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Plano Nacional de Desenvolvimento: uma conversa com Carlos

Lessa

Leandro Aguiar

(texto publicado no site desenvolvimentistas.com, especializado em economia e política)

Já faz décadas que o Brasil parece passar por um “momento único” em sua história. Os
recordes de exportação de commodities são quebrados ano após ano, e recursos naturais
escondidos em rincões até então desconhecidos são encontradas. Como se fosse pouco, o
nosso país tem quantidades tão fabulosas de água que para grande parte da população a idéia
de que ela possa acabar, como dizem alguns cientistas, é absurda ao ponto de o nosso consumo
ser quatro vezes maior que o recomendado pela OMC: 200 litros diários.

Se por um lado esse momento inspira confiança e otimismo, por outro ele preocupa uma legião
de economistas brasileiros. Segundo eles, o país pode estar deixando escorrer pelos dedos a
chance de se modernizar derradeiramente, diferente dos “vôos de galinha” anteriores, como
são chamados os picos de crescimento não acompanhados por um desenvolvimento contínuo e
consistente. Ainda de acordo com estes economistas, falta ao Estado uma política firme e séria
de organização e fomento: o famoso e sempre pedido PND, Plano Nacional de
Desenvolvimento.

Um desses economistas é Carlos Lessa. Ex-reitor da UFRJ, ele esteve à frente do BNDES em
2003, quando defendeu o desenvolvimentismo e um Estado com maior controle sobre a
economia. Suas idéias, no entanto, divergiam muito das do governo, que sempre combatia a
inflação com uma alta nos juros e conduzia a economia de modo tão neoliberal quanto o fez
Fernando Henrique Cardoso. Por isso ele foi, em suas palavras, “obrigado a retroceder”, e já em
novembro de 2003 foi afastado do cargo, apesar do protesto de várias entidades como a OAB e
a CUT, que queriam sua permanência à frente do BNDES.

Carlos Lessa conversou com o Desenvolvimentistas, e esclareceu o porque de ser tão difícil se
implantar um PND no Brasil.

“As circunstância é tensa”, explica o professor Lessa: “parte do empresariado brasileiro, que na
teoria seriam um dos grandes beneficiados por uma política desenvolvimentista, é rentista,
comemoram a alta dos juros”. Portanto, reitera, “qualquer política que vá contra isso não os
interessa”. Outros que também investem nos títulos públicos e por isso se beneficiam dos juros
são os gigantescos fundos de pensão, alguns inclusive vinculados a empresas estatais, que
normalmente são as que mais clamam por baixas na SELIC, mas que nos bastidores não se
portam bem assim. “Ou seja, de certo modo, a empresa nacional não é nacional”.
Outro problema é a ausência de uma classe trabalhadora coesa. Para Lessa, “não há classe
trabalhadora brasileira”, e o Pleno Emprego, conceito abstrato da economia que segundo a
mídia já foi atingido no Brasil, “é uma balela”. O professor lembra que grande parte da classe
trabalhadora, ou “povão”, como ele prefere, apenas “se vira em trabalhos informais, bicos, sem
carteira assinada”. Assim, o crescimento que deveria se dar preferencialmente em consonância
com a classe trabalhadora, é prejudicado em qualidade.

Ao trabalhador, na atual conjuntura, cabe a parte mais amarga. Isso porque o crescimento
econômico brasileiro, assinala Lessa, “se dá baseado principalmente no endividamento do
povo, enquanto o empresariado sempre tem liquidez”. Uma verdadeira inversão da lógica
keynesiana.

Outros dois contra-exemplos de gestão citados por Lessa foi o que ele chama de “estagnação
da máquina estatal promovida por Dilma”, que suspendeu concursos públicos e contratações
de concursados, além de realizar um corte bilionário no orçamento do Estado, e o modo como
o BNDES têm incentivado a criação de “campeões nacionais” na área industrial. Lessa é
favorável a esse incentivo, e afirma que alguns setores “precisam de gigantes”, mas acredita
que o fomento é feito de maneira pouco regulamentada; exemplos como o da AMBEV, que
recebeu toda espécie de subsídios para se tornar grande e hoje é controlada por um grupo
belga, ou a Gerdau, que depois de apoiada pelo BNDES se internacionalizou, levando benefícios
para outros lugares que não o Brasil, sustentam o ponto de vista de Carlos Lessa.

Não encarar uma política econômica de incentivo a indústria nacional como inconciliável ao
combate da inflação, não se conformar como mero exportador de commodities, diminuir
importações. Para o professor Carlos Lessa, é com esse pensamento que o Brasil deve olhar
para o futuro, e, perseguindo esse objetivos, traçar suas prioridades.

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