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Leitura de Judith Butler PDF
Leitura de Judith Butler PDF
Regina Neri
reginaneri@uol.com.br
Simone Perelson
Psicanalista, doutora em psicopatologia
fundamental e psicanálise pela Université
Paris 7
encontraríamos, de um lado, uma sexua- rais, não deve ser compreendida como a
lidade subversiva ou emancipatória, li- afirmação de seu caráter ilusório ou ar-
vre da lei, do discurso e do poder (po- tificial — compreensão resultante da
dendo esta ser feminina ou não) e, de postulação de um binário que opõe real
outro lado, a lei repressora. a autêntico. Mas sobretudo o que deve
Pelo contrário, sexualidade e poder ser considerada é a possibilidade de que
são co-extensivos e a concepção de um a enunciação de um sexo ou de uma se-
desejo como original ou recalcado é um xualidade anterior ao próprio enuncia-
efeito da própria lei coercitiva. É neste do contradiga performativamente a si mes-
sentido que Foucault afirmará que a lei é ma, gerando alternativas em seu lugar,
produtiva: ela produz a ilusão da distin- isto é, criando de maneira inadvertida
ção entre predisposições primárias natu- as condições de sua própria substitui-
rais e livres e disposições secundárias le- ção cultural.
gitimadas pela lei. Como efeito destas três Antes de explicitar o modo segundo
críticas, será a própria noção de uma iden- o qual é possível, neste contexto, a pro-
tidade como fundamentada na divisão do dução de práticas efetivas de subversão,
gênero e, mais ainda, como fundamento Judith Butler propõe uma análise crítica
do gênero que será colocada em causa. de algumas formulações teóricas nas
Segundo Butler, o eu de gênero per- quais uma estratégia de subversão do
manente define-se por um estilo, por atos gênero estaria em ação, de modo a indi-
repetidos que constroem a ficção de uma car os limites de cada uma delas. Para em-
identidade substancial. Neste sentido, preender esta tarefa, a autora abordará
não há identidade de gênero por trás das sobretudo algumas formulações de Lévi-
expressões do gênero; os atributos do Strauss, Lacan, Freud, Foucault, Kristeva
gênero não são expressivos mas performá- e Monique Wittig.
ticos, isto é, constituintes da identidade Das formulações de Lévi-Strauss,
que pretensamente revelam. Butler critica a oposição natureza-cultura
Mas, face à inexistência de toda e qual- o que o levaria a “ontologizar” o sexo.
quer exterioridade com relação ao gêne- Embora “desontologize” o “ser” do gê-
ro construído, como é possível subvertê- nero e/ou sexo, Lacan mostra-se ideolo-
lo? Como é possível subverter a lei? Esta gicamente suspeito quando, ao invés de
é a questão que interessa de fato à autora, radicalizar a dimensão cômica da ontolo-
pois o livro de Butler é antes de tudo um gia sexual por ele apontada, desenvolve
projeto político, e mais ainda um projeto uma idealização religiosa do fracasso.
de formulação de estratégias sustentadas, Freud, por sua vez, amplia a noção de
e não ideais, de subversão do gênero. predisposições libidinais primárias, sen-
Em primeiro lugar, a autora mostrará do quem de fato produz a ficção lingüís-
que não se deve compreender a hegemo- tica do desejo recalcado e a idéia de que
nia do poder como o fracasso da possibi- a entrada no campo cultural desvia o de-
lidade de subversão, pois operar no in- sejo do seu significado original. Kristeva,
terior da matriz do poder não é o mesmo embora estabeleça uma produção cultu-
que reproduzir acriticamente as relações ral — a poesia — como o campo de sub-
de dominação. Além disso, a afirmação versão da lei paterna, ao conceber esta
de que a sexualidade, assim como a iden- subversão como a manifestação no dis-
tidade e o gênero, são construções cultu- curso poético da multiplicidade e do caos