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O sentimento dum Ocidental:

visão global
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O sentimento dum Ocidental

«Mas é a cidade que povoa a sua poesia. Nunca até aí algum


poeta conseguira um retrato tão vivo da realidade e das
contradições de uma cidade em que coabitavam a opulência e a
miséria. As imagens que pinta pela palavra poética tornam-se
um poderoso quadro de contrastes da cidade das últimas décadas
do século XIX.»
Voz Portucalense
O sentimento dum Ocidental

O sentimento dum Ocidental: visão global


O poema é constituído por 44 quadras distribuídas por quatro partes (secções):

I – Ave-Marias II – Noite fechada

III – Ao gás IV – Horas mortas

As quadras são compostas por um verso decassílabo (o primeiro) e três dodecassílabos alexandrinos (os restantes),
sendo o esquema rimático fixo (rima cruzada).
O sentimento dum Ocidental

Ave-Marias

O título da primeira parte, Ave-Marias, remete para o toque dos sinos das igrejas que
assinalam as horas de oração dedicadas à Virgem.

Neste caso, e porque associado ao primeiro verso, este subtítulo remete para o último
momento do dia destinado a estas orações: 18 horas.

Esta parte constitui o início da deambulação do sujeito poético pela cidade


de Lisboa, que começa, então, ao anoitecer.

«Nas nossas ruas, ao anoitecer,» (v. 1)


O sentimento dum Ocidental

Ave-Marias
O sujeito lírico descreve o ambiente citadino, na sua multiplicidade de situações quotidianas.

«Batem os carros de aluguer, ao fundo,/Levando à via-férrea os que se


vão, felizes!» (vv. 9-10)

«Como morcegos, ao cair das badaladas,/Saltam de viga em viga os


mestres carpinteiros»; (vv. 15-16)

«Voltam os calafates, aos magotes,» (v. 17)

«Num trem de praça arengam dois dentistas;» (v. 29)

Inicia-se o momento de reflexão e introspeção.


«Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,» (v. 19)

«E evoco, então, as crónicas navais:» (v. 21)


O sentimento dum Ocidental

Ave-Marias
Apresentam-se os contrastes citadinos (tipos sociais):
- a infelicidade dos que ficam vs. a felicidade dos que partem;
- os trabalhadores vs. os ociosos;
- os favorecidos vs. desfavorecidos.

«Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.» (v. 16)

«Voltam os calafates, aos magotes,/De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;» (vv. 17-18)

«E em terra num tinir de louças e talheres/Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.» (vv. 27-28)

«Num trem de praça arengam dois dentistas;» (v. 29)

«Às portas, em cabelo enfadam-se os lojistas!» (v. 32)

«E algumas, à cabeça, embalam nas canastras/Os filhos que depois naufragam nas tormentas» (vv. 39-40)
O sentimento dum Ocidental

Ave-Marias
Manifestam-se o sofrimento e a melancolia do sujeito poético, bem como a sua necessidade de
evasão à realidade opressora pelo recurso à imaginação ou à evocação do passado épico.

«Há tal soturnidade, há tal melancolia,» (v. 2)

«Despertam um desejo absurdo de sofrer.» (v. 4)

«O gás extravasado enjoa-nos, perturba;» (v. 6)

«Ocorrem-me em revista, exposições, países:» (v. 11)

«E evoco, então, as crónicas navais: […] Luta Camões no Sul, salvando um livro, a
nado!/Singram soberbas naus que não verei jamais» (vv. 21, 23 e 24)

«E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!» (v. 25)


O sentimento dum Ocidental

Noite fechada

Como a própria expressão indica, o eu lírico continua a sua deambulação pela capital no período
noturno («Noite»), sugerindo o adjetivo «fechada» a opressão crescente que o eu vai detetando e
sentindo.

Apresenta as suas impressões e sentimentos disfóricos despertados pelo espaço citadino:

«[…] Som/Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!» (vv. 1-2)

«Tão mórbido me sinto ao acender das luzes;» (v. 6)

«Chora-me o coração que se enche e que se abisma.» (v. 8)


O sentimento dum Ocidental

Noite fechada
O sujeito poético

observa os movimentos em Lisboa:

«E eu, de luneta de uma lente só,» (v. 41)

destaca a iluminação (natural e artificial):


«Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;» (v. 6)

«A espaços iluminam-se os andares,» (v.9)

«E a lua lembra o circo e os jogos malabares.» (v. 12)

passa pela estátua de Camões, fazendo uma reflexão comparativa entre o passado
do poeta (sublime) e o presente (decadente):

«Mas, num recinto público e vulgar, […] Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,/Um
épico d’outrora ascende, num pilar!» (vv. 21, 23 e 24)
O sentimento dum Ocidental

Noite fechada
Os sentimentos negativos vividos pelo eu lírico intensificam-se, pois a cidade é descrita e
percecionada como uma prisão, destacando-se, para além da clausura, o sofrimento
dominante e a morte:

«À vista das prisões, da velha sé, das cruzes,» (v. 7)

«Duas igrejas […]/Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:» (vv. 13-14)

«Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas» (v. 19)

«Nesta acumulação de corpos enfezados;/Sombrios e espectrais recolhem os soldados;»


(vv. 26-27)
O sentimento dum Ocidental

Noite fechada
O sujeito poético oscila entre a depressão/morbidez e a
evasão/imaginação/sonho:

«Alastram em lençol os seus reflexos brancos;/E a lua lembra o circo e os jogos


malabares.» (vv. 11-12)

«Triste cidade! Eu temo que me avives/Uma paixão defunta! Aos lampiões


distantes,/Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes/Curvadas a sorrir às montras dos
ourives.» (vv. 33-36)
O sentimento dum Ocidental

Ao gás
É noite cerrada e o sujeito poético prossegue a sua digressão noturna pela cidade, ao gás, ou
seja, iluminado pelos candeeiros que se acendem nas ruas.

No século XIX, a iluminação pública nos principais meios urbanos era feita com recurso
a este combustível.

«Mas tudo cansa! Apagam-se, nas frentes,/Os candelabros, como estrelas,


pouco a pouco;» (vv. 37-38)
O sentimento dum Ocidental

Ao gás
O sujeito de enunciação mantém a perceção negativa da cidade, que se agudiza: espaço de
opressão e doença (física e moral):

«E saio. A noite pesa, esmaga.» (v. 1)

Critica o modo de vida burguês:


«As burguesinhas do catolicismo […]/E lembram-me […]/As freiras que os jejuns matavam
de histerismo.» (vv. 9, 11 e 12)

«Sua excelência atrai, magnética, entre o luxo,/Que ao longo dos balcões de mogno se
amontoa.» (vv. 27-28)
O sentimento dum Ocidental

Ao gás
Estabelece um contraste entre a vida ociosa dos burgueses e o trabalho árduo e honesto
do povo:

«Um forjador maneja um malho, rubramente;/E de uma padaria exala-se, inda quente,/Um
cheiro salutar e honesto a pão no forno.» (vv. 14-16)

«Que grande cobra, a lúbrica pessoa,/Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!/Sua
excelência atrai, magnética, entre o luxo,» (vv. 25-27)
O sentimento dum Ocidental

Ao gás
O sujeito lírico pondera escrever «versos» que espelhem a vida citadina (referência aos
almejados Cânticos do Realismo):

«E eu, que medito um livro que exacerbe,/Quisera que o real e a análise mo dessem:» (vv.
19-20)

Manifesta sentimentos de autocomiseração, de desilusão e de indignação, ao ver o «velho


professor» de latim a mendigar nas ruas:

«”Dó da miséria!… compaixão de mim!...”» (v. 41)

«Pede-nos sempre esmola um homenzinho idoso,/Meu velho professor nas aulas de latim!»
(vv. 43-44)
O sentimento dum Ocidental

Horas mortas

O fim da deambulação do eu lírico ocorre durante a madrugada:

«E eu sigo, como as linhas de uma pauta,» (v. 9)

Esta fase do dia é tida como um conjunto de Horas mortas, como um tempo em que dominam a
criminalidade, a agressividade e a inação (a população ativa, a que produz a pouca riqueza do
país, dorme ainda):

«Um parafuso cai nas lajes, às escuras:» (v. 6)

«Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas/E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.»
(vv. 27-28)

Aos olhos do poeta, Lisboa, isto é, Portugal, o país mais ocidental da Europa, espera a conquista dos
horizontes e das «vastidões aquáticas», levada a cabo pela «raça ruiva do porvir»:

«E, enorme, nesta massa irregular/De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,/A dor humana busca os
amplos horizontes,» (vv. 41-43)
O sentimento dum Ocidental

Horas mortas
O sujeito poético, nesta fase final da sua deambulação solitária na escuridão da noite, também:

expressa os sonhos pessoais:

«Se eu não morresse, nunca! E eternamente/Buscasse e


conseguisse a perfeição das cousas!» (vv. 13-14)

revela os seus desejos em relação ao futuro do povo português:

«Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,/Pousando, vos trarão a nitidez às


vidas!» (vv. 17-18)

«Ah! Como a raça ruiva do porvir,/E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,/Nós
vamos explorar todos os continentes/E pelas vastidões aquáticas seguir!» (vv. 21-24)
O sentimento dum Ocidental

Horas mortas
O sujeito poético, nesta fase final da sua deambulação solitária na escuridão da noite, também:

retoma a descrição da cidade, pintada em tons sombrios, como sendo um espaço asfixiante e
doentio:

«Mas se vivemos, os emparedados,/Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...» (vv. 25-26)

«E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.» (v. 28)

«E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cães parecem lobos.» (vv. 35-36)

faz uma generalização dos efeitos nefastos da cidade a todos os ocidentais:

«A dor humana busca os amplos horizontes,» (v. 43)


O sentimento dum Ocidental

Título do poema

Com O sentimento dum Ocidental, o sujeito poético estende as suas perceções sobre a
civilização moderna, de que a capital portuguesa é exemplo, a todos os ocidentais.

Assim, intencionalmente, atribui a angústia profunda descrita no poema a todos os que


vivem nessa sociedade opressora e oprimida, corruptiva e corrompida, técnica e
materialmente evoluída mas humanamente decadente.
O sentimento dum Ocidental

Consolida
O sentimento dum Ocidental

1. Escolhe a opção que apresenta a sequência correta dos títulos das diferentes partes do poema O sentimento dum
Ocidental.

A Horas mortas; Ao gás; Ave-Marias; Noite fechada.

B Horas mortas; Noite fechada; Ave-Marias; Ao gás.

C Ave-Marias; Noite fechada; Ao gás; Horas mortas.

D Ao gás; Noite fechada; Ave-Marias; Horas Mortas.

Solução
O sentimento dum Ocidental

2. Seleciona a opção que justifica o título Ave-Marias.

A Este título remete para a passagem do eu por várias igrejas na cidade, que à noite se encontram abertas.

B Este título remete para o toque dos sinos das igrejas, que, a determinadas horas, convocam os fiéis à oração.

C Este título remete para a religiosidade do sujeito poético.

D Este título remete para a invocação que é feita à Virgem Maria no poema.

Solução
O sentimento dum Ocidental

3. Assinala como verdadeiras (V) ou falsas (F) as seguintes afirmações.

A Os títulos das quatro partes do poema relacionam-se com a progressão da noite.


Verdadeira

B O sujeito poético minimiza a importância do espaço neste poema, que pouco impacto tem na vida da
população.
Falsa

C Neste poema, são apresentados alguns contrastes relacionados com os tipos sociais.
Verdadeira

D A cidade é descrita como um espaço de doença, desilusão e sofrimento.


Verdadeira

Solução
O sentimento dum Ocidental

3. Assinala como verdadeiras (V) ou falsas (F) as seguintes afirmações.

E A estátua de Camões remete para o futuro glorioso dos portugueses e simboliza esperança.

Falsa

F O eu lírico revela momentos de evasão, expressando desejos e sonhos.

Verdadeira

G O sujeito poético pensa dedicar-se ao ensino, quando vê o seu «velho professor de latim».

Falsa

H O sentimento dum Ocidental pretende denunciar uma sociedade opressora e asfixiante.

Verdadeira
Solução

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