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“ARMAS CONTRA NÓS”: AS DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS DOS LIBERAIS

MODERADOS CEARENSES (1835-1836)

Noemia Dayana de Oliveira (UFRGS)

Palavras-chave: Correspondências; Liberais Moderados; Ceará.

Este estudo tem por objetivo analisar a construção do partido dos Liberais
Moderados no Ceará, evidenciando as divergências políticas entre os seus membros,
sobretudo aqueles eleitos para a terceira legislatura do Império (1834-1837). Neste
período, os partidos políticos no Brasil eram caracterizados pelo forte senso de liderança
pessoalizado, bem como das redes de parentesco com interesses específicos, que
fortaleciam as alianças políticas entre as províncias e a Corte (NEEDELL, 2009).
A dinâmica partidária também foi marcada por acontecimentos como a abdicação
de D. Pedro I, que impactou as legislaturas imperiais, bem como o arcabouço de leis e
normas jurídicas do país. O Ato Adicional promulgado em 1834 é um exemplo disso, já
que se tornou uma resposta das elites locais à centralização de poder exercida pelo
imperador. Diante disso, a ação dos liberais durante a terceira legislatura foi significativa,
em especial dos cearenses. Organizados em torno do padre José Martiniano Pereira de
Alencar, que foi um importante conciliador de interesses dentro e fora da província, ele
enfrentou dificuldades para manter a coesão entre os membros e as decisões.
Devido o limite do presente estudo, priorizamos a análise de apenas um
acontecimento político, mas que foi o responsável pelo afastamento do Ministro da
Fazenda, Manoel do Nascimento Castro e Silva, acusado pelo deputado José Antônio
Pereira Ibiapina em 1836 de roubar o Tesouro Nacional. Para isso, investigamos nas
correspondências trocadas entre o padre Alencar, o ministro e o deputado, quais foram as
motivações e as consequências dessa denúncia, além de pontuar as relações existentes
entre eles e o regente em exercício, o padre Diogo Feijó.
Vale ainda ressaltar que o próprio grupo nacional dos Liberais Moderados era
constituído de facções, sendo os mais reformistas ligados a Feijó, enquanto os mais
reacionários – constituindo-se depois como o Partido da Reação ou Partido Conservador
– a Honório Carneiro Leão (NEEDELL, 2009). Ao final, confirmamos a fragilidade do
partido, tanto em âmbito local como nacional, devido à ausência de uma agenda política
e do caráter organizativo dessas primeiras experiências partidárias.

As correspondências e os sujeitos políticos

A valorização das correspondências como fonte historiográfica é algo


relativamente novo. A década de 1980 marca o retorno das análises sobre o indivíduo, a
cultura, as relações sociais e, sobretudo, a política, que contribuíram para a renovação
historiográfica. Para tanto, a valorização desse tipo de fonte não esteve isolada, já que os
estudos biográficos também passavam por transformações teóricas e metodológicas,
graças as contribuições da Sociologia e da Antropologia. Sobre isso, vale ressaltarmos
que o presente estudo faz parte da minha pesquisa de doutorado, que tem como objetivo
a análise da trajetória do deputado cearense José Antônio Pereira Ibiapina, que ficou mais
conhecido como Padre Ibiapina1.
Levando em consideração que a trajetória política desse deputado foi marcada,
entre outras coisas, pela atuação no Parlamento Nacional, localizado na província do Rio
de Janeiro, ele e os demais membros Liberais Moderados se comunicavam por meio de
correspondências, que no século XIX tornaram-se difundidas e atingiram diversas
camadas sociais. Por esse motivo, o historiador ao investigar esse tipo de fonte deve estar
ciente que ela é, ao mesmo tempo, uma atividade de introspecção e também de
sociabilidade (MALATIAN, 2009).

1
A ordenação sacerdotal de Ibiapina só ocorreu aos 47 anos, quando ele já tinha exercido as funções de
deputado, professor e advogado.
É por meio das cartas que acessamos as práticas e as representações dos sujeitos,
como dos políticos cearenses e demais Liberais Moderados que atuaram na terceira
legislatura do Império. Nesse sentido, o ato de trocar missivas fez surgir novos hábitos de
sociabilidade, que expressavam o contexto da nova ordem burguesa, a qual a vida privada
tornou-se o centro do controle social. Era necessário, portanto, que os correspondentes
fossem detentores de códigos específicos em comum, oriundo de sociabilidades
semelhantes (MALATIAN, 2009).
Compreendendo que as cartas são materiais do gênero autobiográfico, atentamos
que a produção delas não é dada de forma espontânea, ao contrário, elas ocultam e/ou
revelam regras e apresentações de si, que permitem que o historiador reúna ações, práticas
e comportamentos que contribuem não só para entender os sujeitos políticos, mas a
sociedade na qual eles estão inseridos (MALATIAN, 2009). Não é a toa que esse tipo de
fonte também é material para a Nova História Política, despertando novos temas de
pesquisa como os partidos políticos, as eleições, os movimentos sociais, a mídia, as
relações internacionais e outros.
Apesar de ser acusada de “elitista” e de não possuir uma massa documental
seriada, a Nova História Política, segundo René Rémond (2003), valorizou a participação
dos sujeitos na vida política, evidenciando todos os atores, até os mais modestos. Além
disso, a grande geração de dados que os processos eleitorais e partidários ocasionam,
respondem a segunda crítica. E é exatamente a geração de dados oriundos dos Liberais
Moderados que nos ocuparemos aqui, ou mais especificamente, das correspondências
recebidas pelo padre José Martiniano Pereira de Alencar.
Tais documentos foram organizados e publicados pelos Anais da Biblioteca
Nacional em 1968, que segundo o editor Wilson Lousada, foi fruto das solicitações de
historiadores, memorialistas e demais pesquisadores sociais, que julgavam as cartas do
padre Alencar indispensáveis para a produção de biografias e demais produtos
biográficos. Por esse motivo, a organização das missivas está disposta em linha
cronológica e agrupada por autores pertencentes a rede de sociabilidade de Alencar. Vale
ressaltar que neste material foram conservadas as notas e a ortografia da época, no
entanto, resolvemos atualizá-la aqui.
Tais correspondências foram tratadas como fontes2 para atender ao nosso objetivo
principal, que é investigar a construção do partido através das divergências entre os seus
membros. Selecionamos o evento que ocorreu em 1836, que ficou conhecido como o
roubo do Tesouro Nacional. Esse fato ocorreu durante as atividades do Ministro da
Fazenda cearense Manoel do Nascimento Castro e Silva, que era alinhado aos Liberais
Moderados mais reformistas – grupo do regente padre Diogo Feijó. Antes de assumir o
cargo, ele era deputado geral juntamente com José Antônio de Pereira Ibiapina, que ao
denunciá-lo publicamente, foi acusado de alinhar-se aos Liberais Moderados mais
cautelosos – grupo de Honório Carneiro Leão (NEEDELL, 2009).
Diante disso, nas correspondências passivas de Alencar, selecionamos aquelas
enviadas por Castro e Silva, especificamente aquelas em que aparece o nome do deputado
Ibiapina. Foram selecionadas seis cartas, datadas entre agosto de 1835 e julho de 1837.
No entanto, como elas são apenas versões do Ministro sobre o roubo do tesouro, ou seja,
não possui fim em si mesmo, resolvermos confrontar tais informações com o jornal O
Sete d’Abril, que noticiou o fato apoiando o deputado acusador.
Nesse sentido, investigar os Liberais Moderados cearenses por meio das
representações dos seus membros e como isso esteve associado às práticas liberais do
período, bem como a origem dos partidos no Brasil, contribuiu para acessarmos a história
geral do país por meio de uma experiência local. O político, segundo François Furet
(1988) é o lugar mais privilegiado para se observar a história total de uma sociedade, haja
vista que o estudo do explícito e do que está manifestado (das representações) é o que
deve importar e não o que está oculto (FERREIRA, 1992).
Para tanto, vale resgatarmos aqui como está posto na historiografia a formação

2
Fizemos a crítica documental e a análise do caráter subjetivo, que é a busca por expressões de contenção
do eu. Ressaltamos que essas cartas são apenas versões dos acontecimentos, de modo que foi necessário
confrontá-las com outro tipo de fonte, como o jornal carioca que noticiou o ocorrido chamado O Sete
d’Abril.
dos partidos políticos no Brasil, como isso está associado às primeiras experiências
parlamentares e, por fim, como a prática liberal dividiu os deputados eleitos da terceira
legislatura do Império, o que reverberou no fim da regência do Padre Feijó e a formação
do Partido Conservador (ou o Partido da Ordem).

Partidos políticos no Brasil: algumas considerações

A história política e, consequentemente, o estudo dos partidos políticos sofreu


certa desvalorização pelos historiadores até ocorrer à aproximação com a Ciência Política
em meados da década de 1980. Esta aproximação, por sua vez, ofereceu conceitos e
métodos para a renovação da história política, que segundo René Rémond (2003) passou
a valorizar a participação na vida política, ampliando os temas de interesse por parte dos
estudiosos. Entre eles, estão os estudos sobre os partidos políticos, que é encarado como
o lugar onde se opera a mediação política3 (BERSTEIN, 2003). Isso amplia a própria
concepção de partido político, que não está mais atrelado somente aos processos
eleitorais.
O primeiro cientista político que buscou uma explicação global dos partidos foi
Maurice Duverger (1951). Para ele, os partidos são fenômenos diretamente ligados à
instituição parlamentar, de modo que o distanciamento ou a aproximação com ela é o que
distingue os dois tipos de partidos modernos. Por um lado, existem os partidos ligados à
instituição parlamentar, que nasceram da iniciativa dos eleitos desejosos de se reeleger
ou controlar os comitês; por outro lado, existem os partidos de “origem externa” ao
parlamento, que surgiram da iniciativa dos sindicatos, das igrejas, etc., tendo como força
do poder partidário a “base” militante (BERSTEIN, 2003).
Questionando essa definição, os cientistas políticos americanos como La
Palombra e Weiner (1969) acreditavam que os partidos políticos surgiram quando as

3
Levando em consideração que o ser humano não é originalmente um ser político, mas sim que ele torna-
se político, concordamos com Serge Berstein quando ele diz que a mediação política é o espaço que está
entre a realidade vivida e a esfera do discurso (próprio da política).
sociedades atingiram certo estágio de desenvolvimento e, mais do que isso, quando esse
processo foi interrompido por rupturas bruscas, que segundo eles, justificavam a
emergência dessas organizações. Desse modo, eles entendiam que o partido não é um
movimento que surge como reflexo dos interesses dos seus criadores, mas de um
problema colocado pela sociedade contemporânea ao surgimento do partido (BERSTEIN,
2003).
Ao historiador, coube incrementar aos estudos dos partidos políticos as
proposições da Ciência Política naquilo que diz respeito ao caráter histórico do seu
surgimento, evidenciado pelo Duverger, bem como a atenção à quais problemas deram
origem aos partidos, evidenciados por Palombra e Weiner. Junto a isso, a aproximação
com Sociologia Política contribuiu para que historiador evidenciasse quais são os sujeitos
que compõe os partidos políticos e quais são as leituras que eles fazem de si e da realidade
concreta.
Na historiografia brasileira, a renovação dos estudos sobre os partidos políticos
ainda está centrada nos partidos republicanos, isto é, que surgiram em fins do século XIX
até os mais atuais. Em relação aos partidos imperiais, o que prevaleceu foram os estudos
sobre a composição social deles, que homogeneizaram os interesses e/ou caricaturá-los
aos moldes das explicações que evidenciavam o comportamento político como fruto de
interesses econômicos. Segundo José Murilo de Carvalho (1974) existem pelo menos
três posições acerca da composição social dos partidos imperiais e seus consequentes
programas, que são:
a) Os autores que negam qualquer diferença entre os partidos, entre eles, estão
Caio Prado Júnior, que admitia certa divergência entre a burguesia reacionária (donos de
terra e senhores de escravo) e a burguesia progressista (comércio e finanças), embora isso
não refletisse na estrutura dos partidos, já que os reacionários e os progressistas se
misturavam. Já Nestor Duarte e Maria Isaura Pereira de Queiroz consideravam os partidos
Conservador e Liberal como representantes do poder agrário, que dominaram a política
imperial. O primeiro admitiu também certa diferença entre os partidos, mas apenas
intelectuais, sem qualquer vinculação com a realidade material.
b) Os autores que distinguem os partidos em termos de classe social, que são eles:
Raimundo Faoro, que argumentou ser o Partido Conservador o representante do
estamento burocrático, consequentemente importantes para a evolução política do país,
enquanto o Partido Liberal era o representante dos interesses agrários, sendo eles
contrários aos avanços do poder central e consequentemente do país. Já Azevedo Amaral
acreditava que os interesses rurais eram defendidos pelo Partido Conservador, enquanto
os intelectuais e outros grupos marginais ao processo produtivo tais como os mestiços
urbanos, eram representados pelo Partido Liberal.
c) Os autores que distinguem os partidos por outras características como a
origem regional, rural, urbana, etc., são eles: Fernando de Azevedo e João Camilo de
Oliveira Torres, ambos acreditam que existe uma distinção em termos de rural-urbano
nos partidos Conservador e Liberal, sendo este último representante dos grupos urbanos
(bacharéis, intelectuais, pequena burguesia, padres, militares, mestiços, já que a alta
burguesia se aliava aos grupos rurais) e os primeiros dos grupos rurais. Em termos
ideológicos, os grupos urbanos (liberais) foram interpretados como os mais alienados,
enquanto os mais flexíveis e adaptáveis seriam os conservadores.
Essas diferentes concepções sobre os partidos políticos imperiais presentes na
historiografia e sociologia também revelam interpretações distintas sobre a estrutura
social e o sistema de poder vigente no Império. Essas leituras não estavam equivocadas,
mas devido a complexidade da realidade política, eles levaram em conta apenas alguns
aspectos (CARVALHO, 1974).
Vale pontuar ainda que na historiografia há os autores que acreditam que antes de
1837 não existiam partidos políticos no Brasil, como é o caso do supracitado Carvalho
(1974). E mais recentemente, Jeffrey Needell (2009) afirma que o cenário partidário no
Brasil teve início com a primeira legislatura do Império, em 1826. Isso porque a Câmara
dos Deputados dividiu-se em duas facções: uma que apoiava o imperador e outra que
estava alinhada as oligarquias regionais, excluídas das nomeações do Estado.
Para tanto, ele afirma que a organização dos partidos baseava-se em “um senso de
liderança, altamente pessoal, pela ausência de uma agenda ideológica (...) por sua visível
relação com redes de parentesco e por seus apelos a interesses específicos (classe,
nacionalidade etc.)” (NEEDELL, 2009, p. 7). Apesar de afirmar que os partidos no Brasil
estão ligados a prática parlamentar, o autor afirma que o principal local de organização
dos partidos não foi à casa legislativa, mas sim a Maçonaria, as sociedades e seus
respectivos periódicos e os oradores.
Grande parte da historiografia do Brasil imperial concorda que o primeiro partido
duradouro foi aquele formado pela maioria da Câmara em 1837, que veio a ser chamado
de Partido Conservador. Este derivou dos Liberais Moderados, que dominavam a
“oposição liberal” e a administração no início da Regência após a ruptura com seus
aliados mais radicais, os exaltados (NEEDELL, 2009). Independentemente da data de
origem, o que devemos acentuar é que o Partido Conservador foi formado por membros
que pertenceram a outros partidos e, portanto, em atividade parlamentar antes de 1837.
Com a vitória dos reformistas, isto é, a promulgação da Lei nº 16 de 24 de agosto
de 1834, bem como a Regência Una do padre Feijó, foram dados os primeiros passados
no sentido de mais um rompimento político entre os partidos já existentes: os moderados
mais reformistas, liderados pelo regente em exercício e os moderados mais cautelosos,
liderados por Honório Carneiro Leão (NEEDELL, 2009). Com a morte de D. Pedro I,
bem como o declínio do tráfico negreiro, devido a Lei de 7 de novembro de 1831, que
penalizava os importadores de escravos, parecia necessário retomar o Estado forte que
garantisse a continuidade dos negócios e da empresa escravista.
Apesar disso, os liberais mais cautelosos permaneceram defensores do governo
parlamentar, representativo e constitucional, mas passaram a se preocupar com a
segurança do Império e da sociedade, que estourava em manifestações locais. No entanto,
os membros alinhados a Carneiro Leão passaram a defender maior centralização e
autoridade do Estado. O roubo do Tesouro Nacional e a acentuada crise econômica gerou
indignação entre os parlamentares, de modo que as consequências foram a queda dos
liberais mais reformistas, o fim da Regência do padre Feijó e a formação do Partido
Conservador.

O escândalo parlamentar

A terceira legislatura do império teve como um dos principais feitos o de


reformular a Constituição de 1824, que centralizava o poder nas mãos do imperador. Para
isso, foi aprovado o Ato Adicional que conferiu poder as Assembleias Provinciais e
Municipais, suprimindo o Conselho de Estado e ainda transformou a Regência trina em
Regência una. Com tais mudanças, os interesses políticos divergentes na Câmara
afloraram, especialmente entre os liberais. Uma dessas divergências veio à tona com o
grupo do Ceará, através da denúncia feita pelo deputado Ibiapina.
No levantamento de correspondências que fizemos identificamos que dos oito
deputados eleitos por esta província, três (Castro e Silva, seu irmão Vicente Ferreira do
Castro e Silva e Joaquim Inácio da Costa Miranda) foram fiéis correspondentes do
presidente, o padre Alencar, durante os anos da terceira legislatura. O conteúdo dessas
missivas mostra o jogo de articulação feito entre os liberais mais reformistas no
parlamento e no Ceará. Os outros cinco deputados – dentre os quais estava Ibiapina –
tornaram-se fervorosos opositores das ações políticas do primeiro grupo.
Filho de ex-confederado, Ibiapina uniu-se politicamente ao padre Alencar e ao
deputado Castro e Silva através de um convite feito por José Mariano de Albuquerque
Cavalcanti, presidente da província durante os anos de 1831-1834. Ele o convidou a
disputar as eleições como deputado e compor o partido dos Liberais Moderados, isso
porque ele possuía as credenciais de ter tido um pai revolucionário, que lutou com a
família Alencar na Confederação do Equador.
Aceitar o convite para concorrer às eleições como deputado foi um meio
encontrado por Ibiapina de estabilizar-se economicamente, dado a situação de falência
após a morte do pai, condenado pelo envolvimento com a Confederação e o pouco que
tinha como lente substituto da Faculdade de Direito de Olinda, onde havia se formado
bacharel. Devido aos conhecimentos que adquiriu e a experiência pessoal, a atuação
parlamentar dele se tornou a continuidade da luta do pai e do irmão (também ex-
confederado). Considerando isso, o alvo das suas críticas foram os próprios membros do
partido.
Junto com Alencar, Castro e Silva compunha o grupo dos liberais da província,
embora os perfis político e econômico fossem diferentes. De origem abastada, ele
trabalhou ao lado das forças reais, que repreenderam as revoltas anticoloniais ocorridas
antes da independência do país (ALENCAR, 2014). Para permanecer no poder, os Castro
e Silva se alinharam com as forças políticas liberais da província, mas realizadas as
alterações constitucionais em 1834, as divergências políticas se acentuaram. O deputado
Ibiapina seguiu pela linha adversária aos dois líderes do partido, indicando que “se
diri[gisse] uma mensagem ao trono com o fim de ser substituído o atual ministro da
fazenda, por quem possa desfazer a crise financeira que ameaça esmagar o Brasil”
(ANAIS, 16 de agosto de 1836).
Essa atitude do deputado Ibiapina teve pelo menos dois motivos. Um dele foi o
afastamento do cargo de Juiz de Direito da comarca de Quixeramobim, que ocorreu
porque as ações do deputado contrariavam os interesses locais do presidente Alencar. O
outro está ligado ao cenário político, que era de tensão dentro e fora do parlamento. Por
isso, a regência de Feijó não foi propriamente uma vitória para os Liberais Moderados,
mas se tornou uma “armadilha” contra eles mesmos. Nas correspondências, Castro e Silva
pontuava essas fragmentações:

Não resta mais dúvida alguma de ser o Feijó o eleito regente, mas este está
teimoso em não aceitar, e por consequência teremos de nos ver batidos,
porque nosso lado está muito divergente sobre o novo candidato, e os
holandeses estão unidos: Feijó assim quer! Fala-se que Holanda no
intervalo vai para Pernambuco. Ainda continua, mas muito fracamente o
partido da regência de D. Januária. O Senado não quer fazer a aprovação
enquanto não chegarem as atas de todos os colégios, e a sustentar se essa
opinião, nunca teremos eleição concluída; minha opinião é que se faça
apuração, e aceita a escusa do Feijó, trata-se da nova eleição, mas querer-
se deixar ainda para o ano essa apuração, para depois aceitar-se a escusa e
proceder-se a eleição em 37, julgo haver perigo (CASTRO E SILVA, 3 de
novembro de 1835).

Antônio Francisco de Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque era deputado


pela província de Pernambuco e uma das principais forças regressistas no Parlamento.
Referindo-se aos aliados políticos dele, Castro e Silva os chamou pejorativamente de
“holandeses” – uma explícita referência a província pernambucana que foi o cenário dos
holandeses no Brasil durante a colônia. Implicitamente, chamou os seguidores de Holanda
Cavalcanti de invasores. Este uso dos códigos específicos entre eles era fruto de uma
sociabilidade comum, isto é, as províncias do Norte imperial, o que efetivava o ato de
comunicação.
Holanda voltava a Pernambuco depois de concorrer às eleições da regência Una
com o padre Diogo Feijó. Assim como está na carta, este deputado era fiel representante
dos interesses imperiais, cuja mulher citada na carta era Januária de Bragança, a Princesa
do Brasil, de 1835 a 1845. Na província, o deputado articulava as forças mais regressistas
e o Ceará também teve seus adeptos – Ibiapina, Jeronimo Martiniano Figueira de Melo,
Antônio Alves Pontes e o padre Antônio Pinto de Mendonça – chamados por Castro e
Silva de “energúmenos holandeses”.
Mas as correspondências também expunham as relações de parentesco entre
Alencar e Castro e Silva. Eles eram compadres pelo apadrinhamento de Leonel ou José
de Alencar (o escritor), não sabemos ao certo. Em constante troca de missivas, as
pertenças familiares tornaram-se comum, já que a expectativa de se informar sobre a
Corte e sobre a província (ou o afilhado) foi correspondida pela frequência das cartas
trocadas com intervalos de um ou dois meses. Contudo, o conteúdo das cartas era
majoritariamente sobre o partido em âmbito local e nacional.
Os Liberais Moderados pareciam ter conseguido novo alento quando houve a
posse do padre Feijó, mas a denúncia do deputado Ibiapina, após oito meses, mostrou o
contrário. O evento virou notícia de primeira página no jornal O Sete d’Abril, que foi um
periódico carioca dirigido por Francisco do Rego Barros Beberibe, alinhado aos liberais
mais cautelosos, como Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Na sessão de 16 de Agosto o sr. Deputado Ibiapina fez uma indicação


pedindo que se dirigisse ao nosso sacratíssimo governo uma mensagem,
requerendo-lhe a demissão do atual Ministro da Fazenda e sua substituição
por quem soubesse por termo a Crise Financeira, criada por esse Ministro
com medidas desastrosas que tomou por ocasião do roubo das notas do
novo padrão, acontecido no Tesouro por sua negligencia e incúria
(JORNAL O Sete d’Abril, 10 de setembro de 1836).

A mensagem de Ibiapina era uma correspondência coerente não só com os seus


interesses, mas também dos editores do jornal, que haviam lutado contra o centralismo de
D. Pedro I – por isso a referência ao dia da abdicação no título. Entretanto, com a
descentralização dos poderes e as ameaças das revoltas populares, apelavam “para a
monarquia e para o Estado mais centralizado e autoritário que ela representava”
(NEEDELL, 2009, p. 11). Por isso, o periódico noticiava a indicação do deputado,
reafirmando que a crise financeira criada pelos descentralizadores (liberais alinhados com
o Regente Feijó), só poderia ser sanada com a substituição dele.
Na mesma notícia aparecem as acusações feitas ao Ministro, como o pedido (feito
ao padre Alencar) de nomeação ao cargo de Inspetor da Alfândega e a demissão de
empregados antigos para favorecer os próprios familiares. Com isso, o periódico
informava e também educava politicamente os leitores acerca dos “desastres” da
descentralização, que se manifestava nas relações pessoalizadas, mas também nas crises
econômica e social que o Império estava vivenciando.
Porém, a representação da crise feita por Castro e Silva era outra, já que
“desenganados os homens de que Feijó não demitia o ministério, tem lançado mão de
todos os meios e insultos para ver os ministros desesperados deixarem as pastas”. Além
disso, para o Ministro, a oposição lançava mão de todos os meios para desesperar os
ministros e fazer Feijó “lançar-se em seus braços ou abdicar”. Tendo em vista que na
oposição estavam também os liberais do Ceará, ele orientava o compadre que empenhasse
“todas as suas forças para que a nossa província se veja representada na segunda
legislatura por Ibiapinas, Figueiras e padres Pintos e Pontes. Tudo o que vier será melhor
que esses quatro energúmenos holandeses renegados da oposição” (CASTRO E SILVA,
19 de dezembro de 1836).
Em resposta ao pedido do deputado, a Câmara pronunciou que havia duas
comissões responsáveis por julgar o roubo do Tesouro e em juízo a elas, foi de parecer
contrário ao envio da mensagem ao trono. Esta recusa foi assinada por três deputados,
entre eles, Carneiro Leão, um liberal regressista e, consequentemente, apoiador das
denúncias feitas por Ibiapina. No mais, o fim da terceira legislatura selou as fragilidades
do partido e por obra dos próprios membros insatisfeitos se originou o Partido da Reação.
Além disso, a denúncia contribuiu para o afastamento de Castro e Silva da Fazenda, a
abdicação de Feijó e a perda de poder e autonomia dos Liberais Moderados na legislatura
seguinte. Uma vez empossado Araújo Lima – o Marquês de Olinda – ele convidou o
deputado Ibiapina a assumir a presidência da província de Pernambuco, mas não ocorreu.
Além disso, não foi reeleito como deputado pela província do Ceará, passando a exercer
o ofício de advogado na Paraíba.

Referências
1) Fontes

CORRESPONDÊNCIA passiva do Senador José Martiniano de Alencar. Anais da


Biblioteca Nacional, v. 86, 1966.

JORNAL O Sete d’Abril. Escândalo Parlamentar. 06 de setembro de 1836, p. 3.

2) Bibliografia consultada

ALENCAR, Gustavo Magno Barbosa. Pelas tramas da política: A constituição do partido


liberal moderado na província do Ceará (1830-1837). Dissertação (mestrado em História)
– Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014. 193f.

BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Trad.
Dora Rocha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. pp. 57-98.

CARVALHO, José Murilo de. A composição social dos partidos políticos imperiais.
Cadernos DCP, nº 2. Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, dez./1974.
pp. 1-34.

FERREIRA, Marieta de Moraes. A nova “velha história”: o retorno da história política.


Estudos históricos, vol. 5, n. 10. Rio de Janeiro, 1992, p. 265-271.

MALATIAN, Teresa. Narrador, registro e arquivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi e


LUCA, Tania Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009. pp. 195-
221.

NEEDELL, Jeffrey D. Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à


Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense, nº 10, p. 5-22. São Paulo, nov. 2009.

RÉMOND, René. Por uma história política. Trad. Dora Rocha. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2003.

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