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Lucio - Geller, 2 - Bordando As Redes Familiares - Endogamia e Exogamia Matrimoniais Na Freguesia de Jacarepaguá, Rio de Janeiro (c.1750-c.
Lucio - Geller, 2 - Bordando As Redes Familiares - Endogamia e Exogamia Matrimoniais Na Freguesia de Jacarepaguá, Rio de Janeiro (c.1750-c.
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar o estudo de caso de duas famílias e suas estratégias
matrimoniais de homogamia e endogamia matrimonial entre 1750 e 1800, na freguesia rural de Jacarepaguá.
Inseridos no Antigo Regime católico português, os personagens apresentados possuem uma forte noção de
pertencimento à Monarquia portuguesa e suas regras, que eram observadas por cada um, por suas famílias
e seus vizinhos. Visto que se trata de uma paróquia rural, onde os laços são intrinsecamente ligados à moral
religiosa, as principais formas de aliança eram a designação de padrinhos de batismo e a escolha familiar de
cônjuges para o casamento. Através dos laços familiares, escravos, libertos e livres, conviviam no mesmo
espaço e compartilhavam da mesma tradição, assim como inseriam estrangeiros e forasteiros a todo o tempo
em sua lógica de funcionamento, a fim de garantir a paz e a boa convivência.
Abstract: This article aims to analyze the case study of two families and their matrimonial strategies of
homogamy and endogamy between 1750 and 1800, in the rural parish of Jacarepaguá. Situated in the Old
Portuguese Catholic Regime, the characters presented have a strong notion of belonging to the Portuguese
Monarchy and its rules, which were observed by each one of them, their families and their neighbors. Since
this is a rural parish, where ties are intrinsically linked to religious morality, the main forms of alliance were the
nomination of baptismal godparents and the family choice of spouses for marriage. Through family ties, slaves,
freed and free, lived in the same space and shared the same tradition, as well as inserting foreigners and
outsiders at all times in their logic of functioning, in order to ensure peace and good coexistence.
Introdução
Este artigo tem por objetivo demonstrar um estudo de caso sobre as estratégias
foreiros2 entre as décadas de 1750 e 1800. Jacarepaguá localizava-se na área rural do Rio
1
Bacharel, licenciada e mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente
cursa o Doutorado na mesma instituição, no Programa de Pós-graduação em História Social. É professora da
rede municipal na cidade de Piraí/RJ desde 2015.
2
Partidistas são lavradores de cana que em troca de um pedaço de terra, os partidos, devem entregar parte
da cana ao engenho em que estão submetidos. Foreiros, por sua vez, pagam um foro anual para o dono da
de Janeiro, como quase todas as regiões que não faziam parte das quatro freguesias
urbanas: Sé, Candelária, Santa Rita e São José. Para este artigo, escolhemos duas famílias
planejaram casamentos entre membros de suas famílias a fim de manter, conforme a nossa
hipótese, o patrimônio material e imaterial adquirido durante séculos entre “iguais” (por isso
casamentos homogâmicos).
Para que este artigo fosse escrito, foram utilizadas, basicamente, quatro tipos de
livres que quisessem se casar frente à Santa Igreja Católica -, as quais contém muitas
informações sobre os cônjuges e suas famílias, além de testemunhos e anexos. Além das
– de alguns casais na mesma localidade, como é o caso da família a qual escolhemos para
o estudo de caso, além da atribuição de nomes e escolha de padrinhos. Por último, alguns
óbitos e testamentos foram utilizados para fazer uma análise primária e correlacional entre
a família e o acesso à terra. A partir do cruzamento dessas três fontes paroquiais e do censo3
realizado pelo Conde de Resende, pudemos chegar a algumas conclusões acerca da lógica
fazenda, cujo valor pode depender da relação que este mantém com o senhor de engenho. Cf. ABREU,
Mauricio. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502 – 1700). Rio de Janeiro, Ed. Andrea Jakobsson Estúdio
e Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, 2010. V. II. pp. 106-11.
3
Mapa de população feito pelo Conde de Resende nas freguesias do Distrito da Guaratiba em 1797. Mapa
descritivo do distrito da Guaratiba, freguesia de Jacarepaguá. 1797. AHU-Rio de Janeiro, cx. 165, doc. 62. O
mapa de população apresenta os nomes dos chefes de domicílio, a quantidade de filhos, se eles eram ou não
casados, se eram homens ou mulheres, se possuíam escravos ou agregados, o tamanho de sua terra, o que
plantavam e a lucratividade anual. Trata-se obviamente, de um retrato estático da freguesia em 1797, o qual
precisou ser cruzado com mais documentos para que obtivéssemos uma ideia do funcionamento da
sociedade do período.
português; a quarta parte dedica-se ao objeto principal de nossa análise, as duas famílias
história das famílias Cordeiro de Castro e Oliveira Lobo a partir da comparação com uma
localidade ibérica.
Para que fosse possível representar em palavras a história de duas famílias que
viveram há mais de dois séculos atrás, contamos com a análise de documentos paroquiais
e com o censo feito em 1797. Por meio do cruzamento desses documentos, pudemos
colocar neste artigo, algumas informações, ainda que fragmentadas, sobre essas famílias –
fragmentadas porque o passado nunca pode ser reconstruído, tampouco o presente. Desse
modo, pudemos apresentar dados sobre como viviam essas famílias no Rio de Janeiro do
registros de batismo dos contraentes (e, portanto, o nome de seus pais e padrinhos e as
respectivas naturalidades), que são os que querem se casar, o depoimento deles4, indicando
seu local de moradia, suas naturalidades, idades, se são ou não legítimos 5, informação sobre
por um pároco.
4
Em geral, os depoimentos deveriam ser dados ao juiz dos casamentos, que se localiza nas freguesias urbanas.
Como Jacarepaguá é uma freguesia rural, não é pouco comum que os contraentes pedissem, pela distância
que os depoimentos fossem tomados pelo seu pároco na própria freguesia de Jacarepaguá. Para isso, muitas
vezes lançavam mão do artifício do “atestado de pobreza”, dizendo não poder arcar com os custos do
deslocamento.
5
Legítimos são filhos que nasceram enquanto os pais eram casados. Naturais são os que tem os dois pais
solteiros ou só é declarada a ascendência de um progenitor. Caso os pais se casassem após o nascimento da
criança, esta poderia ser considerada legítima por casamento posterior. Embora tenham sido encontrados
casos como esses, não eram muito comuns na freguesia.
Estas são as informações que aparecem em todas as habilitações, a não ser que
alguma certidão de batismo não fosse encontrada6 ou se estas informações não existissem,
como é o caso de alguns africanos recém-saídos do cativeiro cujos nomes dos pais não
consta, uma vez que provavelmente vieram adultos do continente. Nesses casos, era
apresentar três testemunhas capazes de confirmar que ele fora batizado, fornecendo todas
Obedecendo às regras do Concílio de Trento, o casal que desejasse se unir pelo laço
denunciar oralmente os proclames8, ditos em domingos ou dias santos, tanto nas freguesias
em que moraram por mais de seis meses quanto nas freguesias urbanas. 9 Este proclame
gerava um documento por um escrito que deveria ser anexado ao processo, cujo exemplo
segue:
6
Uma vez não se encontrando o batismo, era necessário que se chamassem três ou mais testemunhas para
atestar a naturalidade, filiação, data e o padre que havia batizado a criança.
7
É importante lembrar que para que o casamento fosse considerado lícito, os contraentes não poderiam ter
menos de 14 e 12 anos, respectivamente homem e mulher, a não ser que se mostrassem aptos para tal apesar
da pouca idade através de dispensa paroquial.
8
Os que pretenderem casar, o farão a saber a seu Parocho, antes de se celebrar o Matrimonio presente, para
os denunciar, o qual, antes que faça as denunciações, se informará se ha entre os contrahentes algum
impedimento, e estando certo que não ha, fará as denunciações em tres Domingos, ou dias Santos de guarda
contínuos á estação da Missa do dia, e as poderá fazer em todo o tempo do anno, ainda que seja Advento,
ou Quaresma, em que são prohibidas as solemnidades do Matrimonio, e se farão na fórma seguinte. Quer
casar N. filho de N., e de N. natturaes de tal terra, moradores de tal parte, Freguezia de N. com N. filha de N,
e N. naturaes de tal termo, moradores em tal parte, Freguezia de N., se alguem souber que ha algum
impedimento, pelo qual não possa haver effeito o Matrimonio, lhe mandamos em, virtude de obediencia, e
sob pena de excommunhão maior o diga, e descubra durante o tempo das denunciações, ou em quanto os
contrahentes VIDE, Dom Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Typographia 2 de dezembro de Antonio Louzada Antunes. São Paulo: 1853.Pag. 107. TITULO LXII. Do
Sacramento do matrimônio.
9
No começo do século XVIII, observamos que as freguesias urbanas em que os proclames eram feitos se
resumiam à Sé e à Candelária, enquanto que, de meados do século em diante, talvez pelo crescimento
territorial e em importância do Rio de Janeiro, acrescem-se a essas duas as também freguesias urbanas de
Santa Rita e São José.
Abaixo destas palavras, que deveriam ser repetidas três vezes em cada localidade,
o pároco colocava o seu parecer, onde constava que ele o fez em três dias e não surgira
impedimento. Nas freguesias que eram a da naturalidade dos contraentes, deste parecer
Sebastiana foi traslado, enquanto o de Francisco precisava vir de um local mais distante.
Nestes casos, era comum, por conta dos gastos, que se pedisse um fiador para pagar
permissão do juiz dos casamentos, é emitido um termo de fiança, em que consta o nome
o fiador11, estado civil, local de moradia, ofício e o tempo que tem para apresentar as ditas
certidões, além do valor que será depositado como caução. Em geral, este pedido vem
do século, que os fiadores, em geral, eram homens da cidade. Interessante notar que, no
início da centúria, os fiadores eram, em sua maioria, homens de negócio. Talvez por sua
maior credibilidade. Conforme se passava o tempo, era mais comum que houvesse fiadores
10
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (daqui em diante ACMRJ). Habilitação Matrimonial (HM)
51452, cx. 2473. Opta-se, neste artigo, por utilizar a escrita original dos documentos. De um lado porque
acredita-se que a fidelidade à escrita do período pode trazer informações importantes sobre como a língua
portuguesa era utilizada no período em freguesias rurais, e, por outro, o quanto eram mescladas com falas
locais e medir a literacia dos párocos e escrivãos, o que pode permitir, futuramente, uma análise comparativa
e etimológica da língua.
11
Neste caso, o fiador era Ignacio Teixeira de Sampaio, casado, morador na Tijuca, em Jacarepaguá, vive de
sua lavoura e teve 8 meses para apresentar as certidões de banhos e de batismo do contraente pelo valor de
20 mil réis. HM 51452, cx. 2473.
12
O parecer do contraente foi emitido pelo pároco José Vieira Lima, da freguesia da Sé, em 10/06/1782 e o
da contraente pelo pároco Domingos de Azevedo, de Jacarepaguá, em 28/04/1782. HM 51452, cx. 2473.
acreditamos que o fiador seja parente da noiva, uma vez que tem o mesmo sobrenome da
família e reside no mesmo local, o engenho da Tijuca. Podemos creditar este aumento do
13
As freguesias eram centradas nas igrejas paroquiais, onde as pessoas “faziam
separação de Irajá. Vale ressaltar que a feitura de uma igreja se fazia necessária quando
deve ser compreendida pela chave de que esta não só “protege os mortos, assegurando-
lhes o além, mas também beneficia os vivos e é a garantia da proteção de Deus”.15 Neste
sentido, “todo o paroquiano, conforme as suas posses, tem que contribuir, até os imigrantes
13
De acordo com o dicionário de Bluteau: Parrôchia, ou Parroquia. Freguezia, Igreja Parrochial, governada
por Parroco. Deriva-se do Grego Parochos, que quer dizer, Repartidor, ou Hospedeyro de Embayxadores.
Antigamente havia um costume, que nas casas em que se hospedava Embayxador, ou enviado Romano, lhe
haviaõ dar de raça quanta lenha podesse queymar, & quanto sal podesse comer ele, & sua gente. Então não
amassavão o paõ com sal, como agora; pelo que salgavão cada bocado de paõ, comião, como as talhadas
de carne, especialmente, que o sal não era simplez, senão composto, como cá sal, e pimenta. O que tinha
cuydado de dar aos Ministros Romanos a lenha, & o sal, se chamava Parochus, que (como já dissemos) vai o
mesmo que Repartidor. Tocou Horacio este costume na quinta Satyra do primeyro livro aonde diz: Tum
Parochi, que debentligna, salemque. A imitação disto chamamos à Igreja de huma colação Parochia,
&Parochus, porque não hade levar dinheyro por eles. Pela lenha entenderemos a matéria dos Sacramentos,
&e pelo sal, a graça, que sempre acompanha aos Sacramentos, dão-se estes a homens Romanos, que
caminhaõ nesta vida debayxo da obediência do Romano Pontifice.
14
SCHWARTZ, Stuart B; LOCKHART, James. A América Latina na época Colonial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010. p. 274.
15
SCOTT, Ana Silvia Volpi. Famílias, formas de união e reprodução social no noroeste português. São
Leopoldo: Ed. Unisinos, 2012. pp. 223-224.
16
Idem. p. 223.
uma cidade que cada vez mais se converteu no principal porto do Atlântico Sul luso, em
função do ouro das Minas Gerais e do tráfico atlântico de escravos. Apesar deste processo,
Benevides, que, inclusive, tinham terras vinculadas a seu morgado no local19, assim como
17
ARAUJO, Carlos. Jacarepaguá de antigamente. Belo Horizonte: C. Borges Editora, 1995.
18
OLIVEIRA, Victor L. A. Retratos de Família: sucessão, terras e ilegitimidade entre a nobreza da terra de
Jacarepaguá, séculos XVI-XVIII. Dissertação de Mestrado. Instituto de História – UFRJ, 2014.p. 55
19
As terras dos Correa de Sá e Benevides vinculadas ao morgado ficavam no Engenho D’Água, primeiramente
chamado Engenho da Tijuca. A vinculação pode ser vista no documento que segue: “Instituição do morgado
do Excelentíssimo Visconde de Asseca feita em o ano de 1667 aos 27 dias do mes de mayo – D. Victoria
faleceo, em 27 de agosto de 1667.
Bens vinculados no morgado pertencentes ao Rio de Janeiro
O Engenho (...) de agoa chamado São Salvador da Tijuca no dito Engenho com todas suas terras,
confrontaçoens, partidos de canas, Escravos e gados, que tem de terras duas legoas de testadas, e do mar
para a serra outras duas legoas, Em a restinga de campos que lhe toca, queparte no cume a serra vindo da
cidade pella Lagoa para a banda de leste, e da de costas com terras do Engenho de Nossa Senhora do
Desterro, que temos nomiado a um de nossos filhos, Irmão de João Correa de Sá, e pella parte do Norte no
cume da serra aonde chamão a cruz, parte com terras dos P. P. da Companhia, e da parte do Sul com o mar
Logo, (...)do-se as lagoas e restingas e esta (...) o rendimento em oitocentos mil reis – e nada mais nos respeita
a estas partes (1 linha ilegível).
Tem esta instituissaõ a seguinte (...) a folha 34 verso.
E assim queremos por avistar demandas que hao de haver, que nenhua palavras desta instituissam se lhe de
outro nenhum (...) diferente do que sam, porquanto he nossa vontade que assim se cumpra e goarde, pela
fazermos com toda a clareza e palavras para assim se evitarem demandas, e todas as duvidas, que ao diante
pode haver; e com todas estas sancssoens reta ficamos esta nossa instituissam com todas as clauzulas, e tudo
o mais que de direito necessario for.” Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, seção 8,
documento nº 992. Agradeço a Francisco Javier Muller pela cessão da versão digitalizada do documento.
20
SAMPAIO, A. C. J. Na Encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de
Janeiro (1650-1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.pp. 57-92.
desdobravam nos chamados partidos de cana, explorados em geral pelo dono do engenho
e por lavradores e seus parentes e escravos21. Jacarepaguá contava com oito engenhos e
pertencente aos Teles de Menezes; o de Fora, o do Rio Grande, dos Sampaio e Almeida; o
Aguirre. Algumas regiões se encontravam dentro das delimitações dos engenhos. São elas,
Piabas, que ficava nas terras de São Bento, não sabemos se na Vargem ou no Camorim;
Pavuna, Areal e Barro Vermelho, que se situavam na Taquara e; Retiro, Bananal e o sítio de
Além destes sítios, ainda tínhamos as regiões da Ilha do Ribeiro, Cruz das Almas,
Gabinal, Estiva e Tijuca que constavam como sendo local de moradia e diversos chefes de
22
domicílio. A seguir, gráfico elaborado por Victor Oliveira para mimetizar a distribuição
21
FRAGOSO, João. O capitão João Pereira Lemos e a parda Maria Sampaio: notas sobre hierarquias rurais
costumeiras no Rio de Janeiro do século XVIII. In: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica
Ribeiro de (org.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 158.
22
OLIVEIRA, Victor. Algumas notas sobre demografia, terras e elites no Recôncavo da Guanabara do século
XVIII. In: Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014. p. 161. Disponível em:
http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/457/442 Acesso em: 18/02/2015.
permite visualizar melhor a maneira que era estabelecida a relação do matrimônio com o
acesso à terra, muito embora esta parte da pesquisa não seja explorada no presente artigo.
Desse modo, inseridos numa complexa rede de artifícios engendrados por famílias
momento do ritual do casamento, mas direcionando o destino dos filhos. Assim, um futuro
estabelecidas antes ou depois do nascimento do filho, uma vez que era eterna, numa
Monarquia portuguesa.
Na maioria dos casos, a escolha era eminentemente familiar, já que a família era a
célula mais elementar desta sociedade23, o que não exclui, entretanto, que casamentos
tenham sido realizados por vontade dos nubentes, uma vez que pudemos rastrear casos
23
HESPANHA, A. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São
Paulo: Ed. AnnaBlume, 2010.
neste sentido, a ação das Leis Pombalinas, denominadas pelo moralista setecentista José
Telles como A Lei da Boa Razão. Nessas, é fácil notar que o poder paterno ganhou maior
acento. Vejamos a Lei de 6 de outubro de 1784, incluída na Lei da Boa Razão, que regulava
os esponsais. De acordo com esta, os nubentes de até 25 anos não poderiam realizar
promessas de casamento caso não tivessem autorização dos pais ou tutores. 24 A efetividade
desta lei, entretanto, no que se refere às práticas, fica no campo das poucas evidências das
quais dispomos, as quais apresentam dados parcos sobre o que efetivamente ocorreu, pois
documentos em que há testemunhos, estes são transcritos por um escrivão ou pároco, que
elabora a pergunta e pode, sem dúvidas, enviesar a resposta, já que há praticamente uma
a Monarquia portuguesa, embora apostemos que em regiões rurais, essas regras poderiam
conjunto de bens simbólicos e materiais que passavam de uma geração à outra, cuja lógica
Como viviam livres e escravos em uma freguesia açucareira: uma breve digressão
É impossível, vale salientar, falar de uma sociedade cuja base econômica era o
trabalho escravo sem mencionar escravos. Trouxemos, portanto, um vislumbre sobre a vida
24
TELLES, José Homem Correa. Commentario crítico à Lei da Boa razão. Lisboa: Typographia de Maria da
Madre de Deus, 1865.
25
PEDROZA, Manoela. Engenhocas da Moral: redes de parentela, transmissão de terras e direitos de
propriedade na freguesia de Campo Grande. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011. p. 96.
26
OLIVEIRA, Victor. Algumas notas sobre demografia, terras e elites no Recôncavo da Guanabara do século
XVIII. In: Revista Latino-Americana de História Vol. 3, nº. 11 – Setembro de 2014. Disponível em:
http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/457/442 Acesso em: 18/02/2015. p. 155-161.
1235 (aproximadamente 55%) eram escravos. Destes escravos, a maioria estava concentrada
nos 11 engenhos da região. O que queremos chamar atenção, nesta altura do trabalho, é
que os escravos e pessoas livres não viviam suas vidas de forma isolada, mas em comum.
Alguns escravos, inclusive, tinham a vida parecida com a dos livres pobres, possuindo uma
casa e uma família, gerando vários filhos e trabalhando em sua lavoura, como é o caso dos
crioulos Mariana e Francisco, escravos de Tomás da Costa 27, que tiveram 6 filhos (5
gestações, sendo uma de gêmeos) entre 1789 e 1799. É muito provável que esta família,
da escravaria, pois todos os seus filhos foram batizados em livros de batismos de livres,
de que o óbvio, que podia ser observado por todos por vezes era negligenciado pelo
pároco, pois não fazia sentido anotar algo que era de conhecimento geral), pois entre as
seis crianças batizadas, apenas uma aparece com registro formal de alforria em pia batismal,
apesar de todas serem consideradas livres, já que estavam no livro de batismos de livres.
Poderíamos inferir que era um erro do pároco batizar as crianças no livro de livres, mas a
verossimilhança nos leva a crer que não foi um erro, mas uma opção por batizar os filhos
dos escravos do livro dos nascidos livres - porque era sabido, admitimos como hipótese
plausível, que o seu senhor concederia a alforria a eles quando do seu nascimento. O
porquê disso, nunca saberemos, mas apenas que seus pais tinham um papel diferenciado
todo o tempo em sua lógica de funcionamento, buscariam a paz para sua convivência.
27
Claudina, batizada em 22/07/1789, imagem 319 do livro de Batismos de 1750 a 1791 [1794] Jacarepaguá;
Ambrosio e Tomasia (gêmeos), batizados em 20/03/1791, imagem 6 do livro de Batismos Mar-1791, Fev-
1802, Jacarepaguá; Maria, batizada em 26/0/1793, imagem 28 do livro de Batismos Mar-1791, Fev-1802,
Jacarepaguá; Maria, batizada em 19/02/1796, imagem 57 do livro de Batismos Mar-1791, Fev-1802,
Jacarepaguá; Angelo [crioulo], batizado em 10/08/1799, imagem 106 do livro de Batismos Mar-1791, Fev-
1802, Jacarepaguá. Os dois livros estão disponíveis no familysearch.org.
28
Alerta, portanto, para a força social da família dentro e fora das senzalas . O controle
senhorial era antes político que físico. Não que inexistisse o castigo corporal, mas a
Seja como for, é possível dizer que esta família se manteve estável por, pelo menos,
10 anos30 nas terras em que vivia seu senhor Tomás da Costa, em Jacarepaguá, sem ter
especificado no mapa se era foreiro, partidista ou posseiro daquelas terras. Contando mais
de 64 anos em 179731, casado, é provável que ele também tenha se estabelecido no local
há bastante tempo.
efetivamente o território em que habitava, grupo, grosso modo, formado pelos senhores
de engenho e alguns donos, ou seja, parcela pouco significativa da maioria dos fregueses.
Tendo a posse da terra ou não, compreendemos que estas famílias eram geridas por uma
lógica camponesa, ou seja, uma unidade econômica que, em seus relacionamentos com a
terra32, arrendamento ou compra, busca, com estas transações, alcançar um equilíbrio seja
campesinato de que tratamos, opera num sistema de economia em que o objetivo não é a
28
BRÜGGER, Silvia M. J.. Minas Patriarcal. Família e Sociedade (São João del Rei – séculos XVIII e XIX). São
Paulo: Annablume, 2007. passim.
29
FLORENTINO, Manolo; GÓES, Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de
Janeiro, c. 1790 – c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 175
30
Essa conta foi feita com base no tempo de nascimento de seus filhos.
31
Mapa descritivo do distrito da Guaratiba, freguesia de Jacarepaguá. 1797. AHU-Rio de Janeiro, cx. 165, doc.
62.
32
BACELLAR, C. A. P. Viver e sobreviver em uma vila colonial– Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo:
Annablume . Fapesp, 2001a.
distribuído.33
figurar na maioria dos domicílios da freguesia, o que não quer dizer que esta produção não
pudesse ser comercializada com outras regiões do recôncavo. Desta maneira, nos
atentaremos, para além dos donos, à grande quantidade de famílias foreiras ou partidistas
e seus agregados34, visto terem sido os integrantes da nobreza da terra35 alvos de pesquisas
36
significativas na recente historiografia sobre freguesias agrárias .
“Matrimonio. Deriva-se do latim mater, porque a mãy pare, e cria os filhos, que
saõ fruto do matrimonio. Na Igreja Catholica he hum dos sete Sacramentos,
33
LEVI, Giovanni. Economia camponesa e Mercado de terra no Piemonte do Antigo Regime. In: OLIVEIRA,
Mônica.; ALMEIDA, Carla. (orgs.) Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. p. 91.
34
Agregados podem ser caracterizados como um grupo que não mantém nenhum tipo de relação com a
terra, estando subordinados, sob diversos tipos de laços de dependência, a uma casa. MACHADO, Cacilda. A
Trama das vontades: negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de
Janeiro: Apicuri, 2008. p. 50. Cf. também BACELLAR, C. A. P. Agregados em casa, agregados na roça: uma
discussão. In: SILVA. M. B. N. da (Org.) Sexualidade, família e religião na colonização do Brasil. Lisboa: Livros
Horizonte, 2001b.
35
O conceito “de nobreza da terra, no Rio de Janeiro, estaria ligada à antiguidade da família no exercício do
poder político-administrativo da cidade e à descendência dos conquistadores”. Nem toda nobreza da terra,
porém, possuía o título de nobreza, tendo a ascensão à governança da terra, uma eficácia, sobretudo, local
e não reconhecida em todos os territórios do Império, sendo esta elite majoritariamente constituída por
conquistadores, aqueles “que, ao longo de duzentos anos, à custa de suas vidas e fazendas serviram à
monarquia no domínio da América (...) e que se viam como nobreza de origem imemorial”, achando-se com
prerrogativa exclusiva de mando através do acesso aos cargos de vereança e do reconhecimento de seus
vizinhos, muitas vezes corroborado pela concessão de mercês régias. FRAGOSO, João. Fidalgos e parentes
de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro (1600-1750). In: FRAGOSO, J.; ALMEIDA,
C.; SAMPAIO, A. (Org). Conquistadores e Negociantes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp. 35-50
36
Cf. entre outros, FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento, Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.; MACHADO, Cacilda. Op. Cit.; GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro:
trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c. 1798-c.1850). FAPERJ: MAUAD X, 2008.
PEDROZA, Manoela. Engenhocas da moral: redes de parentela, transmissão de terras e direitos de
propriedade na freguesia de Campo Grande (Rio de Janeiro, século XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
2011.TOSTES, Ana P. C. O lugar social dos homens “pardos” no cenário rural da Cidade do Rio de Janeiro
(Recôncavo da Guanabara, Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, século XVIII).
Dissertação de mestrado. UFRJ/IH, 2012. Oliveira, Victor. Op. Cit. AGUIAR, Julia Ribeiro. As práticas de
reprodução social das elites senhoriais da freguesia de São Gonçalo: um estudo de caso da família Arias
Maldonado (séculos XVII – XVIII). Rio de Janeiro, 2012. Monografia (Graduação em História) – Instituto de
História. UFRJ, 2012.;
era o sétimo dos sacramentos instituídos por Cristo, sendo, portanto, o último. O
casamento, neste sentido, é um contrato de vínculo perpétuo, a união que o homem faz
com a mulher, assim como o Senhor com a sua Igreja. O princípio que rege esse sacramento
instituindo e regularizando o sacramento, tanto que este não poderia mais ser realizado
controle paternal sobre uma dimensão essencial da política das famílias, controle este que
o pátrio poder dos pais ainda colocava medo na jovem, que fugira para a casa do tio com
medo do que seus pais pudessem fazer com ela. 40 À infâmia a que se lançou poderia ter
37
Disponível em http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/matrimonio Acesso em: 12/05/2016
38
VIDE, Dom Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Typographia 2 de
dezembro de Antonio Louzada Antunes. São Paulo: 1853.Pag. 107.
39
ACMRJ. HM. Doc. 54739 Cx. 2574
40
Depoimento da oradora D. Margarida do Bonsucesso: “se acha gravemente infamada com ele precisa casar,
foi para a casa do tio com receio que seus pais lhe façam dano”. ACMRJ. HM. Doc. 54739 Cx. 2574
desgraçado sua vida e levado junto o nome da família. No caso, da família de ambos os
O laço sagrado do matrimônio41, portanto, não era o único que os unia. A afinidade
entre as duas famílias vinha de longa data. O casal era parente de 4º grau, em razão de
possuírem como antepassado comum Maria de Oliveira, que era bisavó de D. Margarida e
tataravó de Manoel. De seu primeiro casamento, Maria de Oliveira pariu João Pimenta de
Moraes, avô materno da oradora e, das suas segundas núpcias, nasceu Francisca de
Almeida, bisavó paterna do orador. João Pimenta e Francisca de Almeida eram, portanto,
como impedimento a “cognação natural, se são parentes por consanguinidade até o quarto
grau”43, o juiz dos casamentos, responsável pela avaliação dos casos e representante da
41
Para mais leituras sobre o casamento no Brasil colonial, cf. BRAGA, Isabel D.O Brasil setecentista como
cenário da bigamia. Estudos em homenagem a Luís Antônio de O. Ramos. Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, 2004.; CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Casamento e família em São Paulo colonial:
caminhos e
descaminhos. São Paulo: Paz e Terra, 2003.; BACELLAR, C. A. P. O matrimônio entre escravos e libertos em
São Paulo, Brasil, séculos XVIII e XIX. In: GHIRARDI, M.; SCOTT, A. S. V. (Coord.). Familias históricas:
interpelaciones desde perspectivas Iberoamericanas a través de los casos de Argentina, Brasil, Costa Rita,
Espana, Paraguay y Uruguay. São Leopoldo, RS: Oikos; Editora Unisinos, 2015. BURMESTER, A. M. O. A
nupcialidade em Curitiba no século XVIII. História: Questões e Debates, Curitiba, Ano 2, n. 2, jun. 1981; SCOTT,
Ana Silvia. Op. Cit.; NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em
São Paulo, Brasil, 1600 a 1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.; MACHADO, Cacilda. Op. Cit; SILVA,
Maria B. N. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo: Edusp, 1984.
42
Trecho do processo de impedimento. ACMRJ. HM. Doc. 54739 Cx. 2574
43
Cognação espiritual se são ligados pelo sacramento do batismo, cognação legal se há parentesco por
adoção. Cf. VIDE, Dom Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Typographia
2 de dezembro de Antonio Louzada Antunes. São Paulo: 1853.Pag. 107. TITULO LXII. Do Sacramento do
Sagrada Igreja Católica, garantiu, apesar do “parentesco de quarto grao mixto com o
penas estipuladas.
oradores pediram dispensa da pena, que se resumia em serviços à sua Matriz paroquial,
rezas e doações. Não obstante ter recusado o pedido do casal, foi concedido por ninguém
nubentes em processos maritais. Nada menos que complexa era a relação de parentelas
cognação eram condenados ferozmente pela legislação “civil” e pela canônica e o incesto
reprodução social e de transmissão de patrimônio, além de serem muito mais do que uma
distintas das leis da conquista, ou “colônia”. Na primeira, que seria regulada pelas
Ordenações Filipinas, o crime do incesto era duramente reprimido e, por conta de sua
matrimônio: da instituição, matéria, forma e ministro deste sacramento; Dos fins para que foi instituído, e nos
efeitos que causa.
44
Processo de impedimento por consanguinidade de D. Margarida do Bonsucesso e Manoel Cordeiro de
Castro. ACMRJ. HM. Doc. 54739 Cx. 2574
45
Parecer do juiz dos casamentos sobre o pedido de isenção da pena do processo de dispensa. ACMRJ –
Série HM – Doc. 54739 Cx. 2574
46
ACMRJ – Série Habilitações matrimoniais. Localidade: Jacarepaguá. Décadas de 1780 e 1790. Livro de
Batismos de livres de Jacarepaguá. Disponível em familysearch.org.
47
SILVA, Maria B. N. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo: Edusp, 1984. pp. 126-127
população mais integrada e menos dispersa, era mais difícil de ocorrer que nos trópicos,
onde as famílias se “encastelavam” e dificilmente mantinham relações que não fossem com
endogâmico parece ser uma realidade que se estende por todas as camadas sociais e,
material quanto imaterial, colocaria muito a perder. Menos que uma escolha de pessoas
e instrumento de poder.
48
Estudando a pequena região de Formentera , insular província de Espanha, Joan
definidas pela Igreja, afirma que estas não eram levadas da mesma maneira pelas famílias.
Os significados eram distintos, tanto que havia pedidos de dispensa para atendimento do
interesse dos próprios grupos familiares, como se pode observar também em Jacarepaguá.
grau, a Igreja justificou oficialmente, após o Concílio de Trento, a proibição matrimonial por
afinidade tanto pelo caráter moral quanto pelo caráter social. O caráter moral dizia respeito
ao fato de que, para unir-se na mesma carne, era necessário não ser consanguíneo, uma
vez que seria redundante unir pela carne aqueles que já o eram pelo sangue. Isso diminuiria,
48
Formentera é um município da Espanha na província e comunidade autônoma das Ilhas Baleares, sendo
considerada mais próspera ilha da península.
49
CAMPS, Joan Bestard, La estrechez del lugar. Reflexiones en torno de las estrategias matrimoniales cercanas.
In: CHÁNCON JIMENEZ, Francisco, FRANCO, Juan Hernández (eds). Poder, Família y Consanguinidade en la
España del Antiguo Regimen. Barcelona: Anthropos, 1992.
inclusive, a quantidade de alianças que se poderia amealhar através deste contrato, pois o
Se a justificação social da união marital afirmava que o matrimônio unia aqueles que
não possuíam laços por afinidade consanguínea, não fazia sentido que parentes estivessem
endogamia, muito embora não possa ser considerada uma prática universal, deve ser
manutenção dos laços parentais pode garantir os ganhos adquiridos através das gerações.
jacarés”. Sendo todas moradoras na localidade do Rio Grande 52, importante engenho da
casamentos fechados devem ser vistos como participantes de uma lógica local de
estratégias matrimoniais.53
Dos 3 filhos do casal Manoel e Margarida54, – Teresa Maria de Jesus, José Cordeiro
de Castro e Francisco Cordeiro de Castro – dois deles se casam também com parentes
50
CAMPS, Op. Cit. pp. 108-110
51
CAMPS, Op. Cit. pp. 112-113
52
Sobre a freguesia de Jacarepaguá e as estratégias sociais da família Sampaio no engenho do Rio Grande,
confira. OLIVEIRA, Victor L. A. Retratos de Família: sucessão, terras e ilegitimidade entre a nobreza da terra
de Jacarepaguá, séculos XVI-XVIII. Dissertação. Mestrado em História. Instituto de História – UFRJ, 2014.
53
CAMPS, Op. Cit. p. 150
54
Batismos de livres da freguesia de Jacarepaguá. 1750-1800. Disponível em familysearch.org.
próximos, gerando habilitações matrimoniais com impedimentos análogos aos de seus pais.
Francisco Cordeiro de Castro, o único que não possui impedimento algum em seu
casamento55, não tem, entretanto, uma escolha aleatória para seu matrimônio, uma vez que
a nora escolhida, Maria Joaquina da Assunção, era prima em primeiro grau do marido de
Teresa Maria de Jesus, Inacio Correa Barbosa, cujos pais eram irmãos56.
A filha mais velha de Manoel e Margarida, Teresa Maria de Jesus, parece ter seguido
os passos dos pais. Seu cônjuge, Inacio Correa Barbosa, era seu primo de 2º grau, estando
57
os dois ligados no 3º grau de consanguinidade . Além disso, antes do início dos proclames,
impedimento afirmem que não sabem se o casal teve relações ilícitas com âmbito de facilitar
a dispensa, o nascimento de um filho pode ter servido como estratégia para a obtenção da
Na maioria dos testemunhos vistos em outros processos que tinham esta pergunta,
ao menos uma testemunha costuma afirmar que sabe que não se conheceram carnalmente
para facilitar a dispensa e sim por “fraqueza da carne”. Não foi o caso das testemunhas de
Teresa e Inacio, que preferiram afirmar que não tinham conhecimento acerca do assunto.
Embora Teresa e Inacio afirmem “que se conheceram e a oradora pariu um filho varão “que
ainda existe”, o que aconteceu por fragilidade e não com ânimo de facilitar a dispensa”, os
55
ACMRJ – Série HM – Doc. 41421 Cx. 2202. Ano de 1792.
56
Informações obtidas, principalmente, através do cruzamento entre os matrimônios da família, na ACMRJ e
nos assentos de batismos de livres da freguesia de Jacarepaguá entre 1750 e 1800.
57
ACMRJ – Série HM – Doc. 21194 Cx. 1621. Ano de 1784.
58
Processo de impedimento no 3º grau de consanguinidade de Inacio Correa Barbosa e Teresa Maria de
Jesus. ACMRJ - Série HM – Doc. 21194 Cx. 1621.
fragilidade. Do 3 não sabe quantas crianças escravas tem, mas sabe que há, que
trabalham em terras alheias; o orador tem ofício e 2 cavalinhos.
Manoel Pacheco Freire: Conhece muito bem os oradores e saber porque se acham
contratados para casar. Confirma todos os impedimentos. Do 2 não menciona a
59
fragilidade. Do 3 o orador tem ofício e 2 cavalinhos.
entre pessoas que pretendiam se casar, como é o caso dos nascimentos ilegítimos
em casais com casamento já acordado. O autor cita ainda as relações sexuais ilícitas
subsidiárias dos casamentos em que havia impedimento por relação de parentesco, o que
fazia com que muitos casais vivessem sob o mesmo teto aguardando a decisão do juiz de
casamentos. Mesmo sendo juridicamente uma união incestuosa, era socialmente aceita
aguardavam o processo de dispensa. Ainda mais porque o pequeno Luis já havia nascido
6 meses antes do início do processo61. Sua condição de filho natural mudaria após o
casamento dos seus pais, Luis seria agora um filho legitimado por casamento subsequente.
Correa Pimenta e Maria Barbosa, também tem seus casamentos impedidos por
consanguinidade, dos quais obtém a dispensa. Pedro Barbosa de Sá se casaria com a filha
de Antonio de Oliveira Lobo, que, por sua vez, também estaria ligado à família Cordeiro de
Castro pelo casamento de sua outra filha, D. Teresa Francisca, já viúva, com o filho de
59
Testemunhas do processo de impedimento de Inacio Correa Barbosa e Teresa Maria de Jesus. ACMRJ –
Série HM – Doc. 21194 Cx. 1621.
60
MONTEIRO, Nuno G. (coord.) MATTOSO, J. (dir.). História da Vida Privada em Portugal. A idade moderna.
Lisboa: Círculo de leitores, 2013. p. 118.
61
O processo é de agosto de 1784, enquanto Luis nasceu em fevereiro.
62
ACMRJ. HM. Doc. 86243 Cx. 3393 José Cordeiro de Castro e D. Teresa Francisca; Doc. 21199 Cx. 1621 Inacio
Manoel de Sampaio e D. Mariana Rosa de Oliveira; Doc. 14079 Cx. 1414 Pedro Barbosa de Sá e Josefa Maria
Lizarda de Oliveira; Doc. 20794 Cx. 1609 Inacio dos Santos Sampaio e Antonia Joaquina de Oliveira.
demográfico é pujante.
escolhida, Maria Joaquina da Assunção, era prima em primeiro grau do marido de Teresa
Mais do que uma estratégia para manter os bens indivisos, à custa da diminuição de
parentelas, esta grande família pode estar fazendo frente ao crescente número de pardos,
uma vez que nenhum deles consta como pardos nos documentos analisados, de batismos,
fechar as redes nelas mesmas, garantindo uma grande união entre estas famílias que antes
Conclusão
europeus, forros, livres, capitães... Difícil enunciar todos os qualificativos de uma sociedade
Este trabalho nada mais é que o conjunto de fragmentos de representação de vidas que
estão sendo aqui reproduzidas, possibilitada pelo intenso cruzamento realizado através do
Embora não sejam membros da nobreza como os personagens estudados por Nuno
63
reprodutivo do grupo”, parece que as famílias aqui mencionadas estão tentando garantir
sua coesão e unidade enquanto grupo diferenciado dos demais. De acordo com Monteiro,
estava em seu horizonte a remuneração régia, esta não era uma preocupação latente entre
não se queira que a aliança se estenda para além dos grupos já formados.
Como bem sublinhou Gilberto Freyre, o português que veio para conquistas
a pura extração de riqueza mineral, vegetal ou animal para a criação local de riqueza, ao
meios e climas tão diversos.” Neste sentido, a sociedade das terras luso-americanas
Este artigo, no entanto, traz apenas algumas amostras das centenas de casamentos
que se realizaram em Jacarepaguá ao longo do século XVIII. Matrimônios cujo processo foi
preservado e chegou até os dias de hoje para contar uma história que não era exclusiva
das famílias citadas. Impedimentos eram comuns no Antigo Regime católico e, sobretudo
para uma freguesia rural em que o número de habitantes era consideravelmente pequeno,
a desvelar minúcias das representações de práticas que, entre uma norma e outra, ocorriam
entre os fregueses.
63
MONTEIRO, Nuno G. Casa e linhagem: o vocabulário aristocrático em Portugal nos séculos XVII e XVIII. in:
Penélope – fazer e desfazer a História, no. 12, 1993. p. 611.
64
Idem. p. 613.
65
BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. Campinas: Papirus Editora, 1996. p. 138.
66
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. São Paulo: Global Editora, 2008 [1933]. pp. 78- 79
Manoel D. Margarida
Cordeiro de do
Casamento............................................
Casamento entre consanguíneos........
Primos...................................................
Filiação..................................................
Castro Bonsucesso
Primos de 4º grau
Impedimento no 3º grau Primos de 4º grau
de consanguinidade Impedimento no 3º grau
de consanguinidade
Primos de 1º grau
Inácio
Manoel de
Pedro Sampaio
Barbosa de
D.
Sá
Mariana
D. Teresa Josefa Rosa D. Antônia
José Inácio dos
Francisca Maria Joaquina de
Cordeiro Santos
Lizarda Oliveira
de Castro Sampaio
Gráfico de vizinhança I. Moradia próxima e contígua entre membros da família Oliveira Lobo e Cordeiro de Castro
Referências
Manuscritos
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 41421 Cx. 2202
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 21194 Cx. 1621
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 86243 Cx. 3393
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 21199 Cx. 1621
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 14079 Cx. 1414
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 20794 Cx. 1609
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – Série HM – Doc. 54739 Cx. 2574
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