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486 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

Convalidação
161. A convalidação é o suprimento da invalidade de um ato
com efeitos retroativos. Este suprimento pode derivar de um ato da
Administração ou de um ato do particular afetado pelo provimento
viciado.
Quando promana da Administração, esta corrige o defeito do
primeiro ato mediante um segundo ato, o qual produz deforma con-
sonante com o Direito aquilo que dantes fora efetuado de modo dis-
sonante com o Direito. Mas com uma particularidade: seu alcance
específico consiste precisamente em ter efeito retroativo. O ato con-
validador remete-se ao ato inválido para legitimar seus efeitos preté-
ritos. A providência corretamente tomada no presente tem o condão
de valer para o passado.
É claro, pois, que só pode haver convalidação quando o ato pos-
sa ser produzido validamente no presente. Importa que o vício não
seja de molde a impedir reprodução válida do ato. Só são convalidá-
veis atos que podem ser legitimamente produzidos.
162. A Administração não pode convalidar um ato viciado se
este já foi impugnado, administrativa ou judicialmente. Se pudesse
fazê-lo, seria inútil a arguição do vício, pois a extinção dos efeitos
ilegítimos dependeria da vontade da Administração, e não do dever
de obediência à ordem jurídica. Há, entretanto, uma exceção. É o
caso da "motivação" de ato vinculado expendida tardiamente, após
a impugnação do ato. A demonstração, conquanto serôdia, de que os
motivos preexistiam e a lei exigia que, perante eles, o ato fosse pra-
ticado com o exato conteúdo com que o foi é razão bastante para sua
convalidação. Deveras, em tal caso, a providência tomada ex vi legis
não poderia ser outra (cf. n. 34).
A convalidação também não pode ter o efeito de expor os admi-
nistrados que no passado infringiram as disposições do ato viciado a
sanções decorrentes desta infringência. É que o descumprimento do
ato viciado corresponde à impugnação dele por via de resistência.
Ora, conforme deixou-se assinalado, não se pode convalidar um ato
que já foi impugnado, com ressalva da exceção referida.
163. A convalidação pode provir de um ato do particular afeta-
do. Ocorre quando a manifestação deste era um pressuposto legal
para a expedição de ato administrativo anterior que fora editado com
violação desta exigência. Serve de exemplo, trazido à colação por
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·. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, 101 o pedido de exoneração feito


por um funcionário depois do ato administrativo que o exonera "a
peódo" e manifestado com o propósito de legitimá-lo.
Quando a convalidação procede da mesma autoridade que ema-
nou o ato viciado, denomina-se ratificação. Se procede de outra au-
toridade, trata-se de confirmação. Quando resulta de um ato de parti-
cular afetado, parece bem denominá-la simplesmente de saneamento.
164. Não se deve confundir convalidação com a conversão de
atos nulos. Pela conversão, quando possível, o Poder Público tres-
passa, também com efeitos retroativos, um ato de uma categoria na
qual seria inválido para outra categoria na qual seria válido. De con-
seguinte, ao contrário da convalidação, em que o ato inválido tem
salvaguardados os mesmos efeitos, na conversão o ato produz, re-
troativamente, efeitos próprios de outro ato: aquele que seria possí-
vel. Serve de exemplo, aventado por Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, a conversão de uma nomeação em caráter efetivo para cargo
de provimento em comissão em nomeação em comissão. 102 Atos ine-
xistentes jamais podem ser objeto de conversão.

Convalidação e invalidação: poder ou dever?


165. Perante atos inválidos a Administração Pública não tem
discrição administrativa que lhe permita escolher com liberdade se
convalida um ato viciado ou se deixa de fazê-lo. Também não tem
liberdade para optar se o invalida ou se deixa de invalidá-lo. Final-
mente, não pode, outrossim, eleger livremente entre as alternativas
de convalidar ou invalidar, ressalvada uma única hipótese: tratar-se de
vício de competência em ato de conteúdo discricionário. Neste úni-
co caso, cabe ao superior hierárquico, a quem competiria expedi-lo,
decidir se confirma o ato ou se reputa inconveniente fazê-lo, quan-
.do, então, será obrigado a invalidá-lo.
166. Acompanhamos, pois, na matéria, os ensinamentos cons-
tantes do aprofundado estudo monográfico efetuado por Weida Zan-
caner.103 Ciframo-nos, aqui, a sintetizar sua valiosa orientação, que
assim se pode exprimir:

101. Princípios Gerais ... , cit., vol. e pp. cits.


102. Princípios Gerais ... , cit., vol. I, p. 663.
103. Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 3• ed., São
Paulo, Malheiros Editores, 2008.
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1 - sempre que a Administração esteja perante ato suscetível de


convalidação e que não haja sido impugnado pelo interessado, estará
na obrigação de convalidá-lo, ressalvando-se, como dito, a hipótese
de vício de competência em ato de conteúdo discricionário;
II- sempre que esteja perante ato insuscetível de convalidação,
terá a obrigação de invalidá-lo, a menos, evidentemente, que a situa-
ção gerada pelo ato viciado já esteja estabilizada pelo Direito. Em
tal caso, já não mais haverá situação jurídica inválida ante o siste-
ma normativo, e, portanto, simplesmente não se põe o problema.
Esta estabilização ocorre em duas hipóteses: a) quando já se es-
coou o prazo, dito "prescricional", para a Administração invalidar o
ato; b) quando, embora não vencido tal prazo, o ato viciado seca-
tegoriza como ampliativo da esfera jurídica dos administrados (cf.
n. 80) e dele decorrem sucessivas relações jurídicas que criaram,
para sujeitos de boa-fé, situação que encontra amparo em norma
protetora de interesses hierarquicamente superiores ou mais amplos
que os residentes na norma violada, de tal sorte que a desconstitui-
ção do ato geraria agravos maiores aos interesses protegidos na or-
dem jurídica do que os resultantes do ato censurável. 1º4
Exemplificaria tal hipótese o loteamento irregularmente licen-
ciado cujo vício só viesse a ser descoberto depois de inúmeras famí-
lias de baixa renda, que adquiriram os lotes, haverem nele edificado
suas moradias.
167. As asserções feitas estribam-se nos seguintes fundamen-
tos. Dado o princípio da legalidade, fundamentalíssimo para o Di-
reito Administrativo, a Administração não pode conviver com rela-
ções jurídicas formadas ilicitamente. Donde, é dever seu recompor
a legalidade ferida. Ora, tanto se recompõe a legalidade fulminan-
do um ato viciado, quanto convalidando-o. É de notar que esta úl-
tima providência tem, ainda, em seu abono o princípio da seguran-
ça jurídica, cujo relevo é desnecessário encarecer. A decadência e
a prescrição demonstram a importância que o Direito lhe atribui.
Acresce que também o princípio da boa-fé - sobreposse ante atos
administrativos,já que gozam de presunção de legitimidade - con-
corre em prol da convalidação, para evitar gravames ao adminis-
trado de boa-fé.

104. No que atina a esta hipótese de estabilização (situação prevista m. letra "b)
nosso entendimento não é sufragado pela administrativista citada.
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168. Sendo certo, pois, que invalidação ou convalidação terão


de ser obrigatoriamente pronunciadas, restaria apenas saber se é dis-
cricionária a opção por uma ou outra nos casos em que o ato com-
porta convalidação.A resposta é que não há, aí, opção livre entre tais
alternativas. Isto porque, sendo cabível a convalidação, o Direito
certamente a exigiria, pois, sobre ser uma dentre as duas formas de
restauração da legalidade, é predicada, demais disso, pelos dois ou-
tros princípios referidos: o da segurança jurídica e o da boa-fé, se
existente. Logo, em prol dela afluem mais razões jurídicas do que
em favor da invalidação. Acresce que discricionariedade decorre de
lei, e não há lei alguma que confira ao administrador livre eleição
entre convalidar ou invalidar, conforme oportuna advertência subli-
nhada por Weida Zancaner, em seu estudo precitado.
Cumpre registrar que a Lei federal 9.784, de 29.1.1999,que "re-
gula o processo administrativo no âmbito da Administração Públi-
ca Federal", assim como a congênere lei paulista, que, de resto, lhe
é anterior, a Lei estadual 10.177, de 30.12.1998, recusam caráter
obrigatório à convalidação nos casos em que caiba. Colocam-na,
pois, como uma faculdade da Administração (arts. 55 da primeira e
11 da segunda). Estamos em crer, todavia, que tal solução não pode
juridicamente prevalecer.
Não se trata, aqui, evidentemente, de pretender sobrepor uma
opinião adicções legais, mas de questionar a constitucionalidade de
preceptivos de leis. O ordenamento jurídico, como se sabe, também
é integrado por princípios gerais de Direito que, em alguns casos
pelo menos, informam a própria compostura nuclear da Constitui-
ção. O princípio da segurança jurídica certamente é um deles. Des-
tarte, quando em um tema específico dois princípios jurídicos de
estatura constitucional concorrem em prol de uma solução (na hipó-
tese vertente, o da restauração da legalidade - que a convalidação
propicia, como visto - e o da segurança jurídica), o legislador infra-
constitucional não pode ignorá-los e adotar diretriz que os contrarie,
relegando a plano subalterno valores que residem na estrutura medu-
lar de um sistema normativo.
Isto posto, cumpre tão só esclarecer por que nos atos de conteú-
do discricionário, praticados por agente incompetente, a autorida-
de administrativa competente para restaurar a legalidade pode, a seu
juízo, convalidar ou invalidar. A razão é simples. Sendo discricioná-
rio o conteúdo do ato, quem não o praticou não poderia ficar compe-
lido a praticá-lo com fins de convalidação.
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Identificação dos atos inexistentes, dos nulos e dos anuláveis


169. Em face do quanto se expôs, dir-se-ão inexistentes os atos
que assistem no campo do impossível jurídico, como tal entendida a
esfera abrangente dos comportamentos que o Direito ràdicalmente
inadrnite, isto é, dos crimes que atentem contra a dignidade humana,
corno referido nos ns. 129 e 163, valendo como exemplos as hipóte-
ses, já referidas, de "instruções" baixadas por autoridade policial
para que subordinados torturem presos, autorizações para que agen-
tes administrativos saqueiem estabelecimentos dos devedores do
Fisco ou para que alguém explore trabalho escravo etc.
170. São nulos:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação,
pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente
produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.
Sirvam de exemplo: os atos de conteúdo (objeto) ilícito; os pra-
ticados com desvio de poder; os praticados com falta de motivo vin-
culado; os praticados com falta de causa.
171. São anuláveis:
a) os que a lei assim os declare;
b) os que podem ser repraticados sem vício.
Sirvam de exemplo: os atos expedidos por sujeito incompeten-
te; os··editados com vício de vontade; os proferidos com defeito de
formalidade.

Regime dos atos inválidos


172. Os atos inválidos, inexistentes, nulos ou anuláveis não de-
veriam ser produzidos. Por isso não deveriam produzir efeitos. Mas
o fato é que são editados atos inválidos (inexistentes, nulos e anulá-
veis) e que produzem efeitos jurídicos. Podem produzi-los até mes-
mo per omnia secula, se o vício não for descoberto ou se ninguém o
impugnar.
É errado, portanto, dizer-se que os atos nulos não produzem
efeitos. Aliás, ninguém cogitaria da anulação deles ou de declará-los
nulos se não fora para fulminar os efeitos que já produziram ou que
podem ainda vir a produzir. De resto, os atos nulos e os anuláveis,

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