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Resolução Dos Casos Práticos DAB e Discricionariedade
Resolução Dos Casos Práticos DAB e Discricionariedade
exame).
As duas perguntas poderiam perfeitamente ser perguntas de teste ou exame, com cotação
comparativamente elevada. Por serem sobre as mesmas matérias, provavelmente não seriam
colocadas na mesma prova.
Notar: a resposta é dada com simplicidade, em frases diretas e cinge-se ao que é efetivamente
perguntado.
Dionísio, idoso com poucos meios económicos, instalou um quiosque na Praia das Romãs para o aluguer
de espreguiçadeiras. Nunca obteve qualquer licença, mas é um comportamento tolerado há décadas,
que o ajuda a sustentar-se.
Ezequiel, jovem empresário com vastos meios económicos, também instalou um quiosque, mas para o
aluguer de colchões insufláveis. Também não dispõe de licença, mas tem exercido esta atividade desde
2021.
Felismino dispõe de uma licença para a instalação e exploração de um bar de praia. Contudo, os seus
constantes e excessivamente ruidosos torneios de karaoke têm afugentado banhistas e as espécies de
aves que nidificam na praia.
(ver artigo 28.º do RJPIP e artigo 60.º/1 da Lei n.º 58/2005 – Lei da Água – link aqui).
a) A Administração Pública ordenou a Dionísio a remoção imediata do seu quiosque. O tribunal
recusa-se a anular a decisão por dois motivos: i) a decisão, ao contrário do que Dionísio
afirma, não viola o princípio da igualdade pelo facto de o comportamento de Ezequiel
continuar a ser tolerado; ii) cabe exclusivamente à Administração o juízo de se o
comportamento é titulado ou não. (6 valores)
Não se encontram locuções permissivas na norma – pelo contrário, é um dever da Administração atuar
–, mas poder-se-á discutir se os conceitos na previsão da norma – comportamentos “abusivos”, “não
titulados” ou “que lesem o interesse público a satisfazer pelo imóvel” – conferirão poderes de valoração.
São os três conceitos indeterminados – revelam-se imprecisos, com uma área de incerteza interpretativa
e de aplicação opinável. Contudo, “não titulado” não envolve qualquer juízo de valor (é um juízo
puramente fáctico saber se alguém tem um título – uma licença – ou não), pelo que o seu
preenchimento, no caso em análise, é plenamente fiscalizável pelo tribunal; “abusivo” envolve um juízo
de valor, mas é duvidoso que esse juízo seja necessariamente administrativo, dado que saber se uma
conduta é “abusiva” é um juízo que se pode realizar sem juízos de oportunidade para o interesse público.
“Que lesem o interesse público a satisfazer pelo imóvel” já envolverá esse juízo. Pode, também,
considerar-se que existe um juízo de prognose, também esse uma fonte de discricionariedade, na
qualificação de um comportamento como lesivo – também no futuro – para o interesse público.
A discricionariedade não é um poder ilimitado. O tribunal poderá, entre outros, controlar se houve
respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa, o que inclui o princípio da igualdade. Porém,
suscita-se o problema de se a decisão dirigida a Dionísio viola esse princípio, por representar uma clara
diferença de tratamento em relação a Ezequiel. A resposta é que não é: a igualdade não pode ser
invocada para obter um tratamento ilegal dado a outrem (como a inércia da Administração em impedir
a atividade de Ezequiel).
As perguntas a) e b) estão interligadas, pelo que se remete para o que antes foi dito a propósito da
natureza de conceito indeterminado dos três fundamentos de autotutela ao abrigo do artigo 21.º do
RJPIP. Pode acrescentar-se, ainda, que o tribunal, por regra, pode sindicar plenamente o preenchimento
de conceitos indeterminados, dado que se trata de uma questão de interpretação e aplicação da lei – o
que sucederia, desde logo, quanto ao conceito indeterminado “não titulado”, que é um conceito
puramente técnico-jurídico, e cujo preenchimento erróneo pode ser fiscalizado como erro nos
pressupostos de facto (isto é: o caso em que a decisão é inválida porque falta um pressuposto no mundo
dos factos – a presença de um título legitimador da utilização do domínio público). Quanto aos conceitos
indeterminados que conferem uma margem de valoração administrativa – como o da lesão para o
interesse público – é admissível, também, o controlo jurisdicional de casos de preenchimento
indefensável, totalmente fora das zonas de certeza negativa e de incerteza conceitual.
Em qualquer caso, é sempre de sublinhar que o tribunal poderá fiscalizar sempre o cumprimento dos
aspetos vinculados do exercício do poder discricionário. Como referido na resposta à pergunta a), um
desses aspetos é o respeito pelos princípios gerais do direito administrativo, nomeadamente os
consagrados no artigo 266.º CRP. No caso em apreço, pode discutir-se se não será estará violado o
princípio da proporcionalidade, nomeadamente na vertente do subprincípio da necessidade: sendo
possível “ordenar a cessação de comportamentos”, teria sido possível ordenar a cessação do ruido
excessivo em vez da total desocupação.
Nota de avaliador:
Valorizada, mas não exigida, a referência à tese, apoiada na jurisprudência, segundo a qual os
tribunais apenas podem fiscalizar a violação manifesta dos princípios gerais da atividade
administrativa.