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Paulo Jacinto Sumburane

Uso e causas dos empréstimos lexicais no Português falado em Moçambique

Licenciatura em Ensino de Português com Habilitações em Inglês

Universidade Pedagógica de Moçambique


Gaza
2016
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Paulo Jacinto Sumburane

Uso e causas dos empréstimos lexicais no Português falado em Moçambique

Trabalho a ser apresentado no


Departamento de CLCA, na
cadeira de Morfossintaxe e
Lexicologia de Português, sob
orientação do MSc: Ângelo
Mauai.

Universidade Pedagógica de Moçambique


Gaza
2016
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Índice
0.Introdução ............................................................................................................................. 3

1.Pressupostos teóricos ............................................................................................................ 4

1.1.Distinção estrangeirismo versus empréstimo .................................................................... 4

1.2.Processos de integração de estrangeirismos ...................................................................... 4

2.Razões da inserção de empréstimos e estrangeirismos numa língua.................................... 5

3.Reflexão sobre o uso dos empréstimos lexicais no português falado em Moçambique ....... 7

4.Conclusão ............................................................................................................................. 9

5.Referência Bibliográfica ..................................................................................................... 10


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0.Introdução

Parte da grandeza da riqueza das línguas prende-se com a capacidade de adopção e adaptação de
palavras de outras línguas. É um fenómeno universal não exclusivo a um tipo de línguas. Num
primeiro passo, isso afeta o léxico das línguas.

Em várias línguas, estudos revelam que há estratégias mais ou menos estabelecidas que estas
línguas usam na integração de palavras estranhas no seu sistema. As mudanças podem provir de
neologismos, estrangeirismos e empréstimos. O estudo destes três conceitos é vasto daí a
necessidade de um espaço próprio. Assim, delimitamos o nosso estudo nos empréstimos,
particularmente, os lexicais.

O tema que pretendemos desenvolver, Uso e causas dos empréstimos lexicais no Português
falado em Moçambique, é de grande relevância, pois entendemos que os empréstimos diferem de
uma comunidade linguística para outra, por isso há necessidade de tratar este fenômeno em
contexto moçambicano.

Este trabalho tem como propósito discutir as causas dos empréstimos lexicais no português
falado em Moçambique; descrever os fenômenos que justificam esta ocorrência e sustentar o
pressuposto de que as línguas mudam com o tempo e que o português não é exceção.

Para a realização deste trabalho, seguiu-se alguns métodos que conduziram ao alcance dos
objetivos definidos anteriormente, destacando a consulta bibliográfica através da qual se
fundamenta a cientificidade do trabalho e posterior sistematização da informação em análise
trazendo como estrutura a introdução, desenvolvimento, conclusão e a referencia bibliográfica
consultada para este trabalho.

Problematizando, o léxico de uma língua desenvolve-se ao longo do tempo e no espaço com a


interação de uma língua segunda com as outras nativas ou não. Neste contexto, que entradas
lexicais marcam a variação do português falado em Moçambique e que relação tem com as
línguas bantu?

Hipoteticamente, destacamos que o Português falado em Moçambique apresenta novas marcas


lexicais nativas diferentes do PE devido a dinâmica do desenvolvimento sócio cultural e
económico dos povos nativos.
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1.Pressupostos teóricos

1.1.Distinção estrangeirismo versus empréstimo

Segundo Freitas, Ramilo e Soalheiro (2005:37) apud TIMBANE (2012:7), estrangeirismos “são
palavras provenientes de línguas estrangeiras que não estão integradas no léxico do português,
sendo empregues na nossa língua”. Segundo os mesmos autores, empréstimo é usado para
designar não só as palavras estrangeiras mas também o processo de passagem de uma língua para
a outra.

Segundo dicionário LONGMAN (1985), existem empréstimos linguísticos quando uma língua
integra uma palavra existente em outra língua, sendo que a palavra não sofre grandes alterações e
mantém o mesmo sentido, estas palavras são também denominadas de empréstimos lexicais.

1.2.Processos de integração de estrangeirismos

Alguns estrangeirismos, logo que entram na língua, conseguem manter suas características de
proveniência, mas outros mudam transformando-se em empréstimos. Vejamos as fases dessas
transformações. A transformação lexical segue três fases:

Na primeira fase, há adaptação fonética imediata, adaptação morfo-sintática imediata.


Monossemia: manutenção de um dos significados da língua de origem, grafia da língua de
origem e por fim hesitação nos tipos gráficos.

Na segunda fase, há aprofundamento da adaptação fonética e morfo-sintática, possibilidade de


formação de novas palavras por composição e prefixação tendo como base estrangeirismo,
aparecimento de formas gráficas em alternativa às da língua de origem.

Finalmente, na terceira fase, há estabilização fonológica: fixação do acento. Plena integração


morfo-sintática: fixação do género e das formas de singular e plural. Integração no sistema
morfológico da língua: possibilidade de derivação, polissemia: tendência para a extensão do
significado de forma original. (Freitas; Ramilo; Soalheiro, 2005:37-49 apud TIMBANE)

Ex1: A palavra “start” é estrangeirismo e a palavra “estartar” é empréstimo. Reparemos que


esta última está modificada e segue as normas do português.
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2.Razões da inserção de empréstimos e estrangeirismos numa língua

Segundo LOPES (2004:247), observam-se em falantes do Português em Moçambique vários


tipos de inovações lexicais que resultam de uma aplicação de diferentes processos, com enfoque
aos empréstimos emergentes das línguas autóctones como: tchovar, navelar, bacelar, Dumba-
Nengue, Tchova-Xitaduma, entre outros.

Este autor advoga que, todas as palavras acima referidas são largamente conhecidas e/ou
empregues por muitos falantes do Português em Maputo, independentemente de saberem ou não
as línguas autóctones locais.

Falando das causas dos empréstimos/estrangeirismos lexicais no Português de Moçambique,


Dias (1991) considera dois motivos fundamentais: (a) empréstimos lexicais como estratégias de
comunicação e (b) empréstimos lexicais como estratégias de identificação.

a) Empréstimos lexicais como estratégias de comunicação

Ocorrem quando os falantes recorrem aos termos da língua materna para preencherem lacunas na
língua portuguesa de certas realidades, tipicamente moçambicanas, como por exemplo, nomes de
frutos, flores, animais, comidas e certas cerimonias. De acordo com a autora, parece não haver
muita preocupação em procurar uma expressão equivalente em Português; nem sequer se
preocupa em criar uma nova palavra que se ajuste ao sistema morfo-fonológico português. Ex2:
tilholo (ritual), phalhar (ritual) e matsawo (comida), são estes termos origem tsongas.

Ainda na esteira de dias (1991) apud TINBANE (2012), estes empréstimos ocorrem para
preencherem lacunas no conhecimento da língua portuguesa, motivadas pelo fraco domínio da
língua. Essa situação faz com que o falante, não encontrando o item sintático-semântico
pretendido e tendo acesso ao léxico da língua materna, recorra então ao empréstimo. Ainda de
acordo com a autora, “a outra estratégia alternativa usada nestes momentos de dificuldade é
abortar a estrutura usando uma estratégia de evitação.”

b) Empréstimos lexicais como estratégias de identificação

Os falantes bilingues (Português / Línguas Moçambicanas), no uso da língua portuguesa,


utilizam estrangeirismos das suas línguas maternas. Esta situação tem a ver com o fato de a
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língua portuguesa ser oficial e ser a mais prestigiada na sociedade relativamente às línguas
moçambicanas. Esta situação parece provocar no falante bilingue uma vontade subconsciente de
unir os dois códigos. Ele não se sente bem na situação de prestigiar uma língua europeia em
detrimento da sua região, dos seus avós, dos seus pais enfim, da sua cultura e identidade.

Ex3 (a): Khanimambo pela vossa presença. (b): “Obrigado pela vossa presença”

Ex4 (a): O próximo espetáculo será mahala. (b): “O próximo espetáculo será gratuito”

LOPES (2004:256) dá enfase a estratégias retóricas, onde apresenta dois determinantes sociais e
culturais que originam os empréstimos/estrangeirismos:
a) Preferência por certos itens lexicais e expressões em vez de outras equivalentes, que
poderiam ser preferidas noutros lugares onde o Português é falado. Exemplo:

Ex5: Gajo/a, o equivalente a “tipo” (Portugal), ou “cara” (Brasil), usado em “O gajo é alto” ou
“Um gajo está doente”. Pragmaticamente, “Um gajo está doente” pode ser entendido como
significando “estou doente”.

b) Incorporação de imagens e metáforas do sistema cultural indígena no discurso em


português, como forma de aumentar a expressividade, através do apelo às práticas e
símbolos socioculturais locais. Tomemos como base os seguintes exemplos:

Ex.6 (a): Malume, chegou o dia, vamos todos votar, não é?

(b): É verdade n’tukulo! Mas, atenção, não vais com essa camisete nem bandeiras, OK?

A mensagem acima constrói a sua intenção comunicativa fazendo a referência a um aspeto


fundamental das sociedades patrilineares no sul de Moçambique, nomeadamente a relação de
graça entre o “malume”, irmão da mãe, e o “ntukulo”, o filho da irmã.

VILELA (1994), relativamente às causas que originam empréstimos/estrangeirismos, refere-se a


três situações que se manifestam no uso da língua e que implicam, quase forçosamente, o uso de
empréstimos: (i) a urgência em serem satisfeitas as necessidades de comunicação e expressão
dos falantes; (ii) a exigência em configurar o que de novo surge na comunidade; (iii) necessidade
em manter a sistematicidade da língua.
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3.Reflexão sobre o uso dos empréstimos lexicais no português falado em Moçambique

Tal como afirma LOPES (2004:246), observam-se em falantes do Português em Moçambique


vários tipos de inovações lexicais que resultam de uma aplicação de diferentes processos,
partindo de empréstimos, neologismos, entre outros, entretanto, vejamos algumas ocorrências
dos empréstimos lexicais provenientes principalmente das línguas autóctones. Exemplos:

Ex7: Brother, podes tchovar-me ao bazar.

Construções deste tipo são frequentes para a camada juvenil, linguisticamente, ela é composta
por dois estrangeirismos e um empréstimo de carácter lexical, onde “brother” é visto como
estrangeirismo de origem inglesa que significa “irmão”, mas neste contexto, influenciado por
factores socio-pragmáticos significa “amigo”; o termo “bazar” é também um estrangeirismo de
origem árabe que significa “centro mercantil”, mas por extensão figurativa no contexto
moçambicano, pode desempenhar o papel do verbo de movimento “ir”; o item lexical “tchovar”
significa “empurrar”, ela deriva do verbo “ku tchova” de origem Xironga e Xichangana. A
palavra foi transformada em verbo português pela adição do sufixo verbal português da primeira
conjugação “-ar”.

Ex8: A Marta está a navelar o meu novo penteado.

A construção em (8) é constante no léxico do português falado em moçambicano, porém, este


item lexical, é maioritariamente usado por crianças e adolescentes. Semanticamente, o item
lexical em análise significa “desejar ou ansiar por alguma coisa”. Morfologicamente, a palavra,
tal como “tchovar”, foi transformada em verbo português pela adição do sufixo verbal português
da primeira conjugação “-ar”.

Ex9: Estou a pedir bacela.

A situação em (9) é muito frequente nos mercados quer sejam formais ou informais. O item
lexical em análise, significa “bónus” que deriva do verbo “ku bacela” que por sua vez significa
“dar bónus a alguém” em Xironga e Xichangana. O termo “bacela” encontra o seu
correspondente que também desempenha o papel de empréstimo no termo árabe “saguate” que
significa “presente, donativo, etc.”, este ultimo, é pouco usado em relação ao primeiro que é
largamente conhecido e empregue por muitos falantes do Português na zona sul de Moçambique.
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Ex10: A Ana foi ao dumba-nengue fazer compras para o almoço.

Na construção em (10), o termo em epígrafe, tal como nos primeiros casos é muito frequente
pela comunidade de falantes do Português. O item lexical, literalmente, significa “confie nas
suas pernas”, e é usado em referência a um tipo de mercado informal. A palavra é uma
combinação de “ku-dumba” correspondente a “confiar” em português e “nengue” que significa
“pé/perna”. Esta combinação, indica o facto de que os mercados informais são ilegais e, por isso,
os vendedores têm que fugir constantemente da Policia.

Ex11: - Participei no Ngoma-Moçambique II edição. Dizia o Carlos ao amigo.

O uso da palavra “ngoma” pode variar dependendo no contexto de enunciação. O item lexical em
(11), em algumas línguas locais tem o significado de “tambor” e, por extensão, também
“música”, ou mesmo “conjunto musical tradicional”. O significado e as conotações desta palavra
têm sido largamente explorados no português falado em Moçambique. Tal como podemos ver no
exemplo (11), a parada de sucesso da música moçambicana é designada por “Ngoma
Moçambique”.

Ex12: Fui à Gaza visitar os meus porcos.

Em Moçambique, as pessoas veneram os antepassados mortos, que se acredita que dão proteção
aos seus descendentes. No sul de Moçambique, estes antepassados são geralmente designados
por “nguluve (singular) / tinguluve (plural) ”, palavras que em algumas línguas autóctones são
homófonas de outras que em português se traduzem por “porco / porcos”. Esta associação de
“nguluve / tinguluve” tanto com “antepassados mortos” e “porcos”, motiva este uso de “porco”
com o novo significado de antepassado, tal como ilustra a construção (12).

Ex13: O meu pai é um grande bizinisseiro.

No exemplo (13) um sufixo tipicamente português “-eiro” é adicionado a uma palavra inglesa
“business”. O sufixo “-eiro” indica uma relação com um lugar ou atividade, como em “caseiro”
que significa “pessoa que gosta de ficar em casa” ou mineiro “trabalhador da mina”. A palavra
“bizinisseiro” é, porém, usada apenas no Português moçambicano, provavelmente como
consequência dos contactos com a Africa do Sul.
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4.Conclusão

O presente trabalho discutiu os diversos processos envolvidos nas causas e usos dos empréstimos
no Português falado em Moçambique, concretamente, fazendo uma abordagem na variação
lexical, onde se conclui que as línguas evoluem ao longo do tempo e no espaço, devido a
interação com vários fatores políticos, económicos, sociais da sociedade.

Para o caso de Moçambique, o português tem sofrido uma evolução simbólica devido à sua
convivência com as línguas bantu e outras estrangeiras (inglês e o árabe), envolvidas no contacto
do dia-a-dia destas comunidades deixando suas marcas especificas que se manifesta pelo uso de
empréstimos e neologismos, que fazem surgir uma variação típica do português de Moçambique.

Os empréstimos contribuem para o enriquecimento do léxico do português falado em


Moçambique e se adequam a realidade da cultura dos falantes. Tendo em conta que o país é
multilingue alguns empréstimos por exemplo do norte de Moçambique não são reconhecidos no
sul e no centro e assim vice-versa.

Por fim, é de destacar que muitos fatores concorrem para o uso de empréstimos lexicais, sendo
que existe uma dimensão de criatividade no desenvolvimento de uma competência comunicativa
ou aceitabilidade social associada à manipulação do português em Moçambique, não só na
criação de traços linguísticos tipificadores, mas também no seu uso em situações concretas de
comunicação. Tal como tem sido afirmado em estudos que consideram as dimensões
socioculturais na mudança linguística, as inovações linguísticas e as incorporações lexicais estão
ligadas às mudanças no contexto social.
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5.Referência Bibliográfica

Longman Concise English Dictionary. Essex, Reino Unido. Longman, 1985.

LOPES, Armando. A batalha das línguas: perspetivas sobre linguística aplicada em


Moçambique. Maputo: imprensa universitária/ Universidade Eduardo Mondlane. 2004.

TIMBANE, Alexandre António. Os estrangeirismos e os empréstimos no português falado em


Moçambique. Revista Via Litterae, V. 4: 5-24. ISSN: 2176-6800. 2012. (versão electrónica)

VILELA, M. Estudos de Lexicologia do Português. Coimbra: Almedina, 1994.

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