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LISBOA
2008
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À minha família.
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AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Maria Nazaré Santos, pela sua disponibilidade, pela partilha de
conhecimentos, e pelo incentivo do seu reconhecimento.
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“Não deve causar surpresa o facto de que as crianças nascidas fora do casamento sejam
geralmente as melhores cabeças; são o resultado de uma hora espirituosa.
Os filhos legítimos muitas vezes resultam do tédio.”
(Theodor von Hippel)
5
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO …………………………..…..……………………………........................... 6
CONCLUSÃO …………..………………………………………………………………..... 20
BIBLIOGRAFIA .………………………………………………………………………….. 21
6
INTRODUÇÃO
A união de facto é uma relação entre duas pessoas que vivem em condições análogas
às dos cônjuges e que, perante o crescente número de divórcios e a diminuição do número de
casamentos, ganha particular relevo nos dias de hoje. A finalidade deste trabalho é verificar a
contribuição dos antecedentes históricos para a evolução da união de facto até aos dias de
hoje.
Este trabalho define sumariamente os diferentes conceitos de união de facto, e
diferencia-os de outras relações, numa perspectiva histórica, até ao Direito Português
Contemporâneo. Enquadra historicamente a união de facto na sociedade babilónica e no
Direito Romano e descreve o conceito de união de facto nas Ordenações Afonsinas e no
Código Civil de 1867, em Portugal. Define ainda a união de facto no Direito Português
Contemporâneo e diferencia-a de outras relações familiares e parafamiliares da actualidade.
Foi utilizado o método histórico para enquadrar historicamente o conceito de união de
facto. Para a necessária fundamentação conceptual e teórica sobre as questões relacionadas
com a evolução histórica do conceito de união de facto utilizou-se a Pesquisa Bibliográfica
(essencialmente livros, monografias e material electrónico) e a Pesquisa Documental
(nomeadamente tratados, legislação e constituições políticas).
Este trabalho encontra-se dividido em, essencialmente, duas partes. A primeira parte
descreve os antecedentes históricos da união de facto e a segunda parte é dedicada à união de
facto no Direito português contemporâneo. Na primeira parte fala-se da união de facto na
sociedade babilónica, no Direito Romano (conceitos, concubinato propriamente dito, suas
razões e declínio do mesmo), na época das Ordenações (sobre as Ordenações, conceitos,
união de facto e adultério da mulher, barregueiros casados e barregãs dos clérigos) e no
Código Civil Português de 1867. A segunda parte divide-se em conceitos de união de facto e
de direito da família (união de facto e vida em economia comum, obstáculos e efeitos da
união de facto) e em princípios constitucionais.
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1.2.1. Conceitos
No Direito Romano, paelex é a palavra mais antiga que designa as relações conjugais
fora do casamento, assumindo outras formas, sinónimas, como palex e pallaca. O seu
significado tem, essencialmente, dois sentidos: lato e restrito. No sentido lato, paelex equivale
às relações fora do casamento, incluindo a homossexualidade. No sentido restrito, refere-se à
relação conjugal entre homens casados e uma mulher solteira.5
1Cf. ALMEIDA, Geraldo da Cruz – Da União de Facto: Convivência more uxorio em Direito Internacional
Privado. Lisboa: Pedro Ferreira, 1999, p. 112.
2Cf. HAMMURABI – The Oldest Code of Laws in the World: The code of laws promulgated by
Hammurabi, King of Babylon B.C. 2285-2242. [s.l.]: Project Gutenberg Literary Archive Foundation, 2005,
§144, §145, §171.
3Cf. ALMEIDA, op. cit., p. 113-114.
4Cf. HAMMURABI, op. cit., §155, §157, §158.
5Cf. ALMEIDA, op. cit., p. 47.
8
1.2.2. Concubinato
Veyne10 define concubina como uma mulher com quem um homem, casado ou não,
dormia habitualmente. A palavra concubina tinha inicialmente um sentido pejorativo perante a
opinião pública, mais tarde condescendente para com os casos de concubinato durável e
exclusivo, à maneira de um casamento, e em que apenas a inferioridade social da mulher
impedia o homem de transformar tal ligação em núpcias legítimas. Além disso, na opinião dos
juristas, a concubina devia ser uma mulher livre (os escravos não podiam casar) e a união
monogâmica (o homem não podia ser casado, nem ter duas concubinas ao mesmo tempo): o
concubinato parecia-se em tudo com um casamento, e só assim considerado digno, mas ainda
assim um casamento impossível. Kaser11 tem neste último aspecto a mesma visão que Veyne,
e define concubinato como uma comunidade permanente de vida e de sexo entre homem e
mulher, não reconhecida como matrimónio. É tolerada dentro de certos limites e adquire
significado prático na época do Principado nos casos em que o matrimónio não é possível.
6Ibidem, p.48.
7Ibidem, p. 50. Carta de alforria era um documento através do qual o proprietário de um escravo rescindia dos
seus direitos de propriedade sobre o mesmo.
8Ibidem, p. 50. Tratam-se sobretudo de pessoas ligadas à prostituição e a relações passageiras.
9ROUSSELLE, Aline – A política dos corpos: entre procriação e continência em Roma. In PANTEL, Pauline
Schmitt, org. – História das Mulheres: A Antiguidade. Porto: Afrontamento, 1993. p. 380.
10Cf. VEYNE, Paul – O Império Romano. In ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges, org. – História da Vida
Privada: Do Império Romano ao Ano mil. Porto: Afrontamento, 1989. p. 85.
11Cf. KASER, Max – Direito Privado Romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 330.
9
O caso característico era o de um homem que tinha uma ligação com a sua liberta e
não queria transformar em núpcias legítimas uma união tão desigual. O imperador
Vespasiano, por exemplo, tomou, quando viúvo, uma liberta como concubina e “tratou-a
quase como sua mulher”.12
Mas o concubinato não era sempre o substituto de um casamento impossível, nem uma
relação monogâmica. Um homem podia ser casado e ainda assim tomar uma concubina.
Alguns autores13 descrevem o sacrifício e as consequências de múltiplas gravidezes para as
mulheres romanas: estas evitam engravidar, isto é, aprendiam a “conter-se” (tanto mais se
pertencessem à alta sociedade), já que os homens não o faziam. Um marido “uxorioso”14, tal
como o amor sexual no casamento era perigoso, além de raro, tão raro como os casais
fecundos que o Imperador Augusto exibia para encorajar a manutenção demográfica das
cidades. Pretendia-se que as esposas dessem à luz uma considerável prole de filhos legítimos,
mas sem que manifestassem desejo pelos maridos, limitando a relação daquelas com estes à
procriação. Considerando tudo isto, Plutarco,15 filósofo convicto de que para alcançar a
felicidade e a paz é necessário refrear paixões, aconselhava que a esposa suportasse que o
marido tivesse relações com uma concubina ou com uma escrava. Na alta sociedade romana,
e já desde a República, as esposas não viam inconveniente nestas relações e, não raras vezes,
escolhiam as concubinas.16
Veyne17 diz-nos ainda que, ao contrário das núpcias legítimas, o concubinato não tem
consequências de direito, apenas confere honradez pela sua estabilidade e monogamia. As
crianças que nascessem de um concubinato digno, cuja mãe fosse liberta, seriam livres. Mas
como esta não era casada, seriam bastardas: ficariam com o nome da mãe e herdariam desta;
não do pai natural. Mas e se um patrono desposasse em núpcias legítimas a sua concubina (e
liberta)? Esta sentir-se-ia orgulhosa do estatuto de “mãe de família” (materfamilias), mas o
marido, apesar da afeição conjugal, seria sempre (igualmente) patrono. Ao contrário de
Veyne, Rousselle18 diz-nos que “Roma tinha criado um direito do concubinato”; as concubinas
tinham obrigações, tal como as esposas: a mesma idade exigida para uma ligação oficial, doze
anos, fidelidade obrigatória da mulher concubina, e que restringia a possibilidade de
12VEYNE, op. cit., p. 86.
13Cf. ROUSSELLE, op. cit., p. 378, 380, 384-385.
14Apaixonado.
15Cf. PLUTARCO apud ROUSSELLE, op. cit., p. 386.
16Cf. ROUSSELLE, op. cit., p. 383.
17Cf. VEYNE, op. cit., p. 86.
18ROUSSELLE, op. cit., p. 382.
10
separação por iniciativa de uma liberta – possibilidade de que a escrava estava privada. Além
disso, as mulheres libertas entravam na cidadania, seriam mulheres honradas romanas, e
podiam transmiti-la aos seus filhos nascidos livres.
Na realidade, além destas famílias compostas pelo homem, concubina e seus filhos,
poderiam existir outras combinações: um homem, as suas servidoras e “favoritos”.
Considerando que o esclavagismo era muito comum no Império Romano, era vulgar que da
união do senhor com as suas escravas resultassem filhos, que jamais seriam reconhecidos
como tal. Estes poderiam ser educados como “benjamins” da casa, “favoritos”, enquanto
crianças escravas. Poderiam ser libertos mais tarde, sem qualquer justificação.19 Os filhos das
escravas nesta situação entravam na cidadania.20
terem relações extra matrimoniais muito passageiras (o que não é concubinato) e a terem
relações mais frequentes com as suas esposas.23
1.3.2. Conceitos
23Ibidem, p. 398.
24Cf. COSTA, Mário Júlio de Almeida Costa – História do Direito Português. 2.ª ed. Coimbra: Almedina,
1992.
25Ibidem, p. 269-270.
26CAETANO, Marcello – História do Direito Português. Lisboa: Verbo, 2000. p. 563, 553.
27MAIA, Anabela [et al.], org. - Ordenações Afonsinas: Livro V. Coimbra: Instituto de História e Teoria das
Ideias da Faculdade de Letras de Coimbra, [s.d.], Título XXIII.
12
Um casal podia ainda viver em comunhão de cama e mesa, sem serem casados “de
feito nem de direito”, mas com fama de marido e mulher portanto, em união de facto. Se esta
tivesse relações com outro homem, o seu amante incorreria em pena mais branda que a de
morte, consoante a sua intenção, enquanto que nenhuma pena caberia à mulher, pois esta
nunca foi casada, logo não haveria adultério.28
Ambas as leis valorizam o elemento moral da infracção, pois que graduam a pena em
função da intenção.29
Estes eram homens casados que mantinham barregãs, ou seja, amantes. Este crime era
punido por uma lei de D. João I30, atribuindo multas proporcionais de acordo com a categoria
social ou riqueza dos infractores. A primeira reincidência consistiria em multa agravada, a
segunda em açoites públicos e degredo para as mulheres, e uma pena para homens conforme
decisão de juiz.31
D. Afonso III proibiu ainda a entrada de barregãs na Corte, resultando tal infracção em
32
degredo na Corte com pregão público para o barregueiro e sua barregã. Tal proibição
manteve-se nas Ordenações Filipinas.
Caetano refere-nos que o celibato eclesiástico não era cumprido pela maior parte do
clero, sendo insuficientes para impedir que estes vivessem com e mantivessem barregãs, as
sanções canónicas para os clérigos e as penas criminais impostas às mulheres.33
D. João I34 promulgou primeiro uma lei, em que refere que os clérigos e religiosos
tinham barregãs. Visto que as mantinham melhor que os leigos, muitas mulheres deixavam de
tomar maridos legítimos e juntavam-se com clérigos e outras pessoas religiosas, vivendo nas
suas casas, perante o povo e os prelados (faziam-no certamente para saciar desejos materiais).
Estes últimos ameaçaram os barregueiros com excomunhões, suspensões e outras
penas, mas verificaram que tal seria insuficiente se o rei não impusesse penas temporais 35 às
barregãs. Este proibiu, portanto, as mulheres de viverem publicamente por barregãs com os
28Cf. MAIA, op. cit., Título XXIII: §3.
29Cf. CAETANO, op. cit., p. 564.
30MAIA, op. cit., Título V: §20.
31Cf. CAETANO, op. cit., p. 565.
32Cf. MAIA, op. cit., Títulos V; VIII: §1 e §2.
33Cf. CAETANO, op. cit., p. 565.
34D. JOÃO I apud MAIA, op. cit., Título XVIIII: §1.
35Civis.
13
clérigos, sob pena de incorrerem em pena de prisão, multa e degredo do local de residência,
por um ano, com pregão. Caso reincidisse, era punida por um ano, com multa, pregão e
degredo da área da diocese. Seria açoitada em público, com pregão e banimento da área da
diocese, por tempo indeterminado, caso reincidisse segunda vez.36 Tais sanções eram evitadas
se as barregãs casassem com maridos legítimos, ou se ingressassem num mosteiro: contudo,
se voltassem a ser barregãs de clérigos incorreriam em pena de morte.37
Caetano refere que, em 1454, D. Afonso V interpretou as leis já existentes e publicou
uma nova, proibindo a prisão de mulheres que prestassem serviços virtuosos, remunerados ou
gratuitos, aos clérigos, ainda mais se vivessem noutra habitação. Uma mulher só seria
perseguida como barregã se tal fosse devidamente provado, se acompanhasse o clérigo
nalgum lugar suspeito, ou se houvesse querela jurada, contra ela, perante um juiz, com
testemunhas nomeadas.38
[…] a união de facto não é casamento; mas assume algumas das suas
características. É uma relação entre um homem e uma mulher. De outro modo, não
pode pretender ser semelhante ao casamento e obter algum estatuto deste. É uma
relação de facto a que o Direito vem, depois, dar, ou não, algum relevo jurídico.45
Ferreira-Pinto46 relembra-nos a pouca aceitação destas uniões livres antes da 1.ª e 2.ª
Guerras Mundiais (1910/1914 e 1939-1945, respectivamente), após o que começaram a surgir
as primeiras decisões jurisprudenciais favoráveis nesta matéria.
42Cf. CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família e das Sucessões. Coimbra: Almedina, 1997.
43Ibidem.
44Cf. FERREIRA-PINTO, Fernando Brandão – Dicionário de Direito da Família e de Direito das Sucessões.
Lisboa: Livraria Petrony, 2004. p. 619.
45CAMPOS, op. cit., p. 77.
46Cf. FERREIRA-PINTO, op. cit., p. 619-620.
15
Entre nós apenas surgiram preceitos que atribuíam direitos aos companheiros que
viviam como marido e mulher no art. 2020º do CCiv (Código Civil) aquando da redacção do
Decreto-Lei (DL) n.º 496/77, de 25 de Novembro, em matéria de prestação de alimentos, do
DL n.º 322-90, de 18 de Outubro, que regula a protecção na eventualidade da morte dos
beneficiários do regime geral de segurança social, e do Decreto Regulamentar 1/94, de 18 de
Outubro, que regula o acesso às prestações por morte das pessoas que se encontram na
situação de união de facto. Mais tarde foi publicada a Lei n.º 135/99 de 28 de Agosto que
regulou a situação jurídica das pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais
de dois anos.47
Mais recentemente foi publicada a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que revogou a Lei n.º
135/99, e que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, não só, desta feita, para
uniões entre heterossexuais mas também entre homossexuais, nos termos do seu art.º 1, n.º 1,
ao regular a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em
união de facto há mais de dois anos. Ao mesmo tempo, surge um novo diploma que vem
regular a protecção de pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos, pela Lei
6/2001 de 11 de Maio.48 Prazo este que, na opinião de Ferreira-Pinto49, deve ser ininterrupto,
pois o legislador não pretendeu subordinar a lei a uniões momentâneas e sem qualquer
estabilidade. É esta também a convicção de Campos50, que opina que esta relação deve ser
prolongada, estável, e que deve haver uma comunhão de vida traduzida por uma coabitação
notória. Acrescenta ainda que, enquanto o casamento assenta numa vontade inicial, num
contrato, o concubinato só existe enquanto se mantiver o consenso dos concubinos.
Consentimento esse que fixa, não só o início e o fim do concubinato, como o seu conteúdo, o
significado do vínculo.
Foi institucionalizada a relação de vida em economia comum pela Lei n.º 6/2001, de
11 de Maio. De acordo com o art. 2.º, n.º1, as pessoas “que vivam em comunhão de mesa e
habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda
ou partilha de recursos” vivem em economia comum. Tanto podem ser familiares ou
estranhos, como pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente, desde que uma delas seja maior
de idade (art. 2.º, n.º2 da mesma lei). Estas pessoas vivem em comunhão de mesa e habitação,
contribuindo para os respectivos encargos, sem pôr em comum os seus rendimentos e
47Ibidem, p.619-620.
48CÓDIGO Civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 469-465.
49Cf. FERREIRA-PINTO, op. cit., p. 620.
50Cf. CAMPOS, op. cit.
16
recursos. Ao contrário da união de facto, a vida em economia comum não tem conotação
sexual, pelo que dois familiares, como irmãos, pai e filho ou filha, podem viver em economia
comum. 51
51COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme de – Curso de Direito da Família: Introdução Direito
Matrimonial. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. Vol. 1. p. 117.
52Cf. CÓDIGO Civil, op. cit.
53Cf. FERREIRA-PINTO, op. cit., p. 621.
54Cf. CAMPOS, op. cit.
17
Segundo Canotilho e Moreira55, a união de facto está prevista no art. 36.º, n.º 1 da
CRP56: o direito de constituir família decorre numa abertura constitucional que confere
destaque à união de facto, posição esta com a qual Coelho não concorda. Este entende que o
n.º 1 do art. 36.º se refere à filiação, pois parece-lhe que o direito de constituir família é um
direito a procriar e um direito a estabelecer as relações de paternidade e maternidade
correspondentes.57
O direito de contrair casamento, nos termos do art. 36.º, n.º 1 da CRP, também não se
relaciona, segundo Coelho58, com a união de facto: trata-se de um direito de não casar,
diferente do direito de estabelecer uma união de facto. Recorde-se que, durante a vigência das
leis matrimoniais do Imperador Augusto, relativamente ao Direito Romano, existiam
proibições e deveres de casar (consoante a posição social, idade, sexo, etc.).59
Segundo Coelho60, o princípio de protecção da união de facto decorre do direito ao
desenvolvimento da personalidade, plasmado no art. 26, n.º 1 da CRP, como forma de
exercício ou manifestação desse direito: seria inconstitucional a legislação que proibisse e/ou
penalizasse a união de facto, impondo sanções aos seus membros. Mas este direito não exige
que o legislador dê à união de facto efeitos idênticos aos do casamento, e este diferente
tratamento do casamento e da união de facto também não viola o princípio da igualdade (art.
13.º CRP), pois este último apenas proíbe discriminações arbitrárias, o que não é o caso. Estas
relações são situações materialmente diferentes: os casados assumem materialmente o
compromisso de vida em comum, ao contrário dos concubinos. Na opinião deste autor,
legislação que equiparasse inteiramente a união de facto ao casamento seria inconstitucional,
tal como seria a legislação que impusesse aos concubinos os mesmos deveres que às pessoas
casadas, pois violaria o seu direito de não casar (outra vertente do direito de contrair
casamento). O autor conclui que a CRP não penaliza a união de facto nem a equipara ao
casamento.
Esta tendência não é de estranhar dada a importância crescente das uniões de facto e a
diminuição correlativa dos casamentos. Com a vulgarização e a aceitação social das uniões de
facto, estas vêm a desempenhar a maioria das funções sociais do casamento, inclusive no que
CONCLUSÃO
Poder-se-á afirmar que os objectivos deste trabalho foram alcançados e, nalguns casos,
ultrapassados.
Poderia ter-se desenvolvido mais o tema deste trabalho quanto à sociedade babilónica
e ao Código Civil de 1867. No primeiro caso, teria sido interessante pesquisar sobre as
posições doutrinárias da época quanto à união de facto, mas definiu-se sumariamente o
conceito de união de facto da época.
Os objectivos foram também alcançados ao nível da união livre no Direito Romano, de
forma satisfatória e completa, ao enquadrar o concubinato desde a República ao Império.
Não foi possível descrever pormenorizadamente o conceito de união de facto em todas
as Ordenações do Reino, pelo que se limitou a fazê-lo em relação às Ordenações Afonsinas,
pelos motivos já enunciados. Relativamente a estas também se apontaram as sanções
aplicadas na época a infractores desse direito vigente.
Definiu-se e diferenciou-se união de facto de outras relações no Direito Português
Contemporâneo, e discorreu-se sobre os princípios constitucionais, tendo-se alcançado os
objectivos propostos.
De uma maneira geral, foram alcançados os objectivos deste trabalho, mas teria sido
interessante desenvolver a problemática da união de facto no Código Civil Português e na
sociedade babilónica mais profundamente.
20
BIBLIOGRAFIA
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ISBN 972-22-2025-X.
CAMPOS, Diogo Leite de – Lições de Direito da Família e das Sucessões. 2.ª ed. rev. e
actual. Coimbra: Almedina, 1997. 618 p. ISBN 972-40-0993-9.
CÓDIGO Civil. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2007. 821 p. (Códigos de Bolso) ISBN 978-972-
40-3321-1.
COSTA, Mário Júlio de Almeida – História do Direito Português. 2.ª ed. Coimbra:
Almedina, 1992. 474 p. ISBN 972-40-0699-9.
HAMMURABI – The Oldest Code of Laws in the World: The code of laws promulgated
by Hammurabi, King of Babylon B.C. 2285-2242. Trad. de C. H. W. Johns. [s.l.]: Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, 2005. [Consult. 03 Jan. 2008]. Disponível em
WWW:http://www.gutenberg.org/files/17150/17150-h/17150-h.htm.
MAIA, Anabela [et al.], org. – Ordenações Afonsinas: Livro V. Coimbra: Instituto de
História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras de Coimbra, [s.d.]. [Consult. 31 Dez.
2007]. Disponível em WWW:http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/l5ind.htm.
NETO, Abílio, anot. – Código Civil Anotado. 13.ª ed. act. Lisboa: Ediforum, 2001. ISBN
972-8035-51-9.
21
VEYNE, Paul – O Império Romano. In ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges, org. – História da
Vida Privada: Do Império Romano ao Ano mil. Trad. de Armando Luís Carvalho Homem.
Porto: Afrontamento, 1989. 634 p. Vol. 1. pt. 1, p.19-224.