Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?
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Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue
os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a
exibir a presença de uma intenção no agente.
Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa,
no mesmo local e à mesma hora;
Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas
matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos
não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta:
1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato
genérico definido como «ingestão de feijões».
2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos
individualizados.
Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como
Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a
ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal
como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular);
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a
concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no
tempo (têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente
realizados
(feitas por alguém);
Qual destas conceções consideras correta? Porquê?
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Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a
existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo:
3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach.
No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das
suas preferências?
Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.
O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem
uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de
relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a
entidade Z. Exemplos:
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é
mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva.
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o
pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva.
Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem
racionais, deverão ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?
Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força
de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma
dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta
ação.
Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender
o fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo:
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a
melhor maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como
compreender que o continues a comer tudo isto?
Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só
poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse
modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»:
1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.
2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E.
3
3. Logo, o agente faz A
Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e
uma motivação.
4
Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente),
dotado de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência
seguiriam um caminho distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.
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Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que
têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são
efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de
acontecimentos posteriores.
Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de
que somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não
determinista da ação.
Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»:
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por
acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo
nós responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas
ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.
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Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio:
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1. Todo o evento é causado.
2. As nossas ações são livres.
3. Ações livres não são causadas.
1. Determinismo
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nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos
biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo
que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele
tenha sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas
ações, pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente
aceitável. De facto, admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns
poderão dizer que Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os
historiadores consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando
esclarecer as motivações e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta
decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser externas
(alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve
tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de
serem rastreadas. No entanto, teorias biológicas e psicológicas (especialmente. a
psicanálise) sugerem que as nossas ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma
razão" raramente é aceite como desculpa.
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2. Libertismo
Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação,
tal como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa
teoria às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança
essencial em si mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam
suficientes para justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar,
capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes!
Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que
não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de
interrogar o próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve
considerar objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar
interrogar o próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si
mesmo pondo os pés sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo
[...]. Ele é um eu autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos,
quando agimos, semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas,
motores imóveis. O argumento que conduz à teoria da ação tem a forma:
Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de
explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem
questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais
satisfatória. A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite,
sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as
correspondentes desvantagens.
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3. Compatibilismo: definições
1. Gandi passa fome porque quer libertar Um homem passa fome num deserto
a Índia. porque não há comida.
2. Uma pessoa rouba um pão porque Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
está com fome. obrigou.
3. Uma pessoa assina uma confissão Uma pessoa assina uma confissão porque
porque quer dizer a verdade. foi submetida a tortura.
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa Uma pessoa toma uma dose de
de champanhe porque quer brindar ao aguardente, mesmo contra a sua vontade,
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Ano Novo. porque é alcoólica.
5. Uma pessoa abre a janela porque faz Uma pessoa abre a janela por efeito de
calor. sugestão pós-hipnótica.
No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia
hora após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz
isso por decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a
esse tipo de experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está
sentindo calor). Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que
o faz por livre e espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução
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de quem a hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o
mesmo poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas
presas a valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso
limitações na capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A
ação livre deve aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe
de ser o caso.
A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem coagido na
sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.
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e biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua
ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente;
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios,
que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e
condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são
simultaneamente limitações e desafios;
Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a
necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar
a nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação;
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal;
Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal.
Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação,
isto é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto;
correto/incorreto pelo sujeito.
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos
objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e
achamos correto.
Características dos valores
Os valores são:
Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto
podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o
objeto bonito e outra feio).
Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas
São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua
própria hierarquia.
Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.:
beleza ≠ fealdade).
Valor-fim e valores-meio:
Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da
hierarquia);
Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim.
Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível
Valores éticos/morais
Valores religiosos produzem prazer espiritual
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Valores estéticos
São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer
que uns sejam mais corretos que outros.
São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes
continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações.
Critério Valorativo: Juízos e Factos
Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma
objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos
de facto.
Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.
Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da
realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação
sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os
enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto.
Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo
do juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo
contrário, não corresponde, é falso.
Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.
Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou
negativa, que cada um de nós faz da realidade.
Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos,
porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade.
Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o
mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente,
normativos.
Assim temos:
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Exemplos:
Subjetivismo
Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo.
Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes
de aprovação ou reprovação das pessoas.
Duas razões para ser subjetivista:
Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada
pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de
cada indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual.
Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos
sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem
piores que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às
nossas preferências.
O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos.
Objeções ao subjetivismo:
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O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço
racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os
outros.
Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de
desacordo moral:
Emotivismo
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II.A ação humana e os valores
Relativismo moral
Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros
ou falsos. Por isso, existem factos morais.
A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada
sociedade.
Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam
que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso.
O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de
cada sociedade.
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que
variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de
casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de
comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto,
a ideia deixa de ser trivial.
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A teoria dos mandamentos divinos
Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja,
são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.
A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de
Deus.
O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.
O dilema de Êutifron
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direitos e de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da
dignidade humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos
direitos humanos fundamentais em todos os países do mundo.
Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de
ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com
base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há
cultura. Mas sem cultura não há homem.”
20
A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias,
da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade
humana.
Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto
é, uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na
pratica social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os
costume geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido
ou proibido, distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função
normativa, isto é, de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral
responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal
circunstância?
Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação
humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a
alcançar. O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem,
embora pela negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que
perdeu a orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética
apelam exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção
conceptual, muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.
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contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar
conta perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos.
A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir
esta autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre
de constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para
se ser pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral.
A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com
os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social.
Como nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos
humanos uns aos outros».
Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e
politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao
afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um
louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação
ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros.
Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os
interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses
dos outros.
A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são
afetados pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se
por outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética
valoriza o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove,
elogia e estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.
Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a
realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência
partilhada com os outros.
A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução,
evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros,
numa convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins
comuns. Mas o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem
sempre se conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de
relacionamento social expressas quer em competição/solidariedade, que em
cooperação/hostilidade, exigem o estabelecimento de regras de conduta, de normas e
leis que definam os direitos e deveres de cada um num espaço de convivência.
Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva
ou biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de
objetivos, valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta
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convergência de ideais que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada
indivíduo.
Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de
orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral.
Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral,
costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos,
provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na
consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciência tranquila).
CONSCIÊNCIA MORAL
Por um lado, cresce à medida que o Por outro, amadurece e assume-se
indivíduo interioriza as regras e padrões como uma dimensão pessoal no sentido
do grupo (heteronomia). em que cada um se autodetermina por
princípios racionalmente justificados
(autonomia).
Noção de pessoa
Por pessoa entende-se o individuo humano que:
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo,
para com os outros e para com as instituições;
Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;
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Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e
responsavelmente, isto é, em nome próprio;
Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que
autonomia não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros;
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa
numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições.
Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e
respeitar princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito
de direitos e deveres, estar aberto aos outros.
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa
e que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana.
Definição dos conceitos nucleares
Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que
significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos
praticados. A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil
– referindo-se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social;
responsabilidade moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa
própria consciência.
O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular
as consequências das nossas ações.
O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns,
predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar.
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Uma resposta às objeções
Integridade
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim
do bem geral.
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Dois egoísmos
Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
Somos todos egoístas?
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por
isso, somos todos egoístas.
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos
egoístas.
Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão:
Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.
Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação.
Utilitarismo
J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas
na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que
tendem a produzir o reverso da felicidade.»
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Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada
a maior utilidade esperada.
Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas
suas várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se
verificarem.
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?
Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor.
Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas
pela duração e intensidade.
Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua
natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar
uma forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma
quantidade idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.
O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo:
A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona
uma vida insuperavelmente aprazível.
Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à
máquina de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma
vida real. Logo, o hedonismo é falso.
Satisfação de preferências
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo:
O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências.
27
Teorias deontológicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas?
No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas:
Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou
erradas. As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar.
Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou
erradas. Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas
independentemente das suas consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos
de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas ações.
Deontologia
É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que
Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral.
Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria
racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado
na experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter
fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos
costumes ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações
precisam ser determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma
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ação realizada por interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume
pode ser considerada como moral. A ação moralmente boa é a que obedece
exclusivamente à lei moral em si mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como
independente de todos os impulsos e tendências naturais ou sensíveis e está centrada
sobre a noção de dever e não na noção de virtude e felicidade como em Aristóteles.
Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve,
pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.
Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o
que o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a
moral Kantiana é uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo;
Kant afirma que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a
vontade humana.
A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional.
Ele é, simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo,
por isso, a vida moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a
sua parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou
que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito e sim dual. Assim,
a moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma
lei cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da razão, a que o
sujeito moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é
preciso que o domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não
ser a sua própria) sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo.
Kant chama vontade santa à vontade que dominou por completo toda a influência e
determinação oriunda dos fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos,
para sujeitá-la à lei moral. Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre
razão e inclinação. Um ser possuído de uma vontade santa agiria sempre da forma que
devia agir e não haveria lugar para o conceito de dever e de obrigação moral, os quais
somente têm sentido e existência porque o Homem é dual, razão e desejo, e estes
encontram-se em oposição. É por isso que o dever nos surge sob a forma de uma
ordem ou de um mandamento – um imperativo categórico (categórico porque ordena
incondicionalmente): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer
sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. – Kant
reconhece que esta é apenas uma fórmula e a única regra segura para podermos
agir.
29
nossas máximas (em si subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o único princípio de todas as leis morais.
30
moral ou o dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo
categórico.
Em conclusão de Kant:
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais
são os nossos deveres.
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos:
nunca podemos desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por
vezes podemos desrespeitá-los.
Duas distinções
Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às
distinções ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte:
Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por
exemplo, é pior matar uma pessoa que deixá-la morrer.
Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará
da nossa conduta. Por exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral.
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