Jogo a cabeça
para trás e gargalho.
— Já fez a prova de matemática? — pergunto com uma sobrancelha
arqueada.
— Já!
— E já saiu a nota?
— Já! — responde animado, provavelmente, já imaginando o que estou
prestes a dizer.
— E quanto foi que você tirou?
— Nove! — quase grita de tão entusiasmado.
— Uau! Eu acho que alguém que tira nove não merece esperar pra ganhar
uma surpresa, né, mãe? — Dou uma piscadinha para ela e seus lábios finos se
curvam para cima em uma risadinha discreta quando ela entra na minha.
— Não, não. Quem tira nove merece a surpresa na hora.
— Então esperem aí que eu vou buscar. — Me levanto da escrivaninha e
vou até o armário. Tiro de lá a sacola vermelha e trago comigo de volta para a
mesa.
— O que é? O que é? — Felipe pergunta, impaciente.
Pego a pequena blusa oficial da seleção portuguesa de dentro da bolsa e
estendo na frente da câmera. Meu irmão solta um “Uau” sonoro, aumentando
o sorriso satisfeito em meu rosto.
— E a blusa nem é a melhor parte.
— Não? — A voz infantil pergunta.
— Não. Olha aqui. — Viro a camiseta, mostrando as costas coberta de
autógrafos para o meu irmão. Todos os jogadores da seleção assinaram, uma
cortesia de Tassio. Felipe não diz nada. Ele apenas olha para mim, estático por
vários minutos.
— Não vai agradecer sua irmã, meu filho?
— São de verdade? — Ele pergunta já com a voz embargada e, droga,
meus olhos começam a arder. — Os autógrafos. São de verdade, Cah?
— Cada um deles! — confirmo, e os olhos vermelhos do meu irmão
anunciam seu choro antes que a primeira lágrima caia.
— Obrigada, irmã. Muito obrigada. — agradece choroso, e minha mãe o
abraça. — Eu prometo que não peço nada de presente nem de Natal nem de
aniversário até o ano que vem.
Rio e levo as mãos ao rosto, secando minhas próprias lágrimas. Minha mãe
abraça e acaricia um Felipe extremamente emocionado e, enquanto os
observo, me lembro da conversa que tive com Tassio no vestiário.
Eu nunca soube como era não ter nada. Cresci com muito pouco, é
verdade, mas, na minha casa, nunca faltou permissão para sonhar e amor. Meu
coração vibra no peito com essa certeza, e a preocupação que eu vinha
alimentando sobre não conseguir alcançar as expectativas de Rita e perder
minha grande chance, de repente, perde força.
Essa não é a minha grande chance. É uma chance muito boa, mas é uma
entre muitas outras que virão. As únicas coisas que eu não posso perder são os
dois pares de olhos que me encaram com todo amor do mundo através da tela
do notebook.
Eles e, talvez, um terceiro. Uma parte atrevida do meu subconsciente
sussurra, mas eu ignoro.
— O que você está fazendo aqui? E não adianta dizer que não me beijou
hoje, porque você beijou. — digo ao abrir a porta à uma e quinze da
madrugada do dia do terceiro jogo de Portugal.
— Nós já não conversamos sobre abrir a porta de camisola, bebê? —
pergunta já entrando em meu quarto, e eu olho para cima, fingindo estar
pensativa.
— Conversamos.
— Então por que você continua fazendo isso?
— Porque isso foi tudo que nós fizemos, Tassio, conversar. Ouvir o que
você tem a dizer não significa que eu vou concordar ou obedecer. — Ele bufa
em resposta. — Tão maduro... — cantarolo. — E então? O que você está
fazendo aqui?
— Eu vim beijar você, porque não importa quantas vezes eu faça isso,
nunca parece o suficiente. — Cola os lábios nos meus várias vezes entre as
palavras. Merda, como eu vou brigar com ele por isso se me sinto da mesma
maneira?
É uma coisa tão esquisita, intensa demais, rápida demais. Tenho me
recusado a pensar sobre o assunto. Decidi empurrar tudo para o canto mais
escuro da minha cabeça e só pensar sobre, se em algum momento eu decidir
fazer isso, depois que eu estiver em casa e longe de Arraes.
— Hum... — Sim, tudo o que eu consigo responder é um gemido. Patética.
Absolutamente patética.
— Mas isso não é tudo o que eu vim fazer. — declara ao voltar a olhar
para mim e ergue a mão, mostrando uma sacola de papel.
— O que é isso?
— Um presente. — Ergo uma sobrancelha, desconfiada.
— Por que eu acho que você tem intenções obscuras por trás disso? —
Tassio me dá um sorriso imenso.
— Porque você é uma mulher inteligente, linda. — Arranho a garganta e
aceito a sacola.
Dou alguns passos para trás e enfio a mão na bolsa. Tecido macio toca
meus dedos e eu franzo o cenho. Puxo o pano para fora e descubro uma
camiseta da seleção portuguesa.
— Você já me entregou a camiseta do meu irmão. — comento, e o sorriso
exuberante que continua enfeitando os lábios de Tassio enquanto eu estico a
blusa é um sinal de que ele sabe perfeitamente bem disso. Não é um modelo
infantil, é um modelo feminino com um único autógrafo no peito e o número
vinte e cinco nas costas. A assinatura e o número são dele. — Você é ridículo.
Eu não vou usar isso amanhã. — aviso, prendendo a gargalhada que quero dar.
— Por que não?
— Porque isso vai parecer muito uma declaração, e você é grandinho o
suficiente pra saber disso, Arraes. — Ele cruza os braços na frente do peito e
me observa em silêncio por algum tempo.
— E se dar uma declaração for a minha intenção? — pergunta com
seriedade o bastante para fazer meu coração parar de bater. O que ele está
fazendo? Do que ele está falando? Oh, Deus! Oh, Deus!
— A menos que nós estejamos falando de uma declaração de posse, você
escolheu um péssimo jeito de me pedir por qualquer outra. — consigo dizer
sem gaguejar mesmo que eu sinta que minhas pernas estejam prestes a
bambear.
— Então é só uma questão de saber pedir?
— Do que nós estamos falando, Tassio?
— Você sabe do que nós estamos falando.
— Se eu soubesse do que você está falando, eu diria que é muito cedo pra
termos esse tipo de conversa.
— Duas semanas parecem tempo mais do que o suficiente pra mim.
— Isso é porque você é velho. — brinco, nervosa, porque não, ele não
pode estar falando sério. Mas, ao invés de seguir a minha deixa e mudar de
assunto, ele se ofende.
— É esse o problema? Eu sou velho demais pra algo menos casual que um
lance?
— Pelo amor de Deus, Tassio! Foi uma piada! Tenha dó! — Nego
imediatamente e, em um único movimento, ele cola meu peito ao seu.
— Bom. Muito bom. Achei que eu precisaria te mostrar de novo que
minha idade é uma vantagem, não um inconveniente.
— Acredite, Arraes, eu estou ciente.
— Eu adoro quando você me chama de Arraes.
— É mesmo?
— Podemos tentar senhor?
— Você precisa ir agora. — aviso, engolindo mais uma gargalhada.
— Tudo bem. — concorda apenas para, um segundo depois, assaltar minha
boca.
— Você gosta de nos torturar. — reclamo ofegante quando o beijo acaba.
— É você quem está dizendo que é cedo demais, não eu. — sussurra em
meu ouvido e beija minha testa. — É uma questão de saber pedir, anotado. —
Dá uma piscadinha para mim, e eu me distancio dois passos quando seus
braços me soltam.
— Eu não disse isso, Tassio!
— Tudo bem, bebê. Eu entendi. Você quer algo maior do que uma blusa.
— Ele abre a porta.
— Arraes, pelo amor de Deus! — sussurro aos gritos, com medo de que
alguém nos ouça, mas sem conseguir evitar a sensação de pânico com a
possibilidade de esse homem fazer alguma estupidez.
— Confia em mim. — pisca outra vez, sai e fecha porta. Eu ainda fico
encarando a madeira por um minuto inteiro me perguntando: que diabos eu
acabei de provocar?
o termo inglês para denominar o profissional autónomo que se autoemprega em diferentes empresas
ou, ainda, guia seus trabalhos por projetos, captando e atendendo seus clientes de forma
independente.
[2] Centro de Treinamento Al-Shahaniya Sports Club.
[3] O Bayern de Munique, comumente referido como FC Bayern München, FC Bayern,
simplesmente Bayern ou abreviado como FCB é um clube alemão multidesportivo sediado na cidade
de Munique, no estado da Baviera.
[4] Apelido dado à cidade do Rio de Janeiro em função de suas altas temperaturas. Em inglês, Hell
chicotadas-e-a-prisao-ao-denunciar-abuso-sexual.html e
aqui: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/05/a-reviravolta-no-caso-da-mexicana-condenada-
a-100-chibatadas-apos-denunciar-agressao-no-catar.ghtml
[8] Seneca Crane era o Idealizador-chefe dos Jogos Vorazes. Ele foi encarregado de executar a 72,
73 e 74º Jogos Vorazes e ordenando obstáculos na área. Após o 74º, ele foi morto sob as ordens do
Presidente Snow.
[9] Friends é uma sitcom americana criada por David Crane e Marta Kauffman e apresentada pela
rede de televisão NBC entre 22 de setembro de 1994 e 6 de maio de 2004, com um total de 236
episódios.
[10] Sex and the City é uma série de televisão norte-americana criada por Darren Star, e baseada no
livro homônimo de Candace Bushnell. Foi originalmente transmitida pela HBO, entre 1998 a 2004.
[11] Ei, Serge! Por favor! Meu irmão é um grande fã seu!
[12] Starbucks é uma empresa multinacional norte-americana, com a maior cadeia de cafeterias do
mundo.
[13] Pinball é um jogo eletromecânico onde o jogador manipula duas ou mais 'palhetas' de modo a
evitar que uma ou mais bolas de metal (geralmente mais bolas aparecem em "modos missão no
jogo") caiam no espaço existente na parte inferior da área de jogo.
[14] Apelido da seleção uruguaia.
[15] Burro é um personagem fictício da série de livros e filmes Shrek. Sua voz é feita por Eddie
Murphy nos Estados Unidos, Mário Jorge Andrade no Brasil e Rui Paulo em Portugal.