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A ORIGINALIDADE

DO SER HUMANO
Prof. João Batista
A CONDIÇÃO CORPORAL
 - Muitas religiões, atendendo às condições perversas da
existência, marcada pela doença, pela dor e pela
morte, a interpretam como um castigo, uma passagem
ou, talvez, um período de prova e de purificação.
 - São, contudo, interpretações. Baseiam-se em dados
religiosos, mas, de modo algum, experienciais.
 - Por mais que se esforcem, o ser humano não escapará
jamais a esta sua condição corpórea. A corporeidade e
suas conseqüências são tão desafiantes, que
praticamente, todas as religiões dedicaram grande
parte do seu esforço a interpretá-las.
 - O fato da corporeidade é primeiro e fundamental:
nascemos, crescemos, reproduzimo-nos, definhamos e
morremos.
A CONDIÇÃO HISTÓRICA
 - Uma coisa, porém, nos distingue dos demais
seres mundanos: a capacidade de dominar o
tempo, mantendo-nos conscientes, através
das mudanças, e alimentando a esperança de
que sobreviveremos aos acontecimentos.
 - Essa experiência é tão fundamental e tão
universal na humanidade, que as primeiras e
mais elementares manifestações religiosas se
concentraram no culto dos mortos e, por via
de conseqüência, dos ancestrais.
A CONDIÇÃO HISTÓRICA
 - A experiência radical da historicidade se verifica
ainda, no próprio desenrolar da vida humana. O
ser humano se alimenta, reproduz-se e procura
melhorar as suas condições de vida pelo trabalho.
 - A civilização moderna exacerbou a tal ponto a
materialidade do trabalho a lhe esvaziar o sentido
humano e a considerá-lo como atividade
puramente técnica e econômica.
 - Vive-se hoje uma vida materializada e opaca. Só
se considera real o que tem valor material e
econômico.
NEM SÓ DE PÃO SE VIVE

 - Para aí a experiência humana? Há boas razões


para duvidar.
 - Hoje, embora reconhecendo a importância do
dinheiro, muitos procuram integrá-lo numa
perspectiva mais ampla. Humanamente a
estrutura econômica precisa de uma
superestrutura de sustentação.
 - Há um condicionamento material, mas a
existência humana não se confunde com essa
condição e se situa num universo que supera o
econômico e o material.
PARA ALÉM DO TEMPO E DAS
COISAS
 - A história e a vida testemunham que o ser
humano é sensível a motivações e objetivos,
percepções e sentimentos, aspirações e
desejos que não se reduzem ao puramente
material, quantificável e mercantilizável.
 - A formulação é negativa: o humano NÃO se
reduz ao material. Mas o sentido é
profundamente positivo.
 - Como entendê-lo positivamente? Em quê
consiste esse além das coisas? Como se
manifesta?
O ALÉM, NA EXPERIÊNCIA
HUMANA
 - O além das coisas não é nem teoria abstrata, nem uma
realidade outra, diferente da material. Está radicado na
experiência e é um aspecto inegável do agir humano.

 - A percepção dessa abertura está vinculada a dois


aspectos fundamentais da experiência, do agir humano:

 Em primeiro lugar, a ação humana não se autodefine


somente em função do objeto que conhece, ama ou
produz, mas em função de um VALOR (caráter
axiológico).
 Em segundo lugar, a ação humana se coloca sempre num
contexto interpessoal.
CARACTERIZAÇÃO DO AGIR HUMANO
(DO PONTO DE VISTA DO SUJEITO)
 - A ação especificamente humana nasce do sujeito. O
que caracteriza como ação humana é a VONTADE do
sujeito que a assume como sua.
 - Na terminologia clássica se diz que toda ação
humana o é na medida em que é voluntária, isto é,
em que brota da autodefinição do sujeito em
relação aos valores e a outrem.
 - Assim, na educação religiosa, o educador deve visar
a que o educando seja capaz de se tornar plenamente
ele mesmo e de agir de acordo com sua fidelidade
pessoal e subjetiva ao que descobre como verdadeiro,
reconhecendo as exigências do respeito ao outro e a
necessidade de buscar a justiça e a solidariedade.
CARACTERIZAÇÃO DO AGIR HUMANO
(DO PONTO DE VISTA OBJETIVO)
 - A ação humana voluntária é uma ação pela qual o próprio
agente é responsável.
 - A esfera da verdadeira e autêntica autodeterminação, coincide
com a esfera da ação humana, no que diz respeito ao sujeito, e
com a esfera da responsabilidade, no que diz respeito à ação
objetiva.
 - Essa responsabilidade é habitualmente denominada ética, para
designar que se trata de uma responsabilidade radical e objetiva.
 - Quando, porém, nos referimos aqui à responsabilidade ética, do
ponto de vista da ação objetivamente considerada, referimo-
nos ao fato de que, nascida da autodeterminação, a ação
existe como ação do agente, independentemente de qualquer
consciência ou lei, que seja chamada a regulá-la. Antes de ser
regulada, a ação é, como ser ético, criado pelo agente, ao se
autodeterminar.
A CARACTERÍSTICA DA PRÓPRIA
AÇÃO HUMANA
 - O exercício concreto do ato voluntário responsável
se reveste de uma característica própria: a liberdade.
Toda ação humana é livre, na medida mesma em que
é humana. Sem liberdade, não há responsabilidade.
 - O ser humano é tanto mais humano quanto mais
plenamente for livre.
 - Por isso pode-se dizer que a plena realização das
sociedades humanas, é sua libertação.
 - Liberdade quer dizer aqui a adesão subjetiva
voluntária ao bem, fundada na espontaneidade do
sujeito. A experiência da liberdade é a experiência da
plena realização de si mesmo.
A MORALIDADE
 - A ação humana, voluntária, responsável e livre, é
uma ação em que o sujeito se autodetermina em
relação aos valores e aos outros.
 - Nascida do sujeito, a ação voluntária livre
reveste-se de um caráter próprio à ação humana,
é uma ação espiritual.
 - Espiritual não quer dizer aqui imaterial, mas
designa a característica da ação humana como ação
em que o sujeito humano se autoposiciona em
relação aos valores e aos outros.
 - O espírito da ação humana é, então, o clima que
vigora nas relações entre pessoas, num determinado
grupo humano.
A MORALIDADE
 - A qualidade fundamental da ação humana não é pois,
nem a conformidade com a natureza, nem muito menos
com a lei. Antes de ser regulada de fora, a ação
humana tem uma qualificação fundamental, que lhe
é intrínseca e que consiste, na autodefinição ética do
sujeito, em relação aos valores e aos outros.
 - O que qualifica intrinsecamente a ação humana como
humana é o espírito que brota do sujeito em tensão
com os valores que o inspiram, em particular, em
relação aos outros, diante de quem o sujeito se
autoposiciona concreta e historicamente.
 - A ação é humana e humanizante, quando qualificada
intrinsecamente pelo espírito de fidelidade aos valores
e de atenção ao outro.
QUEM SOMOS NÓS?

 A análise do agir humano confirma duas


características antagônicas do ser humano:
DEPENDÊNCIA DO MUNDO E ABERTURA PARA
O ESPÍRITO.
UM SER DEPENDENTE DO
MUNDO
 - A percepção da dependência do mundo
caracteriza, por exemplo, a nossa cultura.
 - Culturalmente falando, tendemos para o
materialismo, isto é, o comportamento humano
espontâneo, a escala de valores que parece
predominar na vida de hoje, indica uma espécie de
primado reconhecido à dependência em que,
indivíduo e sociedade se encontram, das condições
materiais da existência.
 - O desenvolvimento da ciência e da técnica
alimenta e reforça a convicção de que
dependemos a um grau jamais imaginado dos
condicionamentos materiais da existência.
O MATERIALISMO PRÁTICO
 - Hoje, mais do que nunca, toda a vida humana
social, nacional e internacional, cultural,
científica, artística e até religiosa, parece
determinada por interesses, critérios e
parâmetros econômicos.
 - É extremamente sintomático que todos
estamos mais ou menos convencidos de que se
deve procurar na melhoria das condições
materiais da existência o caminho para a
solução dos problemas humanos.
 - Essa confiança é reveladora da idéia que se
faz do ser humano.
O MATERIALISMO PRÁTICO
 - Duas constatações, entretanto, se impõem:

 ESQUIZOFRENIA - Por um lado, se praticamente esse


comportamento cultural pode ser considerado hoje em dia
universal, teoricamente é rejeitado pela grande maioria da
humanidade que, de uma forma ou de outra, procura um
caminho transcendental.

 PRECARIEDADE – Por outro lado, embora as raízes dessa


civilização mergulhem profundamente no passado, ela
constitui, na sua generalização, um fenômeno recente e até
mesmo do ponto de vista cultural, um processo, ainda
instável, de amadurecimento problemático. Não é evidente
que a humanidade caminhe linearmente para melhor.
O MATERIALISMO PRÁTICO
 - Esses dois aspectos da cultura
predominante explicam em grande parte a
importância que estão assumindo os
movimentos religiosos, com suas propostas
alternativas.
 - Esse dado experiencial inegável, espécie de
anomalia, é sem dúvida sinal do
esquecimento da outra característica do
homem, sua abertura para além dele mesmo.
UM SER ABERTO
 - A percepção da abertura característica do ser
humano foi, entretanto, dominante em todas as
épocas e culturas, desde as origens da humanidade.
 - A época moderna, na sua revolução antropocêntrica,
descartou a religião em nome do progresso e da
liberdade. Teve muitas vezes razão. Mas cometeu o
equívoco fatal de jogar fora a criança, com a água do
banho. Combatendo as religiões institucionalizadas,
desconheceu a característica fundamental do homem,
sua abertura a algo além do mundo. Criou assim uma
escravidão ainda maior, desequilibrando a
humanidade, com a destruição daquilo que pode
somente dar sentido à vida do indivíduo e das
sociedades.
NEGAR O CORPO E O MUNDO?
 - Voltar ao passado?
 - Apesar da inegável sedução que possam
exercer essas antropologias da negação, da
condição mundana e carnal, vale aqui a
observação já feita acima para o materialismo:
não é negando um dos dados do problema que
resolveremos a questão do que é o ser humano.
 - A dificuldade de se entender o que é o ser
humano reside precisamente na dificuldade que
temos em articular esse dois pólos manifestos
da experiência humana: a dependência do
mundo e a abertura ao além.
A ORIGINALIDADE DO SER
HUMANO
 - A articulação entre dependência e abertura é,
pois, de tudo, um dado da experiência.
 - O fundamental é manter unidos esses dois
pólos, como fazendo parte da realidade do
homem-no-mundo, o único que conhecemos
diretamente e sobre o qual podemos raciocinar.
 - O homem-no-mundo forma uma UNIDADE. O
ser humano existente é uma unidade original,
que se nos manifesta através de fenômenos
corpóreos, materiais, e de valores ou de
relações imateriais, porém indissociavelmente
unidos no ser.
COMO INTERPRETAR A EXPERIÊNCIA HUMANA?
(A IDADE MÍTICA)
 - Inicialmente, podemos dizer, que a unidade
experienciada na vida era um dado tão
evidente, que não chegava nem mesmo a
colocar problema.
 - As religiões primitivas e a magia são
testemunhas dessa UNIDADE VIVIDA, que o
progresso do pensamento e da técnica
perderá para sempre.
COMO INTERPRETAR A EXPERIÊNCIA HUMANA?
(O ANIMAL POLÍTICO)
 - A sociedade começou a se organizar.
Pragmaticamente passou-se a dar prioridade às
questões imediatas. O sistema de significações
começou a ser empregado como legitimador do
poder. Religião e Estado se aliaram. Contudo a
abertura para o além continua de primordial
importância.
 - A prevalência da abertura se manifesta na
própria supremacia da religião, mas, sobretudo,
nas expressões culturais primordiais, como as
festas, as celebrações públicas, a arte sob
todas as suas formas, a literatura, etc.
A ALMA E CORPO
 - Um dos pontos mais controvertidos da
história da antropologia ocidental é
precisamente aquele em que, cedendo a uma
vertigem de tipo prometéico, a inteligência
humana procura na esfera do conceito, além
do terreno experiencial da interpretação
artística, uma expressão para a unidade do
ser humano.
 - A filosofia grega propõe uma visão do ser
humano, fruto da união entre a alma
racional e o corpo, como princípios
distintos.
A ALMA E CORPO

 - A desvinculação operada entre a alma


imortal criada diretamente por Deus e o
corpo material, feito de barro, repercute na
tradição bíblico cristã, que passa a entreter
certo dualismo larvar, historicamente
responsável pela dissociação entre alma e
corpo, que irá prevalecer na cultura
ocidental.
POR UMA ANTROPOLOGIA DA
UNIDADE
 -Devemos hoje procurar elaborar uma antropologia
que dê conta da unidade existencial do homem-no-
mundo.
 - Assim como os gregos antigos entendiam que o
corpo é expressão do espírito, SÔMA-SÊMA, corpo-
sinal, diziam eles, repetimos hoje que a
originalidade do homem-no-mundo é que, entre
todos os seres, é a única expressão do espírito.
 - Não há nada de humano que seja só corpo, como
nada há de humano que seja só espírito, só alma.
Tudo que é humano é gesto carregado de espírito e
espírito animando gesto.

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