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Kierkegaard - A Escola Da Angústia e Psicoterapia
Kierkegaard - A Escola Da Angústia e Psicoterapia
Kierkegaard, a Escola da
Angústia e a Psicoterapia
Débora Gill
Pontifícia Universidade
Católica Rio do Janeiro
http://dx.doi.org/10.1590/1982–370300912013
Artigo
Resumo: Este artigo busca refletir sobre a relação estabelecida por Soren Kierkegaard, na voz
do pseudônimo Vigilius Haufniensis, entre angústia e Psicologia. A Psicologia surge, nesse
contexto, como a ciência cuja atmosfera é angústia. Primeiramente, são apresentadas as
considerações de Haufniensis sobre a angústia como determinação existencial. Em seguida,
exemplificam-se as formas particulares de expressão da angústia por meio de um conto de
Grimm, intitulado João sem medo. Observa-se que é da tensão entre o universal e o particular
que nasce, por um salto qualitativo, a possibilidade de uma existência singular. Ao considerar
o tema angústia como centro de investigação, e tendo como intuito pensar uma proposta
de psicoterapia, conclui-se que o pensamento da existência, tal como desenvolvido por
Haufniensis, proporciona elementos para a elaboração de uma proposta de psicoterapia que
não se ocupe nem em julgar nem em teorizar, mas que sustente a existência como espaço
onde tudo aparece como possibilidade.
Palavras-chave: Kierkegaard. Angústia. Psicoterapia. Escola.
Abstract: This article aims to reveal the association established by Soren Kierkegaard, under
his pseudonym Vigilius Haufniensis, between anguish and psychology. The psychology arises
in this context as the science whose atmosphere is anguish. First, we present Haufniensis’
considerations about anguish as an existential determination. Then, we illustrate anguish-
specific expressions through a Grimm’s fairy tale called John Without Fear. Notes that it is
from the tension between the universal and the particular that arises, by a qualitative leap,
the possibility of a singular existence. We considered anguish as the subject of this research
to elucidate a proposal of psychotherapy based on the elements provided by Haufniensis.
This psychotherapy does not judge nor theorize but sustains the space of existence where
everything can appear possible.
Keywords: Kierkegaard. Anguish. Psychoterapy. School.
Resumen: Este artículo trata de una reflexión sobre la relación que se establece, por Soren
Kierkegaard en la voz del pseudónimo Vigilio Haufniensis, entre la angustia y la psicología.
La psicología se plantea en este contexto, como la ciencia cuya atmósfera es la angustia. En
primer lugar se presentan las consideraciones sobre la angustia como una determinación
existencial. Entonces ejemplifican a las formas particulares de expresión de la angustia a través
de una historia de Grimm, titulada John sin miedo. Se observa que es por medio de la tensión
entre lo universal y lo particular que, con un salto cualitativo, nace la posibilidad de una
existencia singular. Tomando el tema de la angustia como centro de investigación y que tiene
la intención de pensar en una propuesta de la psicoterapia, se concluye que el pensamiento
de la existencia, desarrollado por Haufniensis proporciona elementos para la elaboración de
una propuesta de psicoterapia que no se ocupa ni en juzgar ni en teorizar, sino mantener la
existencia de un espacio en el cual todo aparece como una posibilidad.
Palabras-clave: Kierkegaard. Angustia. Psicoterapia. Escola.
um salto qualitativo, a possibilidade de uma ao voltar para casa tarde da noite), João é
existência singular. A singularidade, portanto, tão estúpido que “nunca servirá para nada”
não é dada desde sempre, mas precisa ser (Grimm, 2004, p. 5). A partir daí, podemos
conquistada, ou seja, não estando pronta ver que já existe para o pai e para o irmão
precisa ser formada. A ideia de formação uma determinação sobre como se deve viver:
tem como pressuposto a angústia do homem vive-se para garantir o pão, vive-se segundo
sugerindo, deste modo, uma maneira de se um utilitarismo pragmático, para o que se con-
transformar e aprender a partir deste caráter. sidera necessário. Aprender a angustiar-se é
Da indeterminação, característica do nada um aprendizado completamente sem sentido
da angústia, surge o ser-capaz-de, ou seja, para quem se ocupa dos afazeres práticos,
o poder se formar. Haufniensis vai designar com finalidades instituídas previamente.
a Psicologia como a ciência mais apta a
lidar com este espaço de angústia, com este Inicia-se um exercício para “provocar” a
interlúdio, uma vez que nesta área não cabe urgência do medo em João, segundo os
teorizações, mas a sustentação deste espaço moldes daquilo que faz temer. Mas a indi-
onde “tudo é possível”. Consideramos que ferença de João ao medo causou grande
é a partir das considerações de Kierkegaard
desgosto no pai, que acabou por expulsá-lo
(1844/2010), na voz de Haufniensis, que
de casa, acreditando que as suas andanças
poderemos pensar a possibilidade de uma
pelo mundo o ensinariam a temer. O jovem
psicoterapia kierkegaardiana (Feijoo, 2000;
se depara com aquilo que se costuma tomar
Feijoo e Protasio, 2011).
como aterrorizante: fantasmas, cadáveres,
caveiras, animais ameaçadores, e nada
João sem medo: aprendendo a teme, pois não segue o que foi determinado
como “isso é para temer”. A estória finda
angustiar-se com o herói finalmente assustando-se com
uma coisa aparentemente inofensiva, com
No início do V capítulo de O conceito de
pequenos peixes pulando em sua barriga
angústia, Kierkegaard (1844/2010), na voz
enquanto dormia. Eles foram postos sobre o
de Haufniensis, relaciona a angústia com o
seu corpo por sua esposa, que não aguentava
aprender a angustiar-se. Neste capítulo, o
mais a insistência de João em se lamentar de
autor alude a um conto de Grimm sobre um
que não conseguia aprender a ter medo. O
jovem, João sem Medo, que teria saído pelo
que daí se pode apreender é que o susto de
mundo na aventura de aprender a angustiar-se
João se constitui numa situação cotidiana da
(Grimm, 2004). Demoremo-nos um pouco
existência, não adianta querer defini-lo por
neste conto, tecendo algumas considerações
antecipação, fabricando filmes de terror. O
inspiradas no pensamento do pseudônmo
autor (Grimm) parece estar, com este conto,
Haufniensis (Kierkegaard, 1844/2010).
O jovem não conseguia aprender nada, acenando para a importância de aprender
nem entender coisa alguma, tampouco se a angustiar-se.
encaixava nos padrões da comunidade. O
povo dizia: “este rapaz dará problemas a Kierkegaard (1844/2010), sob o pseudô-
seu pai” (Grimm, 2004, p. 4), visto que ele nimo Haufniensis, nem se preocupa com
não alcançava o que se esperava de alguém, a resolução da estória. Ele prefere deixar o
isto é, que trabalhasse, que se casasse, que aventureiro seguir seu caminho e se detém em
fosse razoável, etc. Quando o pai disse a nos admoestar que o aprender a angustiar-se é
João que ele estava ficando grande e forte “uma aventura pela qual todos têm de passar
e que já era hora de aprender algo que lhe [...] para que não venham a perder, nem
permitisse ganhar o pão, João respondeu que por jamais terem estado angustiados nem
gostaria de aprender a ter medo. Mas para por afundarem na angústia” (Kierkegaard,
o pai “não se vive disso” (Grimm, 2004, p. 1844/2010, p. 163). A angústia está aí, existir
5), ou seja, aprender a ter medo não vale é angustiar-se. E por isso, podemos pensar
nada pra vida. E para o irmão (que realiza as uma escola da angústia, uma escola acerca
tarefas ordenadas pelo pai e que sente medo de si mesmo. Vamos, a partir de agora, nos
estado a outro, e a determinação do espírito na boia eternamente. Maldita boia que tanto
é posta pela culpa, caracterizando a saída amo e que me escapa quando apenas lhe
da inocência. Dessa maneira, é por um salto quero amar! diria o espírito. É como querer
qualitativo que o homem sai da inocência segurar o ar no peito para nunca mais ter que
e descobre a si mesmo como culpado, cujo respirar, ele escapa, esvazia, e volta a encher.
caráter aponta para uma responsabilidade do Tal reflexão revela a existência do homem
existir, para a determinação do espírito. Este como uma constante relação angustiante com
salto acena para um movimento que surge algo tão impalpável.
sabe lá de onde, e se refere a lugar algum do
qual pode surgir a culpa, visto que o salto Apresentamos a angústia como o lugar
não garante uma determinação específica, de tensão da existência, de tensão entre
mas revela o espaço angustiante de poder ser. a culpa e a liberdade que constituem o
espírito humano. Mas afinal, como se dá a
A angústia se refere, justamente, a esse lugar relação do homem com a angústia que ele
algum, à indeterminação do sabe-se lá da mesmo é? A angústia se mostra na própria
onde, à possibilidade para a possibilidade existência, ela está sempre ali, à espreita,
que parece muito distante, mas que num mas obscurecida. Vivemos como se não
piscar de olhos pode estar muito perto. Isso fôssemos angústia, como se não fôssemos
significa que a culpa, bem como o espírito, esta tensão entre a liberdade de poder, e a
surgem a partir de um salto qualitativo que culpa de ser. A angústia é essa vertigem, essa
não tem seu lugar determinado e nem pode tontura, que diante do lugar que se encontra,
ter. Este salto surge como possibilidade por não há mais chão, tampouco paredes ou
meio do espaço aberto pela angústia. A culpa, teto, é só espaço, espaço de possibilidade,
enquanto a determinação do espírito que possibilidade de culpar-se uma vez mais. E
devolve o homem a si mesmo, refere-se ao diante da existência só lhe resta gargalhar
caráter intransferível do homem, ou seja, ironicamente, pois da mesma forma que ela
se refere ao fato de que ninguém pode ser pode nos tomar, ela pode nos dar. É exata-
culpado por ninguém, ninguém pode viver a
mente porque ela tira o chão que um espaço
vida de ninguém, e essa determinação recai
se abre, um espaço de possibilidades e, por
na individualidade de cada um. Kierkegaard
isso, podemos afirmar que ela é a atmosfera
(1844/2010), na voz de Haufniensis, afirma
da possibilidade. A angústia olha para baixo
que o espírito é um terceiro termo que se
e fica tonta, o mundo gira, e a liberdade
relaciona com a relação de dois termos, corpo
traz possibilidades diversas, ela se agarra a
e alma, determinação e indeterminação, em
qualquer coisa, um algo finito que possa fazer
constante tensão. Como ele foi posto pelo
com que haja certa estabilização, mas aí já
salto a partir da possibilidade de ser culpado,
se encontra culpada, e a liberdade reaparece
ele está sempre em tensão com dois termos:
como arrependimento. Será que eu devia ter
a possibilidade (como liberdade) e a culpa
(como determinação intransferível). A angús- me segurado? Ela pergunta.
tia é justamente esta tensão, que se descobre
possibilidade de ser culpada e na descoberta E aí nós perguntamos, será que existe a
já o é. Ela é este lugar ambíguo, paradoxal, possibilidade de não se segurar? Seria este
a partir do qual o espírito está sempre se movimento infinito entre culpa e liberdade?
relacionando consigo mesmo, isto é, o espírito Quais as relações que podem surgir a partir
se relaciona consigo mesmo como angústia. desta tensão que é espírito? Qual a impor-
Ser totalmente culpado ele não consegue, tância da atmosfera da possibilidade para a
há sempre a possibilidade de se redimir. Ser Psicologia? Seria casual o fato d’O conceito
totalmente livre, tampouco, em meio ao mar de angústia ser um tratado psicológico, visto
de possibilidades o espírito sempre se agarra que a angústia é a atmosfera da possibilidade?
numa boia. É nesse jogo, que ele ama e teme A partir daí, como pensarmos o que Hauf-
que a existência angustiante se constitui. Ora, niensis afirma como a escola da angústia?
ele ama, porque há uma boia a lhe salvar, Tratemos, inicialmente, da relação entre
ora ele teme, porque não consegue segurar angústia, liberdade e modos de viver.
pelo pseudônimo Haufniensis, ser formado de sucesso, sorte, vitória, e, hoje, poderíamos
pela angústia exige uma atitude séria na somar nessa lista, um esteticismo irrefreá-
existência, principalmente, coragem para vel e irrefletido que apela para o prazer, a
aprender com a angústia. A atmosfera de sedução, o entretenimento, o consumismo,
seriedade corresponde a uma abertura por o dormir e acordar conectado, não é, na
deixar-se educar pela angústia. Considerando verdade possibilidade para a possibilidade,
isso nós nos perguntamos: em que termos mas não passa de algo que atende aos recla-
ele está pensando a possibilidade de uma mes de uma moral vigente. Dessa maneira,
escola da angústia? Isto é o que tentaremos é possível afirmarmos que não calculamos
pensar a seguir. as possibilidades, ou seja, a possibilidade
não é algo que possa ser planejado, ante-
cipado para visar resultados tangíveis. Tal
A escola da angústia enquadre pertence à ordem do finito, de
nossos cálculos acerca da “realidade”. Já a
Kierkegaard (2010, p. 163) estima que quanto possibilidade afirma a infinitude da existência.
mais profundamente o homem se angustia, Nesse sentido, Kierkegaard (2010, p. 164),
tanto maior ele é. Esse elevado valor que se sob a voz de Haufniensis, nos diz que “aquele
confere a quem se angustia é um indicativo que é formado pela angústia é formado pela
de que não devemos tomá-la como algo que possibilidade, e só quem é formado pela
é exterior ao homem, como nos mostraram possibilidade está formado de acordo com
as posições de não liberdade descritas acima. sua infinitude”. Tentamos barganhar com o
A perspectiva da angústia, quando tomada que para nós soa como possibilidade, mas,
como se fosse algo fora do ser humano, pode que não passa do universo tangível do finito.
se desenhar pela tentativa de se inscrever, por Tentamos “passar a conversa” (Kierkegaard,
antecipação, uma pessoa na escola da angústia 1844/2010, p. 165) nas possibilidades, fugir
a partir do que se ouve dizer sobre ela, do que delas, evitá-las, encobri-las, adiá-las, e, até,
se toma, desavisadamente, por estar angustiado, como se fosse possível, suprimi-las. Mas quem
como no conto que mostramos, onde aqueles foi educado na escola da possibilidade apren-
que garantiram a João que ele iria aprender a deu que não se pode exigir absolutamente
ter medo fracassaram na sua promessa. Para nada da vida. Exigir da vida é barganhar com
Kierkegaard (1844/2010), sob o pseudônimo ela. É tratá-la como coisa entre coisas como
Haufniensis, é imprescindível experimentar-se se costuma fazer quando estamos naquilo
a si mesmo como projetar-se para as possibi- que o autor chamou de “escola da finitude”.
lidades, para que se possa ser formado pela
escola da angústia. A angústia não se mostra
Se a possibilidade pode doer, pois pode
por procuração, não se lhe concebem media-
ser interpretada como algo sofrido, afinal,
ções como se pudesse ser manejada teórico e
“perdição, aniquilamento moram na porta
tecnicamente. Ora, o que ela é entende-se a
ao lado de qualquer homem” (Kierkegaard,
partir de um profundo segredo que se funda
1844/2010, p. 165), as avaliações sobre se
na possibilidade para a possibilidade, na pos-
valeu a pena ou não se lançar nas possibili-
sibilidade antes da possibilidade.
dades nada podem nos ensinar na escola da
angústia, pois são feitas a posteriori. Afirma
Podemos acreditar, inadvertidamente, que o pseudônimo Haufniensis (Kierkegaard,
a possibilidade, característica da angústia, 1844/2010): “Não, na possibilidade tudo
é um alento frente ao maciço e enfadonho é igualmente possível, e aquele que, em
tom da realidade. “É certo que se ouve com verdade, foi educado pela possibilidade
frequência o contrário: que a possibilidade entendeu aquela que o apavora tão bem
é tão leve, a realidade, porém, tão pesada” quanto aquela que lhe sorri” (Kierkegaard,
(Kierkegaard, 1844/2010, p. 164). Quanto a 1844/2010, p. 164). Por fim, entendeu a
isso, o pseudônimo Haufniensis (Kierkegaard, ambiguidade do amor e do temor que a
1844/2010) dispara uma provocação: o que se angústia nos traz. Nossa prosa lembra-nos
toma como brilho e fulgor, o que se demarca o entusiasmo que Heidegger (1952/2002,
como horizonte de possibilidades em termos p. 31) nutre por Hölderlin ao plagiar sua
sentença: “onde está o perigo, está aquilo que e técnicas para alcançar o resultado. Porém,
salva”. Para Kierkegaard (1844/2010), sob o isto também se mostrou insuficiente. João se
pseudônimo Haufniensis, é na angústia que o encontrava em completa inocência e falta
homem se eleva, e é na angústia que o homem de seriedade, desconhecendo o espaço
pode se afundar. “Na realidade, ninguém se em que tudo é possível. Repentinamente,
afundou tanto que não pudesse afundar-se João assusta-se, treme e, então, o espírito
ainda mais” (Kierkegaard, 1844/2010, p. 167). desperta do estado de latência em que se
encontrava, abre-se a atmosfera da angústia
Para que alguém se forme nesta escola, e ele se descobre como possibilidade (liber-
portanto, é preciso ser honesto quanto às dade). João, que vivia na ignorância de sua
possibilidades (a liberdade que se é). A situação, descobriu-se temeroso, culpado e
própria possibilidade desdobra a finitude vulnerável. Assim parece, também, desvelar-
em infinitude: descobre as finitudes, as con- se aquilo que Kierkegaard (1844/2010), na
dições concretas da existência, descobre “a voz de Haufniensis,denomina de escola da
vida mais presa ao dia a dia” (Kierkegaard, angústia. Discorreremos sobre a questão que
1844/2010, p.166). Mas, ao mesmo tempo, estabelecemos no início desta discussão: Qual
as idealiza, apontando a existência para a a relação dessa escola com a psicoterapia?
infinitude. Essa passagem da realidade à
possibilidade dá-se mergulhando a pessoa na Comumente a psicoterapia se dá a partir
angústia, até que ela vença as determinações dos mesmos pressupostos utilizados no
finitas na antecipação da fé. Haufniensis, modo como João foi sendo orientado: os
concordando com Hegel, apresenta a fé psicoterapeutas traçam caminhos no sentido
como “a certeza interior que antecipa a de que as crianças aprendam a lidar com as
infinitude” (Kierkegaard, 1844/2010, p. 165). demandas de seu mundo e se tornem adultos
É apenas na imersão do constante jogo exis- produtivos. A angústia, o medo e a impro-
tencial de possibilidades e determinações dutividade tendem a ser combatidos, já que
(infinitude e finitude, liberdade e culpa), que são tomados como respostas desadaptadas
acontece, no instante, o aprendizado, e este ao mundo. A psicoterapia, como comumente
instante pode dar lugar a uma transformação. é conhecida, constitui-se em uma técnica,
Neste ponto de nossa escrita, nos resta tecer que possui instrumentos e ferramentas efi-
considerações para o exercício clínico de cazes, sustentados teoricamente, capazes de
uma Psicologia kierkegaardiana. desvendar os segredos e verdades que se
encontram no indivíduo. Onde aquele que
Angústia e Psicoterapia não conhece a verdade de si pode, uma vez
conquistando-a, superar os seus conflitos e
Vamos retomar o conto de Grimm sobre assim ganhar liberdade, autodomínio e não
João sem Medo para pensarmos a atuação mais se angustiar. Certamente, o caminho
psicoterápica com base na escola da angús- traçado por esses estudiosos não é a escola
tia. Foram vários os caminhos que o pai, os da angústia a que se refere o pseudônimo
irmãos e os amigos de João procuraram a fim Haufniensis (Kierkegaard, 1844/2010). Mas a
de que o menino encontrasse um rumo na que, afinal, se refere a psicoterapia existencial
vida. Mas, ainda que “aparentemente” isso baseada na escola da angústia?
de nada lhe adiantasse, João queria aprender
a temer. Apesar de inúmeras tentativas, foi Ressaltaremos, primeiramente, as considera-
na própria existência que o menino, de ções de Haufniensis sobre a Psicologia de sua
súbito, estremeceu. Convém investigar: o que época. O escritor afirma que a Psicologia estava
aconteceu para que um espaço se abrisse totalmente equivocada ao tomar o seu objeto
para o aparecimento do medo? João queria de estudo como algo que tem suas bases na
temer, porém seu querer não era suficiente fisiologia. Com isso, ele, já em 1844, oferecia
para que acontecesse uma transformação. argumentos acerca da autonomia da Psicologia
Aqueles que tentavam ajudá-lo acreditavam que, durante longo tempo, os estudiosos do
que bastava utilizar suas próprias experiências psiquismo humano ignoraram e só vieram
Débora Gill
Doutoranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio De Janeiro - RJ. Brasil.
Email: debora_gill@yahoo.com.br
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Recuperado em 16 de setembro de 2012,
de http://www.psbnacional.org.br/bib/ Kierkegaard, S. (2010). O conceito de angústia.
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