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Flávia Paula Darossi

A LEI DE TERRAS EM SANTA CATARINA E A


CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO IMPERIAL BRASILEIRO

Dissertação submetida ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa
Catarina para a obtenção do Grau de
Mestre em História Cultural.

Orientador: Paulo Pinheiro Machado

Florianópolis, SC
2017
AGRADECIMENTOS

Minha gratidão ao orientador Paulo Pinheiro Machado, a Professora


Beatriz G. Mamigonian e aos Professores João Klug e Tiago Kramer de
Oliveira, do PPGH-UFSC, pelo incentivo e orientações à pesquisa e o
empréstimo de livros. Também agradeço o inestimável apoio de minha
mãe Darcy, de meus irmãos Aline, Fabiana e Gilberto, de meu pai Elói,
das queridas amigas Isabela, Taise, Daniela, Tairine, e da
Deutschelehrerin Cássia. Ainda, aos colegas do Laboratório de História
Social do Trabalho e da Cultura, especialmente Cristina Dallanora, e ao
grupo do Simpósio Temático de História Rural da ANPUH dos anos
2015 e 2017. Ao CNPq, por ter me contemplado com uma bolsa de
estudo, e ao PPGH-UFSC, por ter custeado algumas de minhas viagens
a eventos científicos e de pesquisa. Na Secretaria do PPGH, a Nailor
Boianovsky pela amabilidade e solicitude. Em minha busca por
determinadas fontes históricas, recebi grande auxílio dos funcionários
do Museu do Judiciário Catarinense, do Arquivo Público do Estado, do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, da Diretoria de
Assuntos Fundiários da Secretaria de Estado de Agricultura e da Pesca,
e do Museu Thiago de Castro. Sou especialmente grata ao senhor Rui
Laurentino, responsável pelo acervo permanente do Fórum da comarca
de Lages. Finalmente, pela inestimável participação e sugestões,
agradeço as professoras que compuseram minha banca de Defesa da
Dissertação: Marina Monteiro Machado e Beatriz G. Mamigonian.
RESUMO

Neste trabalho procuro analisar a forma como o Estado Imperial


brasileiro adequou o projeto centralizador da década de 1840 em
correspondência com as elites regionais e locais, e tornou a Lei de
Terras e seu Decreto de execução instrumentos funcionais de agregação
e consolidação política no Segundo Reinado. Para aprofundar minha
hipótese, tomo por objetos de estudo a província de Santa Catarina e a
região do Planalto, correspondente à municipalidade de Lages no século
XIX.

Palavras-chave: Império do Brasil; Lei de Terras; Segundo Reinado;


Santa Catarina; Planalto.
ABSTRACT

In this work I analyze how the brazilian Imperial State adapted the
centralizing project of the 1840s in correspondence with regional and
local elites and made the “Land Law” and the execution Decree
functionals instruments of aggregation and political consolidation in the
Second Reign. To deepen my hypothesis, I take as object of study the
province of Santa Catarina and the Plateau region, corresponding to the
municipality of Lages in the 19th century.

Keywords: Land Law; Empire of Brazil; Second Reign; Santa Catarina;


Plateau.
SUMÁRIO

Notas introdutórias acerca da Lei, do Governo e da província.......13


1. A política das terras no Império .................................................... 48
Descentralizando a centralização .......................................................... 72
2. A implementação da Lei de Terras em Santa Catarina............... 86
Ao povo lageano que em seca alma se abriga a gratidão:
os juízes comissários de terras .......................................................... .101
A força do poder local..................................................................... ....119
Transformações na estrutura administrativa e dificuldades
na execução da Lei.......................................................... .................... 127
Considerações finais ........................................................................... 132
Fontes........................................ ................................................... ..... 137
Referências bibliográficas .................................................................147
Anexos..................................................................................................155
13

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Acerca da Lei, do Governo e da província

Se não esperais, dizem-nos alguns, que a


execução da Lei das Terras nos traga colonos;
se não acreditais que a ação dessa lei seja
vencer as preocupações hostis que arredam da
nossa pátria as torrentes de emigração europeia,
que benefícios esperais dessa lei, que tantas
vezes tendes apresentado como uma das mais
úteis que os estadistas do nosso partido
meditaram e apresentaram ao parlamento? 1

Em duas edições de julho de 1854, o jornal O Conservador da


província de Santa Catarina reproduziu o texto intitulado “Benefícios
reais da Lei das Terras”, do carioca O Velho Brasil. Publicado
originalmente dois meses após o decreto regulamentou a Lei no Império
(Lei nº 601, de 18 de set. 1850 e Dec. nº 1.318, de 30 de jan. 1854), o
texto apresenta o posicionamento oficial do partido Conservador de
Santa Catarina acerca das expectativas em torno da Lei. Seu cerne
crítico reside em três pontos: a defesa do regime de pequenas
propriedades agrícolas, a crítica à supressão do imposto territorial e à
promessa da importação de trabalhadores pobres europeus para a
substituição da mão-de-obra africana nas grandes lavouras.2

1
Jornal O Conservador (SC). Desterro. Ano III, nº. 235, pp. 03-04, jul.
1854, 1ª parte. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca digital,
seção periódicos, s. endereço eletrônico.
2
Com a ampliação da pressão do Governo da Inglaterra sobre a execução
dos tratados e leis em que o Brasil se comprometera a abolir o tráfico de
africanos, os debates parlamentares passaram a tratar cada vez mais da
virtual demanda de mão-de-obra livre no país. Para aprofundamento, cf.,
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-
Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos, 1807-1869. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Ed. da USP, 1976; e
MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos livres: a abolição do tráfico de
escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
14

A opinião do jornal era de que a Lei de Terras, “qual passou,


depois das modificações do Senado, não nos parece ter de ser tão útil”
como parecia a princípio em razão da “exclusão do imposto sobre as
terras que os proprietários conservarem em abandono”. Porquanto “pode
muito bem ser que o resultado da lei falhe em grande parte, pois esse
resultado era obrigar o proprietário a fazer produzir a sua propriedade,
ou, quando o não pudesse, a vendê-la”. De acordo com o jornal, o
objetivo inicial era de que fosse evitado “esse grande mal que todos
reconhecem, de haverem indivíduos entre nós, senhores de léguas e
léguas de terrenos, do qual se tornam, como eunucos do serralho,
guardas zelosos”, que “não aproveitam para si nem consentem que
outros o aproveitem”.
O projeto original da Lei sobre Colonização Estrangeira e
Sesmarias foi criado a pedido do Ministério dos Negócios do Império
em sessão do Conselho de Estado de 1842, e escrito pelos Conselheiros
Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Cesário de Miranda Ribeiro.
Modificado e ampliado, foi debatido na Câmara dos Deputados em 1843
e encaminhado em outubro do mesmo ano para sê-lo discutido e votado
no Senado, até que finalmente foi sancionado pela Câmara no mês de
setembro de 1850.3
Pelas primeiras versões do projeto, a bancada do Partido
Conservador procurou normatizar as atribuições do Governo sobre as
terras devolutas e tratar conjuntamente os temas da regularização das
posses e sesmarias e da colonização estrangeira. O projeto foi
inicialmente inspirado em estudos de Edward G. Wakefield sobre a
colonização espontânea na Austrália e a proposta de executá-la por meio
do encarecimento artificial do preço das terras, de modo a dificultar o
acesso imediato dos imigrantes à propriedade particular. O produto das

3
Sobre o processo legislativo da Lei de Terras, cf., MOTTA, Márcia M. M.
“Sesmeiros e posseiros nas malhas da Lei (um estudo sobre os debates
parlamentares acerca do projeto de Lei de Terras – 1843-1850)”. In: Raízes.
Ano XVII, nº 18, set. 1998, pp. 102-110; e SILVA, Claudia Christina
Machado. Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a Lei
de Terras (1842-1854). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do
Paraná. Curitiba, 2006.
15

vendas de terras a prazo aos colonos seria empregado no financiamento


da própria colonização de novas levas de imigrantes.4
O Governo brasileiro planejava subsidiar os serviços de
importação e assentamento de colonos por meio da venda de terras
devolutas e da cobrança de impostos. Este fundo tributário inicialmente
projetado na Lei proveria de duas fontes: 1) do imposto territorial, pelo
qual a todos os possuidores de terras cobrar-se-ia o valor de 500 réis por
meio de quarto de légua em quadra; e 2) do direito de chancelaria sobre
a titulação fundiária, correspondente a ¼ de real por braça quadrada nas
terras destinadas à cultura, e a 1/256 nos campos destinados à
pastagem.5
Contudo, representantes de várias províncias na Câmara dos
Deputados e no Senado se opuseram e consideraram exagerado o valor
pretendido. Uns justificaram a inviabilidade do pagamento do imposto
em razão das crises agrícola e econômica nas quais suas províncias se
encontravam; outros pela afastada localização das propriedades dos
centros comerciais e dos portos marítimos – que por si só já onerava
qualquer tipo de produção; ou pela diferença na qualidade e no valor das
terras dentre as distintas províncias do Império. Tanto que finalmente foi
deliberada a separação da proposta do imposto do texto da Lei de
Terras. Isto indica que as forças políticas regionais foram bem sucedidas
frente ao Governo, que precisou acomodar diversas reivindicações das
elites provinciais dominantes e abrir mão desta possibilidade de
acumulação.6

4
Esta tornou-se a explicação clássica sobre a história da Lei de Terras,
segundo a qual a Lei consagrou a propriedade privada no país. Cf.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 2ª Ed. SP: Hucitec, 1986.
5
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Segundo ano da
quinta legislatura. Segunda sessão de 1843. Tomo I. Rio de Janeiro, 1882, p.
592. Em 1842, o Conselheiro Vasconcelos havia sugerido uma ementa que
aplicava o imposto anual de 1$500 reis sobre cada meio quarto de légua em
quadra, o qual aumentaria à proporção que o prédio fosse maior. A referida
ementa previa também que fossem devolvidas ao Governo as terras cujo
imposto não fosse pago por mais de três anos contínuos ou interrompidos.
6
Lígia Osório Silva reconheceu este “espírito conciliatório” na construção
da Lei de Terras. Convergindo à crítica do jornal catarinense, a autora
afirmou que “essa desistência [do Governo] diante dos proprietários de
16

A crítica d‟O Conservador sugere um acordo classista entre o Estado e


os grandes senhores e possuidores de terras, “que não deixariam de
queixar-se”, fossem eles auto representados por ou por parlamentares de
suas respectivas províncias:

Suprimido, porém, o imposto, o que levará o


grande proprietário a largar de mão as terras
que conserva inúteis, a entregá-las a foreiros ou
a arrendatários, ou a solicitar com todo o
empenho braços e instrumentos que lha
aproveitem? Nada. A ação da lei sem imposto
não terá influência sobre o regime da nossa
prosperidade territorial, continuará ela, como
até aqui concentrada, inútil na mão de alguns
proprietários (...). A supressão, pois, dessa
medida, que o Senado não quis adotar para
evitar sem dúvida os clamores dos nossos
proprietários indolentes e rotineiros, que não
deixariam de queixar-se contra a vexação
tirânica de uma imposição sobre o que nada
rende, sacrificou o princípio da lei e a sua maior
vantagem.

A supressão deste imposto revitalizaria antigos problemas


agrários, uma vez que não estimularia o trabalho nas avultadas terras do
Império, mantendo-as concentradas e improdutivas. A obrigação legal
do imposto territorial tinha por objetivo criar aos proprietários a
necessidade de tornar suas terras rentáveis, e não o contrário, custosas,
quando nada fosse produzido e tivessem de dispender um valor para o
pagamento do referido imposto. Deste modo, a Lei tornar-se-ia inútil ao

terras foi um dos aspectos da Lei que mais crítica mereceu por parte dos
comentaristas da época. De fato, parece totalmente injustificado que uma lei
que tinha como um dos seus objetivos principais financiar a imigração, não
instituísse o imposto territorial. Além de reforçar os minguados recursos do
Estado Imperial, um imposto sobre as terras desestimularia a manutenção de
grandes latifúndios improdutivos.” SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas
e Latifúndio: efeitos da Lei de Terras de 1850. Campinas: Ed. Unicamp,
1996, p. 144.
17

“regime da prosperidade territorial”, e catalisaria inclusive a


especulação e o encarecimento das terras.
Por meio do texto final da Lei de Terras atribuiu-se ao Estado
o ônus de custear a imigração e o estabelecimento de colonos livres para
serem empregados “em estabelecimentos agrícolas ou nos trabalhos
dirigidos pela Administração pública, ou na formação de colônias nos
lugares em que estas mais convierem”.7 Contudo, a Lei desconsiderou
qualquer reserva de terras devolutas para o assentamento dos africanos
que fossem alforriados pela aplicação da Lei Eusébio de Queirós
sancionada em 1850, que extinguiu o tráfico de escravos.
Para tornar exequível o projeto imigrantista, a Lei de Terras
previu a utilização do produto da venda de terras e do direito de
chancelaria sobre a expedição dos títulos de propriedade.8 Por esta
razão, a compra foi normatizada como a única forma legal de acesso às
terras do Estado. A posse em terras devolutas foi proibida, exceto em
regiões de fronteira do Império, as quais seriam concedidas
gratuitamente em uma zona de dez léguas. Além disso, a Lei reiterou a
suspensão de concessões de datas de Sesmarias. Passou a ser obrigatório
que posseiros e sesmeiros em situação irregular requisitassem a
legalização e a titulação de suas propriedades, e as registrassem em uma
instituição paroquial para que o Governo tomasse conhecimento da
demanda de medições nos municípios, a fim de discriminar quais eram
as terras devolutas aptas à venda. Os trabalhos de conservação,
medição/demarcação e venda de terras devolutas seriam administrados

7
BRASIL, Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850, Dispõe sobre as terras
devolutas do Império, art. nº 18. São deste período também o Decreto nº
885, de 4 de outubro de 1856, que autorizou o Governo a despender até seis
mil contos de reis em três anos com a importação de colonos e seu
estabelecimento; e o Decreto nº 1.915, de 28 de março de 1857, que
aprovou o contrato entre a Associação Central de Colonização de 1853 e o
Governo Imperial, por intermédio da Repartição Geral das Terras Públicas.
8
“(...) Pagando-se 5$ de direitos de chancelaria pelo terreno que não
exceder de um quadrado de 500 braças por lado, e outro tanto por cada igual
quadrado que de mais contiver a posse; e, além disso, 4$ de feitio, sem mais
emolumentos ou selo”. BRASIL, Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850,
Op. cit., art. nº 11.
18

por um novo órgão público denominado Repartição Geral das Terras


Públicas.
A Lei estruturou uma hierarquia de supervisão do
funcionalismo público administrativo e policial responsável pela
fiscalização e conservação das terras devolutas. Pressupunha-se que a
restrição das formas de acesso à terra impelisse os interessados a
comprarem apenas lotes em extensões nas quais efetivamente tivessem
condições de trabalhar e produzir. Por este motivo o jornal catarinense
julgou a venda de terras devolutas como o principal benefício da Lei: o
aumento da produção nacional dar-se-ia mediante pequenas extensões
de terras devolutas compradas e produzidas em regime de trabalho
familiar por nacionais e virtualmente também por colonos estrangeiros.
Se na primeira parte da publicação d‟O Conservador foram
elencadas implicações desfavoráveis da supressão do imposto territorial,
na segunda construiu-se uma virada crítica mais compreensiva e
otimista sobre os benefícios da Lei (“o que dela fica é suficiente para
que lhe aplaudamos, e sem querermos esperar resultados quiméricos,
procuremos verificar os reais”).9 A julgar pelo fato de que até 1850 a
maioria das propriedades do Império se traduzia em ficções jurídicas –
com a maleabilidade e a indefinição de divisas e as recorrentes
contestações de estremadura entre vizinhos –,10 de acordo com o jornal,
a medição e a demarcação tanto das terras devolutas, quanto das posses
e sesmarias, contribuiriam para que fossem fixados os limites das terras
e freassem as ocupações indiscriminadas sobre as devolutas.
Além disso, a Lei seria “salutaríssima” para a autonomia dos
trabalhadores na condição de agregados. De acordo com a publicação,
agregado seria aquele “a quem a comiseração de um grande proprietário

9
Jornal O Conservador (SC). Desterro. Ano III, nº. 236, jul. 1854, 2ª parte,
Op. cit., p. 03.
10
Haja vista o seguinte excerto: “Até aqui, a propriedade rural quase que só
nominalmente existia: nunca fixa, sem limites certos, sempre contestada,
dando ocasião a demandas intermináveis, aumentando-se por usurpações
sobre o domínio público, nunca aproveitada nem na décima parte de sua
extensão, e constituindo para seus proprietários uma espécie de baronias
feudais, não era ela verdadeira riqueza para os que a possuíam, nem uma
utilidade para o país”.
19

“deixa estabelecer-se nas suas terras, sem conferir-lhe direito, nem


garantia alguma que, pois, de um momento para outro, pode ser
excluído desse favor”, “que assim está na eterna dependência desse
proprietário, escravizado a sua vontade a ponto de muitas vezes tornar-
se cego instrumento dos seus crimes”. Esta categoria social abarcava
uma diversidade muito grande de indivíduos como libertos ou livres
pobres, brancos, pardos, caboclos:

O brasileiro, porém, que tem boa vontade de


trabalhar e que tem braços para o trabalho, em
que condição fica? O Estado não lhe pode
vender nem dar lotes de terra em que ele se
estabeleça e que aproveite; o proprietário atual
não lhe cede, por foro ou por arrendamento,
terreno algum e, pois, cumpre-lhe que inutilize
os seus braços, que renuncie a sua vontade de
trabalhar ou que se sujeite como agregado.

O Conservador de Santa Catarina previa que a venda de lotes


devolutos e a legitimação de suas posses os transformariam em
pequenos proprietários e por consequência lhes desestruturariam as
relações de dependência junto a grandes senhores rurais, além de
desobrigá-los de servirem em “revoltas” e “crimes” a mando dos
senhores.11 Ou seja, por meio da Lei de Terras o Governo dificultaria a
autoridade particular de grandes proprietários e tornaria não “mais de
todo precária a condição do lavrador de pequenos haveres”:

A esse estado de coisas a lei das terras virá


remediar: o grande proprietário poderá
conservar inutilizadas as suas imensas terras,
mas ao menos nos limites dessas terras erguer-

11
Acerca das revoltas da primeira metade do século XIX, cf. DANTAS,
Monica Duarte (org.). Revoltas, Motins, Revoluções: Homens livres e
libertos no Brasil do século XIX. SP: Alameda, 2011; MOTTA, Márcia M.
M.; ZARTH, Paulo. (orgs.). Formas de resistência camponesa: visibilidade
e diversidade de conflitos ao longo da história, vol. 01: Concepções de
justiça e resistência nos Brasis. SP: Editora Unesp; Brasília: Ministério do
Desenvolvimento Agrário, NEAD, 2008.
20

se-á, nas terras que o Governo houver


demarcado, dividido em lotes e vendido, a
pequena propriedade, fecundada com o suor do
proprietário e de sua família, e portanto
multiplicando os seus produtos. Não será mais
de todo precária a condição do lavrador de
pequenos haveres, (...) poderá ser proprietário,
e ver-se garantido pelo Governo contra a
opressão.

Em um sentido estrito O Conservador de Santa Catarina


destoou da mentalidade de sua época. Os trabalhadores nacionais
geralmente eram tipificados como os mantenedores do atraso, enquanto
os colonos europeus eram identificados como a força laboral do
progresso.12 Ao destacar a importância dos agregados para a progressão
da agricultura (“dar-nos-á um aumento extraordinário na produção
nacional”), a publicação nos permite refletir a efetiva participação e
influência “brasileira” nos processos de ocupação territorial e da
formação social da província. É interessante também porque aponta para
a interpretação contemporânea à promulgação da Lei em Santa Catarina,
de que o acesso à propriedade da terra não se aplicava apenas aos
imigrantes; especialmente se pensarmos o Planalto, região que não
constituiu foco inicial de colonos europeus.13 Até porque, o jornal
questionou a real funcionalidade da Lei para executar tantas promessas,
principalmente acerca da dupla expectativa em torno da importação de

12
Cf. ZARTH, Paulo. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário
do século XIX. Ijuí: Uniijuí, 2002.
13
Cf. Anexo A. Destaquei Lages no mapa dos assentamentos alemães da
província com o objetivo de evidenciar a ausência de colônias estrangeiras
na região do Planalto na década posterior à promulgação da Lei de Terras.
Sobre a imigração e a colonização europeia no sul do Império, cf., entre
outros, PIAZZA, Walter F. A colonização de Santa Catarina. 3ª Edição.
Florianópolis: Lunardelli, 1994; MACHADO, Paulo Pinheiro. A Política de
Colonização no Império. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999; KLUG, João.
Imigração no Sul do Brasil. In: GRIMBERG; SALES (orgs.). O Brasil
Imperial, v. III, 1870-1889, Op. cit.; SEYFERTH, Giralda. “Colonização,
imigração e a questão racial no Brasil”. In: Revista USP. São Paulo, nº 53,
mar./mai. 2002, pp. 117-149.
21

colonos livres que substituiriam os escravos africanos nas grandes


lavouras e da sua integração ao restante da população (“não lhe peçamos
mais do que ela pode dar, sob pena de prepararmos contra ela iníquas
acusações?”).14
Em Santa Catarina, a execução da Lei de Terras não se
restringiu a imigrantes estrangeiros e ao beneficiamento da produção
agrícola. No termo de Lages, por exemplo, a Lei foi agenciada
majoritariamente por uma população de origem luso-brasileira sobre
terras cuja produção era direcionada à pecuária extensiva. Para regiões
agropecuaristas como o Planalto catarinense, era legalmente previsto
que nas posses legitimadas em terras de cultura ou em campos de
criação, seria compreendido além do terreno aproveitado para pastagem
dos animais, “outro tanto mais de terreno devoluto que houver contíguo,
contanto que em nenhum caso exceda a de uma sesmaria para cultura ou
criação”.15 Além disso, os posseiros teriam preferência na compra de
terras devolutas que lhes fossem contíguas, “contanto que mostrem pelo
estado de sua lavoura ou criação que tem meios necessários para
aproveitá-las”.16 Mas o Regulamento não discriminou o que seria
necessário para provar tal condição de aproveitamento das terras a partir
do estabelecimento de criações animais. Indiretamente, esta disposição
foi estratégica para a legitimação de invasões de terras públicas. Ou seja,
a Lei implementou novas normas para a prática de velhos costumes de
expansão dominial.
Portanto, diferentemente do que O Conservador conjecturou
de maneira tão otimista em 1854, a aplicação da Lei de Terras produziu
uma série de novos problemas agrários e renovou muitos dos que se
esperava que fossem remediados por meio de sua execução. É
consensual na literatura sobre o tema o entendimento de que a Lei
ocasionou a expansão dos conflitos fundiários, a manutenção do

14
Questiona a publicação: “não será igual a loucura do que a uma lei, cujo
resultado deve ser unicamente a criação da pequena propriedade, pedirem
que traga ela colonos livres que se substituam aos escravos no trabalho das
grandes propriedade?”.
15
BRASIL, Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850, Op. cit., art. nº 5 §1º.
16
Ibidem, art. nº 15.
22

latifúndio improdutivo e a grilagem. Seu impacto sobre a substituição do


trabalho escravo no Império foi praticamente nenhum.17 Ao contrário,
em muitos casos ocasionou a transformação compulsória de pequenos
posseiros em agregados, em consequência da venda ou legitimação de
lotes ocupados de maneira informal por populações pobres sem terras a
terceiros.
Em minha Monografia de Graduação sobre a aplicação da Lei
na região do Planalto de Santa Catarina, pude constatar que, apesar de
proibida em 1850, a posse por ocupação primária continuou sendo
praticada durante toda a segunda metade do século XIX. Baseei meu
estudo em 24 requerimentos de compra de terras devolutas lavrados no
município de Lages entre 1859 e 1885. Destes, cerca de 40% solicitaram
a compra de parcelas de terras devolutas já ocupadas com lavouras de
milho, feijão, fumo, criações animais de suínos e de gado vacum e
cavalar, além de moradia habitual. Aproximadamente 25% dos aludidos
requerimentos havia sido alvo de reclamações de outrem sob acusações
de invasão de propriedade e protestos de medições.18
Mas, embora a Lei de Terras tenha malogrado no que se refere
aos objetivos de regular a ocupação fundiária do território nacional, de
estremar o domínio público do particular e de financiar a imigração de
trabalhadores europeus pela venda de terras devolutas, é consensual o
fato de que a estrutura burocrática criada para sua execução constituiu-
se em um poderoso mecanismo que atendeu ao objetivo de restringir o
acesso a terras devolutas principalmente por populações pobres em
regiões valorizadas pela agroexportação ou dominadas por grupos de
elites e parentelas.19 À vista disso, neste trabalho proponho aprofundar o
debate e explorar a que outros objetivos a Lei de Terras operou.

17
Não obstante, a afirmação carece de pesquisa específica.
18
Cf. DAROSSI, Flávia P. Regularização fundiária no Planalto
Catarinense durante o período Monárquico (1850-1889). Monografia de
Conclusão de Curso de Graduação em História. Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2015.
19
Existem estudos importantíssimos que tratam da questão agrária e das
implicações da Lei de Terras no país. Cf., entre outros, LIMA, Ruy Cirne.
Pequena História territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 2ª Ed.
Porto Alegre: Livraria Sulina, 1954; GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro
23

Para além do consenso historiográfico acerca da importância


da Lei de Terras na conjuntura pós-colonial, dos debates sobre a
transformação da escravidão africana em decorrência do fim do tráfico e
da escassez de mão-de-obra e os projetos de imigração e colonização
estrangeira, nas páginas subsequentes eu apresento a relação entre a
política de acesso à terra no Brasil do século XIX e os processos de
construção e consolidação do Estado Imperial iniciados nas primeiras
décadas do século, relacionando especificamente a natureza dos cargos e
as atividades dos empregados responsáveis pela execução da Lei de
Terras no país com a discussão sobre a formação e o funcionamento da
administração pública, judiciária e policial e da representação política no
Segundo Reinado. O poder que os cargos públicos criados ou
requisitados pela Lei adquiriram nas esferas provincial e local tomou
uma importante dimensão ao longo da segunda metade do século XIX
em função do controle dos dispositivos das legislações agrária e
criminal vigentes no território nacional, apesar de não haver se
ramificado de forma padronizada em todas as províncias do Império.
Grande parte dos estudos sobre a formação do Estado
Nacional brasileiro aborda o recorte temporal da primeira metade do
século, tendo em vista os processos de Independência política e a
estruturação do primeiro e segundo Reinados na Corte do Rio de
Janeiro. É praticamente unânime a ideia de que por volta de 1850 a
centralização política estava consolidada no país.20 Todavia, em 1851,

séculos de latifúndio. 4ª Ed. RJ: Paz e Terra, 1977; CARVALHO, José


Murilo de. “Modernização frustrada: a política de terras no Império”.
Revista Brasileira de História, SP, v. 1, n. 1, 1981; Idem. “A política de
terras: o veto dos barões”. In: A construção da ordem: a elite imperial;
Teatro das sombras: a política imperial. 2ª Ed. RJ: Editora da UFRJ,
Relume-Dumará, 1996, pp. 303-325; MOTTA, Márcia M. M. Nas
fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. 2ª
Ed. Niterói: Editora da UFF, 2008; SILVA, Lígia Osório, 1996, Op. cit.;
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da História: lavradores pobres na
crise do trabalho escravo. 2ª Ed. RJ: Ed. FGV, Faperj, 2009.
20
Sobre a historiografia da construção do Estado Imperial, cf. MATTOS,
Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do estado imperial. 5º
Ed. SP: Hucitec, 2004; CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit.;
GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. RJ:
24

apenas dois anos após a derrota da Revolução Praieira, quando em seção


dos Negócios do Império do Conselho de Estado foi referendado o
início da elaboração do Regulamento da Lei de Terras, era inconcebível
aos contemporâneos a certeza sobre o fim das revoltas regionais. Mesmo
José Murilo de Carvalho reconheceu que “o processo de enraizamento
social da monarquia, de legitimação da Coroa perante as forças
dominantes do país, foi difícil e complexo. Embora se possa dizer que
estava definido em torno de 1850, ele permaneceu tenso até o final do
Império”.21 Segundo Carvalho, a reação às medidas centralizadoras
ocorridas em São Paulo e Minas Gerais em 1842 evidencia que ao se
tentar instaurar um sistema de poder, não havia consenso entre as
camadas proprietárias sobre “o arranjo institucional que melhor servisse
a seus interesses”.22 Portanto, a necessidade de apoio das elites políticas
provinciais foi um elemento a ser calculado pelo Imperador e o Governo
Central às décadas posteriores a 1850, durante o Segundo Reinado.
Neste jogo de forças entre o Governo e os diferentes grupos
de poder regionais, as pautas parlamentares de abolição do tráfico de
escravos, da Lei de Terras e as reformas de descentralização política e
da Guarda Nacional estiveram associadas: o que estava em questão era o
arranjo dos espaços de atuação e de decisão sobre as propriedades
escrava e fundiária e a autoridade sobre a repressão e o policiamento no
Império. Isto fica evidente, por exemplo, quando analisamos as
diferentes formas pelas quais a Lei Eusébio de Queirós e a Lei de Terras

Ed. UFRJ, 1997; URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial: a


burocratização do estado patrimonial brasileiro no século XIX. SP: Difel,
1978; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de
Janeiro, 1822- 1889. RJ: Civilização Brasileira, 2008; DOLHNIKOFF,
Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. SP: Globo,
2005; FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial,
1808-1871. 2ª Ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1986; FAORO,
Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro.
Vol. I e II. 2ª Ed. SP: Edusp; Porto Alegre: Globo, 1975.
21
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit. pp. 229-230.
22
Ibidem, p. 234.
25

foram regulamentadas, respectivamente em novembro de 1850 e janeiro


de 1854.23
Neste período de 1850 a 1854, entre a sanção da Lei de Terras
e a publicação de seu Regulamento, importantes transformações
políticas definiram os rumos do poder legislativo. Em maio de 1852
Eusébio de Queirós saiu da chefia do Ministério da Justiça após
mudança do Gabinete Conservador que havia aprovado a Lei de Terras;
e Francisco Gonçalves Martins foi convocado pelo Imperador para a
pasta do Império em substituição ao Visconde de Monte Alegre. Em fins
de 1853 houve nova sucessão ministerial para um Gabinete de
Conciliação, embora também de hegemonia Conservadora, chefiado
pelo Marquês do Paraná.
Inserida neste contexto, a execução da Lei permaneceu
suspensa por cerca de três anos. Em decorrência desta demora, foi alvo
de uma série de críticas na Câmara dos Deputados. A seção dos
Negócios do Império incumbida pelo Regulamento da Lei foi composta
em 1851 por José Antonio da Silva Maia, Cândido José de Araújo Viana
e o Visconde de Olinda. Em julho deste mesmo ano, um dos
representantes de Minas Gerais, o deputado Joaquim Antão Fernandes
Leão, solicitou urgência para discussão de um projeto relativo à reforma
da Lei. Ele justificou seu requerimento questionando os demais
parlamentares “se ainda ninguém tem feito reclamações” sobre o fato de
até aquele momento não ter sido iniciada a execução da Lei. Segundo
lhe constava, alguns administradores de províncias haviam declarado a
inexequibilidade da mesma “segundo seu espírito e letra”, porque
“defrauda muito gravemente a propriedade particular” e poria “em
contestação as propriedades territoriais”. Notadamente na disposição
que limitou a propriedade sobre terras adquiridas por posse, afirmou ele
que “são tão grandes e tão gerais os clamores que se têm levantado”, que
“constituindo-me órgão de tais clamores, não represente nesta ocasião os

23
No caso da propriedade escrava, a Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850,
e o decreto de execução nº 731, normatizaram a repressão do tráfico de
africanos por meio da Auditoria da Marinha composta por juízes de Direito
em primeira instância, com a possibilidade de recurso ao Conselho de
Estado em segunda instância.
26

interesses políticos de um partido”, mas “a universalidade da importante


classe dos proprietários brasileiros”.24 Outro parlamentar, um dos
representantes de São Paulo, declarou que ouvira “não de um partido,
mas de toda a população ativa do Brasil, a confissão de seus sustos, de
seus legítimos receios contra uma legislação eminentemente
anárquica”.25 Em contrapartida, o deputado alagoano Francisco Inácio
de Carvalho Moreira questionou a necessidade da discussão, uma vez
que “a execução [da Lei] não veio demonstrar os defeitos que a sua
doutrina oferece na prática”. Destacou que “o corpo legislativo não
recebeu sequer uma só representação” contra a Lei e advertiu que, ao
alterá-la, “seria de sobejo para desacreditá-la perante o país”.26
O entendimento de que a Lei de Terras era indispensável para
a discriminação do domínio público das terras devolutas e a atração de
trabalhadores estrangeiros foi o principal argumento utilizado no
Legislativo para a sua sanção em 1850, na conjuntura da aprovação da
lei de abolição do tráfico de escravos, enquanto Eusébio de Queirós
estava à frente do Ministério. Entretanto, o discurso existente de que a
Lei de Terras prejudicaria a classe dos proprietários rurais se dilatava à
medida que sua execução parecia sofrer reveses com as alterações
ministeriais do período.
Em sessão da Câmara em maio de 1852, o representante do
Rio de Janeiro Antônio Pereira Barreto Pedroso afirmou que o Governo
encontrara dificuldades na confecção do Regulamento da Lei, não
sabendo “a que outra causa se possa razoavelmente atribuir a demora de
sua publicação”, tendo em vista que quando fora votada, “era minha
opinião que continha disposições de muita dificultosa execução”.
Dirigindo sua fala ao novo ministro do Império presente na sessão, o
deputado manifestou que “desejava saber, ser informado, se tenciona o

24
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Terceiro ano da
oitava legisl. Sessão de 1851. Tomo II. Rio de Janeiro: Tipografia de H. J.
Pinto, 1878, p. 81.
25
Ibidem, p. 82.
26
Ibidem, p. 83.
27

Ministério dar execução a essa lei”.27 Em resposta, Gonçalves Martins


declarou não ter sido possível formar “algum pensamento acerca deste
objeto”, pelo motivo de ter assumido há pouco tempo a chefia do
Gabinete; mas esclareceu que havia trabalhos feitos pela anterior
administração: “eu hei de os ver, hei de me apoiar com os conselhos
daqueles que me quiserem ajudar, procurarei com a maior brevidade dar
uma solução a esta questão”.28
No ano seguinte, 1853, o ministro foi novamente questionado
sobre “que fim levou a Lei das Terras?”.29 Mesmo após ter alegado que
em agosto o Regulamento estava concluído,30 a Lei continuou
recebendo críticas por haver sido aprovada há cerca de três anos “e
dormir nas pastas dos senhores ministros”. Segundo opositores da Lei na
Câmara, a demora comprovaria que o Ministério previra “embaraços
muito sérios” e “males gravíssimos” se a Lei fosse executada sem uma
reforma ou emendas sobre a limitação das posses e o comisso.31
A natureza “dificultosa” de algumas de suas disposições se
constituiu em um elemento de inflexão na forma de o Ministério
organizar o Regulamento. A fala de um dos representantes de São Paulo
na Câmara em 1853 dá-nos um indício acerca desta questão: “por que
não vem o Governo oferecer as emendas que julga necessárias a essa
lei? Ser[ia] isso melhor do que por meio de regulamentos talvez alterá-
la, talvez dar lugar a grandes dúvidas no foro”.32 A alusão à aplicação da
Lei na justiça nos remete a um elemento pouquíssimo discutido nos
debates parlamentares sobre a Lei: a burocracia imperial.
Em sessão do Conselho de Estado de 1852, quando proferiu
seu parecer sobre o projeto do Regulamento da Lei de Terras, o

27
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Quarto ano da
oitava legislatura. Sessão de 1852. Tomo I. Rio de Janeiro: Tipografia de H.
J. Pinto, 1877, p. 37.
28
Ibidem, p. 41.
29
Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Primeiro ano da
nona legislatura. Sessão de 1853. Tomo IV. Rio de Janeiro: Tipografia
Parlamentar, 1876, p. 91.
30
Ibidem, p. 96.
31
Ibidem, p. 475.
32
Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 1853, Op. cit., p. 91.
28

Conselheiro Visconde de Olinda mostrou-se preocupado quanto à


possibilidade de orientação política da Lei pela magistratura e demais
funcionários que a fossem executar nas diferentes regiões do Império.
Ao tratar do julgamento de processos de terras e a atividade das
comissões responsáveis pela análise de títulos e documentos
comprobatórios, ele destacou que “a propriedade torna-se incerta, pois
que ninguém tem certeza do modo de pensar dos juízes, apesar dos bons
fundamentos que os assistem”:33

É preciso não omitir a apreensão geral, que se


há de apoderar dos espíritos pela simples
consideração dos rancores dos partidos, os
quais não poupam meios para suplantar seus
inimigos, e que saberão aproveitar-se da
ocasião, que se lhes oferece estando todos
dependentes do juízo que se há de proferir
sobre sua sorte. Que arma poderosa não será
essa nas mãos dos partidos em épocas de
eleições.34

Por este motivo, não parecia conveniente que se “confie a


decisão dessas causas às comissões, como se propõe no projeto, e nem a
autoridade nenhuma provincial, devendo este julgamento ficar reservado
ao Governo”. No entendimento de Olinda, era necessário retirar o poder
destas comissões “das influências dos partidos e das localidades”, para
“tranquilizar os ânimos acerca das intrigas locais”.35 Ao sugerir que
fosse ampliado o papel dos presidentes de província como mediadores
da Repartição Geral das Terras Públicas, tendo em vista que eles “não
recebem ordens senão do [Ministério do] Império”,36 o Conselheiro
projetou a padronização da execução da Lei de Terras com a reforma
política empreendida na década de 1840 pelo partido Conservador.

33
Atas do Conselho de Estado Pleno. Ata de 25 de agosto de 1852. Brasília:
Centro Gráfico do Senado Federal. Vol. 4, 1978, p. 31.
34
Ibidem, p. 32.
35
Ibidem, p. 38.
36
Ibidem, p. 29.
29

Acredito que em 1853, com a instalação do Gabinete de


Conciliação, o Governo tenha procurado adequar (ou “conciliar”) a
execução da Lei de Terras às aspirações tanto Conservadoras quanto
Liberais por meio da burocracia, no intuito de contemplar as críticas
gerais e retirar da letra da Lei o peso de rejeição que carregara. A fala do
deputado mineiro Francisco de Paula Candido sobre a execução da Lei à
classe dos grandes proprietários rurais favorece minha hipótese: “se a
magistratura cumprir os seus deveres, não tenho medo dela”.37 Em
outras palavras, é provável que essa dificuldade prevista para a
aplicação da Lei e inclusive a questão da falta de apoio regional ao
Governo Central tenham sido transferidas ao próprio funcionalismo
público responsável pela administração da Lei na Corte e nas províncias.
Tendo estas considerações em vista, minha intenção é
evidenciar a necessidade de integração e fortalecimento das bases
sociais e políticas de apoio ao Governo também na segunda metade do
Oitocentos, principalmente no período denominado por Carvalho como
o “apogeu” do Império, entre 1853 e 1871; e ressaltar a imprescindível
participação política regional agenciada notadamente por intermédio da
aplicação da Lei de Terras.
Para desenvolver este intento, tomo por objeto de análise
Santa Catarina, uma província de exíguo orçamento, pobre e periférica
no que se refere ao eixo mercantil agroexportador; e enfoco o Planalto,
região que correspondia grande parte ao município de Lages no século
XIX, distanciado a oeste do litoral provincial pela Serra Geral.38
Santa Catarina dispunha de pouca influência política no
cenário nacional em razão do baixo número de políticos que a
representavam na Corte do Império. O único catarinense no Senado

37
Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 1851, Op. cit., p. 82.
38
João Fragoso afirma que as províncias de Santa Catarina, Paraná e Rio
Grande do Sul eram classificadas como “periferia da periferia”, em razão da
economia ser direcionada ao mercado interno, especialmente ao
abastecimento de áreas agroexportadoras escravistas do Sudeste, que por
sua vez giravam em torno do mercado internacional capitalista. FRAGOSO,
João. “Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation
escravista-exportadora”. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História
Geral do Brasil. 9ª Ed. RJ: Elsevier, 1990, p. 173.
30

entre 1845 e 1871 (da 5ª a 14ª legislatura) foi o tenente coronel José da
Silva Mafra, natural de Desterro. Quando foi indicado para formar a
lista tríplice de candidatos ao Senado, em 1844, Mafra desempenhava
em Santa Catarina o cargo de secretário da presidência e era deputado
provincial (desde a 1ª legisl. de 1835). Havia sido também vice-
presidente da província por longo período até assumir a senatoria
vitalícia. Era Cavaleiro das Ordens Imperiais do Cruzeiro e da Rosa
desde 1823 e na Corte tornou-se 1º secretário da Mesa do Senado.39
Quando presidiu a sessão do Senado em 27 de agosto de 1846,
Mafra apoiou uma solicitação da Assembleia Legislativa de Santa
Catarina acerca da concessão de três léguas quadradas para o patrimônio
das vilas de São José, São Miguel e Porto Belo, e de quatro léguas
quadradas para a vila de Lages. O presidente provincial fora ouvido e
concordara na necessidade da concessão “por não terem as respectivas
câmaras rendas com que recorrer às necessidades mais
indispensáveis”.40 Após discussão em duas outras seções, em que fora
diminuída a extensão dos terrenos a serem doados para ½ légua
quadrada, o projeto foi deferido no Senado e encaminhado à Câmara dos
Deputados.
De acordo com o historiador Walter F. Piazza, a maioria dos
membros Conservadores e Liberais catarinenses inicialmente pertenceu
à classe média e à elite urbana de Desterro, reunindo-se por meio de
coalizões familiares em torno de determinados candidatos em períodos
eleitorais, que “se constituíam nas próprias bandeiras políticas e
disputavam o poder para a manutenção de seus interesses”.41

39
Junto com o Pe. Lourenço Rodrigues de Andrade, Mafra representou a
província nas Cortes de Lisboa em 1821. Ele faleceu em 1871 e foi
substituído no Senado pelo Conservador Jesuíno Lamego da Costa. Além de
Mafra, foram representantes de Santa Catarina no Senado entre 1826 e 1889
o Pe. Rodrigues de Andrade (1ª-5ª legisl.), Lamego da C. (15ª-20ª legisl.) e
Alfredo d‟Escragnolle Taunay (20ª legisl.).
40
Anais do Senado do Império do Brasil. Ano de 1846. Livro I. Transcrição
disponível no sítio do Senado Federal, seção “Publicação e Documentação”.
41
PIAZZA, Walter F., Dicionário político catarinense. 2ª Ed. Florianópolis:
Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 1994, p. 526 e 553.
Para aprofundamento, Cf. PIAZZA, Walter F. O Poder Legislativo
31

Durante a primeira década de execução da Lei de Terras,


Santa Catarina foi administrada por um mesmo presidente. João José
Coutinho era natural do Rio de Janeiro, bacharel pela Faculdade de
Direito de São Paulo e filiado ao Partido Conservador. Sua nomeação
ocorreu em 1849, a partir da chefia do Gabinete Conservador pelo
Marquês de Monte Alegre. Antes de ser nomeado por Carta Imperial à
Santa Catarina, Coutinho havia sido juiz municipal em Angra dos Reis e
em Cabo Frio, e deputado da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro.42
Ele foi mantido na presidência de Santa Catarina durante toda a política
de Conciliação e mesmo durante as alterações ministeriais entre o
período de 1850 a 1859, quando chegou ao fim o Gabinete de Marquês
de Olinda. Coutinho foi substituído na presidência pelo Liberal alagoano
Esperidião Elói de Barros Pimentel (interino por cerca de um mês),
seguido pelo Liberal rio-grandense Francisco C. de Araújo Brusque.
A Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina tanto
na 8ª legislatura (1850-52), quanto na 9ª (1852-53) e na 10ª (1854-55),
foi constituída majoritariamente por homens ligados ao partido
Conservador, embora tenha contado com a participação de Liberais
renomados como os tenentes coronéis Joaquim Xavier Neves e José
Bonifácio Caldeira de Andrada.43 Apesar da consonância partidária do
presidente com a maioria da Assembleia Provincial, a relação entre
ambos foi marcada por muitas críticas e rivalidades, ligadas a resoluções
de Coutinho sobre orçamento provincial, pagamentos votados pela
Assembleia e alterações no quadro de funcionários. Na capital, parte
considerável destes debates políticos acontecia através da imprensa
periódica. O jornal O Argos, por exemplo, foi fundado em 1856 pelo
também Conservador José Joaquim Lopes, e travou duras críticas à
administração presidencial de Coutinho. O fato de a Assembleia

catarinense: das suas raízes aos nossos dias, 1834-1994. 2ª Ed.


Florianópolis: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 1994-b;
e CABRAL, Oswaldo R. História da política em Santa Catarina durante o
Império. Florianópolis: Editora da UFSC, 2004.
42
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 229. Cf. também: PIAZZA, Walter
F. O presidente João José Coutinho: estudo biográfico. Florianópolis:
Comissão Nacional de História, 1956.
43
CABRAL, Oswaldo R., 2004, Op. cit., p. 446.
32

Legislativa Provincial e a imprensa Conservadoras haverem se


contraposto ao presidente partidário exemplifica a natureza
“barganhada” da política centralizada em relação às províncias. Esta
consideração é válida inclusive para a representação dos interesses
catarinenses na Corte do Império.
Aproximadamente seis anos depois do projeto de concessão
de terras devolutas ao patrimônio das vilas de Santa Catarina ter sido
deferido no Senado, em maio de 1852 ele foi retomado na Câmara dos
Deputados para votação final, em meio às discussões sobre o impasse da
Lei de Terras.
Como a doação de terras públicas havia sido vetada em 1850,
os deputados divergiram opiniões acerca das concessões às câmaras
municipais. O baiano Benevenuto Magalhães Taques opôs-se ao projeto
e justificou sua decisão com base nos artigos nº 01 e 12 da Lei de
Terras.44 Seu argumento era que, “se no projeto se tratasse de doar a
essas câmaras as terras em que as vilas respectivas estão situadas, eu não
duvidaria em dar-lhe meu voto, porque não contrastaria” a Lei de
Terras; mas tratava-se “de doar a arbítrio uma porção de terras nacionais
em Santa Catarina a essas câmaras municipais, o que é uma alteração
grave desta lei, cujo sistema me parece que não deve ser
interrompido”.45 Se a medida tivesse algum fundamento, dever-se-ia
alterar a própria Lei de Terras e ampliar esta possibilidade de doação aos
demais municípios do Império, porque “não são somente as quatro
câmaras de Santa Catarina cujos patrimônios são exíguos, outras muitas
se acham neste caso”.46 E concluiu sua fala predizendo que “será uma
doação somente feita em benefício de algumas pessoas que tenham
alguma sagacidade e estejam mais a jeito de se aproveitarem dela”.47
Contrapondo a opinião do deputado baiano, o catarinense
Joaquim Augusto do Livramento esclareceu que as referidas doações

44
Respectivamente, o primeiro artigo da Lei normatizou a aquisição de
terras devolutas exclusivamente por meio de compra e o 12º previu a
reserva de terras devolutas para determinadas situações de interesse público,
como a fundação de povoações, aldeamentos indígenas, etc.
45
Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 1852, Op. cit., p. 52.
46
Ibidem, p. 53.
47
Ibidem.
33

não contradiriam os objetivos da Lei de Terras, a saber, de demarcar e


valorar as terras devolutas para a promoção da colonização e de “evitar
as invasões continuadas que os particulares faziam”.48 Ele garantiu que
em nada sofreria o domínio público, especialmente em Santa Catarina,
onde, segundo ele, “os terrenos devolutos são em tão grande quantidade
que meia légua de terra é para eles como uma gota de água para o
oceano”. Declarou mais que seria impossível realizar a doação de
terrenos situados nas referidas vilas, em razão desses estarem há muito
tempo sob domínio particular. Ao finalizar sua defesa do projeto,
Livramento associou a capacitação das rendas públicas à ampliação do
patrimônio fundiário municipal pelos sistemas de aforamento ou
arrendamento, e exemplificou sua afirmação com base em Desterro:
“assim é que a câmara municipal da capital de minha província recebe 2
½ por cento das alheações dos terrenos encravados em seu patrimônio, o
que lhe dá não pequena renda”.49
Já Bernardo de Souza Franco, representante da província do
Pará, condicionou a possibilidade das doações à execução da Lei de
Terras (“tenho ouvido dizer que esta lei está abandonada...”). O
deputado mostrou-se aborrecido com a falta de informações da
Comissão do Conselho de Estado sobre o andamento da elaboração do
Regulamento da Lei (“suponho que a discussão está deslocada e que é
pura perda enquanto os Srs. Ministros não aparecerem para tomarem
parte”, “não podemos continuar neste embaraço”),50 e destacou que o
estado provisório em que a instituição fundiária se encontrava no país
“só pode agradar a quem não se importe com a administração pública”.
Para ele, a Lei promulgada em 1850 precisava imediatamente ser
executada ou então que “se sigam outros princípios para distribuição das
terras”.51 Ele concluiu que o projeto de doação deveria ser rejeitado “se
algum dos ministros me disser que a Lei de Terras será executada”,
porque haveria outros meios de fornecer patrimônio às vilas catarinenses
“que o pedem e o merecem”. Diz que províncias “pequeninas” como

48
Ibidem.
49
Ibidem, p. 54.
50
Ibidem.
51
Ibidem.
34

Santa Catarina, “são muito esquecidas aqui na Câmara; e eu não quero


ser do número daqueles que contribuem para o esquecimento em que
jazem”.52
A última fala da sessão parece ter sido determinante à sanção
da lei proposta pela Assembleia Legislativa Catarinense. Isto porque o
deputado pernambucano Carneiro da Cunha afirmou que duvidava
“muito que tenha execução a lei promulgada em 1850”. Segundo ele, os
ministros haveriam de ter previsto a “inexequibilidade” da mesma,
questionando-se se “tinham força bastante para fazê-la executar”.53
Na metade do século XIX a realidade fundiária de Santa
Catarina ainda era pouco explorada pelo Estado, de modo que a
multiplicidade de formas de apropriação e domínio útil das terras, como
a posse por ocupação simples, não formalizada, era uma dinâmica
comum da sociedade daquele período. Por este motivo, devemos
desconfiar dos discursos oficiais que tratam da província como um
“oceano” desabitado de terras devolutas, pois eles promovem um
silenciamento operativo sobre incontável número de indígenas,
posseiros nacionais pobres, conflitos fundiários e disputas por recursos.
A concessão destas terras devolutas às Câmaras para ampliação dos
arrendamentos municipais reflete o interesse do governo da província
em alterar o formato da posse e fruição das terras da região, e indica o
rumo da política fundiária visada desde 1846 à província pela
Assembleia Legislativa e o presidente daquele período. Era exatamente
neste contexto que a concepção da propriedade privada estava a ser
gestada e legislada no Império. Portanto, o caso de Santa Catarina é
sintomático para refletir o que o Governo projetava à província através
da Lei de Terras, para além da questão estritamente política.
Ao normatizar o acesso exclusivo às terras devolutas pela
compra, a Lei validou uma concepção específica de propriedade da terra
– aquela particular, individual –, ao mesmo tempo em que restringiu seu
acesso pela oneração e a burocracia.54 A partir de 1854, a complexidade

52
Ibidem, p. 55.
53
Ibidem.
54
São deste período as discussões sobre a utilização dos imóveis como
garantia em hipotecas. Para fazê-lo, contudo, era necessário que as
35

e a pluralidade de relações fundiárias experienciadas no país tornaram-


se um desafio a ser ajuizado com base na Lei de Terras, com o agravante
de que os novos direitos e a burocracia regulamentados pelo Legislativo
à composição da Lei estavam em pleno processo de construção e início
de experimentação. É imperioso que desnaturalizemos a Lei e sua
execução nas 24 províncias do Império, pois, como vimos, ambas são
resultado de disputas entre determinados grupos sociais, em períodos
específicos.
Rosa Congost sugere que a propriedade em si é apenas uma
abstração jurídica: o que existem, na realidade, são direitos de
propriedade e formas de ser proprietário. A autora parte do princípio de
que “as condições de realização da propriedade, que podem ser muito
diversas entre si, são o resultado de múltiplas facetas da atividade
humana” e não se restringem às decisões dos legisladores,55 de maneira
que “as relações de propriedade, ao serem relações sociais, devem ser
observadas desde uma pluralidade de ângulos”.56 Por esta lógica,
quando menciono os direitos de propriedade previstos na Lei de Terras,
refiro-me a práticas sociais concernentes à propriedade da terra
escolhidas e sancionadas pelo Legislativo Imperial brasileiro,
compreendendo este último enquanto uma instituição dotada de
pretensões individuais e de interesses político-econômicos regionais
sobre o modo de organizar o regime e a estrutura fundiária nacional
àquele contexto da metade do Oitocentos.
De que maneira a população catarinense (de distintas
categorias ocupacionais e faixas de riqueza) reagiu à Lei; e sob quais
aspectos esta nova política fundiária transformou – ou não – as relações
de propriedade, são questionamentos importantes para que
compreendamos os desdobramentos da política imperial. No mapa a
seguir consta a província e seus principais municípios, freguesias e rios.
A vila de Lages foi representada contígua à Serra Geral:

propriedades seguissem um modelo padrão de titulação, principalmente


com extensão e limites precisos.
55
CONGOST, Rosa. Tierras, Leyes, Historia: estudios sobre la gran obra
de la propiedad. Barcelona: Crítica, 2007, pp. 14-15.
56
Ibidem, p. 40.
36

A província de Santa Catarina em 1857

Detalhe da província de Santa Catarina. Nova carta corográfica do Império do


Brasil. C.el engenheiro Conrado Jacob de Niemeyer, Cap. do Estado Maior José
Joaquim d Lima e Silva, 1º Ten. de eng. Antonio Augusto Monteiro de Barros.
Ano: 1857. Girado 90° para direita. Acervo digital da Biblioteca Nacional da
França, Gallica.
37

A condição das terras da província de Santa Catarina durante a


primeira década de execução da Lei de Terras foi relatada pela
presidência em 1861:

Nesta província existe grande quantidade de


terras devolutas, sem compreender mesmo
aquelas sobre que há pretenções contestáveis a
título de posse ou concessão, e que
oportunamente poderão reverter ao Estado.
Abstraída uma estreita orla do litoral, aonde
está disseminada a população e cultura, pode-se
dizer que ainda é um sertão com imensas
riquezas inaproveitadas, toda a superfície até a
Serra do Mar, que corre internada: no fundo da
província, entre esta cordilheira e os longínguos
confins, estendem-se elevadas campinas,
raramente povoadas e com poucas interrupções
de matas e montanhas, nas quais se exerce a
indústria pastoril. É tão vasta a região inculta e
desabitada, que o gentiu ainda encontra as
condições indispensáveis para a vida nômade e
esquiva a qualquer contato com a civilização. A
quase totalidade do espaço inculto e
despovoado pertence ao domínio do Estado. À
vista dessa circunstância, e consideradas a
uberridade das terras, variedade de sua
produção, amenidade de clima, abundância de
águas, navegabilidade de rios e outros tesouros
exploráveis da natureza, compreende-se que
esta província oferece grande perspectiva á
causa da população e do trabalho.57

Em 1874, a Comissão do Registro Geral e Estatística das


Terras Possuídas descreveu a situação fundiária da província de maneira
muito semelhante ao relatório presidencial anterior, haja vista que,
segundo a Comissão, a superfície territorial poderia se dividir em 700
léguas quadradas de terras devolutas, 300 ocupadas por “uma limitada

57
Periódico O Correio Oficial de Santa Catarina. Desterro. Ano I, nº 47, p.
02, mai. 1861. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca digital,
seção periódicos, s. endereço eletrônico.
38

população concentrada pela maior parte no município da capital, em


outros povoados e pontos do litoral e margens de rios, e 100
consideradas duvidosas ou dependentes de verificação”. Neste quesito, a
Comissão destacou que a província apresentaria maior território
devoluto se já estivessem definitivamente fixados os limites com a
província do Paraná, “alargando-se sua área para o lado do Rio Negro e
Campos de Palmas, como parece ser de toda a justiça”. Acerca do
assentamento de imigrantes europeus, declarou ser Santa Catarina uma
das províncias do Império que melhores proporções oferecia ao
desenvolvimento de uma colonização em vasta escala; “não só porque
avultam as terras do Estado, com pequenas exceções de superior
qualidade, fertilíssimas (...) como porque possui ricas matas de madeiras
de lei, possantes minas de carvão”, bem como se “recomenda pela
salubridade de seu clima”.58
De acordo com a Comissão e convergindo tanto à fala do
deputado Livramento na Câmara em 1852 quanto ao mapa de 1857 (no
qual foi representada a existência de “terrenos cobertos de matos
virgens” em Lages), parte considerável de Santa Catarina era devoluta,
mesmo em 1874, vinte anos depois do início da execução da Lei de
Terras.59 Pela Lei, eram terras devolutas as que não se achassem

58
Descrição topográfica do mapa da Província de Santa Catarina
organizada na Comissão do Registro Geral e Estatística das Terras
Públicas e Possuídas sob a presidência do Conselheiro Bernardo Augusto
Nascentes de Azambuja. Rio de Janeiro, Imprimerie Impériale, 1874.
59
De acordo com o dicionário de 1874, “DEVOLUTO, A, p. p. irreg. de
devolver (Lat. Devolutus, p. p. de devolvo, devolver), adj. adquirido por
direito de devolução (benefício); que passa ao primeiro possuidor d‟onde
procedeu; v. g. o feudo ficou – ao império: –, vazio, desocupado, sem dono
(...). Terra –, não cultivada: –, tornado ao antigo estado”. Dicionário
Enciclopédico ou Novo Dicionário da Língua Portuguesa para uso dos
portugueses e brasileiros. 4ª Edição, vol.1. Lisboa: Francisco Arthur da
Silva, 1874, p. 930. O termo “terra devoluta” se referia à terra devolvida ao
Estado. Até 1822 o território brasileiro fazia parte do patrimônio real
português e a Coroa tinha o poder de transferir lotes a particulares por meio
de concessões. Pela Lei das Sesmarias, quando as exigências de cultivo,
medição e demarcação não fossem cumpridas, as terras cairiam em comisso
e deveriam ser devolvidas ao domínio patrimonial da Coroa.
39

aplicadas em uso público-estatal ou no domínio particular por título


legítimo, nem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo,
incursas ou não em comisso ou apossadas, que pudessem ser
revalidadas.60
O Recenseamento Geral de 1872 indica que Santa Catarina
possuía quase 160 mil habitantes, enquanto o Rio de Janeiro e o
município neutro da Corte somavam pouco mais de um milhão até
aquele ano.61 A relação discursiva entre baixa densidade demográfica,
disponibilidade de terras e fertilidade do solo é sintomática de uma
política fundiária direcionada à colonização europeia na província com
vistas ao povoamento em pequenas propriedades e ao desenvolvimento
da agricultura, do comércio e das rendas provinciais.62

60
BRASIL, art. 3º. Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850. Dispõe sobre as
terras devolutas do Império.
61
Recenseamento Geral do Brasil de 1872. Biblioteca Nacional do IBGE.
62
O presidente provincial João José Coutinho relatou em 1854 que: “Uma
província como esta, cuja indústria se limita à lavoura, que quase não tem
relações comerciais com as províncias do interior, não pode ter grande
comércio, e nem este deixar de acompanhar o desenvolvimento da lavoura,
ainda mui limitada por falta de braços e de máquinas que os supram. A
colonização e a instrução que se for espalhando pela classe agrícola trará,
necessariamente, com o aumento da indústria agrícola, fabril e de
mineração, o desenvolvimento do comércio; socorrido este e aquelas pelos
melhoramentos das vias de comunicação, e pela abertura de novas”.
SANTA CATARINA, Relatório do presidente da província de Santa
Catarina Exm. Sr. Dr. João José Coutinho em 19 de abril de 1854.
Desterro: Tipografia Catarinense, 1854, p. 27. Ainda em 1850, Coutinho
queixou-se do aparente “atraso” em que a província se encontrava: “A
agricultura, que a pouco mais se estende da plantação da mandioca, milho,
cana, feijão e arroz, pouco aumento tem tido, já pela falta de braços, e já
porque nossos lavradores, aferrados ao que viram praticar seus
antepassados, não procuram, apartando-se da antiga rotina, bem amanhar o
terreno (...). O café, que faz a riqueza da província do Rio de Janeiro e de
alguns municípios de outras, é aqui em pequena escala cultivado, não
obstante ter a província terrenos mui apropriados à sua vegetação e
frutificação. A erva-mate ainda está por assim dizer escondida nos sertões
de São Francisco e nas matas de Lages, e se sai alguma dos campos desse
município, espavorida dos perigos de nossa estrada, vai-se asilar em Porto
Alegre”. SANTA CATARINA, Fala que o presidente da província de
40

Acerca do Planalto, a Comissão do Registro Geral e


Estatística das Terras Possuídas declarou que a região era “quase toda
devoluta e em geral composta por belos campos de criar, mui próprios
para estabelecimento de colônias pastoris e trabalhos de arado”. Em
razão da falta de “cuidados” e auxílio dos cofres da administração
provincial sobre a estrada de Lages a São José (no litoral), a principal
ocupação dos habitantes do Planalto consistia na criação comercial de
animais e no gado para consumo.63
Em 1854, a população lageana era avaliada em 5.913
habitantes, a saber: 4.625 brasileiros; 131 estrangeiros; 1.077 escravos.
Enquanto isso, o termo da capital Desterro totalizava 19.913 pessoas.64
O comércio consistia “na venda de bois, couros e erva-mate, sendo estes
artigos conduzidos às cidades de Desterro e Laguna”.65
O relatório provincial de 1854 tratou da produção pecuária da
região: a criação de gado vacum, “quase exclusivo ramo da indústria de
Lages, não chega para o consumo da província, e é avaliado em
80:000$000 anual”; ressaltou também a regularidade das criações de
ovelhum e suíno, não exportadas “por não corresponder às despesas da
viagem para o litoral”.66

Santa Catarina Dr. João José Coutinho dirigiu à Assembleia Legislativa


Provincial no ato da abertura de sua sessão ordinária em 1º de março de
1850. Desterro: Tipografia Catarinense de Emilio Grain, 1850.
63
Descrição topográfica do mapa da Província..., 1874, Op. cit.
64
“Mapa aproximado da população da província de Santa Catarina”.
SANTA CATARINA, Fala que o Exm. Sr. Dr. João José Coutinho
Presidente da Província de Santa Catarina dirigiu à Assembleia Legislativa
Provincial no ato da abertura de sua sessão ordinária em 1º de março de
1855. Desterro: Tipografia do Correio Catarinense, 1855, p. 36.
65
COELHO, Manoel J. A. Memória Histórica da Província de Santa
Catarina. Desterro: Tipografia Desterrense de J. J. Lopes, 1856, p. 180.
66
SANTA CATARINA, Relatório do presidente da província de Santa
Catarina Exm. Sr. Dr. João José Coutinho em 19 de abril de 1854, Op. cit.,
p. 29. Em 1862, vereadores lageanos relataram à presidência a produção
agropecuária municipal: “A agricultura neste município encerra-se na
plantação de milho e feijão para consumo, sendo isso devido ao clima, e à
falta de exportação. O único produto da lavoura que está sendo plantado em
maior escala, e muito principalmente nos distritos de Curitibanos e Campos
Novos, é o fumo, que, segundo informações de pessoas ali residentes, já
41

Habitada por populações indígenas das etnias Xokleng e


Kaingang, Lages foi oficialmente colonizada por bandeirantes e
tropeiros paulistas em meados do século XVIII, como parte do caminho
de tropas de muares que seguiam das províncias platinas e do Rio
Grande do Sul à feira anual de Sorocaba. Sua estrutura administrativa
foi implantada em 1771 pela Capitania de São Paulo, quando foi elevada
à categoria de vila e instituída a Câmara Municipal. Em 1820 foi
transferida da jurisdição paulista à de Santa Catarina.67
No século XIX, o termo lageano era constituído pelas
freguesias de Nossa Senhora da Conceição de Coritybanos (emancipada
em 1869), Nossa Senhora do São João Batista dos Campos Novos
(emancipada em 1881), ambas criadas em 1854, além de Nossa Senhora
do Patrocínio dos Baguaes (atual Campo Belo) e São Joaquim do
Cruzeiro da Costa da Serra (atual São Joaquim, emancipada em 1886),
conforme é representado pelo mapa a seguir.

exporta perto de duas mil arrobas. Os habitantes deste município


empregam-se pela maior parte em criar gado vacum, cavalar e muar,
deixando de empregar-se na lavoura por causa da esterilidade do terreno”.
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1862, p. 52.
67
O Anexo B apresenta um mapa do sul do Império antes da criação da
província do Paraná, em 1853. Nele, Lages aparece como a única vila
catarinense a oeste da Serra do Trombudo. Sobre a colonização do Planalto
catarinense, cf. CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina.
3ª Ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987; COSTA, Licurgo. O continente das
Lagens: sua história e influência no sertão da terra firme. Florianópolis:
Fundação Catarinense de Cultura, 1982; SANTOS, Sílvio Coelho. Nova
história de Santa Catarina. 3ª Ed. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1995;
EHLKE, Cyro. A conquista do Planalto Catarinense: bandeirantes e
tropeiros do "Sertão de Curitiba". RJ: Laudes, 1973.
42

O termo de Lages

Detalhe da vila de Lages e freguesias de Curitibanos e Campos Novos. Esboço


do mapa dos Campos de Palmas e territórios contíguos. Tito Alves de Brito.
Ano: 1843. Girado 90° para direita. Acervo da Biblioteca Nacional Digital.
43

A região era predominantemente formada por campos de


altitude (estepes gramíneo-lenhosas) na vila de Lages e nas freguesias de
Campos Novos e São Joaquim e em parte de Curitibanos. Neste último
predominavam as matas subtropical e ombrófila mista (araucária)
entremeadas por campos e faxinais (pastagens com matos).68 Os campos
“limpos” eram mais procurados para o estabelecimento de criação
extensiva de gado por não precisar desbastar capoeiras e matos “sujos”.
A condição jurídica de grande parte das terras do Planalto em
1854 era irregular, resultado de uma dezena de sesmarias não
legalizadas, expandidas, meadas ou vendidas, de posses por ocupação
primária, “duvidosas ou dependentes de verificação”, e de uma
infinidade de conflitos entre diferentes tipos de posseiros e proprietários.
As discussões parlamentares sobre o projeto da Lei de Terras na Câmara
dos Deputados e no Senado evidenciam a recorrência destas
circunstâncias em praticamente todas as demais províncias do Império.
Santa Catarina possuía ainda um delicado agravante político. Durante
todo o século XIX defrontou-se com a necessidade de disputar suas
fronteiras interna e externa: com a província do Paraná sobre a parte
norte da jurisdição do termo de Lages, e com a Argentina sobre os
Campos de Palmas a oeste do rio do Peixe.69
No que se refere à política fundiária imperial, o Regulamento
da Lei foi extremamente funcional ao Governo por normatizar a
instalação de cargos públicos em municípios dos mais afastados das
capitais provinciais, a exemplo de Lages, tornando presente a figura do
Estado nas décadas posteriores à emancipação política de Portugal, haja
vista que em 1838, a vila lageana foi ocupada por grupos de farrapos e
declarada parte da República Rio-grandense durante a Revolução
Farroupilha.70

68
Cf. Anexo C.
69
Para aprofundamento, cf. COSTA, Licurgo. Um cambalacho político: a
verdade sobre o “acordo” de limites PR-SC. Florianópolis: Editora
Lunardeli, 1987; e HEINSFELD, Adelar. Fronteira Brasil/Argentina: a
questão de Palmas (de Alexandre de Gusmão a Rio Branco). Passo Fundo:
Méritos, 2007. Cf. Anexo D.
70
Cristiano L. Christillino já abordou alguns aspectos desta perspectiva
quando analisou a aplicação da Lei de Terras em São Pedro do Rio Grande
44

Contemplando especialmente o caso da província catarinense,


procuro flexibilizar a perspectiva do “veto dos barões”, na qual
Carvalho destacou a “fraqueza da burocracia central em nível local” e a
“resistência dos proprietários” no processo de aplicação da Lei de
Terras.71 Refiro-me a flexibilizar o veto senhorial no sentido de
questionar, para além da ineficiência da Lei, as condições de sua
repercussão em Santa Catarina e de sua apropriação por parte da
população e dos administradores da Lei no Planalto (“região quase toda
devoluta”, apta à virtual venda e legitimação).
A delimitação do enfoque da pesquisa se refere à jurisdição
lageana, que compreendia grande parte do Planalto catarinense no
Oitocentos. Como o município era a unidade política e administrativa
básica do Império, foi possível selecionar fontes de diferentes tipologias
relacionadas à vigência da Lei na região, como as correspondências

do Sul a partir da aprovação de processos de legitimação de terras pelos


presidentes de província. De acordo com o autor, durante a segunda metade
do século XIX, a província sulina possuía um histórico separatista muito
latente decorrente da Revolução Farroupilha e dos conflitos no Prata, ao
mesmo tempo em que abrigava um contingente militar indispensável à
manutenção das fronteiras do Império – de modo que a Lei de Terras foi
direcionada pela Coroa com vistas à integração destas elites locais nas
estruturas do próprio Estado e à concessão de terras enquanto barganha
política. CHRISTILLINO. Cristiano L. Litígios ao sul do Império: a Lei de
Terras e a consolidação política da Coroa no Rio Grande do Sul (1850-
1880). Tese de Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010.
Ademais, precisamente sobre a participação de Santa Catarina na Revolução
Farroupilha, cf., entre outros, BOITEUX, Henrique. A república
catarinense: notas para a sua história (1927). RJ: Biblioteca Reprográfica
Xerox/APESC, 1985; COSTA, Gustavo Marangoni. Entre contrabando e
ambiguidades: outros aspectos da República Juliana. Laguna/SC – 1836-
1845. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2006.
71
Fundamentado em relatórios dos Ministérios do Império e da Agricultura,
dos presidentes de província, etc., Carvalho destacou o aspecto do malogro
e da ineficiência da Lei de Terras, a precariedade de sua execução e o não
cumprimento de seus principais enunciados por parte das elites agrárias
regionais, como a obrigatoriedade de medição, demarcação e registro
paroquial das terras. CARVALHO, José Murilo de. “A política de terras: o
veto dos barões”. Op. cit., 1996, pp. 303-325.
45

oficiais e relatórios dos juízes comissários de terras, das Câmaras e


juízes municipais, das subdelegacias de polícia e dos juízes de Direito
da comarca; além de fontes de Desterro e da Corte, como os relatórios
da Repartição Geral das Terras Públicas e do Ministério dos Negócios
do Império, dos presidentes da província, da Repartição Especial de
Terras Públicas e da Inspetoria Especial de Terras e Colonização de
Santa Catarina, compreendidas no período de 1850 a 1889. Ademais, os
jornais O Conciliador, O Argos, A Regeneração, O Despertador e O
Conservador, de Desterro, viabilizaram-me o acesso a uma série de
questões relacionadas à política provincial e à execução regional da Lei
de Terras. Esta variedade de fontes foi coletada principalmente nos
acervos do Arquivo Público do Estado (APESC), do Museu do
Judiciário Catarinense, nos acervos digitais da Hemeroteca da Biblioteca
Nacional, do Center for Research Libraries da Universidade de
Chicago, etc.
O trabalho foi dividido em dois capítulos.72 No primeiro
apresento à discussão acerca da política no Oitocentos, a participação da
Lei de Terras no processo de consolidação da formação do Estado
Imperial e sua relação direta com as leis e emendas promulgadas pela
elite política nacional ainda na primeira metade do século XIX.
Principalmente aquelas comumente atribuídas à revisão da legislação
Liberal do Governo Regencial e que caracterizaram o regresso da
centralização conservadora no início do Segundo Reinado – a Lei de
Interpretação do Ato Adicional de 1834 e a Lei de Reforma do Código
do Processo Criminal de 1832. Explorando as implicações do

72
A banca examinadora de Qualificação da Dissertação recomendou a
mudança de nível de meu Projeto de Mestrado para Doutorado.
Originalmente, estes dois capítulos juntos constituíam apenas o primeiro da
Dissertação. O projeto continha quatro capítulos, nos quais analiso – a partir
de agora na Tese –, toda a documentação da Repartição Especial das Terras
Públicas, dos juízes comissários de terras, os registros paroquiais de terras,
os processos judiciais de conflitos fundiários lageanos e outras fontes
pertinentes. Por este motivo, o debate contido neste trabalho é bastante
específico e direcionado à Nova História Política, sendo apenas um dos
eixos que tenho a desenvolver sobre a aplicação da Lei de Terras no
Império e especificamente em Santa Catarina.
46

Regulamento de 1854 na composição do funcionalismo público que


executou a Lei de Terras em Desterro, objetivei analisar as formas pelas
quais a política das terras constituiu-se em um importante mecanismo de
agregação entre as elites provinciais e o Governo Central. No segundo
capítulo trato especificamente da implementação da Lei de Terras em
Santa Catarina mediante a investigação sobre a natureza e a composição
dos cargos normatizados para sua execução na vila de Lages e nas
freguesias de Curitibanos e Campos Novos. Procurei considerar a
complexidade político-social do município e a multiplicidade de
interesses individuais e coletivos que convergiram a estratégias legais e
extralegais de acesso e domínio sobre posses, terras devolutas e aquelas
de uso comum no Planalto.
A julgar pela discrepância nas formas de execução da Lei
dentre as 24 províncias do Império e a realidade multifacetada
intraprovincial catarinense, podemos considerar a microanálise o
método historiográfico mais construtivo de pesquisa sobre a política
fundiária imperial brasileira. Isso porque a Micro-história parte do
princípio da alternância da escala de observação dos objetos de análise,
e nos capacita a investigar as formas que a Lei de Terras adquiriu no
nível micro das diferentes regiões do Império até a queda da Monarquia
em 1889.73
Os principais eixos escalados na Dissertação foram a
consolidação do Estado; a formação da burocracia responsável pela
legislação agrária; e as formas de administração da Lei de Terras e as
tentativas de acesso à terra. Por intermédio do exercício micro-
historiográfico, pretendo produzir novos “efeitos de conhecimento”
sobre a política das terras e a consolidação do Estado Nacional,

73
Jacques Revel explica que a partir do enfoque inicial em experiências
localizadas e singulares, objetiva-se compreender as diversas formas pelas
quais o nível macro-histórico, “estrutural”, é enquadrado no nível micro,
“vivido” pelos indivíduos históricos. “Cada ato histórico participa, de
maneira próxima ou distante, de processos – e portanto se inscreve em
contextos – de dimensões e níveis variáveis, do mais local ao mais global”.
REVEL, Jacques. “Microanálise e construção do social”. In: Jogos de
escalas: a experiência da microanálise. RJ: FGV, 1998, p. 28.
47

analisando como sua estrutura normativa foi implementada e


experienciada pela população catarinense.
A abordagem metodológica pautou-se no estudo alternado das
escalas do poder municipal de Lages, de Desterro e da Corte acerca da
capilarização do funcionalismo responsável pela execução da Lei de
Terras e na reconstrução de algumas relações de poder específicas. A
partir do estudo intensivo das fontes coletadas, procurei realizar o
exercício explicado por Carlo Ginzburg em O nome e o como: troca
desigual e mercado historiográfico, referente à utilização de nomes
próprios como a principal referência da investigação histórica,74 ou seja,
de acompanhar nas fontes administrativas o nome próprio dos homens
que foram nomeados para a burocracia direta ou indiretamente
responsável pela execução da Lei de Terras na província, de modo a
explorar os indícios sobre o desempenho de suas atividades, a inserção
na trama social da província e do Planalto, bem como suas experiências
políticas e de acesso à terra.

74
GINZBURG, Carlo (org.). A micro-história e outros ensaios. Lisboa:
Difel, 1989, pp. 169-178.
48

1. A POLÍTICA DAS TERRAS NO IMPÉRIO

Na primeira metade do século XIX, o processo de construção


do Estado independente esteve associado à necessidade de instituição de
um novo regime fundiário que normatizasse a distribuição e a
regularização das terras sob a autoridade do Governo Central, tendo em
vista que após 1822, com a revogação do sistema português de
concessão de sesmarias, a posse simples foi o único meio de domínio
sobre as terras devolutas do Império. A independência do país e a
ausência de uma legislação agrária, a problemática manutenção da
escravidão e as aspirações de uma economia liberal impulsionaram a
classe dirigente brasileira a debater as condições da estrutura fundiária
nacional e a projetar uma nova política agrária.
Ao determinar que as terras devolutas existentes no país
fossem adquiridas exclusivamente por compra, a Lei de Terras
tencionou suplantar antigos costumes de apropriação territorial e
padronizar um regime específico de propriedade da terra, apesar de ter
garantido a legitimação de posses praticadas até a publicação da Lei de
forma mansa e pacífica com morada habitual e princípio de cultura
efetiva e a revalidação de sesmarias e outras concessões do Governo.
Após 1854, posses estabelecidas tanto em terras devolutas quanto em
terras particulares tornar-se-iam ilegais, passíveis de processo, embargo,
despejo, multa e até prisão do posseiro. Além disso, a Lei estabeleceu a
burocratização formal dos direitos de propriedade por ela reconhecidos,
mediante a criação de repartições e cargos públicos específicos para sua
execução na Corte, províncias, municípios e freguesias do Império.
Meu argumento é que o novo funcionalismo e a estrutura
burocrática encarregados para a execução da Lei de Terras no Império
construíram uma nova ordem de experiências e relações políticas entre
as instituições e redes de poder local, provincial e central, nas quais
estava prevista a própria consolidação da política nacional reformada na
década de 1840.
Promulgadas respectivamente em 1840 e 1841, a Lei de
Interpretação do Ato Adicional de 1834 e a Lei de Reforma do Código
do Processo Criminal de 1832 contribuíram para a definição
49

institucional dos mecanismos de funcionamento do poder público, pelos


quais os serviços de execução da Lei de Terras foram oficialmente
organizados e executados no Império. Ambas as leis trataram da
organização do sistema judiciário nacional e o nível de controle de sua
estrutura burocrática por parte do Governo Central frente aos governos
provinciais e locais. Grande parte dos cargos públicos previstos na Lei
de Reforma do Código do Processo Criminal foi acionada pela Lei de
Terras e seu Regulamento de 1854, principalmente no que concerne à
disposição do funcionalismo administrativo, judiciário e policial para
subsidiar parte dos serviços de execução da Lei nas províncias e
municípios.
O estudo sobre a natureza e o funcionamento destes empregos
nas localidades é de imprescindível importância para o estudo da
História Agrária do Brasil no Oitocentos. Isso pelo motivo de que,
apesar da curta duração das repartições provinciais responsáveis pela
execução da Lei de Terras e sua recorrente transformação no sentido de
uma burocracia mais enxuta, cargos públicos como os de juiz comissário
de medições de terras e juiz municipal permaneceram vigentes até o fim
da monarquia operando sobre questões de terras nas jurisdições
municipais.75
A legislação Liberal anterior havia concedido às elites
regionais amplos poderes executivos e legislativos sobre a justiça e a
polícia, especialmente a partir dos juizados de paz e Assembleias
Legislativas Provinciais. Contudo, as insurreições populares que
marcaram os governos regenciais geraram um estado de intranquilidade
na Corte.76 Somadas ao fato de que os potentados locais eram pouco

75
Utilizo a classificação de “cargo” ou “empregado público” em um sentido
amplo, não considerando única e exclusivamente o critério de estabilidade
da carreira regular ou de educação superior (como no caso dos juízes de
Direito). Aproximo-me do sentido atribuído à categoria de “empregados
políticos”, aludida por Carvalho, que comporta a possibilidade de cargos
públicos ocupados esporadicamente ou de maneira mais ou menos
permanente por senhores de terras que, grande parte das vezes, não
possuíam instrução superior e desempenhavam outras ocupações
concomitantes as funções dos cargos aos quais foram empregados.
76
É deste período a criação da Guarda Nacional.
50

influenciados pelo Governo e dele requeriam justamente ampla margem


de autonomia para administrar seus conflitos e interesses privados, as
supracitadas leis de Interpretação e Reforma propostas pelo partido
Conservador foram responsáveis por promover o arranjo institucional
que articulou maior controle da burocracia judicial sob o poder do
Governo Central.
A Lei de Interpretação do Ato Adicional dispôs sobre o
funcionamento político-administrativo das províncias quanto às
competências das Assembleias Legislativas Provinciais e seu nível de
autonomia em relação ao Governo Central e aos presidentes de
províncias.77 Notadamente no que se refere ao estudo da política
fundiária imperial, a Lei de Interpretação foi importante pelo motivo de
haver normatizado o campo das competências institucionais dos
diferentes poderes administrativos da província pelos quais vários
serviços de aplicação da Lei de Terras foram executados e sentenciados.
Como veremos adiante, em decorrência do cumprimento do
Regulamento de 1854 uma nova repartição pública foi acrescentada ao
cenário político catarinense no ano de 1856. Encarregada
especificamente pela administração dos trabalhos de aplicação da Lei na
província, esta repartição especial dinamizou uma nova ordem de
77
As Assembleias Legislativas Provinciais eram de composição eletiva e
foram instauradas em 1834 com os objetivos oficiais de submeter grande
parte dos poderes de decisão dos conselhos e Câmaras Municipais ao
executivo provincial e de contribuir na administração da província junto ao
presidente nomeado pelo Governo Central. Ao presidente provincial caberia
seguir as ordens do partido da situação e cumprir as leis do Império. Em
1840, a Lei de Interpretação definiu que a autoridade das Assembleias
Provinciais consistiria em legislar apenas sobre a polícia e a economia
municipais. A jurisdição do judiciário foi centralizada no executivo central,
porquanto todas as leis e resoluções propostas pelas Assembleias deveriam
ser encaminhadas à sanção do presidente de província, exceto aquelas sobre
a nomeação para empregos de alçada municipal e provincial, fixação das
despesas e impostos, investimento em obras públicas, sobre casos de
desapropriação por utilidade pública, demissão de magistrados queixados
por crime de responsabilidade e da continuação de processo por suspensão
de presidente de província. A possibilidade de negação de sansões do
presidente provincial poderia ser conquistada em caso de dois terços da
Assembleia Provincial julgar o contrário.
51

empregados públicos para Desterro e os municípios e esteve em


correspondência direta com as demais instituições administrativas
provinciais, principalmente a presidência da província, da qual era
subordinada.
Como uma continuidade ao processo iniciado pela Lei de
Interpretação do Ato Adicional, a Reforma do Código do Processo
Criminal normatizou de forma mais completa as disposições criminais
do judiciário e da polícia. A Lei previu uma hierarquia institucional pela
qual todas as autoridades policiais das províncias seriam subordinadas a
um chefe de polícia escolhido entre desembargadores e juízes de
Direito. Foram criados os cargos de delegado de polícia para termos e de
subdelegado de polícia para distritos, encarregados de desempenhar as
funções policiais e criminais até então incumbidas aos juízes de paz, que
continuaram existindo sem as atribuições judiciárias.78 Assim, delegados
e subdelegados de polícia poderiam realizar buscas, prisão, formação de
culpa, concessão de fiança; além da nomeação de inspetores de
quarteirões e de escrivães dos juizados de paz e a produção da lista dos
jurados. Estes cargos foram preenchidos por nomeação ou aprovação do
imperador, ministros, presidentes de província e chefes de polícia. Com
a Reforma do Código do Processo Criminal, a estrutura judiciária dos
municípios ficou sem representação política eletiva, visto que os
poderes judiciários e policiais dos juízes de paz foram atribuídos aos
chefes de polícia e seus delegados e subdelegados, além dos juízes
municipais, também nomeados.
Os cargos foram monopolizados na magistratura de carreira e
em cidadãos das próprias localidades para as quais eram nomeados.
Juízes municipais ajuizariam todas as causas cíveis do município

78
Segundo o Código do Processo Criminal de 1832, competia ao juiz de paz
a realização das fases iniciais dos processos judiciais como receber queixa e
denúncia, proceder auto de corpo de delito, formação de culpa, além de
prisão de culpados, concessão de fianças, julgamento de contravenções às
posturas da Câmara Municipal e de pequenos crimes. O cargo era de
natureza eletiva local e não era exigida formação jurídica. Muitos
contemporâneos criticaram a atividade destes magistrados, em consequência
da demasiada “liberdade” e falta de padronização e profissionalização no
desempenho de suas funções jurídicas e policiais nos distritos.
52

(ordinárias ou sumárias), etc. A forma de incursão ao cargo também fora


alterada: antes, os presidentes provinciais selecionavam o juiz municipal
a partir de uma lista de três candidatos elaborada pelo conselho
municipal e, após a Reforma, a nomeação era realizada pelo Imperador
ou ministro da Justiça dentre os bacharéis formados em Direito. Já os
juízes de Direito supervisionariam as funções jurídicas exercidas pela
polícia e juizado municipais, podendo executar processos por crime de
responsabilidade e a suspeição de empregados públicos. Responsáveis
pela jurisdição das comarcas, promotores públicos e juízes de Direito
seriam escolhidos pelo imperador ou presidentes de província dentre os
bacharéis em Direito.
No livro intitulado O juiz de paz e o jurado no Brasil
Imperial, Thomas Flory destaca que pela lei da Reforma do Código do
Processo Criminal os Conservadores “invocaram as antigas ideias
ibéricas da relação entre a magistratura e a soberania real ao enlaçar seus
planos judiciais com a meta que haviam manifestado de fomentar o
prestígio do monarca”.79 A centralização da magistratura serviria como
mecanismo para a manutenção da própria monarquia e a consolidação
política do Estado, porque criava a dependência da nomeação ou
aprovação imperial para a participação na burocracia e para o ganho de
causas. Neste processo denominado por Flory como “política judicial”,
os magistrados seriam os mediadores entre a Corte e os potentados
locais, responsáveis pela criação e reforço de alianças políticas e a
negociação de favores com adversários do Gabinete de situação.
Segundo o autor, o principal objetivo era garantir o número de votos
para a vitória nas eleições distritais para a Câmara dos Deputados.80

79
THOMAS, Flory, 1986, Op. cit., p. 270.
80
Ibidem, p. 293. As eleições para deputados eram distritais e indiretas,
constituídas de dois turnos. Os votantes designavam os cidadãos mais
eminentes das freguesias que, na mesa da assembleia paroquial, elegiam os
eleitores que votariam em deputados provinciais e senadores (este último
era escolhido pelo Imperador de lista tríplice constituída dos três cidadãos
mais votados em cada província). Votavam cidadãos livres mesmo
analfabetos. Era exigida renda líquida comprovada de 100$000 réis anuais
para ser votante e de 200$000 réis para ser eleitor (e uma renda ainda maior
para ser candidato).
53

Carvalho afirma que o magistrado candidato à carreira política


tencionava a nomeação para promotoria ou juizado municipal em
localidades eleitoralmente promissoras, “ou pelo menos em um
município rico”. Na impossibilidade de consegui-lo, a solução era
aguardar oportunidade de transferência, o que geralmente acontecia com
o apoio de amigos ou correligionários políticos já estabelecidos. As
alterações de Ministérios propiciavam oportunidades para
remanejamentos de funcionários, “tanto para garantir resultados
eleitorais favoráveis, nos casos em que as mudanças fossem também de
partido, como para premiar amigos pessoais e políticos”.81 Por meio da
ampliação da influência do Governo sobre a magistratura profissional, o
partido que administrava o Ministério da Justiça tinha em mãos a
possibilidade de regular as votações nas eleições do Império.
Flory ressalta que, por vezes, os postos policiais de delegado e
subdelegado foram outorgados pelo Governo ou em reconhecimento a
serviços prestados a grupos de poder locais, ou simplesmente como
meio para o estreitamento de relações com cidadãos cujo apoio era
desejável pelo Gabinete Ministerial.82 Neste sentido, em Clientelismo e
política no Brasil do século XIX, Richard Graham afirma que juízes de
Direito e juízes municipais exerciam grande poder sobre os resultados
eleitorais, pois podiam ser transferidos para jurisdições instáveis
politicamente pela rivalidade entre parentelas com o objetivo de criar
compromissos eleitorais e barganhas de votos a partir de sua atuação nos
juizados. Na perspectiva do autor, inexistia oposição entre o poder
público e o poder privado e o próprio Estado era resultado do
clientelismo engendrado pelos grupos de poder do Império.83 Para
Graham, os proprietários brasileiros possuíam opiniões ambivalentes
sobre o Governo Imperial: “embora este fosse um instrumento eficaz
para manter a subordinação dos pobres, também constituía uma ameaça
à própria autoridade no interior. Para resolver esse dilema, os homens de

81
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit. p. 108.
82
THOMAS, Flory, 1986, Op. cit., p. 291.
83
GRAHAM, Richard, 1997, Op. cit., p. 118.
54

posse asseguraram que eles mesmos, ou amigos seus, ocupassem cargos


de poder em todos os níveis do aparato governamental”.84
Em texto de 1997, Carvalho critica uma série de historiadores
que, segundo ele, utilizavam o conceito de clientelismo de maneira
demasiadamente “frouxa”, como no caso de Graham, que “retoma a tese
da hegemonia e do predomínio dos senhores de terra sobre o Estado”.
De acordo com Carvalho, “qualquer noção de clientelismo implica a
troca entre atores de poderes desiguais, e o Estado é sempre a parte mais
poderosa; distribui benefícios públicos em troca de votos ou qualquer
outro tipo de apoio de que necessite. O senhoriato rural seria a clientela
do Estado. Não é certamente esta a visão de Graham”.85
Este aspecto da ordem institucional mais burocratizada e
menos patrimonialista pode ser observado nas atribuições conferidas ao
juiz de Direito e exemplificado com o ofício de 1869 lavrado pelo juiz
da comarca de Lages ao delegado de polícia substituto, no qual nota-se a
imposição de limites à apropriação arbitrária do funcionalismo e do
espaço de representação públicos.
O juiz Francelizio Adolpho Pereira Guimarães afirmou ter
chegado ao seu conhecimento que o Capitão Ignácio Coelho de Avila,
então delegado de polícia do termo, havia passado a jurisdição ao
suplente, sob o pretexto de moléstia, “estando ao contrário em perfeita
saúde”, e tendo prestado juramento para o exercício do cargo de
presidente da Câmara Municipal. O juiz ressaltou que “é do meu dever
como autoridade superior da comarca fazer ver e advertir a Vossa
Senhoria, que é expressamente proibido pela Lei que os delegados e
subdelegados de polícia exerçam cargos de vereador”, visto ser
incompatível a acumulação destes cargos. Por isso, solicitava que
Coelho de Avila, “à quem não é lícito o direito de opção por um dos

84
Ibidem, p. 65.
85
CARVALHO, José Murilo. “Mandonismo, coronelismo e clientelismo:
uma discussão conceitual”. In: Dados. Revista de Ciências Sociais, vol. 40,
nº 2. RJ, 1997. s.p. Neste texto, Carvalho cita como uma de suas referências
bibliográficas a tese de Thomas Flory, originalmente publicada em 1975.
55

dois cargos, (...) deixe a presidência da Câmara, que está ilegalmente


exercendo, e reassuma o seu emprego de delegado de polícia (...).86
Através dos juízes e oficiais de polícia (promotores públicos,
juízes de Direito, juízes municipais, chefes de polícia, delegados,
subdelegados, inspetores de quarteirão...)87 nomeados pelo Gabinete em
exercício, esperava-se ampliar a estrutura do domínio governamental
sobre a população de todo o Império. Uma das atividades mais
importantes dos presidentes de províncias neste sentido era arregimentar
clientes, isto é, dividendos eleitorais e todo o apoio político necessário
ao partido de situação nas províncias de sua jurisdição, principalmente a
partir de nomeações a cargos públicos.
Os meios para atingir este aparelhamento político nas eleições
dar-se-iam também pelo uso da violência e da coerção, e pela força do
recrutamento militar contra votantes e eleitores de oposição. Em uma
correspondência anônima publicada em 1868 no jornal A Regeneração
do partido Liberal de Desterro, o autor reclama o acúmulo de
arbitrariedades promovidas por oficiais de polícia durante os períodos
eleitorais:

A uniformidade de pensamento e de conduta


dos delegados [de polícia] do governo em todo
o Império manifesta claramente que houve
acordo prévio para a conquista das urnas,
autorizando-se toda a espécie de escândalos e
arbitrariedades com ofensa das leis, de decoro e
de moralidade. Por toda a parte reação louca,
ameaças, provocações, recrutamento, varejos,
suspensões, aquartelamento da Guarda
Nacional, processos e perseguições atrozes.
Para melhor aterrar o pobre povo, arvoram-se
os criminosos em autoridades policiais e com a
segurança de sua impunidade, estes réprobos da
sociedade saciam vinganças inebriando-se nas
mais brutais violências. De norte a sul os fatos

86
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1869, volume 02, p. 100.
87
Sobre a competência destes cargos no Império, cf. Lei nº 261, de 3 de
dezembro de 1841. Reformando o Código do Processo Criminal.
56

se repetem com as mesmas circunstâncias (...).


As instituições, essas na verdade
desapareceram, a lei hoje é a vontade do
Governo personalizada nos agentes de polícia.
Não há mais direitos, não há mais garantia de
bens, de vida e de liberdade para o cidadão.88

Graham afirma que delegados e subdelegados de polícia eram


“homens abastados” e geralmente viviam na localidade para onde eram
nomeados, “a maioria possuía terras e buscava esses cargos para exercer
a autoridade extra e estender favores, isenções e proteção de seus
apadrinhados”,89 visto que não recebiam salário e seus rendimentos
provinham de atividades particulares. A publicação do jornal converge
às perspectivas de Graham e Flory, por contemplar a centralização da
política judicial enquanto instrumento do clientelismo.
A Reforma do Código do Processo Criminal previa ainda que
o cargo de juiz municipal estivesse sujeito a ser ocupado por substitutos
nomeados pelo presidente de província nos lugares onde não fossem
“absolutamente precisos”. Seriam indicados a cada quatro anos para
substituir os juízes em seus impedimentos “seis cidadãos notáveis do
lugar pela sua fortuna, inteligência e boa conduta”. Caso a lista de
substitutos esgotasse, os vereadores da Câmara Municipal serviriam pela
ordem de votação. A acomodação não eletiva de substitutos em cargos
de magistratura remete à figura do juiz de paz no período em que ainda
era dotado das atribuições do Código de 1832, pelo fato restrito de

88
Jornal A Regeneração: da província de Santa Catharina. Desterro. Ano
01, número 08, p. 07, set. 1868. Acervo da Biblioteca Nacional Digital.
Hemeroteca digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico. O jornal A
Regeneração era ligado ao partido Liberal e funcionou na província de 1868
a 1889. Grande parte dos jornais produzidos em Santa Catarina no período
imperial caracterizava-se pela vinculação partidária, e sua vigência
dependia das transformações políticas que ocorriam em nível nacional,
provincial e local. Os principais jornalistas e proprietários de jornais
catarinenses ocuparam cargos públicos e foram deputados na Assembleia
Legislativa Provincial. Para aprofundamento, cf. PEDRO, Joana Maria. Nas
tramas entre o público e o privado: a imprensa de Desterro no século XIX
(1831-1889). Florianópolis: Ed. da UFSC, 1995.
89
GRAHAM, Richard, 1997, Op. cit., p. 87.
57

ambos haverem sido cidadãos leigos e abastados a executarem funções


judiciais na própria região onde domiciliavam. Estrategicamente, a
designação de substitutos estreitou as relações políticas do Governo
Imperial com os potentados locais. E procurou resolver também a
demasiada autonomia que os antigos juízes de paz usufruíam nos
distritos e seu distanciamento em relação às leis do Estado, uma vez que
todos os substitutos eram nomeados e suas competências estavam
sujeitas ao controle das autoridades a eles superiores, como os juízes de
Direito e presidentes de província, ao contrário dos juízes de paz que,
por dependerem do sucesso nas eleições distritais, precisavam atender as
demandas localistas de seus correligionários votantes e eleitores. Como
veremos adiante, foi muito comum o juizado municipal de Lages
permanecer longo período ocupado por substitutos “notáveis do
lugar”.90

90
Uma publicação do jornal O Conservador de 1854 criticou a nomeação
de suplentes de juízes municipais em Santa Catarina: “(...) E apesar de
respeitarmos muito as qualidades individuais de cada um desses cidadãos,
todavia não podemos deixar de fazer algumas observações visto que se trata
do serviço público, em cujos assuntos todo cidadão tem direito de emitir os
seus pensamentos (Art. 79. § IV da Constituição do Império). Se em uns
municípios houve acerto na escolha, em outros desgraçadamente houve
grande desacerto! Por exemplo, o município de S. Miguel. O 1º Suplente,
posto que seja cidadão honrado, mal assina o seu nome, e o último nem isso
sabe, por cujo motivo (si é exata a informação que temos), a Câmara
Municipal convidou o filho, e o juramentou para exercer as funções do pai!
Também ignoramos as disposições da Lei em que a Câmara se fundou para
assim proceder. Este fato dá lugar a crer-se que não houve aquela
circunspecção, que as leis recomendam e o bom senso aprecia; e nem se
pode alegar falta de cidadãos em melhores circunstâncias para exercer o
cargo, pois que na certeza de existirem; foi talvez por causas menos
atendíveis, que pouco ou nada devem influir quando se procura cidadãos
que reúnam não só honradez, mas também aptidão, ao contrário é obrigar-se
com mão de ferro à serem os cidadãos administrados por aqueles que nem
sabem escrever os despachos que tiverem de dar às partes! A administração
da Justiça entre um povo livre deve ser o objeto da maior solicitude dos
governos sabios, prudentes, e amigos da paz das famílias que estão sob sua
administração (...)”. Jornal O Conservador. Desterro. Ano III, número 224,
mai. 1854, Op. cit.
58

As nomeações de delegados, subdelegados, juízes municipais


e substitutos, como no caso dos juízes de paz eletivos durante o 1º
Reinado, atendiam a necessidade de expandir a autoridade do Governo e
ocupar a burocracia do Estado nas localidades mais afastadas dos
centros regionais do Império, em regiões pouco exploradas oficialmente,
em áreas de baixa densidade demográfica e de fronteira agrícola e
colonização aberta (ou seja, com estrutura fundiária ainda não definida).
Carvalho afirma que esta incapacidade do Estado de fazer-se chegar ao
interior, muito em função também da escassez de bacharéis em Direito,
promoveu este “tipo de administração litúrgica”, pela qual recorria “ao
serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral proprietários rurais,
em troca da confirmação ou concessão de privilégios” para a
administração local em diferentes cargos.91
Acerca de Lages, Maria Boppré apresentou o levantamento
dos 302 eleitores do município de acordo com a profissão para o ano de
1881, no qual: 105 se denominaram como proprietários; 67 como
fazendeiros; 59 como criadores (de gado); 35 como negociantes; 11
como artistas; 09 como empregados públicos; 06 como comerciantes; 02
como lavradores; 05 como “não consta”.92 Eram estas as categorias
sociais que se elegiam juízes de paz e vereadores e eram nomeadas para
os demais cargos públicos municipais, principalmente para as listas de
substitutos.
A partir de 1850, também passou a ser razoavelmente comum
a concessão de patentes da Guarda Nacional aos cidadãos que aderiam à
proposta do Governo. Segundo Jeanne Berrance de Castro, as
nomeações e pagamentos de patentes criaram uma série de
compromissos entre autoridades provinciais e oficiais da Guarda
Nacional.93 Por meio da Reforma da Guarda em 1850, o Governo

91
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit., p. 140.
92
BOPPRÉ, Maria R. Eleições diretas e primórdios do coronelismo
catarinense (1881-1889). Florianópolis: Secretaria de Estado da
Administração, 1989, p. 144.
93
CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de
1831 a 1850. SP: Ed. Nacional. Brasília: INL, 1977, p. 154. A Guarda
Nacional foi criada em 1831 como uma força paramilitar municipal,
obrigatória, composta por cidadãos qualificados eleitores (maiores de 18 e
59

Central procurou integrar seus oficiais ainda mais na política clientelista


imperial, de forma semelhante a que procedeu com os cargos judiciais e
policiais pela Lei de Reforma do Código do Processo Criminal.
Berrance de Castro destaca que na segunda metade do século XIX a
Guarda transformou-se em agente de ação política, de “atividade de
corporação governamental opressora e eleitoralmente útil”.94
De acordo com Carvalho, a Guarda Nacional era a associação
litúrgica por excelência e teve papel destacado no controle da população
e na cooptação de senhores da terra: “de 1831 a 1873, a Guarda
Nacional tinha a seu cargo quase todo o policiamento local além de
constituir poderoso instrumento de controle social da população livre e
pobre pelos chefes locais”.95 Muitos fazendeiros e criadores tornavam-se
oficiais exatamente desta forma e por esta razão. A publicação do jornal
Liberal A Regeneração, de fevereiro de 1869, apresentada a seguir
expõe um relato sobre a atuação política da Guarda Nacional de Lages:

As eleições de janeiro em Lages. São dignos de


gloriosa lembrança os episódios que se deram
durante o processo eleitoral nesta malfadada
cidade, e para que o público conheça o
procedimento que tiveram as autoridades
policiais, passo a relatar alguns fatos que
presenciei. No dia 31 de janeiro pelas 8 horas
da manhã, em frente à casa do Capitão Moyzes
da Silva Furtado, formou-se uma linha de 25
homens de infantaria, todos de espadas
desembainhadas (...). Quando chegou a hora de

menores de 60 anos), com o objetivo oficial de defender a Constituição e a


“integridade do Império”. BRASIL, Lei de 18 de agosto de 1831. Cria as
Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias, guardas municipais e
ordenanças. Durante o período Regencial o oficialato era eletivo, apenas as
patentes mais elevadas eram indicadas pelo Governo. Este princípio
descentralizador foi alterado pela lei nº 602 de 19 de setembro de 1850, que
excluiu o sistema eletivo e organizou as nomeações pelo ministro da Justiça
e presidentes de província, com pagamento de selo das patentes de alferes,
tenente, quartel-mestre, capitão, major, tenente coronel e coronel.
94
CASTRO, Jeanne Berrance de, Op. cit., 1977, p. 215.
95
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit., Passim, p. 138 e 142.
60

principiar os trabalhos de formação da mesa, o


tal Capitão Moyzes, que era e ainda é por graça
das graças o 1º juiz de paz, (não em
inteligência e costumes, mas sim o mais
votado), puxou essa força para a porta da igreja,
não sei se como capitão da companhia, se como
juiz de paz que tinha de presidir á mesa
paroquial, ou, se como subdelegado de polícia,
cuja vara assumiu no dia 29 do mês de janeiro e
que no dia 4 de fevereiro passou ao seu
imediato. Ali chegando o dito juiz de paz, isto
é, na igreja, tratou de formar a mesa com alguns
eleitores e suplentes da grei conservadora,
porque os eleitores e suplentes liberais não
compareceram. Foi eleita a mesa á vontade dos
conservadores. Lembrou-se o atual delegado de
polícia Ignacio Coelho de Ávila (que além de
ser um dos eleitores foi eleito membro da mesa,
permanecendo sempre com o caráter da
autoridade policial) de pedir um auxílio de mais
de 30 praças da Guarda Nacional, que
imediatamente lhes foram fornecidas pelo
tenente coronel comandante do 4º Corpo de
Cavalaria Vidal José de Oliveira Ramos, e
então principiou a chamada dos votantes,
concorrendo número maior de 150 pessoas, não
qualificadas e talvez outras tantas qualificadas,
a depositar na urna seu voto livre!!! Além dessa
soma de fósforos, ainda a urna recebeu grande
número de cédulas, mesmo sem portadores, e
outras por conduta de certos indivíduos ou
votantes, que por graça pediam ao juiz de paz
presidente licença para dar mais uma cédula, o
que a mesa de bom grado e por decência
consentia...
Então, desde o dia 31 de janeiro principiou a
farsa. Imaginaram o delegado de polícia, os
comandantes da infantaria e cavalaria, o
bondoso bacharel Joaquim Henriques, José
Antunes Lima e outros, um ataque dado pelos
liberais; logo trataram de armar cães e gatos.
Era uma verdadeira infâmia! Via-se indivíduos
armados de faca de ponta e descalços e de
61

chiripá, outros com as mangas da camisa


arregaçada agrupados varejando as ruas desta
cidade e fortificando alguns pontos; outros a
cavalo e armados fazendo guarda a porta da
igreja, porta do comandante Ramos e porta do
bacharel Henriques (...). A cada momento
corriam a defender um desses pontos – gritando
– agora está o negócio descoberto! – os liberais
vem entrar por este, ou por aquele ponto, etc. –
(...). Ora, os liberais tendo ciência da maneira
porque essa súcia de pretendidos conservadores
trabalhavam na aquisição de votantes, que era –
“convindo-lhe, por bem, para votar com o
Governo do Imperador de quem temos cartas e
recomendações para acabar com os liberais
(...)”, não quiseram, os liberais, concorrer à
urna com sua chapa, para assim evitar algum
conflito, tanto mais que sua votação nada
aproveitava, porque os mais círculos liberais da
província também haviam feito abstenção da
votação (...).96 Sublinhado da autora.

O relato exemplifica como a Guarda Nacional era requisitada


por autoridades do próprio município para o controle dos locais de
votação em dias de eleição, coibindo a presença de opositores políticos.
A violência, somada à fraude das urnas com o depósito indiscriminado
de cédulas favoráveis ao partido do Governo de situação, fornece
indícios para entendermos o arranjo político imperial reformado nas
décadas de 1840-50, haja vista que condutas desta natureza não foram
exclusividade do Planalto catarinense.
Entretanto, é preciso que desconstruamos a concepção de que
estas redes clientelistas solidificaram um acordo integral entre a Corte e
os grupos de poder locais. Tomo por exemplo a condição eletiva dos
vereadores a partir da fala proferida pelo presidente João Capistrano
Bandeira de Mello Filho à Assembleia Legislativa Catarinense, que
tratou acerca do “desprestígio e desânimo” de grande parte das Câmaras

96
Jornal A Regeneração. Órgão do partido Liberal. Desterro. Ano 1,
número 56, mar. 1869. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca
digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico.
62

Municipais no ano de 1876. Segundo Mello Filho, existia um “princípio


de exagerada independência” que resultava na negligência de grande
parte dos vereadores na gestão dos interesses públicos municipais, uma
vez que não executavam de forma proba as posturas, não compareciam
às reuniões das Câmaras e renunciavam com frequência de seus
cargos.97 Na documentação referente à Lages, pude observar inclusive
no que se refere a cargos nomeados, que muitos cidadãos os recusavam
sob a principal justificativa de que não dispunham de tempo para o
desempenho das funções burocráticas por despendê-lo na administração
de seus “assuntos particulares”.
Também em relatório presidencial de 1887, Francisco José da
Rocha reclamou aos deputados provinciais que algumas Câmaras nem
conheciam ou possuíam a legislação que lhes era relativa. Segundo ele,
havia Câmaras na província que subordinavam a execução das leis a
conveniências individuais, e alegavam não dispor de meios para as mais
urgentes necessidades. Atribuíam serviços que legalmente lhes competia
à dependência do Governo provincial, “despindo-se da preponderância
com que a Lei os adornou” sob o pretexto da escassez de rendas
públicas, cuja obtenção nem todas promoviam por causa de “relações
pessoais” ou de “dependências eleitorais”:

Câmaras há que recusam, sob uma falsa ideia


de economia e no intuito de aliviarem seus
cofres, fazer despesas que lhe competem,
celebram contratos ilegais, desfazem os
legalmente autorizados (...) e depois exigem,
como se exercessem um direito, que a província
pague por eles – o que entretanto sempre
sucede, porque a província vem assim a pagar
serviços que nem contratou nem fiscalizou e
por contas visadas à sua revelia!98

97
SANTA CATARINA, Fala com que o Exm. Sr. Dr. João Capistrano
Bandeira de Mello Filho abrio a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia
Legislativa da Província de Santa Catarina em 1º de Março de 1876.
Desterro: Typ. de J. J. Lopes, 1876, p. 100.
98
SANTA CATARINA, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa
Provincial de Santa Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura pelo
63

A menção à subordinação da execução das leis a


“conveniências individuais” ou a “dependências eleitorais”, à “revelia
das contas municipais”, constitui-se no indício de que a cultura política
clientelista também causava prejuízos de certa forma consentidos ao
Governo, diferente do que parte da historiografia tem destacado acerca
do mútuo beneficiamento do Governo e seus “clientes”. É possível
considerarmos, paralelo à ampliação da burocratização do Estado e da
padronização da justiça, um arranjo institucional de constante
negociação política entre a Corte e as elites locais eletivas e nomeadas
no Segundo Reinado. Esta negociação estava pautada principalmente
nas nomeações dos cargos jurídicos e policiais, e em diferentes níveis de
arbitramento da magistratura responsável pela fiscalização das
atividades destes mesmos empregados. Embora protegesse a hierarquia
de poder local “poupando aos poderosos os riscos de uma eleição”99 no
caso dos empregados nomeados, o Governo regulava a dimensão deste
poder local em parâmetros admissíveis, impondo limites ao
patrimonialismo da administração pública, haja vista as funções
atribuídas aos magistrados profissionais.
A hierarquia de poder local tendia a transformar-se mediante
uma série de fatores, principalmente através da participação na política.
Os frequentes conflitos espelham como a busca por votos repercutia nas
localidades do Império, de modo a transformar as eleições municipais
em eventos de medição de forças entre os principais potentados locais.
Em uma publicação de 1864 do jornal O Despertador, de Desterro,
consta a denúncia de tentativas de fraudes nas eleições para vereador e
juiz de paz da freguesia de Campos Novos em Lages:

Partiram para a freguesia de São João dos


Campos Novos o delegado de polícia deste
termo, Henrique Ribeiro de Córdova,
acompanhado dos cidadãos Manoel José
Pereira de Andrade, Bernardino Alves de Sá
(...) e mais quatro praças do mesmo batalhão a

presidente Francisco José da Rocha em 11 de Outubro de 1887. Rio de


Janeiro: Typ. União de A. M. Coelho da Rocha & C., 1888, pp. 83, 84.
99
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit., p. 144.
64

assistirem as eleições de vereadores da câmara


municipal e juízes de paz daquela freguesia.
Sendo candidatos o mesmo delegado de polícia
e o subdelegado em exercício, o português
Antonio Rodrigues Lima, não querem esses
senhores perder ali as eleições de vereadores
que ganharão nesta freguesia a todo custo e
com uma qualificação toda nula, sendo ambos
eleitos vereadores... e por isso seguiram para lá
com cargueiros de bebidas de espírito para
espiritualizar os seus votantes (...). Consta que
o tenente coronel José Marcelino Alves de Sá
seguira há dias para a capital dizendo ia
queixar-se ao doutor chefe de polícia da
província, do tiro que deram no ferreiro José
Caetano, na fazenda do delegado de polícia
Henrique Ribeiro de Córdova, e perto da casa
do mesmo. Fala-se que esse senhor está sendo
atraiçoado pelos seus correligionários políticos,
que invejosos de sua posição tramam em
segredo contra ele, fazendo a outros culpados.
Assim é que marcha aqui o partido Liberal.
Diz-se que em janeiro do ano vindouro será
tudo reformado na câmara municipal, não
ficando um só empregado dos que servem
atualmente e, no entanto, já se diz quem são os
novos empregados, não sabendo alguns ler nem
escrever (...). Tudo às mil maravilhas! E o
desfecho de toda essa obra será ficar a cidade
inteiramente deserta e afinal extinta a comarca.
Fora suspenso por crime de responsabilidade o
juiz municipal primeiro substituto José Joaquim
da Cunha Passos, tendo também a pena de
prisão e multa e consta não ter sido só em um
processo. Porém, como seja hoje seu cunhado o
delegado de polícia, faz ele disso pouco caso.
Deus nos acuda por caridade! Dissera que ia
cravar um punhal no Dr. José Nicolau Pereira
dos Santos [o juiz municipal]. 100

100
Jornal O Despertador (SC). Desterro. Ano II, número 185, pp. 02-03,
out. 1864. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca digital, seção
periódicos, s. endereço eletrônico.
65

O delegado de polícia Henrique Ribeiro de Córdova era o


chefe do partido Liberal da região do Planalto catarinense. Alferes da
Guarda Nacional desde 1842, foi nomeado anos depois tenente coronel
da Guarda Nacional de Lages e Curitibanos. Além de grande fazendeiro,
ele já havia sido eleito vereador e presidente da Câmara Municipal por
várias legislaturas, substituto de juiz municipal e deputado da
Assembleia Legislativa Provincial. Como afirmou Graham, “um líder
municipal lutava pela vitória eleitoral não para opor-se ao Governo, mas
para ser o Governo. Se conseguisse amealhar a maioria dos votos para si
e seus protegidos, isto seria uma prova de sua liderança”.101 Seu poder
como delegado viabilizava a coerção e a violência (justificadas
recorrentemente pela “manutenção da ordem”) para influenciar votantes
e eleitores.102 Apesar de ser proveniente de nomeação, o delegado de
polícia representava no interior o mesmo caráter patrimonialista do
cargo de juiz de paz, uma vez que proporcionava ao chefe local a
expressão de seus anseios e demandas privadas por meio do poder que
legalmente seu cargo lhe conferia. No terceiro parágrafo da citação, a
referência à alteração do funcionalismo público, “não ficando um só
empregado dos que servem atualmente”, espelha como este novo arranjo
institucional contemplava a possibilidade do clientelismo baseado no
preenchimento de cargos em troca da concessão de favores ou lealdade
pessoal e política. Quando um Gabinete Ministerial era substituído, toda
a estrutura empregatícia das províncias poderia ser alterada, dos
presidentes a inspetores de quarteirão.

101
GRAHAM, Richard, 1997, Op. cit., p. 165.
102
Na publicação d‟O Despertador, a menção ao “tiro que deram no
ferreiro” por correligionários políticos e à promessa do juiz substituto de
“cravar um punhal” no juiz municipal, exemplifica para Lages a pesquisa de
Ivan de Andrade Vellasco sobre a criminalidade na comarca de Rio das
Mortes - MG, no que se refere à crítica à ideia de que a violência no século
XIX era uma característica apenas de pobres livres e escravos, resultado
“das condições de marginalização e escassez”, quando, na verdade, era
culturalmente experienciada por todas as classes sociais, inclusive a “elite”
– como no caso entre os funcionários públicos opositores políticos.
VELLASCO, Ivan de Andrade. “A cultura da violência: os crimes na
Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais Século XIX”. In: Tempo,
volume 09, nº 18. Niterói, jan./jun. 2005.
66

Já no último parágrafo da citação, a alusão à proposta de


extinção da comarca de Lages diz respeito às ocorrências havidas no ano
anterior, quando o juiz de Direito da comarca e o juiz municipal foram
coagidos a se retirarem da cidade pelo chefe do partido Liberal,
conforme relatou o juiz municipal José Nicolau Pereira dos Santos:

Apresentou-se Henrique Ribeiro de Córdova,


com Manoel Saturnino de Souza e Oliveira, em
frente de minha casa e da do senhor Dr. Juiz de
Direito, em alta voz nos intimou, para que
dentro de 24 horas retirássemo-nos da comarca,
logo depois tornou a voltar o mesmo Córdova,
acompanhado do referido Oliveira, e de José
Joaquim da Cunha Passos, formando um grupo
de cem homens, todos armados, comandados
por Bernardino Antonio Alves de Sá, dando
gritos de < Fora! > a mim e ao respectivo Juiz
de Direito. Eu poderia, com os poucos homens
que tinha a minha disposição, e alguns amigos
de ordem, opor alguma resistência, mas
receando ser batido em consequência da grande
força que os desordeiros apresentavam, usei de
toda prudência e moderação, nada opondo, e
sim cedendo ao arbítrio e força bruta, por não
haver outro recurso, e evitar efusão de sangue
(...). Assim coagido pela prepotência de tais
desordeiros, passei o exercício da vara de
Direito, que agora mesmo me foi transferida
pelo senhor Dr. Juiz de Direito em razão de
achar-se doente e forçado pelos graves
acontecimentos, ao 2º substituto do juiz de
Direito da Cunha Passos, um dos chefes do
grupo, passando também a vara de juiz
municipal e delegado de polícia no mesmo
indivíduo, por ser o meu substituto (...) Que
Vossa Excelência dê prontas e enérgicas
providências para que os autores desse atentado
não fiquem impunes, fazendo restabelecer o
império da Lei.103
103
APESC. Ofícios do juízo municipal para presidente de província. Lages.
Livro 1863, s. p.
67

A razão de tal imbróglio demanda pesquisa à parte. Mas é sabido


que a articulação judicial dos magistrados junto a grupos de elites
regionais e locais podia tornar-se problemática em casos de divergências
sobre os rumos da política. Nas localidades comandadas por algumas
poucas famílias, não era raro que juízes municipais e juízes de Direito
agissem em favor destas,104 e o contrário disto tendia a gerar uma série
de embates, inclusive com a transferência dos próprios magistrados,
dependendo do poder político dos chefes locais. Flory adverte que “era
perigoso incomodar os influentes”.
A Lei de Terras tem um peso incomensurável de importância
neste processo e sua constituição como parte do pacote Conservador
precisa ser considerada em principalmente dois aspectos. Primeiro, foi
por meio desta estrutura burocrática que a execução da Lei foi
engendrada nas localidades, em razão de haver requisitado os serviços
de grande parte dos empregados das alçadas policial e judicial, do
presidente de província e de outros empregados administrativos
regionais. Segundo, a terra foi utilizada como um dos principais
instrumentos de barganha política no Império. A política judicial
executada por magistrados procurou garantir a manutenção de “clientes”
à sustentação do Gabinete de situação fazendo uso da Lei de Terras,
através da negociação de direitos de propriedade e de acesso à terra,
como concessão de favores e benesses. Ambos os aspectos são
indispensáveis para que compreendamos a natureza de outros
“benefícios reais da Lei de Terras”, não mencionados pelo jornal
catarinense O Conservador em 1854.105

104
THOMAS, Flory, 1986, Op. cit., p. 298.
105
Graham reconhece que o sistema fundiário brasileiro era um poderoso
estímulo à prática do clientelismo. O autor afirma que “sesmarias
sobrepostas umas às outras e os direitos tradicionais de posseiros, junto à
virtual ausência de agrimensura ou registros territoriais, criavam um sistema
caótico de reivindicações potencialmente conflitantes.” Quando não era
resolvida por meio da violência e coerção direta, a administração destes
conflitos na justiça poderia ser balanceada pela influência junto a
magistrados. GRAHAM, Richard, 1997, Op. cit., p. 40. Além disso, James
Holston destacou a possibilidade de estratégia política da Coroa portuguesa
em utilizar a manutenção dos conflitos e emaranhados fundiários ainda no
68

Para tornar exequível este projeto político, a burocracia


responsável pela aplicação da Lei de Terras foi descentralizada nas
províncias, o que permitiu maior intervenção de diferentes empregados
sobre a execução da Lei e ampliou as possibilidades para que a mesma
fosse apropriada e acomodada de acordo com os interesses do Governo
Imperial e dos grupos de poder político regionais e locais. É possível
afirmar a existência das vias “administrativa” e “judicial” pelas quais a
Lei de Terras foi aplicada no Império. A via administrativa da Lei se
refere às repartições públicas incumbidas de dirigir todos os serviços
para sua execução, como a Repartição Especial de Terras Públicas. Já a
via judicial diz respeito a ações cíveis que envolveram especificamente
disputas pela terra e foram intermediadas por delegados e subdelegados
de polícia, juízes municipais, promotores públicos e juízes de Direito.
Portanto, a Lei de Terras foi aplicada por um número considerável de
diferentes empregados públicos – profissionais e leigos – inseridos
direta ou indiretamente na política judicial.
Esta descentralização da aplicação da Lei nos permite
repensar as perspectivas que contemplam a centralização político-
administrativa como único fator da consolidação do Estado Imperial.
Para Ilmar Rohloff de Mattos, a elite saquarema fluminense era a única
portadora de um projeto nacional executado por meio das reformas da
década de 1840. Em O tempo Saquarema, a análise do autor sobre a
necessidade da centralização foi norteada mais especificamente pela
questão da mão-de-obra escrava e a restauração dos monopólios de
produção pelos grupos políticos dirigentes. Ao mesmo tempo em que se
constituía enquanto classe senhorial, esta elite teria sido responsável
pela consumação do Estado Nacional ao concentrar os mecanismos de
controle, direção e vigilância da população do Império.

período colonial: “debates no Congresso a respeito da legislação da terra em


1843 mostram que os legisladores suspeitavam que a Coroa
deliberadamente concedia sesmarias vagas não por ignorância dos
territórios não mapeados ou por falta de capacidade de inspeção, mas para
manter os fazendeiros „ocupados tramando uns contra os outros e não contra
a Coroa‟”. HOLSTON, J. Cidadania insurgente: disjunções da democracia
e da modernidade no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p.
165.
69

Rohloff de Mattos afirma que “as dificuldades de efetivação


da Lei [de Terras] de 1850 caracterizavam os limites de uma direção
[saquarema] e as contradições contidas no esforço de uma expansão”.106
O questionamento sobre a natureza destes limites e contradições da
direção saquarema citadas pelo autor acerca da aplicação da Lei de
Terras evidencia a necessidade de problematizarmos os níveis reais de
participação das elites regionais neste processo, e de contemplarmos a
complexidade e as multifaces das relações políticas entre a Coroa, o
Governo Central, os diversos grupos de poder provinciais e a população
geral, inclusive pobres e remediados, presentes nesta conjuntura.
Os estudos de Miriam Dolhnikoff e Maria de Fátima Silva
Gouvêa procuraram revisar os níveis desta centralização política no
Oitocentos, e destacam o importante papel da burocracia administrativa
provincial na organização e na negociação política imperial,
notadamente entre o fim do primeiro Reinado e o início do Segundo. Em
O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil, Dolhnikoff defende
que a afirmação e a unidade do Estado nacional foram possíveis por
meio de um arranjo institucional resultado de negociações políticas
realizadas entre as elites regionais e o Governo Central nas primeiras
décadas do século XIX.107 De acordo com a autora, as mudanças
centralizadoras previstas na Lei de Interpretação do Ato Adicional
restringiram-se ao aparelho judiciário e não eliminaram a autonomia
político-administrativa de que usufruíam as elites regionais,
representadas desde 1834 pelas Assembleias Legislativas Provinciais.
Estas Assembleias haviam sido organizadas como espaço de expressão
de interesses regionais, a serem negociados entre os próprios deputados
e os governos provincial e central. Os grupos de poder regionais se
constituíram enquanto elites políticas à medida que passaram a integrar
a estrutura do Estado por meio das Assembleias Legislativas Provincial
e Geral e da representação na Câmara dos Deputados. Desta forma,
puderam estreitar suas demandas ao Governo Central e participar
efetivamente da consolidação do Estado (no caso de Santa Catarina, a
exemplo de José da Silva Mafra).

106
MATTOS, Ilmar Rohloff de, 2004, Op. cit., p. 263.
107
DOLHNIKOFF, Miriam, 2005, Op. cit.
70

Na obra intitulada O império das províncias: Rio de Janeiro,


1822-1889, Silva Gouvêa converge à perspectiva de Dolhnikoff ao
considerar o papel indispensável das províncias na consolidação do
sistema político brasileiro.108 Apesar das leis promulgadas a partir de
1840 haverem limitado de modo significativo o raio de ação das
Assembleias Provinciais, a autora considera a existência de diferentes
estratégias que transformaram estas assembleias em espaço de
acomodação e barganha de interesses entre diferentes grupos de poder
políticos regionais na província e na Corte. Um dos mecanismos
observados na província do Rio de Janeiro (e constatado também por
outros historiadores, como no estudo de Flory sobre a Bahia) foi a
sobreposição de diferentes cargos por um mesmo empregado público.
Silva Gouvêa constatou que grande parte dos deputados já haviam
desempenhado cargos na administração pública e no juizado provincial
e municipal e uma minoria possuía simultaneamente cargos também na
administração geral.109 Esta sobreposição permitiria que determinados
políticos administrassem simultaneamente diferentes serviços nas
localidades, nas capitais provinciais e até mesmo na Corte, ampliando
sobremaneira o conhecimento das veredas burocráticas e o
estabelecimento de vínculos políticos nas diferentes esferas
governamentais do Império.
Apesar de comporem distintas perspectivas sobre a estrutura
política e administrativa do Estado Imperial, as pesquisas de Flory,
Graham, Carvalho, Dolhnikoff e Silva Gouvêa refletem inúmeras
possibilidades de análise sobre a dinâmica política de Santa Catarina no
Oitocentos e, especificamente, no que tange à inserção da repartição e
empregados responsáveis pela execução da Lei de Terras neste arranjo
institucional. Meu argumento é que a Lei também foi agenciada
enquanto instrumento de negociação política para o benefício tanto do
Governo, que teve sua ordem institucional mantida pela participação das
elites provinciais na estrutura governamental, quanto dos grupos de
poder regionais, que passaram a compor a burocracia do Estado e a
negociar vantagens públicas nas províncias e na Corte.

108
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva, 2008, Op. cit.
109
Ibidem, p. 131.
71

Como explicitarei adiante, muitos dos empregados


encarregados pela aplicação da Lei de Terras no Planalto catarinense e
em Desterro estiveram atrelados a outras funções administrativas e de
representação política na província. Como deputados na Assembleia
Legislativa Catarinense, muitos deles estiveram em constante diálogo
com os presidentes da província e muitas vezes ocuparam alternada ou
simultaneamente cargos de natureza eletiva ou nomeados pelo próprio
presidente ou pelo Governo Central. Neste contexto, a Assembleia
Legislativa Provincial serviu para tornar pública a propensão partidária e
os interesses privados dos deputados, suas alianças e conflitos políticos,
constituindo o espaço público onde eram debatidas e votadas as
propostas de leis e posturas municipais, muitas das quais relacionadas a
questões de terras.
A título de exemplo, consta no Relatório da Repartição Geral
das Terras Públicas de 1855 que o decreto nº 514, de 28 de Outubro de
1848, art. 16, concedeu a todas as províncias do Império seis léguas em
quadro de terras devolutas, com a obrigação de serem exclusivamente
destinadas à colonização e não podendo ser roteadas por escravos. A Lei
de Terras não havia anulado estas doações. As províncias não podiam
entrar na posse destas terras sem que previamente indicassem os
presidentes de província as localidades em que elas estivessem situadas
e obtivessem a concessão especial do Governo Imperial. O decreto
competia “às respectivas Assembleias Legislativas deliberar sobre a
distribuição de tais terras (...) [desde] que se não afastem das regras
prescritas na Lei de Terras”.110
Apesar das Assembleias Legislativas Provinciais não terem
sido incumbidas oficialmente de qualquer etapa da aplicação da Lei de
Terras e tampouco da nomeação dos empregados concernentes, pelo
menos no caso de Santa Catarina, a Assembleia Legislativa esteve
indiretamente vinculada ao funcionamento da Lei pelo fato de que

110
“Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas”. MINISTÉRIO DO
IMPÉRIO, Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na
terceira sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos
Negócios do Império Luiz Pedreira de Couto Ferraz. RJ: Tip. Laemmert,
1855, p. 10.
72

muitos deputados em diferentes períodos estiveram também


encarregados de sua execução em outras esferas do Governo, em
decorrência da sobreposição ou alternância de cargos na capital
provincial e nos municípios. Inclusive, existiu a possibilidade de um
mesmo empregado dominar simultaneamente diferentes etapas de
aplicação da Lei de Terras na província, dependendo do número de
cargos aos quais fora incumbido, eleito ou designado como substituto.
Silva Gouvêa ressalta que estas redes de relacionamentos (por exemplo,
vereadores ou deputados fluminenses que atuaram como oficiais de
polícia, ou juízes municipais) foram capazes de ligar os vários níveis
institucionais sob uma capa comum do Governo, contribuindo para a
afirmação do Estado Imperial no Segundo Reinado.

Descentralizando a centralização

É neste amplo contexto que a Lei de Terras teve sua


burocracia estruturada e seu Decreto de execução implementado nas
províncias. No Regulamento de 1854 consta a descrição da hierarquia de
funcionamento das repartições e cargos públicos encarregados pela
execução da Lei na Corte, províncias e municípios, a relação dos
serviços de administração das terras públicas, os direitos de propriedade
reconhecidos pela Lei, etc.
A Repartição Geral das Terras Públicas foi a principal
instituição imperial totalmente direcionada à administração da
distribuição, colonização e conservação das terras devolutas durante o
Segundo Reinado. Instalada na Corte, era subordinada ao ministro e
secretário de Estado dos Negócios do Império e formada por um diretor
geral, um chefe e um fiscal nomeados por decreto imperial. Competiria
ao fiscal conceder parecer sobre todas as questões de terras de que
tratasse a Lei e nas quais estivessem envolvidos interesses do Estado,
participar ao diretor geral faltas cometidas por quaisquer autoridades e
empregados incumbidos pela aplicação da Lei e recursos interpostos das
decisões dos presidentes de província ao Governo. As atividades do
fiscal eram estratégicas por definirem a legalidade ou ilegalidade das
etapas burocráticas pelas quais os serviços de execução da Lei eram
73

realizados nas diferentes esferas do poder imperial. De acordo com o


Regulamento de 1854, todas as ordens da Repartição Geral das Terras
Públicas seriam assignadas pelo Ministro e encaminhadas aos
presidentes de província.
Nas províncias, os presidentes foram encarregados de decidir
as questões mais importantes que envolviam os serviços da Lei, como o
deferimento da venda de terras devolutas. Extraoficialmente, eles tinham
o poder de aliciar “clientes” nos municípios, por meio de grande parte
das nomeações aos cargos que executariam a Lei e do arbitramento final
de todos os requerimentos de compra e processos de medições de terras
para legitimações e revalidações de posses, sesmarias e outras
concessões em situação irregular. Eles não dispunham de um órgão ou
autoridade que lhes fiscalizasse as decisões relacionadas à aplicação da
Lei, salvo se fosse interposto recurso. Além disso, definiriam prazos
para a execução dos trabalhos de regularização fundiária, aplicariam
multas a empregados e requerentes inadimplentes e analisariam recursos
interpostos por posseiros e sesmeiros acerca de decisões de juízes
comissários em processos de medições e demarcações de terras.
A titulo de exemplo, em 1873 o presidente vetou a decisão da
Assembleia Legislativa Catarinense que havia suspendido a lei nº 618,
de 27 de maio de 1869 – que mandava indenizar Henrique Schutel sobre
as terras de seu projeto colonial tomadas para a colônia nacional
Angelina –, e autorizou a Fazenda Provincial que o indenizasse “pelo
modo como fosse mais conveniente aos cofres provinciais”.111 O debate
parlamentar que precedeu o veto do presidente exemplifica a forma
como os deputados da Assembleia Legislativa estiveram vinculados à
execução da Lei de Terras na província, haja vista o excerto a seguir:

[Deputado Oliveira] – “(...) hoje posso afirmar


à casa com dobrada razão, que contesto a
propriedade do Sr. Henrique Schutel a esses

111
SANTA CATARINA, Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Pedro Affonso
Ferreira passou a administração da província de Santa Catarina ao 4º Vice
presidente Exm. Snr. Tenente Coronel Luiz Ferreira do Nascimento e Mello
no dia 8 de Outubro de 1873. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1874, pp.
13-14.
74

terrenos. (...) Porque a concessão de terras feita


para a fundação da colônia Nova Itália,
segundo me afirmam, foi na margem esquerda
do Rio Tijucas, e as terras do Ribeirão do
Major, sobre cuja indenização o Sr. Schutel
reclama, estão, como me informarão, na
margem direita desse rio. (...) Esta doação de
terras foi feita a Carlos Demaria e Schutel,
entretanto, o Sr. Schutel, que apenas fazia parte
da sociedade, chama á si a propriedade desses
terrenos, sem que apresente um só documento,
pelo qual Demaria lhe fizesse a transferência
deles! (...) A propriedade do Sr. Schutel à esses
terrenos está prejudicada, porque ele não
cumpriu a Lei das Terras, não tratou de
revalidá-los”. [Deputado Eloy] – “Perdoe-me o
nobre deputado, existem terras que não estão
sujeitas à revalidação”. [Oliveira] – “Aí é que
está o busílis. (...). Os nobres deputados
confundem a questão, não estudaram a Lei das
Terras: dispensem-me que fale com toda a
sinceridade, lealdade e franqueza. A lei das
terras, Srs., determina que quando o terreno se
achar em mão do primeiro ocupante, seja ele
legitimado perante o juiz comissário; quando se
achar em poder do segundo ocupante, seja
revalidado o terreno, isto é, o mesmo processo
que tem a legitimação tem a revalidação. A
legitimação só difere da revalidação porque é
preciso que haja morada habitual e cultura, e na
revalidação é preciso que o posseiro apresente
documentos em que tem direito de chamar a si
o terreno. Ora, isto é, quanto ao posseiro e
segundo ocupante; porém, se o terreno se achar
em mãos de terceiro, quarto ou quinto
ocupante, nem por isso a propriedade pode ficar
estabelecida sem que o proprietário trate de
promover a ação respectiva no juízo municipal,
e solicite o título competente na presidência da
província. Agora perguntarei: Schutel cumpriu
qualquer destas obrigações a que estava sujeito
por lei? Não, então como se vem aqui dizer que
ele está prejudicado em sua propriedade, e que
75

deve ser indenizado? (...) Vou mais longe:


opino que o Sr. Schutel não tem direito de
propriedade á essas terras, porque, quando o
Governo provincial lhe fez a doação delas, foi
para a fundação da colônia e, se esta deixou de
existir, perguntarei: a quem deve reverter a
propriedade dessas terras? Certamente, não ao
senhor H. Schutel”. [Eloy] – “Ainda mesmo
que os colonos tenham pago a importância
dessas terras, e o Sr. Schutel as tiver
comprado?”. [Oliveira] – “Isso é que é preciso
provar com documentos; mas desde que o
nobre deputado não me apresenta um só
documento á respeito, há de conceder-me
permissão que eu possa duvidar da legitimidade
dessa propriedade (...)”.112

Portanto, todas estas atribuições ampliaram o campo de


possibilidades para que a aplicação da Lei fosse flexibilizada no intuito
de beneficiar dividendos políticos, visto que tanto o fiscal da Repartição
Geral quanto o presidente provincial formalizavam os ritos e prazos
burocráticos de execução da Lei e avaliavam a legalidade dos serviços
dos demais empregados. Contudo, da mesma forma que pela Lei de
Interpretação do Ato Adicional foram estabelecidos limites às decisões
do presidente de província frente à Assembleia Legislativa Provincial, o
Regulamento da Lei de Terras previa a interposição de recurso de
decisões dos presidentes ao Governo Central.
As funções atribuídas a estes empregados demonstram como
grande parte da afirmação da propriedade no Brasil foi dinamizada e
capitaneada por questões de ordem política. O Regulamento de 1854
projetou uma estrutura burocrática cujo vínculo principal era
estabelecido com base na centralização das nomeações dos empregados
que executavam a Lei nas localidades, a exemplo dos juízes comissários
de terras e agrimensores responsáveis pelas medições e demarcações de
posses e sesmarias requeridas para regularização, como veremos
adiante, além dos já aludidos oficiais de polícia e juízes municipais. Esta
estrutura propiciaria a interlocução entre o presidente e os empregados
112
Jornal O Conservador. Desterro. Ano III, nº 783, ago. 1870, Op. cit.
76

acerca de informações de vínculos partidários da população, a existência


de conflitos entre parentelas, etc. O partido de situação carecia de
informações desta natureza para proceder às nomeações, assim como os
presidentes de província, que eram remanejados constantemente pelo
Governo a diferentes regiões do Império. Promovendo uma política
menos provinciana e mais centralizadora, procurava-se evitar que os
presidentes criassem laços extrapolíticos nas províncias e que unissem
seus interesses aos de grupos regionais.113 A demanda do Governo por
negociação política justifica a descentralização dos serviços de
regularização fundiária pelos quais a Lei de Terras foi executada.
Esta descentralização foi aplicada nas províncias com a
criação de Repartições Especiais das Terras Públicas, subordinadas aos
presidentes provinciais e compostas por um delegado do diretor geral,
um fiscal, oficiais e amanuenses (copista-escrivão). O delegado, o fiscal
e os oficiais seriam nomeados por decreto imperial e os demais
empregados por portaria do ministro e secretário de Estado. O fiscal da
Repartição Especial também ocuparia um cargo estratégico para o
funcionamento da política imperial. Ele desempenharia na província
funções semelhantes as do fiscal da Repartição Geral, principalmente
supervisionando a legalidade dos processos de medição de terras
requisitadas para a legitimação e revalidação a serem remetidos ao
delegado da Repartição Especial e ao presidente provincial.
O procedimento para a legitimação de posse seria iniciado por
requerimento do posseiro ao juiz comissário de terras dentro do prazo
determinado pela presidência da província. A partir do requerimento, o
juiz comissário nomearia uma delegação de verificação de cultura
efetiva e morada habitual, para seguidamente formar uma comissão de
medição constituída pelo próprio juiz comissário, seu escrivão, um
agrimensor e um ajudante de corda. Findas a medição e a demarcação,
era lavrado o parecer e fixado edital na vila para que se apresentassem
113
Houve casos em que políticos nacionais foram nomeados presidentes de
província com o objetivo de adquirir maior experiência fora de suas regiões;
noutros, foi oportunizada a circulação geográfica pelo Império a políticos
em fase posterior da carreira, após ter exercido cargo ministerial ou ter sido
eleito à Câmara, por exemplo. CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit.,
pp. 107-110.
77

possíveis reclamantes. Os autos do processo de medição seriam


enviados à Repartição Especial de Terras Públicas e ao presidente da
província, que analisava os pareceres do inspetor e do fiscal da
Repartição Especial e atribuía a decisão final.
De maneira semelhante, o processo para a compra de terras
devolutas era iniciado por requerimento do interessado, que indicaria a
localização e a dimensão do lote a ser comprado. Se não estivesse em
dívida com a Fazenda Provincial e a área fosse avaliada como devoluta,
estipular-se-ia o valor da braça quadrada e o prazo para o requerente
proceder a medição e a demarcação. Após estes serviços, também era
exposto edital na vila. O presidente concederia título provisório vigente
até o pagamento da dívida, quando se emitiria o título definitivo da
propriedade.
Como já mencionei, o bacharel carioca João José Coutinho
presidiu Santa Catarina entre 1850 e 1859. Ele permaneceu na província
durante toda a vigência da política de Conciliação, mesmo com as
alterações Conservadoras nos Ministérios. Foi ele o responsável por
grande parte das nomeações do funcionalismo responsável pela
execução da Lei de Terras na província durante aquela década.
Em 1854, apesar de ainda não ter sido criada a Repartição
Especial das Terras Públicas em Santa Catarina, o presidente Coutinho
indicou ao Ministério dos Negócios do Império a nomeação de
Francisco de Pauliceia Marques de Carvalhos para o cargo de delegado
do Diretor Geral das Terras Públicas.114 De acordo com informações
levantadas por Walter F. Piazza, Carvalhos, que era paulista, foi
destacado para o batalhão do depósito do exército na capital catarinense,
serviu como empregado da Repartição da Fazenda Provincial e
posteriormente obteve patente de major da Guarda Nacional de
Desterro.115 No ano seguinte, Coutinho indicou também Manoel
Bernardino Augusto Varella para o cargo de amanuense do delegado do

114
APESC. Registros de correspondência para execução da Lei de Terras
na província 1854-70, p. 05.
115
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 175.
78

diretor geral;116 mas não existe qualquer registro das atividades destes
cidadãos na documentação relativa à aplicação da Lei na província, o
que torna provável que ambas as propostas foram indeferidas pelo
Ministério.
Foi apenas a partir do Decreto nº 1.722, de fevereiro de 1856,
que foi promulgada a instalação da Repartição Especial das Terras
Públicas de Santa Catarina, juntamente com as de Pernambuco e Bahia.
Neste mesmo ano foi nomeado por decreto imperial o engenheiro João
de Souza Mello Alvim para o cargo de delegado da recém-criada
Repartição Especial catarinense. Mello Alvim era natural de Desterro e
já havia sido o demarcador das terras da Colônia Militar Santa Tereza
(atual município de Alfredo Wagner) e o seu diretor interino até o ano
de 1855. Ele era filho do português Miguel de Souza Mello e Alvim, um
dos políticos mais proeminentes de Santa Catarina (intendente e
ministro da Marinha do Rio de Janeiro, presidente provincial de Santa
Catarina e São Paulo, deputado provincial catarinense), que no ano
anterior, em 1855 havia sido nomeado como Conselheiro de Estado.
Filiado ao partido Liberal catarinense desde 1848, João de Souza Mello
Alvim foi deputado da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (em
1848-1849) e posteriormente da Assembleia Geral (em 1864-1866,
1867-1868, 1878-1881). Sua nomeação ocorreu no período marcado
pela conciliação política de hegemonia Conservadora (1854-62). Pelo
desempenho satisfatório de suas atividades junto ao Governo Imperial,
foi promovido a major em 1856 e a tenente coronel em 1866. Ao longo
da vida pública, foi condecorado com as comendas imperiais de
Cavaleiro da Ordem da Rosa, de Fidalgo Cavaleiro da Casa Imperial, de
Cavaleiro da Ordem de Aviz, de Comendador e da Ordem de Cristo.117
Em 1860 nomeou como amanuense da Repartição Especial Henrique
Julio de Mello Alvim118 (possivelmente tratava-se de seu irmão Julio

116
APESC. Registros de correspondência para execução da Lei de Terras
na província 1854-70, p. 23.
117
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., pp. 47-48.
118
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 85.
79

Henrique). Na Assembleia Geral, Mello Alvim intercedeu em favor de


Santa Catarina na questão dos limites com o Paraná.
De acordo com o Regulamento de 1854, conforme a
existência e a demanda por medições de terras devolutas, a província
seria dividida em distritos de medições compreendidos pela jurisdição
das comarcas. Para a organização e a supervisão destes serviços seria
nomeado um Inspetor Geral das Medições, proposto pelo diretor geral,
ao qual seriam subordinados escreventes, desenhadores e agrimensores
nomeados pelo próprio inspetor sob a aprovação do presidente
provincial. Além de dirigir as medições das terras devolutas, o inspetor
geral era encarregado de participar ao delegado especial e ao diretor
geral a existência de indígenas em terras devolutas, de locais favoráveis
ao estabelecimento de aldeamentos, povoações, abertura de estradas,
etc., além de remeter pedidos de embargos por ele recebidos aos juízes
competentes.
No ano de 1856 foi nomeado como primeiro Inspetor Geral
das Medições das Terras Públicas de Santa Catarina o tenente
engenheiro Francisco José de Freitas, que posteriormente participou da
Comissão Geológica do Império na Corte, extinta em 1877.119 De 1857
a 1859, o inspetor geral nomeou Joaquim Moreira da Silva e Thomaz
Ignacio de Medeiros como medidores e demarcadores de terras na
província,120 e o Ministério contratou Carlos Filippe Garçon Rivière,121
e nomeou por meio da Repartição Geral das Terras Públicas para o
desempenho das mesmas atividades o 2º Tenente Joaquim José de Souza
Corcoroca, que no período foi logo encaminhado à região do Planalto
para discriminar lotes de terras na estrada de Lages.122 Em 1859 foi
nomeado o juiz municipal de Desterro Manoel da Silva Mafra para o
cargo de juiz comissário de terras da capital, da mesma forma que o

119
MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado à Assembleia
Geral Legislativa na quarta seção da nona legislatura pelo Ministro e
Secretário d’Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Coutto
Ferraz. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1856, p. 16.
120
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 09.
121
Ibidem, p. 12 v.
122
Ibidem, p. 51 v.
80

foram o juiz municipal de São José, Francisco Honorato Cidade, e o juiz


municipal de Lages, José Nicolau Pereira dos Santos para os referidos
municípios. Anteriormente, Honorato Cidade e Pereira dos Santos
haviam sido juízes de Direito na 2ª Comarca.123 Em 1860, o engenheiro
Pedro Luiz Taulois também foi encarregado pelo Governo Imperial de
verificar e medir terras devolutas na província.124 Ele era natural do Rio
de Janeiro e em 1854 foi Inspetor Geral das Terras Públicas do Paraná.
Logo no ano seguinte foi transferido para Santa Catarina onde, pelo
partido Liberal, foi deputado da Assembleia Legislativa Provincial (em
1868-69) e até substituto de secretário da mesma Assembleia.
Posteriormente foi chefe da comissão encarregada da medição de lotes
da Colônia Brusque e diretor do núcleo colonial Luís Alves em 1878.125
Em 1860 João de Souza Mello Alvim pediu exoneração do
cargo de delegado da Repartição Especial e foi transferido para a Corte
como diretor das obras civis e militares do Ministério da Marinha. Ele
foi substituído pelo bacharel Liberal Manoel da Silva Mafra, sob a
presidência do também Liberal Francisco Carlos de Araújo Brusque.
Natural de Desterro, Mafra ele era neto do Senador Imperial José da
Silva Mafra. De acordo com Piazza, Manoel da Silva Mafra construiu
uma extensa carreira política. Foi juiz de Direito em São José-SC,
Paranaguá-PR, Paracatu-PE, Leopoldina-MG, Niterói-RJ, além de
diretor de instrução pública de Santa Catarina e chefe de polícia da
província do Paraná. Ele foi deputado na Assembleia Legislativa
Provincial (em 1860-61, 1868-69, 1872-73, 1878-79, 1880-1881),
posteriormente vice-presidente da Assembleia em 1869 e também
deputado da Assembleia Geral do Império (em 1882-84, 1885-86). Em
1878 foi nomeado por carta imperial para a administração da província
do Espírito Santo, em 1882 foi ministro da Justiça, juiz da vara da
provedoria do Rio de Janeiro e em 1889 passou a integrar como juiz
presidente do tribunal civil e criminal do Distrito Federal-RJ.126 Em
1894, Mafra foi contratado pelo governador Hercílio Luz para a defesa

123
Ibidem, p. 83 v.
124
Ibidem, p. 55 v.
125
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 759.
126
Ibidem, p. 427.
81

da causa catarinense na disputa dos limites com o Paraná, tendo escrito


em 1899 a Exposição histórico-jurídica por parte do Estado de Santa
Catarina sobre a questão de limites com o Estado do Paraná, que
contribuiu para a vitória do estado catarinense. Enquanto Delegado da
Repartição Especial, ele indicou como “colaborador para auxiliar nos
trabalhos” Narcizo Jozé d‟Espíndola127 e como amanuense Francisco
Luiz da Silveira.
João André Godoy Junior assumiu interinamente as atividades
de Mafra em 1861, quando este requereu licença de três meses. Godoy
Jr. também foi encarregado interinamente da direção da Colônia
Brusque e em 1864 removido para a Repartição das Terras Públicas de
São Paulo. Ainda em 1861, Ludovino Aprigio de Oliveira foi
empossado como amanuense da Repartição128 e Frederico Belmonte
Brakenhuns nomeado pelo Governo Imperial como engenheiro chefe de
todos os serviços de medições, inclusive da estrada de Lages.129
Em 1863, o delegado da Repartição Especial Manoel da Silva
Mafra foi substituído por José Bonifácio Caldeira de Andrada,130 ligado
ao partido Liberal. Sua nomeação ocorreu no período marcado pela
conciliação política de hegemonia Liberal (1862-68). Segundo Piazza,
em 1822, Caldeira de Andrada havia se alistado na legião de caçadores
do exército libertador da Bahia, em 1824 havia jurado a constituição do
Império do Brasil e sido encaminhado pelo Governo brasileiro para
estudar na França e nos estados italianos. Por seus serviços na
Campanha do Recôncavo foi condecorado com a comenda da Ordem de
Cristo. Antes de ser nomeado diretor da Repartição Especial, foi
também comerciante e juiz de paz de São José-SC, onde seu sogro, João
Vieira da Rosa, era presidente da Câmara Municipal. Obteve a patente
de tenente coronel da Guarda Nacional de Desterro em 1840 e foi
deputado da Assembleia Legislativa de Santa Catarina em diversas
legislaturas (de 1842-49, 1854-58), tendo sido vice-presidente em 1847
127
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 107.
128
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 05.
129
Ibidem, p. 21.
130
Ibidem, p. 146 v.
82

e 1858. Enquanto era delegado da Repartição Especial, foi deputado nas


legisl. de 1863, 1866-67 e 1870-71, ano em que faleceu.131 Em 1864,
seu filho Fernando Gomes Caldeira de Andrada prestou-se a auxiliar
gratuitamente os trabalhos da secretaria da Repartição Especial.132
Por volta de 1865, o fiscal da Repartição Especial era o
bacharel Olympio Adolfo de Souza Pitanga, natural da Bahia. Em 1860,
Pitanga havia sido secretário do Governo da província de Santa
Catarina, em 1863, diretor interino da Instrução Pública e, em 1864,
procurador fiscal da tesouraria da fazenda provincial. Como presidente
do partido Liberal catarinense, foi deputado na Assembleia Legislativa
Provincial (em 1866-67, 1868-69 e 1880-81), além de secretário da
mesma assembleia nos anos de 1866-67. Depois, foi diretor da colônia
Brusque em 1876, além de vereador presidente da Câmara Municipal de
Desterro. Em 1889 venceu as eleições para deputação na Assembleia
Geral do Império, que acabou por não se reunir. Foi cônsul do Brasil no
Canadá, Equador, Inglaterra, Montevidéu e Portugal.133
O fiscal interino da Repartição Especial era o bacharel
Conservador catarinense Eleutério Francisco de Souza, que havia
exercido anteriormente os cargos de procurador fiscal da provedoria da
província entre 1839 e 1841, subdelegado de polícia de Desterro em
1843 e promotor público da Comarca do Norte em 1849. Como Pitanga,
Francisco de Souza foi filiado ao partido Liberal, deputado da
Assembleia Legislativa (em 1854-57, 1864-65) e vereador presidente da
Câmara Municipal de Desterro entre 1865-68.134 Ainda em 1865 foi
nomeado oficial da Repartição Especial Francisco Luiz da Silveira.135
Na ausência do Delegado da Repartição, Luiz da Silveira assumiu
interinamente o cargo em 1868, e também após o falecimento de

131
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., pp. 55-56.
132
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 07.
133
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 629.
134
Ibidem, p. 742.
135
APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras
e Colonização 1856-70, p. 39.
83

Caldeira Andrada em 1870, antes da extinção da Repartição Especial.136


Em 1869 ainda assumiu como fiscal interino Candido Gonçalves de
Oliveira.
De 1856 até 1870, a Repartição Especial de Terras Públicas de
Santa Catarina foi composta pela nomeação de cidadãos da própria elite
política de Desterro ligados à Corte, o que denota a importância dos
cargos e serviços de execução da Lei de Terras a serem realizados por
estes empregados na província. Os delegados e os fiscais da Repartição
Especial pertenceram aos altos comandos oficiais da Guarda Nacional e
estiveram associados principalmente ao partido Liberal. Em uma escala
crescente, conquistaram importantes eleições e nomeações para o alto
funcionalismo público provincial e da Corte, haja vista, por exemplo,
Alvim, Mafra e Pitanga, deputados provinciais que concorreram ou
foram eleitos por Santa Catarina para a Assembleia Geral.137 Grande
parte destes empregados compôs a Assembleia Legislativa Catarinense
como deputados, da mesma forma que empregados públicos da região

136
SANTA CATARINA, Relatório que o Exm. Sr. Presidente da província
de Santa Catharina, Dr. Joaquim Bandeira Gouvêa, dirigiu á Assembleia
Legislativa Provincial no ato da abertura da sua sessão ordinária em 26 de
Março de 1871. Desterro: Tipografia do Jornal, 1871, p. 13. Enquanto a
Repartição Especial de Santa Catarina funcionou até o ano de 1870, já
haviam sido extintas em 1861 as Repartições Especiais do Amazonas, Piauí,
Paraíba do Norte, Goiás, Sergipe, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e as
atribuições de seus delegados transferidas aos presidentes das províncias.
137
Silva Gouvêa ressalta que “ aqueles que podiam servir na Assembleia
Provincial e ocupar postos em nível nacional eram os mesmos que poderiam
assegurar mais facilmente o cumprimento com êxito das estratégias
políticas mais caras aos principais grupos de poder na província. Isso
explica porque políticos de grande projeção (...) ocuparam assentos na
assembleia provincial fluminense nessa época, ao mesmo tempo que
também se destacavam no cenário político da Corte. Uma clara evidência de
como a política provincial (...) estava intimamente associada ao cenário
político nacional em formação”. GOUVÊA, Maria de Fátima Silva, 2008,
Op. cit., p. 296. Salvaguardado o fato do Rio de Janeiro ser a capital do
Império no referido período, esta assertiva pode ser apropriada para o caso
de Santa Catarina.
84

do Planalto incumbidos dos serviços da Lei de Terras o foram, como


veremos adiante.138
A participação de empregados da Repartição Especial das
Terras Públicas na Assembleia Legislativa de Santa Catarina indica que
a Lei foi executada pelos principais grupos de poder político da
província. Carvalho havia observado que a diferenciação interna da
burocracia adquiria importância política especial devido à fusão com a
elite política.139 O Regulamento de 1854 concedeu amplos poderes aos
empregados da Repartição Especial, os tornando agenciadores da
política clientelista imperial de maneira semelhante aos presidentes de
província. É difícil quantificar historicamente em que medida as
prerrogativas da Lei de Terras (ou apenas as questões de terras)
interligaram os diferentes grupos de poder do interior e da capital da
província. O que se pode concluir até o momento acerca de sua relação
com a política judicial, é que o domínio sobre a administração da Lei
ampliou as possibilidades de negociação de favores e concessões, de
modo a interpretá-la de acordo com interesses locais. Todavia, como
veremos ao longo do trabalho, a existência desta cultura política
clientelista não impediu que a população não vinculada à burocracia do
Estado recorresse ao escrivão e pleiteasse a afirmação de direitos de
propriedade.
A descentralização dos serviços de execução da Lei de Terras
empreendida pelo Regulamento de 1854 a partir das Repartições
Especiais contribui para a reflexão acerca dos espaços de atuação das
elites regionais no desenvolvimento e fortalecimento do Estado nacional
a partir de 1850, durante a segunda metade do século XIX. É possível
afirmar que foram a atuação e as informações provenientes destes
grupos de elites regionais empregados na Repartição Especial que
estimularam o clientelismo provincial manejado pelos presidentes da
província. Os aludidos estudos de Dolhnikoff e Silva Gouvêa já
destacaram o importante papel das províncias na construção política do

138
Sobre a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, cf. CABRAL,
Oswaldo R., 2004, Op. cit..
139
CARVALHO, José Murilo de, 1996, Op. cit. p. 144.
85

Império. E os estudos sobre o funcionalismo da Lei de Terras nos


permitem complexificar ainda mais esta investigação.
Além dos serviços dos empregados da Repartição Especial, o
Regulamento de 1854 deliberou que juízes municipais seriam os “juízes
conservadores” das terras devolutas, pois inspecionariam e seriam
notificados por inspetores gerais e agrimensores acerca da existência de
posses ilegais em suas jurisdições. Esta função também seria exercida
por delegados e subdelegados de polícia, que procederiam a um ex-
oficio e remeteriam os autos aos juízes municipais para que fossem
processados e julgados aqueles que cometessem tais delitos (isto é, a
posse ou a simples derrubada de árvores ou a queima de matos em terras
devolutas). O mesmo procedimento seria realizado a requerimento da
população contra os que praticassem posses em terrenos particulares,
contanto que os “delinquentes” não fossem éreos confinantes, porque
neste caso caberia a ação cível.
86

2. A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE TERRAS EM SANTA


CATARINA

Uma das primeiras providências para a aplicação da Lei de


Terras na província de Santa Catarina foi tomada pelo ministro e
secretário d‟Estado dos Negócios do Império o Conselheiro Luiz
Pedreira do Couto Ferraz. A partir de uma circular enviada ao presidente
da província João José Coutinho em fevereiro de 1854, Ferraz
requisitava a execução do artigo nº 28 do Regulamento de 1854 – que
tratava de ordenar aos juízes de Direito, juízes municipais, juízes de paz,
delegados e subdelegados e vigários a coleta de informações sobre a
existência de posses e sesmarias e outras concessões do Governo
sujeitas à legitimação e revalidação na província.140
A jurisdição lageana pertenceu a 2º comarca de São José até
que foi criada por lei provincial de 1858 a comarca de Lages. Os juízes
de Direito e substitutos nomeados para a comarca que compreendia o
município durante as primeiras décadas de aplicação da Lei de Terras
(segundo o estudo da correspondência oficial) foram magistrados que
atuaram em distintas províncias do Império, tanto em funções judiciárias
e policiais quanto como deputados eleitos para Assembleias Legislativas
Provinciais. A saber, nos anos de 1853 e 1854 assumiu a vara de juiz de
Direito da 2ª Comarca Francisco Vieira da Costa,141 que havia sido
convocado no mesmo período para substituto de deputado à Assembleia
Legislativa de Santa Catarina. Segundo Piazza, Vieira da Costa também
foi chefe de polícia no Maranhão e juiz de Direito no Pará. Entre 1853 e
1854 também assumiram a mesma vara como substitutos os
Conservadores Guilherme Ricken (do qual tratarei adiante),142 Francisco
Honorato Cidade e o “fidalgo Cavalheiro da Casa Imperial” D. Luiz
Assis Mascarenhas.143 Honorato Cidade era natural de Desterro e

140
APESC. Registros de correspondência para execução da Lei de Terras
na província 1854-70, p. 01.
141
APESC. Ofícios do juízo de Direito para presidente de província. Lages.
Livro 1854, p. 176.
142
Ibidem, p. 200.
143
Ibidem, p. 204.
87

exerceu advocacia na província. Foi deputado e 2º secretário da


Assembleia Legislativa Provincial (em 1848-49, 1850-51, 1852-53).144
Entre 1854 e 1855 assumiu o cargo de juiz de Direito da 2ª
Comarca interinamente João José d‟Andrade Pinto,145 natural do Rio de
Janeiro, onde foi juiz municipal, delegado de polícia e deputado
provincial. Em Santa Catarina, foi também chefe de polícia em 1859, 3º
vice-presidente provincial nomeado por carta imperial de 1856 – tendo
assumido a presidência por curto período em 1861, etc.146 Entre 1857 e
1859 o cargo de juiz de Direito de Lages foi exercido por Joaquim José
Henriques, posteriormente eleito deputado da Assembleia Legislativa de
Santa Catarina (em 1870-71, 1874-75), e transferido como juiz de
Direito para Taquari-RS. Henriques alternou o cargo em Lages no ano
de 1860 com José Nicolau Pereira dos Santos147 e o coronel José
Joaquim da Cunha Passos (que era o chefe do partido Conservador de
Lages e o primeiro substituto de delegado de polícia do município).
Cunha Passos, Honorato Cidade e Henriques atuaram como advogados e
procuradores em processos judiciais que envolveram disputas de terras
no Planalto. O juiz de Direito em 1865 era Fernando Afonso de
Mello,148 que exerceu o mesmo cargo em diversas províncias do
Império. Em conformidade com a Lei de Interpretação do Código do
Processo Criminal, o Regulamento da Lei de Terras normatizou que os
juízes de Direito fiscalizariam juízes municipais, delegados e
subdelegados de polícia nas atividades relacionadas à conservação das
terras devolutas, com a possibilidade de imposição de multas e até
prisão pelo desempenho irregular das funções.
Em Lages, o cargo de delegado de polícia foi por vezes
executado juntamente ao de juiz municipal. Em 1850, Guilherme Ricken
revezava os serviços de delegado com o substituto Generoso Pereira dos
Anjos, fazendeiro, negociante, capitão e Cavaleiro da Ordem da Rosa.

144
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 192.
145
APESC. Ofícios do juízo de Direito para presidente de província. Lages.
Livro 1855, p. 17.
146
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 622.
147
APESC. Inventário analítico dos ofícios das Câmaras Municipais para
Presidentes de Província (1854-1857), volume 10, pp. 51-57.
148
Idem.
88

Identificado como juiz de paz “pró-Farroupilha” de Lages em 1839,


Pereira dos Anjos atuaria por muitos anos como escrivão interino do juiz
municipal.149
O juizado municipal e a delegacia de polícia de Lages foram
assumidos quase ininterruptamente por Guilherme Ricken entre 1846 e
1856.150 Entre 1853-54, ele também havia sido juiz de Direito substituto,
e desde 1850 esteve ocupado como primeiro juiz comissário de
medições de terras do município. Entre 1850 e 1856 (quando faleceu),
Ricken exerceu ao mesmo tempo os cargos de juiz de Direito, juiz
municipal, delegado de polícia, juiz comissário de terras, além de
secretário da Câmara Municipal. Em 1850, uma publicação de autoria
desconhecida do jornal O Conciliador Catarinense criticou a
acumulação e incompatibilidade de empregos por parte de Ricken, dos
quais destacou também ser ele oficial da Guarda Nacional,
administrador da obra da igreja, agente do Correio e diretor municipal
das escolas do termo. O jornal, que era do partido Liberal, questionou se
“em tantos incompatíveis empregos, não haveria em São José e em
Lages quem [pudesse] exercer algum d‟aqueles lugares, e evitar-se tanta
acumulação?”, e respondeu que “há, e há de sobra”.151 Ricken era
holandês naturalizado brasileiro, ligado ao partido Conservador,
condecorado como Cavaleiro da Ordem da Rosa pelo próprio imperador
quando o mesmo visitou a província.152
Os substitutos deveriam assumir as ações em que o juiz da
causa fosse suspeito por ser parente ou interessado de alguma das partes,
ou pelo fato de que tornavam o cargo vago em razão de se ausentarem
do município por motivo de viagens para o trato de assuntos
particulares. No caso de Lages, como grande parte do funcionalismo
público era composto por fazendeiros, criadores de gado e negociantes,
devemos considerar a possibilidade da existência de uma sazonalidade

149
COSTA, Licurgo, 1982, Op. cit., vol. 01, p. 258.
150
APESC. Ofícios do juízo municipal para presidente de província. Lages,
Livros 1848-1890, s. p.
151
Jornal O Conciliador catarinense. Desterro. Ano 01, número 91, p. 03,
mar. 1850. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca digital,
seção periódicos, s. endereço eletrônico.
152
COELHO, Manoel Joaquim D'Almeida (Major), 1856, Op. cit., p. 131.
89

na transformação do pessoal que compunha a burocracia, como


consequência da demanda de serviços agrícolas como o tropeirismo, por
exemplo. Por estas razões, a permanência de vários cidadãos nos cargos
de juizado e de polícia poderia ser efêmera, apesar de garantida por
quatro anos durante a vigência da nomeação, ou bastante longa, se
fossem mantidos na lista dos substitutos pelo presidente da província,
como aparenta ser o caso de Ricken.
Na ordem de nomeação dos substitutos de “juiz municipal e
delegado de polícia” que assumiram a jurisdição lageana entre 1853 e
1854 (muitos apenas por alguns dias) estão o tenente e negociante
Lourenço Dias Baptista, o negociante Claudiano de Oliveira Roza, os
fazendeiros Joaquim José Ribeiro do Amaral, Francisco Borges do
Amaral e Silva e Manoel Delfes da Cruz.153 Eles haviam sido nomeados
ainda em 1850, juntamente com os capitães Manoel José Pereira de
Andrade e Manoel Cavalheiro Leitão. No período em que Lourenço
Dias Baptista assumiu como juiz e delegado foi também eleito vereador
(em 1853-56, 1861-62, 1864, 1872-76, 1883-86) e assumiu o importante
cargo de procurador e fiscal da Câmara Municipal.154 Destes juízes
substitutos, foram também eleitos vereadores Claudiano de Oliveira
Roza (em 1850-51, 1853-56, 1864, 1868-69, 1870-72 como presidente,
1873-76), Manoel Delfes da Cruz (em 1850-56) e Manoel José Pereira
de Andrade (em 1858, 1865-66), que também compôs a comissão de
demarcação dos limites com o Paraná no mesmo período.
Em 1856, com o falecimento de Ricken, o 2º substituto
Antonio Saturnino de Souza e Oliveira assumiu o juizado municipal. Ele
criou uma comissão composta por seu sogro o fazendeiro e tenente
coronel da Guarda Nacional de Lages Manoel Rodrigues de Souza, o
coronel José Joaquim da Cunha Passos e o capitão Generoso Pereira dos
Anjos, para organizar as pendências do cargo em função de sua

153
APESC. Ofícios do juízo municipal para presidente de província. Lages,
Livros 1850-56, s. p.
154
Conforme o art. nº 85 da Lei de 1º de outubro de 1828, que trata da
forma e atribuições das câmaras municipais, o Fiscal estava incumbido de
“vigiar na observância das Posturas da Câmara, promovendo a sua execução
pela advertência aos que forem obrigados a elas, ou particularmente ou por
meio de editais; (...)” etc.
90

indisponibilidade pela “acumulação de empregos”.155 O tenente coronel


Manoel Rodrigues de Souza era filho de Matheus José de Souza,
integrante da comitiva do capitão-mor regente Antonio Correia Pinto,
que fundou oficialmente a vila de Lages em 1766. Ele foi o fundador do
partido Conservador do município, eleito vereador presidente da Câmara
municipal de 1853-57 e de 1860-61 e em 1864. O juiz nomeado para
substituir seu genro Saturnino de Souza e Oliveira foi o capitão (e
posteriormente coronel comandante superior da Guarda Nacional) José
Marcelino Alves de Sá, grande fazendeiro, criador e proprietário de
invernada, que havia sido também o juiz de paz mais votado naquele
ano para presidir a mesa eleitoral de Lages. Alves de Sá foi um dos
principais responsáveis pela expulsão dos rebeldes farroupilhas de
Lages na década de 1840,156 eleito vereador municipal em diferentes
períodos (em 1868-69, 1888-89, 1865 como presidente da Câmara). Em
1850, junto com Antonio Pereira Borges, ele foi criador e administrador
do Passo dos Lageanos, um importante entreposto de passagem de gado
e cobrança do imposto de exportação provincial, situado nas margens do
Rio Pelotas na fronteira com o Rio Grande do Sul. E foram nomeados
para a lista de substitutos do quadriênio de 1854 o alferes e negociante
Antonio Felipe Pessoa e Bibiano José dos Santos. Felipe Pessoa era
natural da Bahia e também foi vereador (em 1848-49 como presidente,
1850, 1853-56, 1860-64). Até 1865, serviram também como juízes
municipais o bacharel José Nicolau Pereira dos Santos157 e Manoel
Rodrigues de Souza (como 3º substituto), além de outros já citados.
De acordo com Licurgo Costa, no ano de 1865 os então juízes
municipais substitutos Manoel Rodrigues de Souza, chefe do partido
Conservador, e José Marcelino Alves de Sá, do Liberal, extremaram
suas lutas – “cada qual procurando conseguir maior alistamento para o
Exército” na conjuntura da Guerra do Paraguai.158 A criação de corpos
de alistamentos nos municípios durante a Guerra foi muito importante

155
APESC. Ofícios do juízo municipal para presidente de província. Lages,
Livro 1856, s. p.
156
COSTA, Licurgo, 1982, Op. cit., vol. 01, p. 272.
157
Ibidem.
158
Ibidem, p. 274.
91

para a medição do poder político e social de terratenentes, e ampliou


sobremaneira a margem de negociação e clientelismo com o Governo
Central.159
O aludido 2º substituto Antonio Saturnino de Souza e
Oliveira, genro do tenente coronel Manoel Rodrigues de Souza,
acumulou um número considerável de empregos. Ele era natural do Rio
de Janeiro e descendia de uma família politicamente muito ativa na
Corte. Era filho do coronel do Corpo de Engenheiros do Império
Aureliano de Souza e Oliveira, que foi governador de Armas em Santa
Catarina nomeado em 1823, e irmão do Visconde de Sepetiba,
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, que foi presidente das
províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, além de ministro da Justiça e
dos Negócios Estrangeiros nas décadas de 1830 e 1840, senador do
Império, etc. Visconde de Sepetiba combateu o partido Restaurador no
pós-independência e foi o responsável pela prisão do tutor de D. Pedro
II, José Bonifácio de Andrada, acusado de conspirar a volta de D. Pedro
I. Seu outro irmão era Saturnino de Souza e Oliveira Coutinho, inspetor
da Alfândega da Corte, presidente da província do Rio Grande do Sul
em 1839-40, deputado geral e senador do Império, além de ministro dos
Negócios Estrangeiros em 1847 e ministro interino da Fazenda e da
Justiça. Sabe-se que Antonio Saturnino de Souza e Oliveira vivia no
Planalto catarinense pelo menos desde 1832, ano em que recebeu a
patente de major da Guarda Nacional de Lages. De acordo com a
pesquisa de Henrique Boiteux acerca da participação de Santa Catarina
na Revolução Farroupilha, Antonio Saturnino de Souza e Oliveira
participou do corpo legal de Lages no Rio Grande do Sul ainda nas
primeiras fases do embate.160 Ele era Cavaleiro das Ordens Imperiais de
Cristo e da Rosa. Exerceu o cargo de delegado de polícia em 1843 e foi
o primeiro deputado representante de Lages a compor a Assembleia

159
Para aprofundamento, cf. WEGNER, Felipe Henrique. Santa Catarina
vai à guerra: a mobilização militar catarinense durante a Guerra do
Paraguai. Monografia de Conclusão de Curso. Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2010.
160
BOITEUX, Henrique, 1985, Op. cit., pp. 07 e 250.
92

Legislativa Provincial no ano de 1850.161 Serviu também como 2º


substituto de juiz municipal em 1854, e foi vereador e presidente da
Câmara Municipal de 1847 a 1853, vereador em 1856-57 e em 1872.
Entre 1856 e 1873, desempenhou temporariamente as funções de
secretário da Câmara e substituto de subdelegado de polícia de Lages.
Foi também o escrivão auxiliar do pároco responsável pelos registros
paroquiais de terras do termo entre 1854 e 1857, mesmo período em que
consta ter sido coletor de impostos da Câmara Municipal. Além disso,
foi advogado provisionado (rábula) em processos judiciais referentes a
questões de terras na região.
Entre 1865 e 1867, o juizado municipal foi ocupado por
Henrique Ribeiro de Córdova, que já havia sido eleito vereador em
diversos mandatos (em 1850-51 como presidente, 1857-1861, 1864-65,
1873, 1881-83, ano em que faleceu).162 Como mencionei anteriormente,
Córdova era o chefe do partido Liberal de Lages e recebeu as patentes
de alferes da 2ª Cia do 4º Corpo de Cavalaria de Lages ainda em 1842, a
de tenente coronel chefe do Estado Maior do Comando Superior de
Lages em 1868 e a de coronel comandante superior da Guarda Nacional
de Lages e Curitibanos em 1879.163 Foi deputado da Assembleia
Legislativa Provincial em 1864-65.
Entre 1869 e 1870 assumiram também o juizado e a delegacia
de polícia, Gaspar José Godinho (então juiz de Direito interino), o
“primeiro suplente juiz municipal e delegado de polícia proprietário e
capitão” (e vereador) Ignacio Coelho d‟Ávila, o 2º substituto Vicente
José de Oliveira e Costa, Braulio Romulo Colonia (que já havia sido juiz
municipal em Monte Santo-BA, transferido em 1869 para São
Francisco-SC, onde exerceu também interinamente o cargo de juiz de
Direito), além do fazendeiro e tenente coronel Conservador Vidal José
de Oliveira Ramos e Manoel Rodrigues de Souza. A família de Vidal

161
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 498; COSTA, Licurgo, 1982, Op.
cit., vol. 03, p. 1220.
162
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages, s. p.
163
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 208.
93

Ramos tornar-se-ia uma das mais proeminentes da política catarinense


durante a 1ª República.
Como se pode observar, o cargo de juiz municipal e substituto
foi ocupado em Lages majoritariamente por cidadãos naturais do termo
ou radicados na região, com histórico de envolvimento na política local
principalmente pela participação eletiva como vereadores na Câmara
Municipal. A maioria tratava-se de grandes senhores e possuidores de
terras, fazendeiros, criadores de gado e negociantes. Muitos dos que
executaram as funções de juiz municipal haviam desempenhado também
os cargos de delegado e subdelegado de polícia ou juiz de paz, ou o
faziam simultaneamente a função de juízes substitutos, e possuíam altas
patentes na Guarda Nacional da região.164 Um número reduzido foi
eleito deputado provincial e nomeado juiz de Direito, tendo exercido o
cargo também em outras províncias do Império. E como subdelegados
de polícia e substitutos foram nomeados e serviram:

Em Lages entre 1850-60 165


Valério Ozório de Santa Clara
Antonio da Costa Varella
Antonio Felippe Pessoa
José Marcelino Alves de Sá 166
O fazendeiro José Coelho de Ávila
Nas freguesias de Curitibanos ou Campos Novos entre 1853-81
Antonio Gomes de Campos
João Fernandes Carypuna
o paulista Domeciano Azevedo Camello Mascarenhas
Antonio Saturnino de Souza e Oliveira
o major Matheus José de Souza e Oliveira 167

164
Apenas a Lei nº 2.033 de 20 de Setembro de 1871 impôs algum limite à
acumulação de empregos.
165
APESC. Ofícios das subdelegacias de polícia para presidente de
província. Tabela elaborada pela autora com base nos livros de 1850-1881.
166
Em 1854, Felippe Pessoa e Alves de Sá demitiram-se do cargo devido à
nomeação de 3º e 4º substitutos de juiz municipal.
167
Foi o primeiro presidente da Câmara de Curitibanos (instalada em 1873).
Também é conhecido por ter legado em testamento parte de sua fazenda a
seus oito escravos e três libertos em 1877. A Invernada dos Negros foi o
94

Domingos Cordeiro Matozo


José Francisco dos Santos
o negociante Antonio Rodrigues de Lima
o coronel Liberal Manoel Ferreira da Silva Farrapo
Bernardino Antonio da Silva e Sá
João Ferreira Machado
Antonio Ribeiro dos Santos
Antonio José Godinho
Joaquim Morato de Couto
Maurício Ribeiro de Córdova
José de Mello Cezar
Clementino Alves de Assumpção Rocha 168
Antonio Carvalho Bueno
Pedro Carlos Stefans
Leovegildo Pereira dos Anjos
o capitão Francisco Alves de Carvalho
o tenente quartel mestre Antonio Ferreira Maciel
o capitão Theodoro Ferreira de Souza 169

primeiro território quilombola reconhecido pelo INCRA em Santa Catarina


(2008), situado entre os atuais municípios de Campos Novos e Abdon
Batista.
168
Posteriormente juiz comissário de terras.
169
Na Câmara municipal de Lages, Theodoro representava o “distrito dos
Curitibanos e Campos Novos reunidos”. Além de vereador, ele também foi
chefe Liberal, juiz de paz e o primeiro juiz municipal e presidente da
Câmara de Curitibanos, além de juiz de Direito substituto em 1878. Assim
como Antonio Ferreira Maciel, Theodoro era criador e tropeiro de gado, e
possuía terras também na vila do Príncipe (Lapa), no Paraná. Ambos
inclusive haviam sido nomeados a cargos pela província paranaense, como
juiz municipal na freguesia de Palmas, substitutos de delegado de polícia, e
com patentes da Guarda Nacional da vila do Príncipe. Jornal O Dezenove de
Dezembro. Curitiba. Ano 01, nº 34, dez. 1854. As altas patentes da Guarda
Nacional eram concedidas a eleitores que residiam, no mínimo, por dois
anos no município. Zélia Lemos apresentou em seu livro a transcrição (sem
data) de um requerimento assinado por Theodoro F. de Souza e outros, em
que solicitavam à Assembleia Legislativa do Paraná uma representação
formal de seus interesses na Assembleia Geral do Rio de Janeiro, para que a
região que compreendia Curitibanos e Campos Novos ficasse sob a
jurisdição do Paraná. LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na História
do Contestado. Florianópolis: Edição do Governo do Estado, 1997, p. 207.
95

Portanto, assim como grande parte dos juízes municipais, a


maioria que assumiu as subdelegacias de polícia no município de Lages
se tratava de médios e grandes fazendeiros, criadores e comerciantes de
gado que, com relativa frequência, eram mobilizados a diferentes cargos
locais. Estes subdelegados de polícia e substitutos foram habilitados
pela Lei de Terras a avaliar a legalidade das posses praticadas em terras
devolutas e a remeter informações aos juízes municipais. A polícia foi
desvinculada do sistema judiciário apenas em 1871, com a Lei nº. 2.033.
Com a publicação do Regulamento da Lei de Terras em 1854,
juízes municipais, delegados e subdelegados de polícia ampliaram
sobremaneira as bases de domínio sobre a população. Como o nível de
supervisão de seus serviços nas freguesias era muitíssimo baixo, práticas
extralegais por parte destes empregados foram comuns no cotidiano da
população. Consta abaixo o depoimento de uma testemunha sobre o
procedimento do juiz municipal Antonio Caetano Machado, criador e
fazendeiro de Lages, em uma ação de despejo:

Izabel Maria de Souza, idade de sessenta anos


ou setenta, viúva, vive da caridade pública,
natural de Curitiba província do Paraná, é
moradora nesta cidade de Lages (...). E sendo
inquirida sobre os fatos, (...) respondeu que
achando-se em casa de Leocádia Mancia de
Ledo [a suplicante], (...) apareceu (...) Jozé
Rachadel dizendo que vinha a mandado do juiz
municipal e órfãos de então Antonio Caetano
Maxado chamar a suplicante, a fim de ir sem
perda de tempo a sua presença, o que ela
respondeu que não podia ir por achar-se doente,
o que ouvido pelo mesmo Rachadel, retirou-se
e dali a poucas horas apareceu de novo, dizendo
que vinha a mandado do mesmo juiz, buscá-la a
sua presença e que se ela não obedecesse a
semelhante chamado seria desfeiteada e pagaria
dez mil reis de multa, o que sendo ouvido pela
suplicante, receando sofrer a desfeita (...) e a
multa, (...) convidou a ela testemunha para
fazer-lhe companhia e puseram-se em marcha à
casa do juiz debaixo de chuva, aí chegadas o
96

juiz municipal entrou para o interior de sua


casa e voltando trouxe um papel na mão, e disse
para a suplicante Leocádia estas palavras = sabe
para que mandei chamá-la? = ao que ela
respondeu = não, senhor = ao que ele tornou-
lhe = foi para assinar este papel, chame uma
pessoa para assinar a seu rogo =. Ela suplicante
obedecendo chamou a Lourenço Dias Baptista
(...). Depois de assignado o dito papel (...), o
juiz Antonio Caetano Maxado disse à ela
suplicante = que havia vendido seus campos e
matos, muito bem vendidos para beneficio de
seus filhos órfãos = pois até aí a suplicante e ela
testemunha ignoravam o conteúdo do papel,
concluindo tudo isto ela testemunha perguntou
ao juiz se não ordenava mais alguma coisa dela
e se podiam recolherem-se, ao que o juiz
respondeu, que podiam fazê-lo (...).170

Podemos observar que a suplicante Leocádia Mancia de Ledo


foi arbitrariamente coagida a se apresentar ao juiz municipal e a assentir
que o vereador e juiz substituto Lourenço Dias Baptista assignasse a seu
rogo um documento cujo conteúdo desconhecia por ser iletrada. Como
ela foi informada de que se tratava da venda de seus próprios terrenos
somente depois de assinada a escritura, e como também não recebeu
qualquer pagamento pela transação, concluo que o juiz a esbulhou de
sua propriedade de maneira compulsória e fraudulenta.171

170
Museu do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Autoamento de uma
petição e despacho para ser inquirida uma testemunha ad perptiam rei
memoriam, Juízo Municipal de Lages, 1862, caixa 1860-1869/014.
171
Ivan de Andrade Velasco afirma que a noção de que apenas grandes
senhores e proprietários tinham acesso à justiça no Brasil do século XIX
está sendo questionada pela crescente pesquisa em documentos de acervos
do sistema judiciário, nos quais livres pobres e inclusive escravos aparecem
requisitando a intervenção da justiça. Segundo o autor, a lógica tradicional
de dominação clientelista passou a concorrer cada vez mais com os poderes
do Estado e a afirmação do espaço público, e o recurso à Constituição e à
justiça ampliou o campo de possibilidades da população na luta por direitos.
VELASCO, Ivan de Andrade. “Clientelismo, ordem privada e Estado no
Brasil oitocentista: notas para um debate”. In: CARVALHO, José Murilo
97

Também segue um ofício do juiz de Direito substituto


Guilherme Ricken ao presidente acerca de uma representação
promovida por uma escrava alforriada contra o juiz municipal Lourenço
Dias Baptista e o alferes Henrique Ribeiro de Córdova, e a
correspondência anexa do referido Baptista:

Acusando a recepção do ofício (...)


acompanhado de uma representação feita a
Vossa Excelência pela viúva Maria Lauriano
(...), que queixou-se do violento despejo que
contra ela mandou efetuar o dito juiz municipal,
sem sentença passada em julgado e sem
nenhum processo, e exigindo Vossa Excelência
com urgência e circunstância informações
exatas sobre o ocorrido a este respeito, mandei
por ofício (...) informar ao juiz municipal, cuja
informação se achará inclusa, e indagando eu
minuciosamente o que ocorreu, verifiquei-me
que a viúva Lauriano se queixou com razão da
violência que lhe foi feita sem processo algum,
bem que nenhuma razão lhe assista em querer
levantar-se com o alheio, por não ter direito
algum ao terreno e casa em que habitava, por
serem de legitima propriedade de Joaquim da
Costa Moreira que tinha cedido, por favor e
usufruto (...) ao falecido marido da queixosa, e
vendendo ultimamente seu sítio das Pedras
Brancas ao alferes Henrique Ribeiro de
Córdova (...) a quem este informou que não
podia mais conservá-la nos seus terrenos (...),
recebendo por resposta que não se mudava por
ser o terreno e a casa sua, por lhe haverem sido
doados pelo ex-proprietário (...), dirigindo-se o
alferes Córdova em seguida ao juiz municipal,
este, ou por conselho errado, ou pela própria
ignorância da marcha que devia seguir, mandou
passar o mandado de despejo sem maior

de; NEVES, Lúcia Maria Bastos P. (orgs.). Repensando o Brasil no


Oitocentos: cidadania, política e liberdade. RJ: Civilização Brasileira,
2009, pp. 71-100. Entretanto, ressalto a distinção entre o direito de acesso às
instituições judiciárias e a aplicação idônea das leis no campo jurídico.
98

formalidade alguma (...). Lages 15 de Set. de


1853. O Juiz de Direito interino Ricken.

Satisfazendo ao ofício (...) que cobria o


requerimento da preta Maria Lauriana
queixando-se de arbitrariedade minha contra ela
praticada ao Excelentíssimo Presidente da
província, passo a informar que (...), tendo sido
chamada ao juízo de paz a dita Preta Maria
Lauriana a requerimento do Alferes Henriques
Ribeiro de Córdova, para por meios
conciliatórios entregar a casa e deixar os
terrenos que ocupava ao seu legitimo
proprietário que havia comprado a Joaquim da
Costa Moreira com o sítio das Pedras Brancas,
disse aquela mesma preta em Audiência lhe
pertencer a dita casa e terreno por lhe haver
dado o vendedor Joaquim da Costa Moreira,
sem que apresentasse documento algum pelo
qual mostrasse a veracidade de seu dito (...).
Julguei mandar passar o mandado de despejo
não só porque nenhuma prática tenho do foro,
como por ser muito público e constante que a
mesma preta quer usurpar o alheio (...). Vossa
Senhoria bem de perto me conhece e sabe que
minhas intenções não são de fazer mal a pessoa
alguma, que tudo quanto obro é sem má fé e
sim procurando justiça. Muito mais bem Vossa
Senhoria sabe do atrevimento dos pretos forros
que pertenceram a casa do finado capitão
Joaquim José Pereira, e o quanto são velhacos e
ladrões (...). Villa de Lages 13 de Set. de 1853.
Lourenço Dias Baptista.172

A escrava alforriada Maria Lauriano reclamou ao presidente


da província acerca do despejo arbitrário realizado contra ela pelo juiz
municipal substituto Dias Baptista. O presidente requereu informação
circunstanciada ao juiz de Direito, que confirmou a ilegalidade do
despejo pelo fato de o mesmo ter ocorrido sem processo criminal e

172
APESC. Ofícios do juízo de Direito para presidente de província. Lages.
Livro 1853, p. 200-203.
99

julgamento competentes. Dias Baptista lembrou a Ricken que “bem de


perto” o conhecia e justificou seu procedimento com base em seu
desconhecimento sobre a prática do foro e na reputação negativa
imputada à queixosa e sua família, divergindo sobremaneira do que
apregoava o Código do Processo Criminal. Ambos os exemplos refletem
a situação precária da população pobre e negra frente aos representantes
locais do poder do Estado.
Posturas desta natureza por parte dos juízes municipais e
substitutos espelham como seus cargos transformaram-se em
instrumento de coerção social e de apropriação fundiária, repercutindo
de forma trágica no cotidiano da população pobre trabalhadora. Ao
conferir a tutela das terras devolutas a estes empregados, o Governo
permitiu que eles usufruíssem a possibilidade de ampliar seu próprio
patrimônio e representação política, além de poder desenvolver a
exploração e comercialização dos recursos naturais nelas existentes,
como madeira, erva-mate, criações de animais, etc., e de atrair
trabalhadores sem terra sob a condição de agregados.173 A posição
privilegiada pelo aparelhamento nos diversos cargos e repartições
públicas do Império possibilitava também práticas extralegais como
peculato e a grilagem, isto é, a falsificação de escrituras de transações
envolvendo terras ou títulos de propriedade.
Dois anos após a escrava alforriada Maria Lauriano ter
reclamado da ação de despejo, novamente parte das terras da mesma

173
Este tipo de abuso não foi exclusivo do período Imperial. Uma
reclamação apresentada à Câmara de Lages em 1822 pelo Comandante
Joaquim José Rodrigues contra o Capitão de Ordenanças e Comandante da
vila, o “abastado criador” Manoel Cavalheiro Leitão, nos fornece indícios
neste sentido: “Cavalheiro Leitão é um insultante! É vestido de um aspecto
feroz, quer ser obedecido legalmente em todas as suas desmedidas
violências (...). Quando lhe parece, degrada, intromete-se no que pertence à
justiça. Manda chamar à sua presença este ou aquele cidadão e, tendo já
consigo o juiz e o escrivão, provoca o mísero com palavras insolentes (...).
A matadores dá passaportes (...). Passa concessões de terras e até das já
possuídas, como sucedeu com a viúva do Ref. Capitão-mor (...) coadjuva os
que fez introduzir em seus campos, fazendo desfeitas contínuas a essa
honrada viúva (...).” Sublinhado da autora. CABRAL, Oswaldo Rodrigues,
2004, Op. cit., (vol. 1), pp. 168-170.
100

fazenda Pedras Brancas foi objeto de disputa. Infelizmente tive acesso


apenas a duas correspondências das partes interessadas publicadas em
1855 no jornal O Conservador, de Desterro.
Consta que em 1851, Joaquim da Costa Moreira havia
vendido a fazenda Pedras Brancas a Henrique Ribeiro de Córdova por
meio de uma escritura particular. Pouco tempo depois, o capitão José
Marcelino Alves de Sá contestou a propriedade de Córdova sobre parte
das terras que alegava serem suas. Objetivando processar Alves de Sá,
Córdova obteve do vendedor Moreira uma ratificação da venda da
fazenda, desta vez por meio de uma escritura pública. Mas, de acordo
com a acusação do filho e procurador de Moreira, o tabelião público de
Lages, Generoso Pereira dos Anjos Júnior, “em vez de lavrar a escritura
de ratificação em seu livro de notas, (...) a lavrou em uma folha de papel
avulsa, e isto em seu cartório sem comparecimento de meu pai, até o
ponto em que devia indicar os nomes das testemunhas”.174 O procurador
afirmou ainda que o tabelião “suprimiu na leitura as falsas confrontações
e divisas que ele e o comprador Córdova quiseram dar à fazenda” na
ratificação da escritura, assinando-a Moreira sem antes ler; sendo que
somente após este arranjo o tabelião “teve a feliz lembrança de lançar a
escritura em seu livro de notas” no cartório.
Córdova então revidou a reclamação de Alves de Sá com uma
ação cível, à qual juntou “a espertalhona escritura de ratificação, e foi
então que se descortinou o negócio”. Em sua defesa, Alves de Sá
combateu a escritura forjada e chamou Moreira “a juramento”. O
vendedor declarou em juízo não ter declarado as confrontações e divisas
indicadas na escritura ratificada pelo tabelião e o comprador, e por
ambos foi processado, sendo pronunciado pelos crimes de perjuro e
calúnia.
Constatei que em 1854, Córdova declarou a fazenda no
registro paroquial de terras e citou como um de seus confrontantes o
capitão Alves de Sá. Ele também declarou que a fazenda fazia “fundos
com terras nacionais”, o que nos permite cogitar a possibilidade de a
escrava alforriada Maria Lauriano ter estado na posse de terrenos
devolutos ou caídos em comisso quando sofreu a ordem de despejo. No

174
Jornal O Conservador. Desterro. Ano IV, nº 319, ago. 1855, Op. cit.
101

registro paroquial de terras, Ricardo da Silva Muniz reconheceu


Córdova como confrontante de suas terras e proprietário da fazenda. Já
os opositores políticos Manoel Rodrigues de Souza e José Coelho de
Ávila declararam seus terrenos reconhecendo as divisas com a dita
fazenda sem nomear proprietário(s). Alves de Sá também declarou um
terreno denominado Ramada, comprado de Joaquim da Costa
Moreira.175 A análise destas poucas fontes sugere que Córdova, ao
comprar a fazenda Pedras Brancas, logo procurou afastar agregados ou
sitiantes ligados (ou não) ao antigo proprietário, e falsificar a escritura
da propriedade ampliando sua extensão para além dos limites originais.
Neste sentido, como previa a publicação do jornal O
Conservador de 1854 sobre os “reais benefícios da Lei de Terras”, a
ausência de um imposto territorial animou pessoas a manterem e
expandirem grandes posses de terras, muitas vezes, como nos casos em
que Córdova esteve envolvido, a partir de violência, usurpações e
cambalachos legais.

Ao povo lageano que em seca alma se abriga a gratidão: os juízes


comissários de terras

Ainda de acordo com o Regulamento de 1854, obtidas as


informações dos juízes de Direito, juízes municipais, delegados e
subdelegados de polícia e juízes de paz sobre a existência de posses e
concessões do Governo passíveis de regularização, os presidentes
deveriam nomear juízes comissários de medições aos municípios.
A natureza original do cargo de juiz comissário amalgamava
atribuições judiciárias e serviços de agrimensura. Apesar da
denominação de “juiz”, não pertencia oficialmente ao sistema judiciário
e tampouco decorria de formação bacharelesca, era indicado pelos
presidentes de província e submetido à sua autoridade. O juiz comissário
estava incumbido de executar e supervisionar agrimensores nos serviços

175
APESC, Registros paroquiais de terras. Lages, 1850-57. Livros 08 e 09.
Infelizmente, desconheço a conclusão da ação promovida por Córdova a
Alves de Sá por não ter tido acesso ao processo judicial.
102

de medição e demarcação de terras mediante requerimento de


legitimação de posse e revalidação de sesmaria. Quando verificadas as
circunstâncias de cultura efetiva e morada habitual, ele próprio nomearia
agrimensor e escrivão para comporem a comissão dos trabalhos e
combinaria a audiência de medição. Para julgar a realização das
medições ou o retorno das terras requeridas à condição devoluta
conforme previsto na Lei de Terras, os juízes comissários teriam de
examinar a validade de documentos, recolher depoimentos de
testemunhas e árbitros inquiridos nos processos de medições. Eles
também estavam habilitados a proceder despejos de posses julgadas
ilegais localizadas tanto em terras devolutas quanto em sesmarias e
concessões legítimas particulares. Os autos de processos de medições
seriam por eles expedidos ao fiscal e ao delegado da Repartição Especial
de Terras Públicas, que dariam seus pareceres e remeteriam ao
presidente de província. Se o presidente concluísse que a medição
tivesse sido realizada de modo irregular, poderia ordenar ao juiz
comissário que a executasse novamente. O presidente também analisaria
recursos de posseiros, sesmeiros ou confrontantes prejudicados com
medições de juízes comissários.
Lígia Osório Silva destaca que as oligarquias regionais, por
não simpatizarem com a centralização administrativa imposta pelo
Governo Central, se saíram vitoriosas quando foi criado o cargo de juiz
comissário – segundo a autora, uma “figura local e inexpressiva, sujeita
a pressões” –, por conseguirem nele monopolizar a execução “de uma
tarefa da qual dependia todo o mecanismo de regularização da
propriedade da terra”.176 No que se refere ao Planalto de Santa Catarina,
embora houvesse muitos juízes comissários naturais ou domiciliados das
próprias localidades para onde foram encarregados de servir, as
nomeações dos presidentes ao cargo não se restringiram a cidadãos do
próprio município onde existiu a demanda por medições.
O Ministério dos Negócios do Império e a Repartição Geral de
Terras Públicas tiveram de enfrentar desde o princípio os desafios da
execução da Lei de Terras na província catarinense, uma vez que as
condições materiais para fazê-lo divergiam muito da forma como o

176
SILVA, Lígia Osório, 1996, Op. cit., p. 169.
103

Regulamento fora projetado. Um dos maiores embaraços consistia na


falta de pessoas habilitadas para os cargos de juiz comissário e
agrimensor. Ainda em 1856, o ministro Couto Ferraz determinou que
fossem criadas comissões de engenheiros contratados pelo Governo e
transferidos inspetores gerais de medições para servirem de juízes
comissários onde estes empregados estivessem em falta na província.
Não obstante, no mesmo ano o ministro relatou a reiterada insuficiência
de empregados para substituir os poucos juízes comissários.177 Isso
esclarece a opção de João José Coutinho pela indicação de Guilherme
Ricken para o cargo de juiz comissário de medições de Lages em 1854,
quando este já ocupava muitos cargos importantes como o de juiz
municipal e delegado de polícia, assim como ocorreu em 1859, quando
foi também nomeado juiz comissário o então juiz municipal José
Nicolau Pereira dos Santos.
Em 1855, o juiz comissário Ricken participou ao presidente da
província a falta de agrimensor habilitado para os trabalhos de medições
na freguesia de Campos Novos. Em resposta, Coutinho justificou a
insuficiência de funcionários pelo fato de os agrimensores não
possuírem ordenado mensal e disporem somente dos rendimentos das
demarcações que executavam. Por isso até aquele momento não havia
sido possível “achar-se aqui quem para essa [freguesia] queira seguir na
dúvida de achar serviço correspondente ao incomodo e despesas de
viagem”. Contudo, “a falta atual de agrimensor não deve obstar a
fixação de editais, porque havendo muitos que queiram a demarcação
talvez se encontre agrimensor que para essa queira seguir”.178
Entre 1862 e 1864 foi o engenheiro militar Dom Eugenio
Frederico de Lossio e Seiblitz quem assumiu as funções de juiz
comissário de medições em Lages. Ele fazia parte da comissão de
engenheiros contratados em 1861 pelo Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas para trabalhar em Santa Catarina, apesar de
177
MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado a Assembleia
Geral Legislativa na Quarta Sessão da Nona Legislatura pelo Ministro e
Secretário d’Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto
Ferraz. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1856, p. 14.
178
APESC. Registro da correspondência para execução da Lei de Terras
da presidência na província 1854-70. p. 9 v.
104

se encontrar na província desde o ano anterior como juiz comissário em


Laguna e São José. Natural do Rio de Janeiro, Lossio e Seiblitz também
foi chefe do distrito telegráfico de Santa Catarina e vice-diretor da
Repartição Geral dos Telégrafos.179 Ele foi casado com a filha do grande
fazendeiro Liberal Gaspar Xavier Neves (coronel comandante superior
da Guarda Nacional de Desterro e diretor das colônias Santa Izabel,
Teresópolis e Angelina),180 e foi eleito deputado da Assembleia
Legislativa de Santa Catarina em 1870-71, na mesma legislatura que seu
sogro. O casamento de Seiblitz exemplifica como, por vezes, mesmo
funcionários destacados pela Corte e originalmente desvinculados do
poder local acabavam por criar raízes junto às elites locais. Ainda neste
período, Henrique Kreplin era o agrimensor do juiz comissário e
serviram como escrivães Henrique Frederico Buys, José de la Sierra
Pereira e Venancio Antonio de Moraes Abreo, todos nomeados por
Lossio e Seiblitz.
Foi nomeado para substituí-lo em 1870 o coronel e engenheiro
militar Francisco Antonio Pimenta Bueno,181 justamente no período em
que seu pai, José Antonio Pimenta Bueno (o Marquês de São Vicente),
passou a chefiar o novo Gabinete ministerial do Império. Entretanto, não
existe qualquer registro de suas atividades como juiz comissário em
Lages, sendo provável que não tenha ocupado o cargo. Francisco
Pimenta Bueno foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e
publicou uma série de obras sobre suas pesquisas e incursões ao interior
do Mato Grosso. A nomeação deste engenheiro para Lages é sintomática
no que se refere à possibilidade de intenção do Governo em afirmar e
expandir a colonização do Planalto além do rio do Peixe, notadamente
nos campos de Palmas que, no período, estavam entravados

179
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 712.
180
Ibidem, p. 484.
181
SANTA CATARINA, Relatório apresentado pelo 2º vice-presidente de
Santa Catharina o Exm. Sr. Doutor Manoel do Nascimento da Fonseca
Galvão ao presidente Exm. Sr. Doutor André Cordeiro de Araújo Lima por
ocasião de passar-lhe a administração da mesma em 3 de Janeiro de 1870.
Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 16.
105

juridicamente pela disputa de jurisdição dos limites com o Paraná,


constituindo uma área de fronteira agrícola e de colonização aberta.182
Tão grande quanto a escassez de bacharéis em Direito, a falta
de agrimensores e engenheiros habilitados ampliou consideravelmente a
importância dos militares nos trabalhos de medições de terras, como nos
casos dos engenheiros militares João de Souza Mello e Alvim, José de
Freitas, Seiblitz e Pimenta Bueno.
Ainda em 1870 foi remanejado para Lages o alferes Frederico
Xavier de Souza,183 que já havia trabalhado como juiz comissário em
diferentes municípios da província como São José, Tijucas e Itajahy. Em
1856, ele foi ajudante de João Xavier de Souza, então diretor da colônia
militar de Santa Thereza, e em 1867 serviu como delegado de polícia
substituto de São José. Xavier de Souza trabalhou em Lages até 1872,
quando seu agrimensor o tenente da Guarda Nacional Cyrillo Lopes de
Haro foi nomeado para substituí-lo. Este havia exercido o cargo de
delegado de polícia substituto de São José em 1878. E foi indicado para
os serviços de agrimensura o negociante Augusto Moreira da Silva,
posteriormente subdelegado de polícia em 1866 184 e vereador de Lages
em 1877-80.185
Em 1874 o juiz comissário de Lages era Henrique Frederico
Buys, que já havia sido escrivão do juiz comissário no termo e
trabalhado como juiz comissário em Laguna, São José, São Miguel e
São Sebastião. Buys era alferes da Guarda Nacional e foi empregado
público na Corte, onde trabalhou como secretário da delegacia de polícia
do Rio de Janeiro e corretor de fundos públicos. O escrivão substituto do
182
Para aprofundamento, cf. COSTA, Licurgo. Um cambalacho político: a
verdade sobre o “acordo” de limites Paraná-Santa Catarina. Florianópolis:
Editora Lunardeli, 1987.
183
SANTA CATARINA, Relatório apresentado pelo 2º vice-presidente de
Santa Catharina o Exm. Sr. Doutor Manoel do Nascimento da Fonseca
Galvão ao presidente Exm. Sr. Doutor André Cordeiro de Araújo Lima por
ocasião de passar-lhe a administração da mesma em 3 de Janeiro de 1870.
Desterro: Typ. de J. J. Lopes, 1870, p. 13.
184
APESC. Ofícios das subdelegacias de polícia para presidente de
província. Livro 1886, p. 72.
185
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livros 1877 (s. p.) e 1880-vol. 02, p. 104.
106

juiz comissário era Joaquim Morato Couto. Em 1874, o jornal O


Conservador defendeu o presidente João Thomé da Silva contra as
acusações de abuso de poder sofridas por ele após ter advertido Buys
acerca de expropriações de posseiros pobres:

Quanto aos atos do Sr. Bouis e as imensas


reclamações que vieram contra o seu
procedimento, tendo até se dirigido a essa
capital muitos reclamantes, não pessoas de
influência política, mas sim lavradores pobres e
pais de numerosas famílias, são cousas estas
geralmente sabidas para que se desconheça a
razão, e censura-se o ato da remoção,
prudentemente resolvido pela administração.
Estes pais de família, lavradores todos, posto
por ignorância ou talvez desleixo, até certo
ponto, das autoridades locais, se tivessem
indevidamente apossado de terras devolutas,
nem por isso deveriam ser incontinenti
coagidos a desocupá-las, máxime para
satisfazer-se a desmedida ambição...
Se não lhes podia aproveitar o beneficio da
legitimação, por ser a posse posterior à lei das
terras, restava-lhes em todo o caso o direito de
preferência à compra das terras ocupadas, como
desde logo fizeram valer. E, ademais, o que fez
o Sr. Dr. João Thomé foi procurar informar-se
das muitas queixas e reclamações que chegaram
ao seu conhecimento, recomendando desde
logo ao juiz comissário que se houvesse de
maneira que se fossem respeitados os justos
interesses dos lavradores. Tão prudente
recomendação não pode, sob relação alguma,
importar abuso: nem tampouco o ter-se
mandado sobr‟estar medições que tantas
queixas e reclamações tiveram; constitui justo
motivo para censura.186

186
Jornal O Conservador (SC). Desterro. Ano IX, nº. 182, nov. 1874, Op.
cit., p. 02.
107

De acordo com o jornal, foram os próprios lavradores que


dirigiram-se a Desterro e reclamaram à presidência contra a
arbitrariedade do despejo que sofreram por parte do juiz comissário.
Mesmo sem a propriedade das posses, estes pequenos lavradores
reconheciam-se como produtores e acionaram a Lei em benefício
próprio, recorrendo ao presidente da província conforme consta no art.
nº 47 do Regulamento de 1854, segundo o qual “as decisões dos juízes
comissários (...) [sobre] o direito do sesmeiros, ou posseiros, e seus
confrontantes, estão sujeitas a recurso para o Presidente da Província e
deste para o Governo Imperial”. O artigo nº 15 da Lei de Terras previa
que os possuidores de terras tivessem preferência na compra; e o nº 44
do Regulamento estabelecia que a medição de posses em terras
devolutas, se tivessem sido adquiridas por ocupação primária, deveriam
ser legitimadas, caso estivessem com princípio de cultivo. A seu modo,
estes lavradores pobres experienciaram o que O Conservador de Santa
Catarina conjecturou em 1854 sobre o que viria a ser um dos “reais
benefícios da Lei de Terras”, a saber, a ocupação produtiva em pequenas
propriedades familiares.
O jornal sugeriu que a reclamação dos posseiros surtiu o efeito
esperado junto às autoridades provinciais, ao ressaltar que o ato da
remoção fora “prudentemente resolvido”, pois os lavradores “desde logo
fizeram valer” o direito de preferência à compra de terras ocupadas. Este
esforço dos lavradores catarinenses em garantir o direito às terras que
ocupavam nos reporta para a sublevação dos agregados do Barão de
Piabanha de 1858, estudada por Márcia Motta. Apesar de fracassada, a
reivindicação de legitimação das posses dos agregados do Barão
também havia se originado de uma interpretação da Lei de Terras. Tanto
no caso de Santa Catarina quanto no do Rio de Janeiro, os posseiros
procuraram salvaguardar o direito às terras lavradas, baseados na
disposição da Lei que previa a legalização de posses. Ao atribuírem
sentido específico à Lei “os pobres do campo esforçaram-se para
imprimir esta interpretação da nova norma legal”, enquanto “uma
possibilidade concreta de fazer valer o direito de possuidores de
assegurarem quinhões de terra”.187 Para Motta, a Lei de Terras

187
MOTTA, Márcia M. M., 2008, Op. cit., pp. 229-230.
108

“possibilitava várias leituras”, pois era fruto de uma conjuntura


complexa, “resultado de um jogo de forças que não ocorria apenas no
Parlamento”.188 Ademais, ao sublinhar que os reclamantes não possuíam
influência política, o jornal procurou ressaltar a natureza social da
questão e desvirtuar o foco político sobre o juiz comissário.
O artigo da Lei que garantia a legitimação de posses foi
estratégico para posseiros pobres sem terra em Lages. Como já
mencionei, minha Monografia de Graduação foi pautada em
requerimentos de compra de terras devolutas lavrados na região do
Planalto durante a segunda metade do século XIX. Praticamente todos
os 24 requerimentos analisados adiantaram direta ou indiretamente a
posse das terras requeridas. Cerca de 54% das solicitações afirmaram a
produção de lavoura ou a tinham como finalidade, das quais: nove
requerentes declararam unicamente o cultivo de milho, feijão e fumo,
em posses “nacionais” que variaram entre 48,4 ha e 242 ha; e quatro
afirmaram ter sistema de plantio integrado à criação animal, com as
espécies suína e de gado vacum e cavalar, em extensões de terras
indefinidas, haja vista que alguns requereram “quanto fosse necessário”.
Além disso, 25% dos requerimentos diziam respeito à compra de posses
que já constavam em domínio particular de terceiros, ou em posses já
demarcadas e legitimadas, junto a acusações de invasão de propriedade.
Também existiram reclamações da “partilha-do-leão”, ou seja, divisões
de posses em condomínio nas quais foram usurpadas benfeitorias com
cultura efetiva de posseiros condôminos.189 A presença de posseiros
nacionais pobres foi evidenciada com o percentual de 37% dos
requerimentos contendo anexadas declarações de pobreza assinadas por
vigário e vereadores municipais, a exemplo do que foi alegado pelo Pe.
Antonio Luiz Esteves de Carvalho sobre o requerente a compra de um
faxinal devoluto em 1863:

Atesto que Januário Antonio da Silva é morador do lugar


denominado Corisco para onde veio em companhia de sua
mãe e uma irmã, Maria Roza do Nascimento e Belisaria
Maria do Nascimento, da cidade de Porto Alegre e entrou
188
Ibidem, p. 25.
189
Para aprofundamento, cf. DAROSSI, Flávia Paula, 2015, Op. cit.
109

no sertão Nacional e ali escolheu um lugar de terras


lavradas para com sua indústria tratar-se de sua miserável
mãe e irmã para do contrário morrerão de fome pois que
não tem outro modo de vida senão ser muito trabalhador, e
para que não sofram miséria e sua família entrou no dito
lugar ignorando as penas em que estava incurso na forma
das Leis das Terras. É justo, portanto que o Ex.mo
Governo atenda as circunstâncias do Peticionário, pois
que sendo muito laborioso é de supor-se que ganhe já sua
indústria para pagar o lote que requer em vista de algum
prazo. Cidade de Lages 6 de Agosto de 1863.190

De 1874 a 1878, foi encarregado como juiz comissário de


Lages e Curitibanos o capitão da Guarda Nacional de Laguna Manoel
José de Freitas Cardoso, que havia sido vereador de Desterro em 1864.
Em abril de 1876, os vereadores da Câmara Municipal de Lages
enviaram um ofício ao presidente João Capistrano Bandeira de Mello
Filho, no qual impetravam a permanência do juiz comissário no
município, segundo eles, pelas “distintas qualidades de que é ornado,
tem sempre distribuído o direito e a justiça nas questões mais
importantes de terras pertencentes ao Estado, no ato de serem
legitimadas e revalidadas”. Os vereadores justificaram ainda que

No exercício do cargo de que se acha revestido,


o Ilustríssimo Sr. Freitas Cardoso, acaba de
prestar momentoso serviço a este município por
intermédio do antecessor de V. Ex.cia obtendo
do Governo Imperial a redução do preço pelo
qual era vendida cada braça de terra, serviço
que redunda a favor da classe desfavorecida da
fortuna e dos intrusos domiciliados em terrenos
nacionais. A satisfação com que foi recebida
neste município tão grata notícia patenteou
mais uma vez ao povo lageano que em seca
alma se abriga a gratidão, sentimento que
enobrece e eleva o espírito da humanidade. A

190
DA SILVA, Januario Antonio. APESC. [Requerimentos: concessões de
terras T.C. = 1834 - 1840/41–1847 – 1855/56 – 1859/64 – 1867], Lages,
vol. 01.
110

Câmara Municipal, pois, nutre a convicção de


que V. Ex.cia aprovará pelo que fica expendido,
o seu procedimento, desejando a conservação
desse Juiz reto e zeloso no comprimento dos
seus deveres, e espera que V. Ex.cia solícito
sempre a distribuir Justiça prorrogue por mais
um ano o prazo que está prestes á expirar, do
honrado Juiz Comissário a quem o povo
lageano acata e tributa eterna gratidão.191

Entre 1874 e 1878 serviram como escrivães de Freitas


Cardoso em Lages, Joaquim Marcolino Ramos, Juvêncio Martins da
Costa e Fernando Gomes Caldeira de Andrada. Este último era filho do
delegado da Repartição Especial de Terras Públicas, José Bonifácio
Caldeira de Andrada, e já havia sido escrivão de juiz comissário em
Laguna e São Francisco. Especificamente para as freguesias de
Curitibanos e Campos Novos foi escalado como juiz comissário de
medições o tenente João José de Castro Junior, que havia sido
subdelegado de polícia de São José em 1869. Ele indicou João Carlos
Xavier Neves para servir de escrivão192 e ambos trabalharam na região
de 1875 até 1878, quando Castro Júnior foi transferido para o município
de São José.193
Também assumiu por curto período o cargo de juiz comissário
de Lages o fazendeiro, criador e tenente coronel da Guarda Nacional de
Lages e Curitibanos João da Silva Ribeiro, neto de Matheus José de
Souza e bisneto de sesmeiro de Santo Antonio da Patrulha-RS. Filiado
ao partido Conservador, Ribeiro foi eleito pela província de Santa

191
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1876, p. 233.
192
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 485.
193
Em 1884, mais de trinta colonos moradores da ex-colônia Theresópolis
reclamaram ao presidente da província contra o procedimento de Castro Jr.,
pelo motivo de “ter invadido terras de alguns dos suplicantes, medindo e
demarcando como terras devolutas em proveito de terceiros, terras
pertencentes aos lotes distribuídos há muitos anos aos que hoje são seus
senhores e possuidores”. Jornal A Regeneração. Órgão democrático.
Desterro. Ano XVI, número 84, abr. 1864. Acervo da Biblioteca Nacional
Digital. Hemeroteca digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico.
111

Catarina para compor a lista tríplice das eleições para senador do


Império juntamente com Alfredo d‟Escragnolle Taunay e João Silveira
de Souza,194 além de ter sido vereador presidente da Câmara Municipal
de Lages em 1875 e 1878.
De 1878 até 1881, o juiz comissário de Lages e Curitibanos
foi Constâncio Carneiro Barbosa de Brito, antigo contador do juizado
municipal de Lages que atuou também como advogado e procurador em
processos judiciais relativos a questões de terras na região. Ele nomeou
como escrivães Henrique José de Siqueira (proprietário do periódico O
Lageano), Christiano Küster e Fortunato Dias Baptista. Neste período,
eram agrimensores Frederico von Scholer, que já havia trabalhado
também em São Miguel e S. Sebastião, e Augusto Moreira da Silva.
Caetano José de Souza sucedeu Barbosa de Brito como juiz
comissário de Curitibanos de 1878 a 1881 e de Lages entre os anos de
1882 e 1884. Ele já havia trabalhado como curador fiscal em São José,
sido eleito juiz de paz e nomeado subdelegado de polícia e juiz
municipal substituto. Ele nomeou como escrivães João Vieira Franco,
Manoel Albino Ramos, então escrivão do juiz de paz da freguesia de
Campos Novos, e Belizario Lopes de Haro, além dos agrimensores José
Maria Simas, Augusto Ferret, José Francisco da Costa Fagundes,
Joaquim José da Motta e Augusto Moreira da Silva.
De 1881 á 1884, Clementino Alves de Assumpção Rocha foi
quem assumiu o cargo de juiz comissário, no período em que seus
partidários liberais dominavam a política nacional. De uma conhecida
família da região de Perdizes – região norte de Curitibanos (atual
município de Videira), ele já havia sido eleito juiz de paz da freguesia
em 1867, vereador em 1873-75 e nomeado subdelegado de Lages em
1879 e substituto de juiz municipal, além de, posteriormente, ter servido
como coletor geral. Durante a vigência de seu cargo, Assumpção Rocha
nomeou como escrivães Antonio Manoel de Lêdo (posteriormente
subdelegado de polícia de Lages, em 1887) e José Joaquim de Córdova
Passos (depois nomeado agrimensor). Este último era tenente da Guarda
Nacional de Lages e substituiu seu avô Henrique Ribeiro de Córdova no
comando do partido Liberal do município. Ele foi secretário da Câmara

194
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 675.
112

Municipal em 1882 e deputado na Assembleia Legislativa Provincial em


1888-89.195 Neste período, Francisco de Salles Cardoso também foi
nomeado agrimensor.
Julio Xavier Neves assumiu o cargo de juiz comissário de
Curitibanos entre 1884 e 1885. O agrimensor era Germano Augusto
Thieme, que em 1889 assumiu o cargo de juiz comissário de medições
em Itajahy. Xavier Neves havia nomeado como escrivães Estacio
Borges da Silva Mattos Sobrinho e João Domingues Garcia Filho. A
documentação relativa à execução dos serviços dos juízes comissários
indica que Caetano José de Souza, Julio Xavier Neves e Clementino
Alves de Assumpção Rocha trabalharam simultaneamente em Lages,
bem como este último também em Curitibanos. Uma solicitação
justificada ao presidente da província para substituição de Xavier Neves
em um processo de medição de terras exemplifica a possibilidade de
cambalachos legais e políticos por parte de juízes comissários.
O suplicante Antonio Alves da Rocha, morador de
Curitibanos, “legítimo proprietário” de campos e matos denominados
Herval na margem direita do rio Canoas, requereu a presidência a
nomeação de um juiz comissário ad hoc, assim como a de um escrivão e
a de um agrimensor, “visto serem o atual juiz comissário inimigo do
suplicante e amigo íntimo do éreo Francisco Lourenço que se opõe à
dita medição, e ser o escrivão o mesmo que já funcionou como
procurador do éreo” que reclamou a medição.196 O pedido de troca do
juiz comissário foi indeferido pelo presidente José Lustosa da Cunha
Paranaguá após Xavier Neves requerer uma audiência com o juiz
municipal e intimar Alves da Rocha para “vir reclamar, sob juramento,
se o suplicante é seu inimigo (...) e explicar a procedência dessa
inimizade (...) sob pena de não o fazendo, haver-se como não existindo
inimizade alguma (...)”. No termo de assentada da referida audiência,
Alves da Rocha declarou não ter inimizade com o juiz comissário,
“assim como que ignora intimidade do mesmo com Francisco

195
Ibidem, p. 602.
196
ROCHA, Antonio Alves da. Requerimento de juiz comissário ad hoc.
APESC. [Requerimentos: concessão de terra: T.C. 1867-1887], 1884, maço
14, pp. 13-17.
113

Lourenço”. E justificou que, se existisse ou foi “arguida inimizade entre


ele e o suplicante, em requerimento ou papel por ele assinado, isso
ignora, por isso que sendo analfabeto e somente mal assina seu nome,
nada escreve por si e só assina o que outro lhe escrevem.”197
Outro indício que problematiza a conduta política do juiz
comissário Xavier Neves é o protesto de Luís Antonio de Souza contra a
medição e demarcação de posse iniciada por José Domingues de
Oliveira Lemos, escrivão de Curitibanos. Souza reclamou a rogo que
Xavier Neves foi conivente com a demarcação de uma posse de terras
griladas pelo referido escrivão, “deixando o referido juiz de cumprir
com os preceitos recomendados pelo Decreto 1.318 de 30 de Janeiro de
1854, Reg. da Lei das Terras, com referência a Lei nº 601 de 18 de
Setembro de 1850”.198 A posse havia sido herdada por meio de partilha
de herança pela falecida esposa do reclamante e filhos, e foi englobada
na área medida por Oliveira Lemos, genro de Joaquim Antonio de
Souza, também herdeiro na referida partilha. O sogro do escrivão doou a
referida posse para Cirino Penteado, segundo substituto de delegado de
polícia de Curitibanos, que a transmitiu por escritura pública a Oliveira
Lemos. Tendo arranjado “uma turma de seus afeiçoados para garantirem
falsamente a posse”, o escrivão em seguida procurou medi-la e demarcá-
la em seu nome.
De acordo com o reclamante, Cirino Penteado residia há anos
na vila de Curitibanos, onde era comerciante e empregado público, e
nem tinha conhecimento sobre a localização do terreno. Os dados
constantes na escritura aludiam apenas a cultivo com simples derrubadas
de matas pelos peticionários – que “não só buscaram o meio de
prejudicar os éreos confinantes, como de usurparem terras do
Estado”.199 Seguindo a linha interpretativa da acusação, o escrivão,
“afeiçoado” a autoridades locais como o delegado de polícia substituto e
o juiz comissário, procurou criar um histórico dominial que confirmasse

197
Ibidem.
198
SOUZA, Luis Antonio de. Protesto de medição. APESC.
[Requerimento: concessão de terra] 1884, set., Curitibanos, vol. 13.
199
Ibidem.
114

a seu favor a antiguidade do domínio para o deferimento da legitimação


da posse.
Em 1883, Aureliano Alves de Assumpção Rocha, Jeronimo
Alves de Assumpção Rocha e Estácio Borges da Silva Mattos foram os
vereadores mais votados para a Câmara Municipal de Curitibanos.
Borges da Silva Mattos era sargento da Guarda Nacional, líder do
partido Conservador e funcionou principalmente como tabelião e
promotor público, inclusive sendo eleito deputado provincial.200 De
acordo com Licurgo Costa, como Borges da Silva Mattos participou da
Guerra do Paraguai, o Governo Central lhe concedeu uma série de
vantagens públicas.201
Como observamos, a família Borges da Silva Mattos estava
atrelada aos serviços de escrituração do juiz comissário de medições de
forma semelhante aos Assumpção Rocha, que dominaram espaços na
Câmara Municipal e na coletoria das rendas públicas ao mesmo tempo
200
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 444.
201
Em suas memórias, João José Theodoro da Costa “diz que em 1871
candidatou-se ao cargo de escrivão do civil em Lages, mas levava uma
grande desvantagem, que era a de ter como concorrentes a Estácio Borges
da Silva Mattos e Cândido de Souza Medeiros, lageanos como ele, porém,
que participaram da Guerra do Paraguai, pelo que mereciam tratamento
especial por parte do Governo Imperial. COSTA, Licurgo, 1982, Op. cit.
vol. 01, p. 276. Notadamente no que se refere à Guerra do Paraguai, em
1866, a presidência da província de Santa Catarina remeteu ao delegado da
Repartição Especial das Terras Públicas um ofício em que solicitava que
fossem indicados os lugares onde existissem terras devolutas que pudessem
ser distribuídas para voluntários da pátria, “na conformidade do decreto nº
3.371 de 1865 (...)”. APESC. Registro da Presidência da Província para
Diretoria de Terras e Colonização 1856-70, nº 83, p. 76. Mas esta prática
de concessão de terras não ficou restrita à Guerra do Paraguai. A título de
exemplo, consta no relatório da Repartição Geral das Terras Públicas de
1855 que o ministro da Guerra ordenou no dito ano que os delegados das
Repartições Especiais de Terras Públicas de Santa Catarina e Rio Grande do
Sul demarcassem lotes de terras para satisfazer os contratos celebrados com
praças do exército. “Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas”.
MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado à Assembleia Geral
Legislativa na terceira sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário
de Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira de Couto Ferraz. Rio de
Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1855, p. 08.
115

em que eram substitutos de subdelegado de polícia e de juiz municipal e


atuaram como juiz comissário. Segundo Paulo Pinheiro Machado, a
partir da atuação como advogado provisionado, Borges da Silva Mattos
ampliou seu patrimônio particular na região transformando-se em
grande proprietário de terras.202 A atuação de ambas as famílias em
Curitibanos exemplificam como determinadas parentelas dominaram
diferentes ramos da administração pública local em Santa Catarina no
Oitocentos.
Em 1885, Narciso Silveira Gonsalves, então delegado de
polícia, foi nomeado juiz comissário de Curitibanos e Campos Novos.
Ele empregou como escrivão o agrimensor Henrique Rupp, que havia
emigrado em 1877 de Munique para o Brasil. De acordo com Piazza,
Rupp iniciou medições de terras em Curitibanos em 1881, vindo a
domiciliar-se em 1884 em Campos Novos, onde foi vereador e
presidente da Câmara Municipal.203 Em 1886, ele foi alvo de uma
denúncia promovida pelo promotor público Estácio Borges da Silva
Mattos ao juiz de Direito de Curitibanos, pelo fato de ter se ausentado
das funções de tabelião e de escrivão do juiz municipal de Campos
Novos para servir de agrimensor em um processo de medição de terras
de seu interesse.
No conteúdo da denúncia consta que o escrivão Rupp, a fim
de promover seus interesses particulares, por diversas vezes abandonou
o tabelionato que lhe havia sido confiado para, na qualidade de
agrimensor, ocupar-se de serviços de medição e demarcação de terras,
como o fez na de divisão amigável da Fazenda do Guarda-Mor entre

202
MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a
atuação das chefias caboclas (1912-1916). SP: Ed. da Unicamp, 2004, p. 78.
203
PIAZZA, Walter F., 1994, Op. cit., p. 690. Segundo Pinheiro Machado,
ele era “um agrimensor relativamente pobre quando chegou ao Brasil (...).
Logo Rupp seguiu para Curitibanos, onde trabalhou alguns anos como
escrivão substituto do cartório municipal. Na década de 1880, estabeleceu-
se em Campos Novos, atuando como agrimensor, procurador de grandes
fazendeiros e, rapidamente, foi nomeado titular do cartório municipal. A
partir destas atividades, durante a década de 1890, Rupp tornou-se grande
proprietário de terras, adquirindo logo o título de coronel da Guarda
Nacional”. MACHADO, Paulo Pinheiro, 2004, Op. cit., p. 102.
116

Henrique Paes de Almeida e outros, onde demorou cerca de um mês.


Por este motivo, Rupp teve de ser substituído pelo escrivão do juízo de
paz, pelo fato de “ter ele funcionado em dita causa nos serviços de
agrimensor!”. De acordo com a denúncia, os serviços ex-ofício pereciam
com grave prejuízo às partes (entre as quais muitos réus presos), cujos
direitos foram “sendo preteridos e conspurcados” porque “o denunciado
entende que adiante dos interesses da justiça pública e do das partes
devem estar os seus próprios”.204 A demanda por funcionários para os
serviços de medição de terras ampliava as brechas para que cidadãos
politicamente ativos como Rupp deliberadamente assumissem diferentes
cargos na esfera local. Por consequência, ao executar estes serviços,
tinham ampliadas as possibilidades de fazê-lo de forma negociada,
promovendo inclusive o auto beneficiamento.
Entre 1885 e 1888 ocuparam o cargo de juiz comissário de
Curitibanos e Campos Novos Marcos Alves Cardozo e João Francisco
dos Santos. Em Lages, existiu a troca anual de juízes comissários
durante os anos finais do regime monárquico, a saber, em 1885, o
engenheiro Hercílio Pedro da Luz,205 em 1886, Diogo Duarte da Luz,206
em 1888, o “proprietário e capitalista” João José Theodoro da Costa
(então promotor público de Lages),207 e em 1889, João José Godinho,

204
Museu do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ação de representação
a Henrique Rupp, Comarca de Campos Novos, 1866, caixa 1880-1889/004.
Infelizmente não foram encontrados os autos do referido processo, de modo
que desconhecemos o conteúdo da inquirição das testemunhas por parte do
juiz municipal e a sentença do juiz de Direito.
205
SANTA CATARINA, Relatório com que ao Exm. Sr. Coronel Manoel
Pinto de Lemos 1º vice-presidente passou a administração da província de
Santa Catharina o Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá em 22 de Junho
de 1885. Desterro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1885, p. 40.
206
SANTA CATARINA, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa
Provincial de Santa Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura pelo
presidente Francisco José da Rocha em 11 de Outubro de 1887. Rio de
Janeiro: Typ. União de A. M. Coelho da Rocha & C., 1888, p. 333.
207
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1888, p. 140.
117

substituído por Aureliano de Oliveira Ramos208 (proprietário de um


engenho de serrar madeiras), que nomeou para o cargo de escrivão
Henrique Luiz Córdova.
A maioria dos juízes comissários de medições nomeados para
a região do Planalto no período entre 1854 e 1889 foi escolhida no
funcionalismo público e político da região correspondente à antiga 2ª
comarca de Lages e São José. Parte considerável havia desempenhado
outros cargos nomeados como juízes municipais, delegados e
subdelegados de polícia substitutos, além de eleitos vereadores e juízes
de paz – salvaguardadas exceções como Dom Eugenio Frederico de
Lossio e Seiblitz, que era engenheiro militar da Corte e tinha um
contrato de trabalho com o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas para desempenhar medições de terras em Santa Catarina.
Outros ascenderam na hierarquia de nomeações, passando de
agrimensor e escrivão ao cargo de juiz comissário. No geral, tratava-se
de cidadãos que haviam alcançado alguma projeção política e social
consoante ao volume de seus negócios particulares, o que também pode
ser evidenciado pelo fato de que a maioria possuía altas patentes da
Guarda Nacional de Lages, Curitibanos ou Desterro.
Pelo Regulamento de 1854, o Governo Imperial procurou
integrá-los na política judicial tal como procedeu com os empregos
normatizados pela Reforma do Código do Processo Criminal, de modo
que as nomeações ao cargo serviram de mecanismo clientelista e
possibilitaram barganhas através de concessões e regularizações
fundiárias. O presidente Coutinho, por exemplo, repercutiu o arranjo
político nacional ao nomear ao cargo de juiz comissário de terras em
Lages homens ligados ao partido Conservador. Assim como entre 1862
e 1868, apesar da troca anual de presidentes, no período de Conciliação
de hegemonia Liberal, o comissariado de terras foi ocupado
principalmente por cidadãos ligados ao partido Liberal.

208
SANTA CATARINA, Relatório com que ao Exm. Sr. Doutor Luiz Alves
Leite de Oliveira Belo passa a administração da Província ao Exm. Sr.
Doutor Abdon Baptista 2º vice-presidente em 19 de Julho de 1889.
Desterro: Tipografia do Democrata, 1890, p. 30.
118

Através das indicações dos empregados que comporiam as


comissões de medições e dos pareceres dos processos que seriam
remetidos ao fiscal e Delegado da Repartição Especial das Terras
Públicas e ao presidente da província, os juízes comissários
contribuiriam para a circulação de informações políticas necessárias aos
governos provincial e central. Os presidentes permaneciam pouco tempo
em uma mesma província e necessitavam das informações de
empregados de jurisdições municipais como o juiz comissário para
funcionar a política provincial a favor do Gabinete de situação – através
de deferimentos de nomeações, de vendas de terras devolutas, de
legitimações de posses, etc. Ademais, o poder de indicar escrivães e
agrimensores era extremamente favorável ao juiz comissário, pois
ampliava a possibilidade de arregimentar maior número de “clientes” a
seu favor e a favor do Governo.
O Regulamento de 1854 partilhou as atribuições judiciárias
dos juízes comissários com os juízes municipais, de modo que ambos
foram encarregados de extremar o domínio público do particular a partir
do julgamento de processos de embargos de medições e demarcações de
terras. Os inspetores gerais de medições enviariam os pedidos de
embargos aos juízes municipais nos casos em que o peticionário não
estivesse sujeito à legitimação de posse ou à revalidação de sesmarias, e
enviariam aos juízes comissários aqueles nos quais os posseiros ou
sesmeiros peticionários tivessem reconhecido o direito à regularização
de terras no processo de medição embargado. Dar-se-iam cinco dias
para os queixosos deduzirem seus embargos, que seriam julgados pelo
juiz comissário nos termos da Lei de Terras e do Regulamento de 1854,
e pelos juízes municipais na forma do Código do Processo Criminal.
Todavia, após debates na sessão do Conselho de Estado dos
Negócios do Império, foi deliberado pelo decreto nº 2.105, de 1858, que
todas as decisões que versassem sobre os limites entre terras públicas e
particulares, “quer estas sejam sujeitas à legitimação e à revalidação,
quer não, ficassem competindo aos juízes comissários, (...) atendendo à
morosidade e incerteza das decisões dadas pelo foro comum sobre as
119

questões ali nascidas”.209 Isto significa que o Conselho de Estado


ampliou sobremaneira o campo de atuação jurídica dos juízes
comissários de terras nos municípios.

A força do poder local

Apesar da lei de 1º de outubro de 1828 e do Ato Adicional de


1834 terem reduzido sobremaneira as funções das Câmaras Municipais
em favor das Assembleias Legislativas Provinciais, em Santa Catarina
os vereadores continuaram gozando de relevantes poderes executivos e
judiciários, notadamente a partir de duas circunstâncias específicas. A
primeira diz respeito ao constante esgotamento das listas de juiz
municipal substituto que tornavam o cargo vago, cabendo ao vereador
mais votado exercê-lo até que novo juiz fosse nomeado, conforme
consta na Lei de Interpretação do Código do Processo Criminal. Desta
forma, vereadores tinham a possibilidade de integrar o sistema judiciário
e ajuizar processos cíveis nos quais os objetos de ação poderiam ser
terras da jurisdição municipal, onde ele próprio, seus parentes e
agregados residiam e fora eleito. Já a segunda circunstância diz respeito
à execução da Lei de Terras nos municípios. Embora o Regulamento de
1854 não atribuísse qualquer serviço de aplicação da Lei às Câmaras
Municipais, os presidentes de Santa Catarina encarregaram vereadores e
fiscais das Câmaras por funções legalmente atribuídas aos juízes
comissários de terras e inspetores gerais de medições.
A Câmara Municipal de Lages recebeu de presidentes da
província requerimentos de compra de terras devolutas, de legitimação
de posses e revalidação de sesmarias da jurisdição do município para
que fossem verificadas as condições das terras. O fiscal fazia a vistoria –
descrevia terrenos devolutos, benfeitorias, culturas agrícolas, criações
animais, moradias, éreos confinantes, etc. – e emitia o parecer no
referido requerimento, que retornava ao presidente e era também
209
MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado à Assembleia
Geral Legislativa na segunda sessão da décima legislatura pelo ministro e
secretário d’Estado dos Negócios do Império Marques de Olinda. Rio de
Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1858.
120

encaminhado à Repartição Especial das Terras Públicas. O ato de


verificar e declarar a qualidade da cultura efetiva e morada habitual era
o principal elemento do qual dependia a legalidade das posses
requeridas à regularização, assim como a consideração do fiscal sobre a
condição devoluta de uma parcela de terras era para viabilizar a venda.
Os vereadores solicitavam ao presidente prorrogações de prazos para a
execução de medições, afixavam editais com o chamamento de
reclamações de embargos e recebiam-nas pelo secretário da Câmara,
assim como requerimentos de compra de terras devolutas e de
legitimações de posses dos requerentes. Se compararmos ambas as
circunstâncias elencadas, concluímos que um mesmo vereador poderia
dominar simultaneamente os principais cargos e instrumentos legais de
aplicação da Lei de Terras na localidade.
No que se refere a Lages, a posse do cargo de fiscal da
Câmara foi motivo de disputa entre vereadores, o que revela sua
importância na dinâmica política local. Em 1883, por exemplo, a
maioria partidária da Câmara aprovou a nomeação de Vicente Pedrozo
do Amaral para o cargo de fiscal, fazendo com que os vereadores da
oposição reclamassem por meio de um abaixo assignado ao presidente
provincial, uma vez que o dito Pedrozo, na qualidade de fiscal da
Câmara Municipal “cometera crimes, pelos quais fora condenado
definitivamente à perda do emprego e mais à quarenta dias de prisão”.
Portanto, tendo esta sentença passada em julgado, não poderia ele ser
renomeado para o mesmo emprego que fora condenado a perder, sendo
que “estas justas observações foram repelidas com a mais dura grosseria
por parte da maioria da Câmara”.210
Na prática, a presidência alterou sobremaneira as disposições
do Regulamento de 1854 ao inserir as Câmaras Municipais na
burocracia da Lei de Terras da província e de certa forma equiparar
vereadores a juízes comissários e inspetores gerais de medições. Este
procedimento ampliou demasiadamente as possibilidades para que,
através dos referidos serviços, vereadores agissem em favor de negócios
particulares, expandindo os próprios domínios, ocupando terras públicas

210
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1883, p. 177.
121

ou negociando concessões de terras no município, inclusive estendendo


negociações às demais regiões da província, se considerarmos o fato de
que vereadores de Lages também ocuparam assentos como deputados na
Assembleia Legislativa Provincial. Esta questão torna-se ainda mais
complexa se levarmos em conta que todos os artigos de leis e posturas
municipais propostos por vereadores eram votados pelos deputados na
Assembleia Legislativa provincial. Era neste espaço que eles poderiam
negociar votos para a criação de uma nova paróquia ou freguesia
próxima de suas propriedades, a construção de estradas que virtualmente
facilitariam o escoamento de sua produção, promovendo valorização
fundiária, etc. Estas demandas locais tocavam diretamente a Lei de
Terras, pois a mesma previa a reserva de terras devolutas para a
fundação de povoações, abertura de vias, servidões, do mesmo modo
que todas as terras devolutas vendidas ficariam sujeitas ao ônus de ceder
o terreno necessário à construção de estradas.
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina e a Repartição
Especial de Terras Públicas reuniram diferentes grupos de poder político
regionais. Apesar da Assembleia Legislativa não ter sido incumbida de
nomear, legislar ou administrar quaisquer disposições acerca do
funcionalismo público ou dos serviços relacionados à execução da Lei
de Terras na província, um número considerável de deputados
provinciais estiveram envolvidos na aplicação da Lei em algum
momento de suas trajetórias políticas, pelo fato deles já terem
participado da Repartição Especial de Terras Públicas ou de outros
cargos públicos das alçadas administrativa, policial ou judiciária.
Para além do engajamento na burocracia da Lei de Terras,
muitos destes empregados-políticos estabeleceram alianças e mesmo
redes de parentesco a partir da participação na Assembleia Legislativa
Catarinense e na administração pública municipal. É difícil mensurar
historicamente o peso que a Lei de Terras possivelmente teve para
aproximar os diferentes grupos de poder regionais atrelados na
burocracia do Estado nas diferentes localidades da província e em
Desterro, no intuito de garantir demandas relacionadas ao setor
econômico privado de suas regiões eleitorais. É fato que a Lei de Terras
contribuiu apenas para potencializar esta cultura política clientelista,
122

pela maneira extremamente funcional como foi gestada, ampliando o


leque de instrumentos e possibilidades de barganha política pela
negociação e concessão de terras e direitos de propriedade. Somado a
isto, a sobreposição ou alternância de diferentes empregos por uma
mesma pessoa nas estruturas administrativas do município e da capital
(e a frequente atividade como substituto) ampliava a experiência e o
conhecimento das veredas burocráticas para tornar exequível este
clientelismo fundiário. A análise da complexidade da burocracia
imperial e sua natureza política possibilita que compreendamos a forma
como demandas específicas relacionadas a questões de terras puderam
ser agenciadas e muitas vezes favorecidas a curto, médio e longo prazo
na província.
A título de exemplo, em janeiro de 1853 a Câmara Municipal
de Lages concedeu um terreno de seu patrimônio para a instalação de
um engenho de moagem à recém-criada “Sociedade Lageana para
Beneficiar e Exportar Erva-mate”. No período da concessão ocupavam a
Câmara Municipal como vereadores o presidente Manoel Rodrigues de
Souza, Antonio Felipe Pessoa, Manoel Delfes da Cruz, o criador Manoel
Joaquim Pinto211 e Bernardino Antonio da Silva e Sá; além de
Claudiano de Oliveira Roza, José Pereira de Jesus e Lourenço Dias
Baptista, que passaram a integrá-la a partir de outubro daquele ano. E
faziam parte da Sociedade Lageana o negociante alemão Jorge Trueter
como presidente, Manoel Delfes da Cruz como vice-presidente, Antonio
Saturnino de Souza e Oliveira como secretário e Guilherme Ricken
como gerente – sendo que, após a morte deste último em 1856,
tornaram-se tesoureiros Claudiano de Oliveira Roza e Antonio Felipe
Pessoa. O tenente coronel Manoel Rodrigues de Souza, o negociante e
capitão José Manoel Leite e Leandro Bento Correia eram os sócios que
residiam em Lages e José Bonifácio Caldeira de Andrada (futuro
delegado da Repartição Especial de Terras Públicas) era um dos

211
Pinto foi um dos principais responsáveis pela fundação da freguesia de
São Joaquim da Costa da Serra, desmembrada da cidade de Lages em 1871.
Anos antes, havia mandado erguer “uma capela e construir várias casas para
seus descendentes e escravos”. BIANCHINI, Susana Scóss. Recordando
São Joaquim. Florianópolis: Ed. da Aurora, 1986, p. 20.
123

acionistas domiciliados em Desterro.212 Portanto, o presidente da


Câmara Municipal e três vereadores compunham a Sociedade Lageana e
foram os responsáveis pelo deferimento da concessão de uma parcela do
patrimônio municipal para a instalação de seu engenho de moagem de
erva-mate.
No ano seguinte, o presidente da Câmara Manoel Rodrigues
de Souza e seus vereadores-sócios Felipe Pessoa, de Oliveira Rosa e
Delfes da Cruz propuseram à Assembleia Legislativa de Santa Catarina
artigos de posturas municipais relativos à conservação das árvores de
erva-mate e à polícia dos ervais:

1º artigo = É licito fazer erva nos matos


devolutos deste município, precedendo
participação do Fiscal da Câmara Municipal,
com declaração das pessoas que pertencem a
mesma comitiva, devendo o fiscal tomar uma
nota de todas as pessoas e do lugar aonde
pretendem fazer a erva; bem entendido que esta
declaração somente dará direito a colheita da
erva e nunca ao terreno (...). 2º = Os
proprietários legítimos dos terrenos, em cujos
fundos e fora dos limites de suas propriedades
existir ervais, serão obrigados a dar caminho
aos povos que se dedicam a esta indústria, e os
que se recusarem sob qualquer pretexto, que
sejam incorridos pela primeira vez na multa de
dez mil reis, e no dobro nas reincidências (...).
3º = É proibido fazer-se erva desde o 1º de
setembro até 15 de janeiro (...). 6º = Compete
ao fiscal ou a seus agentes: §1º visitar os ervais
212
Além de Francisco Duarte Silva, José Maria do Vale (ambos liberais,
assim como Caldeira de Andrada e outros), Ulrico Haeberlé, Antonio
Jacques da Silveira, Antonio F. de Faria, Silva & Bastos, Manoel Marques
Guimarães, José Maria Barreto de Menezes, a viúva de Martinho José
Callado, Julio Melchior von Trompowsky, Manoel Luiz da Silva Leal e
João Pinto da Luz. Jornal O Argos da província de Santa Catharina.
Desterro. Ano ?, número 254, fev. 1858. Acervo da Biblioteca Nacional
Digital. Hemeroteca digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico. João
Pinto da Luz era o chefe do partido Conservador em Desterro, um dos mais
importantes comerciantes da província.
124

durante o tempo de colheita (...) §2º examinar


se as posturas são exatamente cumpridas (...) os
agentes dos fiscais receberão como gratificação
a metade das multas que legalmente imporem
(...).213

Eles procuraram restringir o acesso da população aos ervais e


monopolizá-los à sua Sociedade, principalmente apoiados no controle a
ser desempenhado pelo fiscal da Câmara Municipal no credenciamento
antecipado dos ervateiros e na possibilidade de imposição de multas.
Neste período, os ervais eram encontrados principalmente em terras
devolutas e sua colheita era realizada por trabalhadores nacionais pobres
como posseiros e agregados. Nas províncias onde a existência da erva-
mate era endêmica, as Câmaras procuraram regulamentar seu acesso no
intuito de ampliar a produção e arrecadar os tributos concernentes.214 O
baixo custo de produção e os rendimentos positivos de sua exportação
possibilitaram maior arrecadação tanto aos beneficiadores quanto à
Câmara Municipal.
Nos anos de 1853 e 1854, José Bonifácio Caldeira de
Andrada, José Maria do Vale e João Pinto da Luz foram
simultaneamente sócios da Sociedade Lageana e deputados na
Assembleia Legislativa Provincial. Portanto, os favorecidos com a
concessão do terreno em Lages para o beneficiamento da erva-mate
dominaram, na prática, todas as esferas burocráticas pelas quais as leis
municipais eram criadas e sancionadas, isto é, da Câmara Municipal à
Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e puderam, na capital,
agenciar a restrição do acesso aos ervais nativos de Lages. Em 1854 os
vereadores catarinenses ainda votaram favoravelmente o projeto que
eximia o pagamento do imposto de exportação da erva-mate na

213
APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.
Lages. Livro 1854, p. 314.
214
Para aprofundamento, cf., entre outros, ZARTH, Paulo Afonso. História
Agrária do Planalto Gaúcho (1850-1920). Ijuí: Ed. da Unijuí, 1997;
GERHARDT, Marcos. História ambiental da erva-mate. Tese de
Doutorado. UFSC. Florianópolis, 2013.
125

província.215 Sem contar o fato de que o secretário da Sociedade


Lageana, Guilherme Ricken, desempenhou nada menos que os cargos de
juiz de Direito, juiz municipal, delegado de polícia e de juiz comissário
de terras em 1854, que lhe conferiam o domínio sobre a terra, a
população e os próprios políticos da jurisdição municipal. Isso nos
encoraja a refletir e revisar os níveis reais de poder das elites políticas
locais e regionais contemplados na aparente centralização política do
Segundo Reinado. É interessante ressaltar que a “Sociedade Lageana
para Beneficiar e Exportar Erva-mate” foi composta por muitos dos
principais cidadãos ligados aos partidos Conservador e Liberal da
província. Foi extinta em 1859, ano em que houve a substituição de João
José Coutinho na presidência da província.
A Lei de Terras possibilitou a apropriação particular indevida
e a expropriação de lavradores nacionais de muitos ervais nativos. Isto
porque, apesar da Lei prever a conservação dos “campos de uso
comum” dos moradores, os vereadores e fiscais da Câmara eram os
funcionários incumbidos de identificar e reconhecer as terras de uso
público tradicional da jurisdição local. A Lei ainda previa nos casos de
legitimação que “cada posse em terras de cultura ou em campos de
criação compreende[sse], além do terreno aproveitado ou do necessário
para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais de
terreno devoluto que houver contíguo (...)”.216 Ou seja, era possível
acessar terras devolutas de matas lavradias (muitas vezes contendo
ervais nativos e coletores pobres sem terras), sem necessariamente
comprá-las ou ocupá-las com morada habitual e cultura efetiva.217

215
Artigo substitutivo nº 2: “A erva-mate que se beneficiar na província não
é sujeita na sua exportação a imposto algum”. Jornal O Conservador.
Desterro. Ano III, nº 241, jul. 1854, p. 2, Op. cit.
216
Sublinhado da autora. BRASIL, Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850.
Artigo 5º §1, Op. cit.
217
A questão torna-se ainda mais curiosa se contemplarmos o fato de que,
entre 1850 e 1855 (isto é, entre a promulgação da Lei de Terras e de seu
Regulamento de excussão), muitos destes vereadores, como Lourenço Dias
Baptista, Antonio Felipe Pessoa, Manoel Delfes da Cruz, Claudiano de
Oliveira Roza, pagavam à Câmara Municipal o aforamento de terrenos na
forma da Lei Provincial nº 347, de 1º de maio de 1852. Museu Histórico
126

Somadas à Lei de Terras, as propostas de posturas da Câmara


de Lages contribuiriam para que trabalhadores nacionais pobres
destituídos de terras próprias tivessem suprimidos os direitos
costumeiros de posse e extrativismo em terras devolutas.218 Em abril de
1863, o subdelegado de polícia da freguesia de Campos Novos
Domeciano de Azevedo Camello Mascarenhas remeteu ao presidente da
província um ofício cujo teor é o seguinte:

Ill.mo e Ex.mo Snr., vedando as Posturas da


Câmara Municipal deste termo para que
ninguém possa nos matos Nacionais tirar Erva
para o fabrico do mate, sem que para esse fim
aquele que a quiser fazer obtenha licença de V.
Ex.cia e pelo contrário sujeitando-se ter a pagar
a competente multa, em vista de que estão
privados todos aqueles que se impugnará nesse
fabrico, sendo a maior parte a pobres que já
nesse meio se mantinham, procurando desta
arte o sustento para suas famílias, em vista do
que me solicitar a V. Ex.cia, para que tendo eu
consideração e estado mísero da pobreza se
dignará por um ato de misericórdia conceder
essa permissão, a fim de acudirem eles as suas
necessidades.219

A solicitação de permissão para que trabalhadores pobres


continuassem a coletar e beneficiar erva-mate nos ervais nativos da
freguesia foi brevemente respondida pelo presidente, que se limitou a
encaminhar o requerimento à Câmara de Lages, “para informar”.

Thiago de Castro. Lançamento das casas e terrenos que pagam aforamento.


Livro único. Sem referência.
218
Nesta perspectiva, Paulo Zarth ressaltou que um dos casos mais óbvios
de expropriação e de exclusão de lavradores nacionais aconteceu nos ervais
públicos do Planalto rio-grandense, consideração que avalio totalmente
cabível ao caso do Planalto catarinense, como também já ressaltou Pinheiro
Machado. ZARTH, Paulo Afonso, 2002, Op. cit., p. 87; MACHADO, Paulo
Pinheiro, 2004, Op. cit., pp. 133-137.
219
APESC. Ofícios das subdelegacias de polícia para presidente de
província. Livro 1863, p. 33.
127

Além da produção de erva-mate, grande parte destes


vereadores possuíam outros negócios particulares e atividades
produtivas que convergiam à demanda por terras como campos nativos e
matos à produção agropastoril. Na relação de eleitores de Lages de
1856, Saturnino de Souza e Oliveira, que era o secretário da “Sociedade
Lageana para Beneficiar e Exportar Erva-mate”, autodeclarou-se
negociante, e não empregado público, fazendeiro ou oficial da Guarda
Nacional como de fato o era, da mesma forma que seus sócios-
vereadores o alferes Antonio Felipe Pessoa, Claudiano de Oliveira Roza,
Manoel Delfes da Cruz e o capitão José Manoel Leite. Juntamente com
Manoel Rodrigues de Souza, Guilherme Ricken, José Bonifácio de
Caldeira Andrada e outros, ele fazia parte da Sociedade Filial da
Auxiliadora Indústria Nacional de Santa Catarina, além de, entre 1854 e
1855, ter sido sócio correspondente da Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional. Grande parte destes vereadores-sócios compunha
também o conselho administrativo da Associação Catarinense
Promotora do Comércio, Agricultura e Artes. Saturnino de Souza e
Oliveira, que foi presidente da Câmara de Lages entre 1847 e 1853 (ano
em que foi criada a Sociedade Lageana), ainda em 1848 havia sido
indicado pelo presidente de província para o serviço de conservação da
estrada “que do Rio Grande atravessa o distrito de Lages a São Paulo”,
com o objetivo de torná-la transitável para o comércio de tropas e outros
produtos como o charque e a erva-mate.220

Transformações na estrutura administrativa e dificuldades na


execução da Lei

A Lei de Terras vigorou oficialmente enquanto legislação


agrária até o final do Império, mas a estrutura burocrática prevista no
Regulamento de 1854 passou por uma série de alterações ao longo do

220
SANTA CATARINA, Fala que o presidente da província de Santa
Catarina o marechal de campo Antero José Ferreira de Brito dirigiu à
Assembleia Legislativa da mesma província no ato da abertura de sua
sessão ordinária em 1º de março de 1848. Tipografia provincial da cidade
de Desterro, 1848, p. 04.
128

período. Em 1861, com a criação Ministério da Agricultura, Comércio e


Obras Públicas, a Repartição Geral das Terras Públicas foi extinta e teve
suas atribuições transferidas para a 3ª Diretoria de Terras Públicas e
Colonização.
A criação da 3ª Diretoria pela Secretaria dos Negócios do
novo Ministério é sintomática da conjuntura política daquele período –
das demandas do setor agroexportador em relação ao fim do tráfico e do
trabalho escravo e da promessa da imigração espontânea europeia com
financiamento pela Lei de Terras, que pouco havia se concretizado. A
falta de empregados habilitados e os custos demasiadamente elevados
dos serviços de medição e demarcação das terras apontam a
responsabilidade do próprio Governo em não conseguir manter os
serviços previstos no Regulamento de 1854. Assim como a
desconsideração de algumas das ordenações da Lei por parte de
senhores e possuidores de terras contribuiu para as propostas de sua
reformação durante todo o período de sua execução no Império. Uma
das principais razões elencadas acerca das dificuldades na execução da
Lei foi a ausência do imposto territorial, como previu o texto sobre os
“Benefícios reais da Lei das Terras”, publicado em 1854 pelo jornal O
Conservador, pois a supressão do mesmo imposto incentivava posseiros
a expandirem continuamente seus terrenos sobre terras devolutas.
Apesar de suprimida a Repartição Geral em 1861, foram
mantidas as Delegacias Especiais das províncias de São Paulo, Espírito
Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, nas quais se
intentava receber crescente fluxo imigratório de colonos europeus. Até
1871, entretanto, estas foram também suspensas e substituídas por
repartições menores e mais enxutas no que tange ao número de
empregados. Houve o aumento do investimento na infraestrutura para a
imigração e colonização europeia no centro-sul do país e pelo menos na
província de Santa Catarina os empregados destes serviços foram
integrados à burocracia da Lei de Terras.
Acredito que estas transformações na estrutura administrativa
da Lei acompanharam os desdobramentos da política Imperial, no
sentido de ser reformada às necessidades do período denominado por
Carvalho como do “fim do apogeu” do Império, haja vista que em 1871
129

o Governo sancionou a Lei 2.023, que reformou a Lei de Reforma do


Código do Processo Criminal de 1841, e suprimiu as atribuições
criminais dos delegados e subdelegados de polícia.
A Repartição Especial de Terras Públicas de Santa Catarina
permaneceu vigente até 1870, quando suas atribuições foram
transferidas para a presidência da província. De 1870 até 1875, os
serviços de medição e demarcação de terras foram executados por
comissões de engenheiros contratados e juízes comissários nomeados
pelos presidentes de província e pelo Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas.
Em 1870, a secretaria do Ministério criou a Comissão do
Registro Geral e Estatística das Terras Públicas e Possuídas, consoante o
artigo nº 13 da Lei de Terras. Esta Comissão foi regulamentada apenas
em 1874 e foi incumbida de promover os serviços de exploração,
medição e demarcação das terras devolutas e sua distribuição à venda.
Além de supervisionar todos os serviços de legitimação de posses e de
revalidação de sesmarias, dar parecer a respeito de recursos de decisões
da presidência e verificar os trabalhos das comissões de engenheiros,
deveria também indicar ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas terras devolutas a serem reservadas para comporem o
patrimônio das províncias, a remuneração dos voluntários da pátria, a
formação de aldeamentos indígenas, a fundação de povoações e distritos
coloniais, a abertura de estradas, etc.221
Em 1872 foi nomeado como chefe da Comissão do Registro
Geral e Estatística da província de Santa Catarina João Carlos
Greenhalgh, que já havia trabalhado como juiz comissário de medições
em Laguna e Tubarão e como engenheiro nas províncias de São Paulo e
Rio Grande do Norte.222 Mas a Comissão não completou sequer dois
anos de funcionamento e foi incorporada (juntamente com a Agência
Oficial de Colonização) à Inspetoria Geral das Terras e Colonização,
221
BRASIL, Decreto 5.788, de 04 de novembro de 1874. Aprova as
instruções pelas quais deve reger-se a Comissão do registro geral e
estatística das terras públicas e possuídas.
222
Jornal A Reforma. Órgão do partido democrático. Rio de Janeiro. Ano
IV, número 259, p. 01, nov. 1872. Acervo da Biblioteca Nacional Digital.
Hemeroteca digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico.
130

criada em 1876. Esta nova Inspetoria Geral foi normatizada de modo a


abranger os serviços de medições de terras e de colonização de
imigrantes europeus. As disposições pelas quais fora encarregada a
comissão anterior do registro geral e estatística seriam executadas pelas
Inspetorias Especiais instaladas nas províncias, subordinadas à
Inspetoria Geral e ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas e não mais ao presidente provincial.
A Inspetoria Geral seria composta por um inspetor geral, um
ajudante do inspetor geral, dois chefes de seção, quatro oficiais, quatro
amanuenses, inspetores especiais nas províncias, engenheiros,
desenhistas, interpretes, etc. O cargo de inspetor geral era responsável
por instruir os engenheiros contratados para os serviços de medições,
por propor nomeações e demissões de empregados ao Ministério, além
de julgar todos os processos assentado na Lei de Terras, no
Regulamento de 1854 e no Regulamento das colônias do Estado,
indicando “todas as medidas que a experiência aconselha[sse] para o
melhoramento dos serviços a cargo da Repartição”.223 Já o ajudante do
inspetor geral deveria auxiliar e fiscalizar os serviços relacionados à
imigração. O inspetor geral, seu ajudante e os chefes de seção seriam
nomeados por decreto ministerial.224
Em 1885, João Carlos Greenhalgh também foi nomeado pelo
Ministério para o cargo de Inspetor Especial de Santa Catarina. Em
1881-82 ele havia sido o engenheiro responsável pelas obras da estrada
de ferro D. Thereza Christina da estrada de Araranguá. E foram
nomeados como agrimensores da Inspetoria Especial os engenheiros
Reginaldo Candido da Silva, Antonio Carlos Rodrigues Lima e Trajano
Pereira Brasil.225 Posteriormente, este último serviu como fiscal da

223
Sublinhado da autora. BRASIL, Decreto nº 6129 de 23 de fevereiro de
1876. Organiza a Inspetoria Geral de Terras e Colonização.
224
Na documentação relativa à Inspetoria Especial de Terras Públicas e
Colonização disponível no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina
não constam os registros de sua administração de 1876 a 1885.
225
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa
Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura pelo presidente Francisco
José da Rocha em 11 de Outubro de 1887. Rio de Janeiro: Tip. União de A.
M. Coelho da Rocha & C., 1888, p. 296.
131

Companhia Geral das Estradas de Ferro de Minas Gerais. Ainda em


1885, o engenheiro João Evangelista Carneiro da Cunha foi transferido
do cargo de auxiliar da Comissão Hidráulica de Maranhão para
escriturário da Inspetoria Especial, logo sendo promovido a
agrimensor.226 Em 1887, Greenhalgh foi exonerado e substituído pelo
engenheiro Augusto Fausto de Souza Junior, filho do presidente da
província naquele ano, Augusto Fausto de Souza. Em 1889, este foi
sucedido pelo também engenheiro Joaquim Saldanha Marinho Junior,
filho de um importante deputado e advogado da Corte. Os escriturários
da Inspetoria Especial foram Marcos Antonio de Souza Aragão e Carlos
Jansen Júnior e o agrimensor Alfredo Aurélio de Figueiredo.

226
Relatório apresentado à Assembleia Legislativa da Província de Santa
Catharina na 1ª sessão de sua 26ª Legislatura pelo presidente Dr.
Francisco José da Rocha em 21 de Julho de 1886. Desterro: Tip. do
Conservador, 1886, p. 191.
132

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por intermédio do Decreto de execução da Lei de Terras, os


elementos políticos de acomodação classista observados nos debates
parlamentares entre 1842 e 1854 foram mantidos ao longo Segundo
Reinado, de modo a adequar o projeto centralizador em correspondência
com as elites provinciais e municipais.
Inserida no pacote Conservador da década de 1840, a estrutura
burocrática da Lei de Terras contribuiu para a manutenção do sistema de
poder que consolidou o Estado imperial brasileiro durante a segunda
metade do século XIX. Este longo processo de manutenção política foi
agenciado ainda nas primeiras décadas do século por diferentes grupos
fortalecidos no pós-emancipação, que procuraram ascender e consolidar-
se enquanto elite política por meio do trabalho sobre o clientelismo e a
burocracia do Estado Independente.
Em 1853, o Gabinete de Conciliação adequou a execução da
Lei por meio da burocracia, no intuito de contemplar as críticas gerais e
retirar da letra da Lei o peso de rejeição que carregara. A dificuldade
prevista para a aplicação da Lei e a falta de apoio regional ao Governo
Central foram transferidas ao próprio funcionalismo público responsável
pela administração da Lei na Corte e também nas províncias.
Paralelo ao longo processo de ampliação da burocratização
estatal e da padronização da Justiça, foi organizado pelo Governo um
arranjo institucional de constante negociação política entre a Corte e as
elites regionais eletivas e nomeadas na vigência do Segundo Reinado.
Esta negociação foi pautada principalmente nas nomeações da
administração policial e judicial e nos diferentes níveis de arbitramento
da hierarquia da magistratura. Tanto Conservadores quanto Liberais
fizeram parte deste sistema.
A natureza negociada da execução da Lei de Terras reflete a
importância do acesso à terra como pauta política no Império. O
imperador, os Gabinetes Ministeriais e o funcionalismo público da Lei
selecionado entre as elites políticas regionais e locais agenciaram uma
nova ordem de experiências entre a Corte, as províncias e os municípios,
nas quais foram dinamizadas barganhas de apoio à base de poder do
133

Governo e a concessão de cargos públicos, terras e direitos de


propriedade, por meio de uma espécie de clientelismo fundiário. A Lei
tornou-se extremamente funcional à medida que o Governo de situação,
encabeçado na província pelo presidente, barganhava apoio político à
vitória nas eleições pelo mecanismo da concessão de terras e direitos de
propriedade, e permitia que os empregados responsáveis pela Lei
executassem seus serviços de forma negociada. A dificuldade de
medição das terras devolutas é resultado deste processo.
As consequências deste longo processo foram extremamente
desfavoráveis à distribuição social das terras na província de Santa
Catarina. A similaridade de algumas das práticas e situações encontradas
ao longo do texto com nossa contemporaneidade não é mera
coincidência, pois resulta desta cultura política de aplicação das leis.227
A Repartição Especial de Terras Públicas de Santa Catarina
foi composta pela elite política de Desterro ligada a Corte. Os delegados
e os fiscais pertenceram aos altos comandos oficiais da Guarda Nacional
e, em uma escala crescente, conquistaram importantes eleições e
nomeações ao alto funcionalismo público provincial e nacional. Grande
parte compôs a Assembleia Legislativa Catarinense como deputados, da
mesma forma que empregados públicos incumbidos dos serviços da Lei
de Terras na região do Planalto o foram.

227
Um estudo baseado nas estatísticas fundiárias do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária de 2014 concluiu que: “existem no
território catarinense 1.721 latifúndios que ocupam 1.005.584,33 ha, ou
seja, 11,21% de toda a área ocupada pelos imóveis rurais no estado. (...)
Considerando os latifúndios por exploração – que são aqueles categorizados
como grandes propriedades improdutivas pelo INCRA –, o estado de Santa
Catarina apresenta 1.719 imóveis rurais que podem ser enquadrados nessa
situação, segundo critérios do Estatuto da Terra de 1964. Esses latifúndios
ocupam quase 1 milhão de hectares (977.959 ha), o que representa 10,9%
da área total ocupada pelos imóveis rurais no estado. A disposição espacial
da localização desses imóveis revela que a maior proporção na área ocupada
pelos latifúndios (por dimensão e exploração), encontra-se na microrregião
dos Campos de Lages, onde se verificou a incidência de 466 latifúndios que
ocupam 261.451 ha”. TALASCA, Alcione. “Ainda existem latifúndios no
Brasil? E em Santa Catarina? Uma análise do espaço agrário catarinense”.
In: Revista Grifos, nº 42, 2007, pp. 189-210.
134

Em Lages, o cargo de juiz municipal e substituto foi ocupado


majoritariamente por cidadãos naturais ou radicados na região, com
histórico de participação na política local. A maioria tratava-se de
grandes senhores e possuidores de terras, fazendeiros, criadores e
comerciantes de gado. De forma semelhante, a maioria dos juízes
comissários de medições do Planalto foi escolhida no funcionalismo
público da região correspondente à antiga 2ª comarca de Lages e São
José. Parte considerável havia desempenhado outros cargos nomeados
como juízes municipais, delegados e subdelegados de polícia
substitutos, além de eleitos vereadores e juízes de paz. Pelo
Regulamento de 1854, o Governo Imperial procurou integrá-los na
política judicial tal como procedeu com os empregos normatizados pela
Reforma do Código do Processo Criminal, de modo que as nomeações
aos cargos serviram de mecanismo clientelista.
O judiciário constituiu-se no principal campo de disputas
sobre a “verdade” que fundamentava os direitos de acesso à terra no
Império – isto é, quem de fato ocupava, cultivava, media e demarcava as
terras em disputa. A multiplicidade de formas de apropriação e domínio
útil da terra se tornou um desafio a ser ajuizado com base na Lei de
Terras e no Código do Processo Criminal. E o estudo de sua aplicação,
notadamente na esfera das relações sociais e no campo jurídico de casos
específicos, nos permite aprofundar a relação entre a política judicial e a
das terras, confrontando a hipótese da flexibilidade entre legalidade e
ilegalidade de direitos de propriedade construída e mediada pelo Estado
nas diferentes regiões do Império.
Para compreender as especificidades de Santa Catarina acerca
da Lei de Terras, faz-se necessário atentar à impossibilidade de sua
execução de forma padronizada, visto que foi agenciada no contexto da
política judiciária e a definição das sentenças e deferimentos dependeu
em parte da situação política dominante e das relações sociais
engendradas nas localidades. Dever-se-á ponderar as contradições e
experiências sociais da política e poderes locais, e as funcionais
ressignificações da Lei nos municípios, de acordo com expectativas de
direitos perante a justiça. Estas ressignificações da Lei não foram de
todo elaboradas estrategicamente, mas mediadas também pela tradição,
135

o costume e até mesmo por receios e desconfianças ante as mudanças


regulamentadas na forma de acesso e registro das terras.
É preciso ressaltar, à guisa de conclusão, que a existência
deste clientelismo fundiário não obstou as tentativas do próprio Governo
de impor limites à ocupação de terras devolutas e à concentração
fundiária e de assentar populações pobres desprovidas de terrenos
próprios em lotes a preços módicos. E como já mencionei, não impediu
que a população não vinculada à burocracia do Estado recorresse ao
escrivão e pleiteasse a afirmação de direitos de propriedade tanto por
meio da Lei de Terras quanto pelo Código do Processo Criminal. A
incursão no âmbito jurídico decorria de expectativas frente à justiça e
constituía um elemento a ser calculado pela população se a intenção
fosse o reconhecimento de direitos. Por isso, faz-se necessário refletir
além da ideologia patrimonialista, e procurar contemplar a relação entre
o nível de incerteza e de estratégia no agenciamento individual e
coletivo da população neste contexto, tendo em vista uma legislação e
burocracia agrária demasiadamente maleáveis e em constante
transformação.
136
137

FONTES

Leis e Regulamentos

BRASIL, Lei nº. 601, de 18 de Setembro de 1850. Dispõe sobre as


terras devolutas do Império. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm

BRASIL, Decreto nº 1.318, de 30 de Janeiro de 1854. Manda executar a


Lei nº 601, de 18 de Setembro de 1850. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim1318.ht
m

BRASIL, Lei nº 16, de 12 de Agosto de 1834. Faz algumas alterações e


adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de
Outubro de 1832. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM16.htm

BRASIL, Lei nº 105, de 12 de Maio de 1840. Interpreta alguns artigos


da Reforma Constitucional. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM105.htm

BRASIL, Lei de 29 de Novembro de 1832. Promulga o Código do


Processo Criminal de primeira instância com disposição provisória
acerca da administração da Justiça Criminal. Acessado em fev. 2017
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-29-11-1832.htm

BRASIL, Lei nº 261, de 3 de Dezembro de 1841. Reformando o Código


do Processo Criminal. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM261.htm

BRASIL, Lei de 18 de agosto de 1831. Cria as Guardas Nacionais e


extingue os corpos de milícias, guardas municipais e ordenanças.
Acessado em fev. 2017 em:
138

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18-
agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html

BRASIL, Lei de 1º de Outubro de 1828. Dá nova forma às Câmaras


Municipais, marca suas atribuições e o processo para a sua eleição, e
dos Juízes de Paz. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-1-10-1828.htm

BRASIL, Lei nº 2.033 de 20 de Setembro de 1871. Altera diferentes


disposições da Legislação Judiciária. Acessado em fev. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2033.htm

BRASIL, Decreto 5.788, de 04 de novembro de 1874. Aprova as


instruções pelas quais deve reger-se a Comissão do registro geral e
estatística das terras públicas e possuídas. Acessado em fev. 2017 em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=67707
&norma=83653

BRASIL, Decreto nº 6129 de 23 de fevereiro de 1876. Organiza a


Inspetoria Geral de Terras e Colonização. Acessado em fev. 2017 em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-6129-23-
fevereiro-1876-549093-publicacaooriginal-64440-pe.html

BRASIL, Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas


para a repressão do tráfico de africanos neste Império. Acessado em
ago. 2017 em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM581.htm

BRASIL, Decreto nº 885, de 4 de outubro de 1856. Autoriza o Governo


para despender até seis mil contos de réis em três anos com a
importação de colonos e seu estabelecimento, e com auxílios á
emigração; para mandar continuar as obras do caes d'Alfandega desta
Corte; e para fazer construir no porto do Rio de Janeiro hum Dique
destinado aos Navios de guerra. Acessado em ago. 2017 em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=60758
139

BRASIL, Decreto nº 1.915, de 28 de março de 1857. Aprova o contrato


celebrado entre o Governo Imperial e a Associação Central de
Colonização. Acessado em ago. 2017 em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=62076
&norma=77957

Anais de sessões do poder legislativo Imperial

Anais do Parlamento Brasileiro Câmara dos Deputados. Segundo ano


da quinta legislatura. Segunda sessão de 1843. Tomo I. Rio de Janeiro,
1882.

Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Terceiro ano


da oitava legislatura. Sessão de 1851. Tomo II. Rio de Janeiro:
Tipografia de H. J. Pinto, 1878.

Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Quarto ano da


oitava legislatura. Sessão de 1852. Tomo I. Rio de Janeiro: Tipografia
de H. J. Pinto, 1877.

Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados. Primeiro ano


da nona legislatura. Sessão de 1853. Tomo IV. Rio de Janeiro:
Tipografia Parlamentar, 1876.

Anais do Senado do Império do Brasil. Ano de 1846. Livro I.


Transcrição disponível no sítio do Senado Federal:
http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio.asp.
Acessado em nov. 2017.

Atas do Conselho de Estado Pleno. Ata de 25 de agosto de 1852.


Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal. Vol. 4, 1978.

Ofícios e Registros

APESC. Ofícios das câmaras municipais para presidência da província.


Livros Lages, Curitibanos e Campos Novos, 1850-1889.
140

APESC. Ofícios dos juízes municipais para presidência da província.


Livros Lages, Curitibanos e Campos Novos, 1850-1889.

APESC. Ofícios das subdelegacias de polícia para presidente de


província. Livros Lages, Curitibanos e Campos Novos, 1850-1889.

APESC. Ofícios do juízo de Direito para presidente de província.


Livros Lages, Curitibanos e Campos Novos, 1850-1889.

APESC. Registros de correspondência para execução da Lei de Terras


na província 1854-70.

APESC. Ofícios dos juízes comissários de terras para presidentes de


província 1856-89.

APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras


e Colonização 1856-70.

APESC. Registros de ofícios da Inspetoria Especial de Terras e


Colonização para diversos 1865-69-70-87-89.

APESC. Registro de ofícios da Inspetoria Especial de Terras e


Colonização para presidentes de província 1865-69.

APESC. Registro da presidência da província para Diretoria de Terras


e Colonização 1856-70.

APESC. Requerimentos de diversos para Diretoria de Terras e


Colonização e Presidente de Província 1885-1888.

APESC. Inventário analítico dos ofícios das Câmaras Municipais para


Presidentes de Província (1854-1857), volume 10.
141

Relatórios Oficiais

SANTA CATARINA, Fala que o presidente da província de Santa


Catarina o marechal de campo Antero José Ferreira de Brito dirigiu à
Assembleia Legislativa da mesma província no ato da abertura de sua
sessão ordinária em 1º de março de 1848. Tipografia provincial da
cidade de Desterro, 1848.

SANTA CATARINA, Relatório do presidente da província de Santa


Catarina Exm. Sr. Dr. João José Coutinho em 19 de abril de 1854.
Desterro: Tipografia Catarinense, 1854.

SANTA CATARINA, Fala que o Exm. Sr. Dr. João José Coutinho
Presidente da Província de Santa Catarina dirigiu à Assembleia
Legislativa Provincial no ato da abertura de sua sessão ordinária em 1º
de março de 1855. Desterro: Tipografia do Correio Catarinense, Largo
do Quartel, 1855.

SANTA CATARINA, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa


Provincial de Santa Catarina na sua sessão ordinária pelo presidente
Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda no ano de 1867.
Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1867.

SANTA CATARINA, Relatório apresentado pelo 2º vice-presidente de


Santa Catharina o Exm. Sr. Doutor Manoel do Nascimento da Fonseca
Galvão ao presidente Exm. Doutor André Cordeiro de Araújo Lima por
ocasião de passar-lhe a administração da mesma em 3 de Janeiro de
1870. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870.

SANTA CATARINA, Relatório que o Exm. Presidente da província de


Santa Catharina, Dr. Joaquim Bandeira Gouvêa, dirigiu á Assembleia
Legislativa Provincial no ato da abertura da sua sessão ordinária em
26 de Março de 1871. Desterro: Tipografia do Jornal, 1871.
142

SANTA CATARINA, Fala dirigida à Assembleia Legislativa


Provincial de Santa Catharina em 25 de março de 1874 pelo Exm. Sr.
Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro,
Tipografia. de J.J. Lopes, 1874.

SANTA CATARINA, Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Pedro Affonso
Ferreira passou a administração da província de Santa Catarina ao 4º
Vice presidente Exm. Snr. Tenente Coronel Luiz Ferreira do
Nascimento e Mello no dia 8 de Outubro de 1873. Desterro: Tipografia
de J. J. Lopes, 1874, pp.13-14.

SANTA CATARINA, Fala com que o Exm. Sr. Dr. João Capistrano
Bandeira de Mello Filho abrio a 1ª sessão da 21ª legislatura da
Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina em 1º de Março
de 1876. Desterro: Typ. de J. J. Lopes, 1876.

SANTA CATARINA, Relatório com que ao Exm. Sr. Coronel Manoel


Pinto de Lemos 1º vice-presidente passou a administração da província
de Santa Catharina o Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá em 22 de
Junho de 1885. Desterro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1885.

SANTA CATARINA, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa


da Província de Santa Catharina na 1ª sessão de sua 26ª Legislatura
pelo presidente Dr. Francisco José da Rocha em 21 de Julho de 1886.
Desterro: Tip. do Conservador, 1886.

SANTA CATARINA, Relatório apresentado à Assembleia Legislativa


Provincial de Santa Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura pelo
presidente Francisco José da Rocha em 11 de Outubro de 1887. Rio de
Janeiro: Typ. União de A. M. Coelho da Rocha & C., 1888.

SANTA CATARINA, Relatório com que ao excellenptissimo Sr.


Doutor Luiz Alves Leite de Oliveira Bello passa a administração da
Provincia o Exm. Sr. Doutor Abdon Baptista 2º vice-presidente em 19
de Julho de 1889. Desterro: Tipografia do Democrata, 1890.
143

MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, “Relatório da Repartição Geral das Terras


Públicas”. In: Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na
terceira sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário de Estado
dos Negócios do Império Luiz Pedreira de Couto Ferraz. Rio de
Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1855.

MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado a Assembleia


Geral Legislativa na Quarta Sessão da Nona Legislatura pelo Ministro
e Secretário d’Estado dos Negócios do Império Luiz Pedreira do Couto
Ferraz. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1856.

MINISTÉRIO DO IMPÉRIO, Relatório apresentado à Assembleia


Geral Legislativa na segunda sessão da décima legislatura pelo
ministro e secretário d’Estado dos Negócios do Império Marques de
Olinda. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1858.

Jornais, Periódicos *
228

O Conciliador catarinense. Desterro. Ano 01, número 91, mar. 1850.


O Conservador. Desterro. Ano III, número 224, mai. 1854.
O Dezenove de Dezembro. Curitiba. Ano 01, número 34, dez. 1854.
O Conservador. Desterro. Ano IV, número 319, ago. 1855.
O Argos da província de Santa Catharina. Desterro. Ano 03, número
326, ago. 1858.
O Argos da província de Santa Catharina. Desterro. Ano ?, número
254, fev. 1858.
A Regeneração. Órgão democrático. Desterro. Ano XVI, número 84,
abr. 1864.
O Despertador (SC). Desterro. Ano II, número 185, out. 1864.
A Regeneração: da província de Santa Catharina. Desterro. Ano 01,
número 08, set. 1868.
A Regeneração. Desterro. Ano 1, número 56, mar. 1869.
O Conservador. Desterro. Ano III, número 783, ago. 1870.

* Estão disponíveis no Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca


digital, seção periódicos, s. endereço eletrônico.
144

A Reforma. Órgão do partido democrático. Rio de Janeiro. Ano IV,


número 259, nov. 1872.

Mapas

Nova carta corográfica do Império do Brasil. Coronel engenheiro


Conrado Jacob de Niemeyer, Capitão do Estado Maior José Joaquim de
Lima e Silva, 1º Ten. de engenheiros Antonio Augusto Monteiro de
Barros. Ano: 1857. Acervo digital da Biblioteca Nacional da França.
Acessado em ago. 2017 em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53098527m/f1.item.r=Atlas%20Br
%C3%A9silCarte%20Br%C3%A9silPortulan%20Br%C3%A9sil.zoom

Esboço do mappa dos Campos de Palmas e territórios contíguos. Autor:


Tito Alves de Brito. Ano: 1843. Detalhe dos campos de Lages com as
freguesias de Curitibanos e Campos Novos. Girado 90° para direita.
Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Acessado em ago. 2017 em:
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart176
716/cart176716.jpg

Tipologias diversas

COELHO, Manoel Joaquim D'Almeida (Major). Memória Histórica da


Província de Santa Catarina. Desterro: Tipografia Desterrense de J. J.
Lopes, 1856.

Descrição topográfica do mapa da Província de Santa Catarina


organizada na Comissão do Registro Geral e Estatística das Terras
Públicas e Possuídas sob a presidência do Conselheiro Bernardo
Augusto Nascentes de Azambuja. Rio de Janeiro, Imprimerie Impériale
de S. A. Sisson, 1874.

APESC, Registros paroquiais de terras. Lages, 1850-57. Livros 08 e 09.


Museu Histórico Thiago de Castro. Lançamento das casas e terrenos
que pagam aforamento. Livro único. Sem referência.
145

Museu do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Autoamento de uma


petição e despacho para ser inquirida uma testemunha ad perptiam rei
memoriam, Juízo Municipal da cidade de Lages, 1862, caixa 1860-
1869/014.

_______. Ação de representação a Henrique Rupp, Comarca de


Campos Novos, 1866, caixa 1880-1889/004.

ROCHA, Antonio Alves da. Requerimento de juiz comissário ad hoc.


APESC. [Requerimentos: concessão de terra: T.C. 1867-1887], 1884,
maço 14.

SOUZA, Luis Antonio de. Protesto de medição. APESC.


[Requerimento: concessão de terra] 1884, set., Curitibanos, vol. 13.

DA SILVA, Januario Antonio. APESC. [Requerimentos: concessões de


terras T.C. = 1834 - 1840/41–1847 – 1855/56 – 1859/64 – 1867],
Lages, vol. 01.

Recenseamento Geral do Brasil de 1872. Biblioteca Nacional do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível no sítio da
Biblioteca do IBGE: http://biblioteca.ibge.gov.br.

Dicionário Enciclopédico ou Novo Dicionário da Língua Portuguesa


para uso dos portugueses e brasileiros. 4ª Edição, vol.1. Lisboa:
Francisco Arthur da Silva, 1874.
146
147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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desenvolvimento urbano. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002.

BETHELL, Leslie. História da América Latina. 2ª edição. Brasília, DF:


Fundação Alexandre de Gusmão, 1998.

______. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o


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ANEXO A – Mapa dos assentamentos alemães na Província


156

Fonte do Anexo A: Ubersichts-Karte der deutschen Ansiedlungen in der


Provinz Santa-Catharina in Brasilien zusammengestelt und / gezeichnet
von Henrich Kreplin. Autor: Henrique Kreplin (“Mapa dos assentamentos
alemães na província de SC no Brasil, compilado e desenhado por...”, em
livre tradução). Ano: 1867. Acervo digital da Biblioteca Nacional da França
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%A9silCarte%20Br%C3%A9silPortulan%20Br%C3%A9sil.

ANEXO B – A província de Santa Catarina antes de 1853

Carta topographica e administrativa da provincia de Santa Catharina:


Erigido sobre as mais recentes noticias particularmente sobre os mappas
dos Snrs. Van Lede (1842) Jose Victoria Soares de Andrea (1842) e Aubef
annales maritimos abril 1847). Autor: Villiers de L'Ile-Adam. Ano: 1848.
Detalhe. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Acessado em ago. 2017
em:http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart679
25/cart67925_11.jpg.
157

ANEXO C – “Esboço da vegetação original” de Santa Catarina

SANTA CATARINA, Departamento Estadual de Geografia e Cartografia.


Atlas Geográfico de SC. Florianópolis: DEGC, 1958. Arquivo Digital de
Mapas Catarinenses. http://www.spg.sc.gov.br/mapas/atlas/atlas1958.pdf.
Acessado em jun. 2017.
158

ANEXO D – Mapa da “Questão dos Limites”

Mapa da Questão de limites entre Paraná e Santa Catharina, demonstrada


na evolução geografia política do sul do Brasil. Romário Martins e Vicente
Giorgi. Ano? Arquivo Digital de Mapas Catarinenses.
http://www.spg.sc.gov.br/mapas/scespeciais/scpr-1-1749-01.pdf. Acessado
em jun. 2017.

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