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Deambulação e

imaginação: o observador
acidental
Nome autores
Deambulação e imaginação: o observador acidental

«O quadro de Cesário é todo um tratado da poesia


descritiva e contemplativa: a observação do real
torna-se numa transcendente vivência interior. Esta é
a estranha poesia da vida.»
Voz Portucalense
Deambulação e imaginação: o observador acidental

Deambulação
É o ato ou efeito de se deslocar sem intenção ou destino.

O poema O sentimento dum Ocidental regista as perceções e impressões de


um atento observador (o sujeito poético) que deambula solitário por Lisboa,
durante a noite.

O espaço observado nesse percurso provoca-lhe sentimentos negativos,


que caracterizam também os efeitos nefastos da civilização ocidental no
povo português, sendo, por isso, esta «cantada» em tom disfórico:

«O gás extravasado enjoa-me, perturba» (Ave-Marias, v. 6)

«E eu desconfio até de um aneurisma / Tão mórbido me sinto, ao acender


das luzes;» (Noite fechada, vv. 5-6)
«Dó de miséria!... Compaixão de mim!...» (Ao gás, v. 41)

«E nestes nebulosos corredores / Nauseiam-me, surgindo os ventres das


cavernas;» (Horas mortas, vv. 29-30).
Deambulação e imaginação: o observador acidental

O observador acidental
O sujeito poético caminha sem destino, permitindo-se observar, através dos
seus sentidos, o que lhe vai aparecendo acidentalmente.

Assim, O sentimento dum Ocidental é o registo das perceções, impressões e


reflexões do poeta, enquanto observador num passeio solitário:

«À vista das prisões, da velha sé, das cruzes, / Chora-me o coração que se enche
e que se abisma.» (Noite fechada, vv.7-8)

«Cercam-me as lojas, tépidas. […]» (Ao gás, v. 5)

«Da solidão regouga um cauteleiro rouco;» (Ao gás, v. 39)


Deambulação e imaginação: o observador acidental

O observador acidental – a perceção sensorial


As sensações (visual, auditiva, olfativa, táctil) estão ao serviço do registo das
perceções e impressões do poeta:

«Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia» (Ave-Marias, v. 3)

«E em terra num tinir de louças e talheres / Flamejam,» (Ave-Marias, v. 27)

«Reluz, viscoso, o rio, […]» (Ave-Marias, v. 34)

«E os sinos dum tanger monástico e devoto.» (Noite fechada, v. 20)

«E eu, de luneta de uma lente só, / Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:» (Noite
fechada, vv. 41-42)

«E de uma padaria exala-se, inda quente, / Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.» (Ao gás,
vv. 15-16)
Deambulação e imaginação: o observador acidental

Imaginação
A negatividade (opressão, exploração, marginalidade, mendicidade, criminalidade), da cidade
desperta o desejo de evasão no sujeito poético.

Através da evocação de um tempo passado e do sonho, o eu transforma a realidade percecionada,


revelando-nos também a memória cultural.

« Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,» (Noite fechada, v. 15)

«Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,/ Derramam-se por toda a


capital, que esfria.» (Noite fechada, vv. 31-32)

«Esqueço-me a prever castíssimas esposas, / Que aninhem em


mansões de vidro transparente! (Horas mortas, vv. 15-16)
Deambulação e imaginação: o observador acidental

Imaginação
A cidade desperta a imaginação do eu:

«Ocorrem-me em revista, exposições, países:» (Ave-Marias, v. 11)

Ao cruzar um olhar objetivo com um subjetivo, o eu lírico confere


significado à descrição do mundo que o rodeia:

«Duas igrejas, num saudoso largo,/Lançam a nódoa negra e fúnebre do


clero:» (Noite fechada, vv. 13-14)

«Triste cidade! Eu temo que me avives/Uma paixão defunta! Aos lampiões


distantes,» (Noite fechada, vv. 33-34)
Deambulação e imaginação: o observador acidental

Imaginação e a transfiguração do real


O sujeito poético recria poeticamente a realidade observada, transfigurando-a:

«Semelham-se a gaiolas, com viveiros,/As edificações somente emadeiradas:


/Como morcegos, ao cair das badaladas» (Ave-Marias, vv. 13-14)

«Alastram em lençol os seus reflexos brancos;/E a Lua lembra o circo e os jogos


malabares» (Noite fechada, vv. 11-12)

«[…] Eu penso/Ver círios laterais, ver filas de capelas» (Ao gás, vv. 5-6)

«E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.» (Ao gás, v. 35)

«Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,/Enleva-me a quimera azul de


transmigrar.» (Horas mortas, vv. 3-4)
Deambulação e imaginação: o observador acidental

Consolida
Deambulação e imaginação: o observador acidental

1. Assinala como verdadeiras (V) ou falsas (F) as seguintes afirmações.

A A deambulação noturna permite ao sujeito poético captar a realidade nas suas múltiplas
dimensões, contribuindo, assim, para a sua felicidade crescente.
Falsa

B O sujeito poético deambula pela cidade de Lisboa, que é percecionada através da ativação de
diversas sensações.
Verdadeira

C Lisboa provoca essencialmente sentimentos, marcados pela euforia, nomeadamente a


saudade e a esperança no eu lírico.
Falsa

D O sujeito poético reflete sobre o que vai observando no seu percurso.


Verdadeira

Solução
Deambulação e imaginação: o observador acidental

1. Assinala como verdadeiras (V) ou falsas (F) as seguintes afirmações.

E No poema O sentimento dum Ocidental, encontramos um observador consciente que adota uma
postura objetiva face à realidade percecionada.
Falsa

F O eu lírico percorre a cidade de Lisboa num passeio noturno tristemente solitário.


Verdadeira

G A cidade desperta um desejo de evasão no sujeito poético.


Verdadeira

H O seu desejo de evasão faz com que evoque o passado, transfigurando-o poeticamente.
Falsa

I A descrição do espaço citadino levada a cabo pelo eu realça, indiretamente, as fragilidades da


civilização ocidental.
Verdadeira

Solução

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