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Literatura na Antiguidade:

Teoria e Prática

William J. Dominik
Professor Visitante de Estudos Clássicos, Universidade de Lisboa
Professor Emérito de Estudos Clássicos, Universidade de Otago, Nova Zelândia
Estilo, Sublime e Declínio,
Aticismo e Asianismo.
Estilo: Aristóteles,
Retórica 3.2-12
• 3.2. Qualidades do enunciado: A
clareza

• 3.3. A esterilidade do estilo

• 3.4. O uso de símiles

• 3.5. A correcção gramatical


Estilo: Aristóteles,
Retórica 3.2-12
• 3.6. A solenidade da espressão
enunciativa

• 3.7. Adequação do estilo ao assunto

• 3.8. O ritmo

• 3.9. A construção da frase: O estilo


periódico
Estilo: Aristóteles,
Retórica 3.2-12
• 3.10. A metáfora

• 3.11. A elegância retórica

• 3.12. A expressão adequada a cada


genérico
A retórica grega
no Império romano
A Segunda Sofística
• Philostratus, Vidas dos
Sofistas -> um
'cânone' de oradores

• atos complexos de
auto-apresentação e
negociação de status

• Quem é "digno do
círculo dos sofistas"?
(VS 614, 625)

• epideixis, paideia
Aticismo

• falar e escrever no clássico dialeto


ático

• compilação da léxica ática

• diglossia: alto registro, linguagem


literária versus baixo registro, Koinê

• tendência mais ampla do classicismo


e do purismo (imitando o cânone
clássico)
Asianismo

• um fenómeno estilístico; não


mutuamente exclusivo com o
Atticismo (que é principalmente
linguístico)

• cláusulas curtas e equilibradas


(isocolon); finais de palavras
rimadoras (homoioteleuton); antíteses;
repetição de palavras
Asianismo

• um estilo anticlássico, mas com um


precedente clássico: Gorgias

• usado como termo de desprestígio,


quando usado (principalmente antes
da Segunda Sofística)
Luciano

• 120 - 200 CE, Síria (Samosata,


antiga Commagene)

• língua nativa: Aramaico?

• prosa ático

• [pseudo]-diálogos filosóficos

• contos satíricos
O que está em jogo
para se tornar um
sofista bem-sucecido

• Luciano, Um mestre de retórica 3:

• "Repara quantos homens, que até


certa altura não eram ninguém,
ficaram célebres, ricos e, por Zeus!,
nobilissimos, devido ao seu talento
oratório".
Lucian,
O mestre de retórica 17
• "Procura palavras misteriosas e insólitas,
raramente usadas pelos antigos, junta
uma coleccao delas, que teras sempre à
mão para as disparares contra os teus
interlocutores. Na verdade, e deste
modo que a multidão reparara em ti e
te considerará um homem admirável, de
formacão muito superior á sua . . .”.
Luciano,
Lexífanes 20
• [Licino]: "Não ouves o que ele palra?
Então, desprezando-nos, a nós que
actualmente convivemos com ele, fala-
nos como há mil anos atrás,
distorcendo a língua, compondo essas
palavras estranhas e dando muita
importância a esse procedimento,
como se fosse uma grande coisa falar
de maneira estranha e contrafazer a
moeda corrente da língua."
Luciano,
Lexífanes 22
• [Licino]: "Se verdadeiramente
pretendes ser elogiado em matéria de
estilo e ser apreciado pelo público,
foge e desvia-te de todo esse
palavreado, e, depois de começares
pelos melhores poetas e de os leres
sob a orientação de [bons] mestres,
passa para os oradores . . .”
Luciano,
Lexífanes 22
• [Licino]: ". . . e, uma vez embebido do
estilo destes, passa, em devido tempo,
para as obras de Tucídides e de Platão,
mas depois de te teres exercitado
muito bem na bela comédia e na
venerável tragédia. Na verdade, só
depois de colheres nestes autores
todas as suas belíssimas flores, é que
serás alguém no domínio das letras.”
[Longino]

• Autor anônimo

• Do Sublime (século I d.C.?)

• Peri hupsous (Em Altura) -> elevação

• um precedente: um tratado de um
certo Caecilius de Caleacte (finais do
primeiro século a.C.)
Depois de [Longino]
• Boileau, tradução francesa, 1674 (um
"je-ne-sais-quoi" ... enlève, ravit,
transporte).
• Edmund Burke, A Philosophical Enquiry
into the Origin of Our Ideas of the
Sublime and the Beautiful, 1757. ("É
meu desenho considerar a beleza como
distinta do sublime") expressão do
sublime; aquilo que não pode ser
representado).
Depois de [Longino]
• Kant, 1764, Beobachtungen über das
Gefühl des Schönen und Erhabenen;
1790, Critik der Urtheilskraft (a beleza
é a intensificação da vida; sublime é o
questionamento da existência)
• Schiller, 1801, Sobre o sublime (a
tragédia como a forma sublime por
excelência)
Depois de [Longino]
• Jean-François Lyotard, 1979, La
condition postmoderne (arte
moderna como expressão do
sublime; aquilo que não pode ser
representado).
Marcadores temáticos do
sublime em [Longino]

• alturas imensas (hupsos) ou


profundidades profundas (bathos) -
abismo

• massas, quantidades e superfícies


impensáveis: montanhas, céus,
corpos celestes, oceanos e rios
espalhados, monumentos) ou o
inverso (mesmo a lata pode ser
sublime) [megethos]
Marcadores temáticos do
sublime em [Longino]

• limites revelados em sua


transgressão - o espaço além - os
limites do que pode ser visto,
pensado ou representado [akrotês].
• forças incontornáveis (turbilhões,
relâmpagos, rios apressados,
conflagrações)
• o colapso vívido e aterrador da
forma e da ordem
O Oceano
• Homero como o 'Oceano' da literatura
(Do Sublime 9.13)
O Oceano

Homero como o 'Oceano' da literatura (Do


Sublime 9.13)

• “Mas como o Oceano, quando se


retrai sobre si mesmo e se isola
nos seus próprios limites, os
refluxos e as divagações pelo
fabuloso e incrível mostram um
resto de grandeza.”
O colossal sublime

• Do Sublime 36: o
sublime ~ o
Colosso; grandeza;
algo superior ao
homen e à medida
humana
O colossal sublime
• Do Sublime 36.3: o sublime ~ o
Colosso; grandeza; algo superior ao
homem e à medida humana

• “A quem escreveu que o Colosso, por


ter defeitos, não é melhor do que o
Doríforo de Policleto deve dizer-se,
além de muitas outras coisas, que na
arte se admira a correcção absoluta
mas nas obras da natureza a
sublimidade, e o homem é, por
natureza, dotado de linguagem.”
O colossal sublime
• Do Sublime 36.3: o sublime ~ o
Colosso; grandeza; algo superior à
medida humana e humana

• “Nas estátuas procura-se a


semelhança com os seres humanos,
mas na literatura, como eu dizia, o
que está acima do humano.”
Qual é o objetivo do
sublime?
• Do Sublime 1.4: não persuasão [peithô], mas
êxtase [ekstasis = destacar-se de si mesmo];
"poder e força invencíveis".

• Não exclusivamente irracional -

• aumentar, melhorar e expandir as


capacidades mentais

• uma experiência partilhada pelo autor e pelo


público [intersubjectividade] (Do Sublime
7.2)
Para quem é que o Longino
escreve? E porquê?

• Do Sublime 1.1: O pequeno tratado que


Cecílio compôs sobre o sublime, meu
caro Postúmio Terenciano, quando em
conjunto o analisámos, como sabes,
pareceu-nos não estar à altura do
assunto que trata e não tocar os
aspectos essenciais, não sendo, pois, de
grande utilidade – ao contrário do que
deve ser o principal objectivo de quem
escreve.
Para quem é que o Longino
escreve? E porquê?

• Do Sublime 17.1: “Fazer habilidades


com as figuras desperta particular
desconfiança, pois lança a suspeita de
uma armadilha, de uma maquinação,
de um engodo, quando o discurso se
dirige a um juiz soberano e,
principalmente, a tiranos, reis, generais
e todos os que exercem o poder. . . .”
Para quem é que o Longino
escreve? E porquê?

• Do Sublime 17.1: “Qualquer deles, perante


um orador habilidoso que o tenta enganar
com as figuras como se ele fosse uma
criança tola, fica logo indignado e, muitas
vezes, tomando o engano como um acto de
ofensa pessoal, enfurece-se e, mesmo que
contenha a sua fúria, resiste totalmente a ser
persuadido pelo discurso. Por essa razão me
parece que a melhor figura é aquela que
esconde isso mesmo: que é uma figura.”
Um diálogo filosófico?

• Do Sublime 44.1.: “Caríssimo


Terenciano, para a tua boa instrução
não hesitarei ainda em acrescentar e
tentar esclarecer um último ponto
sobre o qual há pouco tempo fui
questionado por um dos filósofos.”
Um diálogo filosófico?
• Do Sublime 44.1: “Dizia ele: ‘Acho
estranho – e não serei o único – que nos
nossos dias haja criaturas com o maior
poder de persuasão e com competência
para as funções públicas, sagazes,
hábeis e sobretudo férteis na produção
de agradáveis efeitos literários, mas
nenhumas absolutamente sublimes e
extraordinariamente grandes, a não ser
muito raramente. De tal modo se
universalizou a esterilidade literária no
nosso tempo!’”
Um diálogo filosófico?
• Do Sublime 44.2: “E acrescentava: ‘Ou será
que temos de acreditar na opinião corrente
de que é a democracia que alimenta a
grandeza e, em geral, só com ela
floresceram e morreram os grandes talentos
literários? Diz-se que a liberdade é capaz de
alimentar os pensamentos dos homens
grandes, de lhes dar esperança e, ao mesmo
tempo, de despertar neles o desejo de
competirem entre si e de ambicionarem o
primeiro prémio.’”
Um diálogo filosófico?
• Do Sublime 44.3: “. . . Mas nós hoje somos
educados desde crianças no que parece ser
uma legítima escravidão e não apenas
somos como que enfaixados desde os
nossos mais tenros pensamentos nos
mesmos costumes e ocupações, mas ainda
passamos sem provar da fonte bela e
fecunda donde vem a arte das palavras, isto
é, a liberdade. É por isso que nada
conseguimos ser senão uns extraordinários
bajuladores.”
Um diálogo filosófico?
• Do Sublime 44.6: “E eu respondi-lhe
assim: ‘É fácil, meu bom amigo, e
próprio do homem falar sempre mal das
coisas presentes. Mas repara que não é
a paz do mundo que destrói os grandes
talentos, mas muito mais essa guerra
sem fim que toma conta dos nossos
desejos e ainda, por Zeus, aquelas
paixões que dominam a vida moderna e
a conduzem e arrebatam
completamente.’”
Um diálogo filosófico?
• Do Sublime 44.6: “’É o amor insaciável
da riqueza, do qual todos padecemos,
e o amor dos prazeres que nos
escravizam e, mais ainda, afundam a
vida com os homens lá dentro, se
assim posso dizer.’”
grego versus romano

• Do Sublime 12.4: "E nenhuma outra coisa


senão esta, caríssimo Terenciano, me
parece também distinguir Cícero de
Demóstenes em matéria de grandeza (se
é que eu, sendo grego, posso ter alguma
opinião). Em geral, Demóstenes atinge o
sublime abruptamente, Cícero derrama-
se. “
grego versus romano
• Do Sublime 12.4-5: "O nosso pela
violência, rapidez, força e veemência
com que tudo queima e devasta poderia
ser comparado a um relâmpago ou a um
raio; Cícero, a meu ver, como um vasto
incêndio, desenvolve-se e alastra por
toda a parte, mantendo sempre consigo
um fogo intenso e constante que se vai
distribuindo por um lado e por outro e
em si mesmo sucessivamente se
alimenta. Mas vós podeis julgar melhor
estas coisas.”
A Bíblia hebraica
• Do Sublime 9.9: “O mesmo se diga
também do Legislador dos Judeus que
não é um homem qualquer, pois
compreender o poder divino e
exprimiu-o como é devido, ao escrever
logo no início das Leis: ‘Deus disse', o
que? – ‘Haja luz, e houve luz; haja terra,
e houve terra'.”
Hipérbato

• Do Sublime 23.3: “Demóstenes não vai


tão longe, mas é o mais intenso de
todos neste género, criando com as suas
transposições um clima de ansiedade e a
aparência de falar de improviso,
arrastando consigo os ouvintes para o
perigo de longos hipérbatos.”
Hipérbato

• Do Sublime 23.4: “Com efeito, muitas


vezes deixa em suspenso a ideia que
começara a expressar e, amontoando
pelo meio e como que vindas de fora
coisas sobre coisas numa ordem
estranha e inusual, lança o ouvinte no
terror de estar à beira do colapso total
do discurso e obriga-o, neste estado de
aflição . . .”
Hipérbato

• Do Sublime 23.4: “. . . a partilhar com


quem fala o mesmo risco até que, muito
tempo depois, inesperadamente, lhe
apresenta enfim e no momento certo o
remate há muito esperado e, assim, é
com a temeridade e o perigo dos
hipérbatos que o assombra muito mais.”
Apóstrofe

• Do Sublime 26.1-2: "Igualmente enérgica


é a mudança de pessoa, que muitas
vezes faz o ouvinte pensar que está no
meio dos perigos. . . . Vês, meu amigo,
como ele pega na tua alma e a conduz
através dos lugares, transformando a
audição em visão?”
Utilização do tempo presente
• Do Sublime 25.1: "Sempre que
apresentas factos passados como se
estivessem a acontecer no presente, já
não estarás a fazer do discurso uma
narrativa mas uma acção cheia de
energia. Diz Xenofonte: ‘Um homem,
caído debaixo do cavalo de Ciro, estando
a ser pisoteado, golpeia o cavalo no
ventre com a espada. O animal agita-se,
Ciro desequilibra-se e cai.’”
Asyndeton

• Do Sublime 19.1: "... sem ligação as


palavras caem e como que se
derramam, quase se antecipando ao
orador.”
Asyndeton
• Do Sublime 9.6: "Vês, meu amigo, como
abalada a terra desde os seus alicerces, o
próprio Tártaro desnudo e o universo inteiro
em convulsão, todas as coisas a um tempo –
céu e Hades, mortais e imortais – travam o
mesmo combate, expondo-se aos mesmos
perigos?”
Asyndeton
• Do Sublime 9.7: "No entanto, todas
estas coisas terríficas, se não forem
tomadas como alegoria, são
completamente ímpias e impróprias.
Pois parece-me que Homero,
atribuindo aos deuses ferimentos,
conflitos, vinganças, lágrimas, grilhetas
e toda a espécie de paixões se esforça
por fazer dos homens que
combateram em Tróia deuses e dos
deuses homens.”
Filóstrato sobre Górgias
• Vidas dos sofístas 492: "Foi ele [Górgias]
que introduziu o chamado ímpeto entre
os sofistas, além da afeição pelos
paradoxos e o próprio ânimo inspiratório
(para detalhar, com propriedade, grandes
tópicos com expressões de efeito
[megala megalôs hermêneuein] e
investidas temáticas com os quais os
assuntos são tratados com prazer),
tornando o discurso ainda mais
impressionante.”
Filóstrato sobre Górgias

• Vidas dos sofístas 492: "Tudo isso sem


deixar de fazer uso de terminologias
poéticas em favor da inteligibilidade
global e do respeito com o que estava
sendo tratado. . .”
Filóstrato sobre Górgias

• Vidas dos sofístas 492: "Porém, somado a


isso, seu mérito é ainda maior porque foi
admirado por grandes públicos
atenienses performando discursos com
idade elevada. Além disso, também o
considero digno de nota por ter logrado
êxito quando esteve submetido aos mais
reputados e eloquentes . . . .”
Retórica enfeitiçante
• Górgias, Elogio de Helena 10: "Pois os
mágicos e sedutores cantos, através das
palavras, inspirados pelos Deuses,
produzem prazer afastando a dor. Pois o
poder do mágico canto, que nasce com a
opinião da alma, encanta-a, persuade-a e
modifica-a por fascinação [bruxaria].”
Retórica enfeitiçante

• Do Sublime 39.3 "Não devemos, pois,


pensar que, por tudo isto, ela nos encanta
e ao mesmo tempo dispõe à gravidade, à
dignidade e à sublimidade não só tudo
aquilo que encerra dentro de si mas
Também a nós próprios, dominando o
nosso espírito de todas as maneiras?”
A violência da retórica
• Górgias, Elogio de Helena 13: "[Quanto ao
fato de] que a Persuasão, enquanto
propriedade do discurso, modela também a
alma como quiser . . .’.

• Do Sublime 20.2-3 (SOBRE asyndeton): "Ao


falar assim o orador mais não faz do que
agir como o agressor: agride a mente dos
juízes golpe atrás de golpe. Depois, como
um furacão, ataca de novo . . .”.
Irresistível retórica
• Górgias, Elogio de Helena 8: O discurso
é um grande e soberano senhor
[dynastês megas]

• Do Sublime 1.4: “. . . o sublime impõe-


se com força irresistível [dinasta...
amaxon] e fica acima de qualquer
ouvinte.
O sublime em Roma
• Plínio Epístolas 9.26.5. ". . . ele é reto (recto)
e são (sano) mas carente de grandeza e
ornamento (sed parum grandi et ornato)".
Um orador . . .deve estar pronto para
vaspirar por alturas precipitadas mesmo
que arrisque uma queda terrível (nam
plerumque altis et excelsis adiacent
abrupta); aqueles que se contentam em
rastejar nunca ganharão elogios mesmo
que nunca caiam, mas aqueles que correm
e caem ainda podem ganhar alguns
elogios. . .”.
O sublime em Roma
• Plínio Epístolas 9.26.5. ". . . o equilibrista
é aplaudido no exato momento em que
uma queda parece iminente (cum iam
iamque casuri uidentur); o timoneiro
que só navega em uma pequena lagoa
entra no porto sem louvor ou glória
(inlaudatus inglorius), pois a sua arte só
é verdadeiramente testada quando uma
poderosa tempestade sopra.”

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