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Curso de Especialização em Gestão Pública

Ética na Administração Pública

(40 horas)

Osmir Antonio Globekner


Sumário
UNIDADE I – ÉTICA E MORAL ............................................................................................... 3
1. Ética e Moral ........................................................................................................................... 3
1.1 A moralidade como manifestação incontornável da natureza humana.......... 4
1.2 Origem dos conceitos de Moral e de Ética ............................................................. 8
1.3 O desenvolvimento da Ética e as éticas contemporâneas............................... 10
1.4 O senso moral em Kant.......................................................................................... 1920
1.5 Questão, Dilema e Desacordo Moral ...................................................................... 25
UNIDADE II – ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA .......................... 28
2. Ética, Responsabilidade Social e Cidadania ................................................................... 28
2.1 Ética como fenômeno coletivo ................................................................................ 28
2.2 Por que faz sentido falar em ética das organizações ........................................ 30
2.3 Diversidade moral e Moralidade Pública........................................................... 3435
2.4 Responsabilidade Social e Cidadania.................................................................... 39
2.5 Estado, Cidadania e Ministério Público................................................................. 43
2.6 A Gestão Pública na perspectiva ética .................................................................. 48
UNIDADE III – ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................... 53
3. Ética na Administração Pública ......................................................................................... 53
3.1 Ética do Setor Público ................................................................................................ 53
3.2 Patrimonialismo e Clientelismo ............................................................................... 54
3.3 Administração Pública e Accountability ............................................................... 57
3.4 Improbidade Administrativa e Corrupção ............................................................. 60
3.5 Fraude, Corrupção e Princípios Éticos.................................................................. 62
UNIDADE IV – CÓDIGOS DE ÉTICA E SERVIÇO PÚBLICO ...................................... 6867
4. Códigos de Ética e Serviço Público .............................................................................. 6867
4.1 Regras morais e regras jurídicas: o ético e o justo ....................................... 6867
4.2 Ética Pública, a moralidade legalizada .............................................................. 7170
4.3 A conduta moral do agente público ................................................................... 7271
4.4 Os Códigos de Ética ............................................................................................... 7675
4.5 O Código de Ética do Servidor Público Federal.............................................. 8180
4.6 A Ética do Ministério Público ............................................................................... 8384
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 86

Osmir Antonio Globekner


UNIDADE I – ÉTICA E MORAL

1. Ética e Moral

Na Unidade I discutiremos algumas hipóteses sobre a origem do


fenômeno da moralidade, em sua perspectiva antropológica e sociológica, bem
como a forma como esse fenômeno passa a ser estudado por uma disciplina
filosófica: a Ética.

Estudaremos a conceituação que se constrói desde a Antiguidade


Clássica em torno dos termos Moral e Ética, a distinção entre os dois termos e
suas transformações posteriores, com o desenvolvimento das teorias éticas nas
Idades Medieval, Moderna e Contemporânea.

Estudaremos também uma classificação das Éticas


contemporâneas e, em uma breve síntese, o senso moral, conforme visto por
Immanuel Kant (1724-1804), cujo pensamento é referencial para a filosofia moral
no Ocidente. Por fim, estudaremos o conceito de dilema ético, distinguindo-se:
questão, dilema e desacordo Moral

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1.1 A moralidade como manifestação incontornável da natureza
humana

Um saber profundamente natural e instintivo do ser vivo é aquele


que lhe permite distinguir as coisas que lhe convêm das que não lhe convêm.
Por exemplo, saber que um alimento é saudável e que, se ingerido, proverá
nutrição, distinguindo-o de outro, não saudável, que, se ingerido, pode causar a
morte ou um sério comprometimento da saúde. Esse
saber instintivo é imprescindível para o sucesso de
qualquer espécie animal na natureza.

No terreno das relações humanas, algo


semelhante acontece com o discernimento entre ações que causam benefício e
ações que causam malefício à vida em comum. Trata-se de um saber que, por
sua imprescindibilidade, é de natureza quase instintiva, muito embora mais
ambíguo e complexo daquele comandado pelo instinto animal (SAVATER,
1996). O ser humano é um ser social e sua sobrevivência, como tal, depende
desse discernimento sobre o que é bom ou correto e o que é mau ou incorreto
na perspectiva da vida comunitária.

O entendimento sobre o que seja o certo e o errado na vida social


pode variar entre indivíduos de um e outro agrupamento humano, especialmente
se separados por contextos de tempo, espaço e condições de vida distintos.
Pode não ser uniforme dentro de um mesmo agrupamento de pessoas. Mas a
preocupação, em si, de identificação da ação correta e sua distinção da ação
incorreta, segundo um padrão de valores compartilhado, está presente, em
maior ou menor intensidade, em qualquer agrupamento humano. Essa
preocupação é uma manifestação inerente à natureza humana e está
relacionada com o que denominamos: moralidade.

Elaborando um pouco mais o conceito, pode-se aventar algumas


hipóteses, não excludentes entre si, sobre as causas primeiras do surgimento da

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moralidade entre os seres humanos de acordo conforme o diagrama abaixo
(FERRER; ALVAREZ, 2005):

insuficiência do
instinto

racionalidade

autonomia
Causas da
moralidade
responsabilidade

índole
comunitária da
pessoa humana

vulnerabilidade
humana.

Vamos procurar entender cada uma dessas causas:

✓ Insuficiência do instinto: comparada a outras espécies


animais, o ser humano é um dos seres mais indefesos por si mesmo. Seu instinto
é insuficiente e faz-se necessário supri-lo com a aprendizagem e a socialização,
o que o torna dependente da comunidade, um ser social e político: o zoon
politikon de Aristóteles (384-322 a C), o animal político, impelido por sua própria
natureza para a vida na polis, ou seja, em comunidade. Essa necessidade de
existência em sociedade requer a construção e a utilização de códigos de
conduta, que lhe indicarão, na perspectiva da vida em comunidade, quais ações
são aceitáveis e quais não são, quais são boas e quais são más, impondo-lhe,
assim, padrões morais de conduta;
✓ b) Racionalidade: a insuficiência do instinto também é
compensada pelo desenvolvimento do intelecto. O ser humano é capaz de eleger
racionalmente seus fins e decidir os meios que utilizará para atingi-los. Pode,
inclusive, transformar-se a si mesmo para se adaptar ao meio. O ser humano
racionaliza, antecipa mentalmente o resultado de sua ação, pode escolher entre

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a boa ação a má ação, a ação que lhe permitirá a realização de um bem para si
e para a comunidade. Com base nesse raciocínio elabora padrões ou normas de
conduta para si e para todos os integrantes da comunidade. Ao racionalizar suas
escolhas, ainda que válidas apenas dentro do grupo, estas deixam de ser
arbitrárias ou mero fruto do acaso ou do capricho e passam a se constituir em
um sistema moral, de cuja eficácia depende a sobrevivência daquele
agrupamento humano como tal.
✓ c) Autonomia: o ser capaz de prever as consequências de
seus atos e de escolher entre boas e más ações, é capaz também de ter
preferências e fazer escolhas de acordo com as mesmas. Este é o significado
de autonomia, palavra que se origina dos radicais gregos: auto = próprio e
nomos = lei. Autonomia, portanto, significa, etimologicamente, dar-se, a si
mesmo, a lei. A autonomia está no cerne da vida moral. A vontade livre e
autônoma é um pressuposto necessário da vida moral e da própria existência do
agente moral: aquele ser que pode escolher e decidir moralmente, segundo a
sua própria vontade, livre e sem coação.
✓ d) Responsabilidade: ser livre para escolher implica
suportar as consequências dessas escolhas e o dever de prestar contas das
mesmas. O agente moral precisa explicar ou justificar suas ações: perante sua
própria consciência, perante a comunidade dos agentes morais, ou, no caso das
religiões, perante um ser transcendente. Veremos mais adiante que um
determinado núcleo dessas responsabilidades morais acabam por assumir
caráter legal ou jurídico, tornando-se vinculantes e obrigatórias. Porém, a
responsabilidade moral, pelo próprio elemento de liberdade que lhe é inerente,
antecede e é mais abrangente do que a responsabilidade jurídica; isto é, ainda
quando ausente a responsabilidade jurídica, persistirá a responsabilidade moral,
inerente a toda ação genuinamente livre e autônoma.
✓ e) Índole comunitária da pessoa humana: T. Hobbes
(1588-1679), em sua teoria do contrato social, enuncia que as ações humanas
são prescritas, vedadas, realizadas ou omitidas em decorrência de seu impacto
sobre a vida dos demais. Somos, constitutivamente, seres sociais e políticos,
impossibilitados de nos desenvolver sem apoio da comunidade e, por

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conseguinte, somos solidários. A crise ecológica contemporânea e os riscos que
esta implica para a vida no planeta amplia dramaticamente a condição solidária
do gênero humano, gerando o imperativo, cujas consequências se estendem
para além da própria espécie, de exercer com responsabilidade sua autonomia
como agente moral.
✓ f) Vulnerabilidade humana: Hobbes foi também um dos
primeiros filósofos a perceber o nexo entre vulnerabilidade e moralidade. A
moralidade importa, não apenas por sermos seres comunitários, mas também
por sermos seres vulneráveis, que necessitam de proteção. Um ponto importante
a considerar é que além da vulnerabilidade inerente a todo ser humano, pelo fato
mesmo de ser humano e não lhe bastar o instinto, os indivíduos experimentam,
em algum momento de sua vida, uma vulnerabilidade acrescida, que decorre,
por exemplo, da imaturidade no início da vida, da senilidade ao final dela, ou
ainda, em qualquer momento de sua vida, em virtude de enfermidades e de
outras condições de fragilidade transitórias ou permanentes a que o indivíduo
está sujeito. Pela nossa fragilidade individual, necessitamos da comunidade
moral, porque necessitarmos da proteção que ela nos propicia quando estamos
indefesos e por sermos corresponsáveis por sua manutenção e promoção de
forma coletiva.

Essas seis características constitutivas explicam por que o ser


humano é um animal que constrói sistemas morais.

Assim, a moralidade está arraigada à estrutura ontológica do ser


humano, possuindo raízes biológicas, psicológicas e sociais, não se tratando,
portanto, de uma mera superestrutura arbitrária. Pelo contrário, a moralidade é
uma dimensão constitutiva da vida humana, da mesma forma que a
racionalidade, a sociabilidade ou a linguagem o são. Sendo, como estas,
indispensável a sua manutenção.

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1.2 Origem dos conceitos de Moral e de Ética

A Ética tenta construir-se racionalmente como saber filosófico


utilizando o rigor conceitual e os métodos de análise e explicação próprios da
Filosofia. Ocupa-se, assim, da dimensão moral do ser humano, sem reduzi-la a
seus componentes psicológicos, sociológicos, econômicos ou de qualquer outro
tipo, muito embora não ignore que tais fatores condicionem concretamente o
mundo moral (CORTINA; NAVARRO, 2005).

A origem etimológica das palavras Moral e Ética não oferece


maiores subsídios para as distinções semânticas entre os dois vocábulos. O
valor semântico que hoje damos aos mesmos foram sendo construídos a partir
de significados que lhe foram sendo atribuídos ao longo do desenvolvimento
histórico dos conceitos correspondentes. Vejamos primeiro o vocábulo Ética:

Ética vem do radical grego ethos , significando o "esforço ativo e


dinâmico da pessoa que dá ao recebido [da natureza] forma verdadeiramente
humana" (FERRER; ALVAREZ, 2005, p. 24), opondo-se assim ao pathos, aquilo
que é recebido crua ou passivamente da natureza. A autonomia humana pode
eventualmente transformar o pathos em ethos, conferindo, assim, ao recebido

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naturalmente, a identidade dada pelo esforço ativo e dinâmico do indivíduo.
Assim, o ethos é, como frisam tanto I. Kant (1724-1804), quanto G. W. F. Hegel
(1770-1831), o reino da liberdade, isto é, da escolha autônoma; diverso de
pathos, o reino da necessidade, da vida nua, da ausência de escolha.

Ethos, no grego tem duas grafias, com eta (η) continha o


significado inicial de "morada" ou "lugar de residência", passando posteriormente
a significar "caráter", "índole". "disposição fundamental de uma pessoa diante da
vida". No sentido psicológico, passa a significar o conjunto de qualidades
psíquicas e afetivas que intervém na conduta de certa pessoa e a distinguem
das demais, nesse sentido se confunde com personalidade, distinguindo-se os
elementos herdados dos elementos adquiridos. Porém, no sentido estritamente
moral, que nos interessa, é a disposição fundamental de uma pessoa diante da
vida, seu modo de ser estável do ponto de vista dos hábitos morais (disposições,
atitudes, virtudes, vícios) que o caracterizam e o distinguem. Caráter moral,
diferentemente do temperamento, possivelmente inato, não é fruto do páthos,
mas do ethos. Em síntese: ethos é a configuração estável que uma pessoa
escolheu para sua vida. Não se trata, é claro, de uma liberdade absoluta, sem
condicionamentos, mas de uma liberdade humana e, portanto, limitada e
historicamente condicionada.

Ethos, com epsilon (ε) corresponde a hábito, costume. atos


concretos e particulares pelo qual o indivíduo realiza seu projeto de vida. Este
segundo sentido também interessa à Ética. O caráter moral vai se formando
precisamente mediante as opções pessoais. "em cada escolha particular com
peso moral escolho a mim mesmo, escolho o tipo de pessoa que quero ser, ainda
que de maneira implícita ou atemática" , (FERRER; ALVAREZ, 2005, p. 26). Este
é o campo da ética considerada como virtude no sentido aristotélico, de
construção do próprio ser pelo hábito, pela repetição do agir correto.

Já o vocábulo Moral vem do latim mores, plural de mos,


significando costume, caráter ou gênero de vida. O termo moralis foi um
neologismo criado por Cícero para traduzir o grego éthika. Entre os latinos,
Moral passou a referir a filosofia dos costumes ou filosofia moral.

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Vemos, assim, que, em sua origem etimológica, ética e moral são
termos equivalentes com conteúdo semântico idêntico ou muito próximos. Porém
a origem etimológica não é o único critério para atribuir significação às palavras.
As palavras, e os conceitos que exprimem, possuem vida e se transformam. Ao
longo da história e do desenvolvimento da filosofia moral, os vocábulos Ética e
Moral foram adquirindo diferentes significados e distintas relações entre si.

Assumiremos neste curso um sentido, possivelmente majoritário,


da distinção entre Moral e Ética, advertindo porém da existência de outros
sentidos possíveis, inclusive opostos a este. O sentido aqui adotado é o de que
a Ética corresponde à disciplina filosófica que estuda racionalmente a
conduta humana sob o ponto de vista dos deveres e das virtudes morais.
A Moral é a dimensão da conduta humana estudada, como fenômeno
autônomo, não redutível a outros fenômenos naturais ou sociais. Em outras
palavras, a Ética é o saber racional, fruto da reflexão crítica sobre os fatos
da vida moral.

1.3 O desenvolvimento da Ética e as éticas contemporâneas

A distinção feita no tópico anterior, embora básica e fundamental,


não encerra e nem poderia dar conta de todas discussões em torno do caráter
polissêmico do vocábulo Ética. Na verdade, possivelmente seja mais correto

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referir-nos a Éticas no plural, dada essa polissemia, com cada significado
correspondendo a uma dimensão específica de como a ideia da Ética é
historicamente construída. Desta forma, podemos falar de uma pluralidade de
Éticas, que se desenvolveram ao longo da história. Adela Cortina (1947) e Emilio
Martínez Navarro (1958) (CORTINA; NAVARRO, 2005) propõem abordar esse
desenvolvimento, no Ocidente, dividindo-o em três grandes eras:

Era do Ser

Era da Consciência

Era da Linguagem

Era do Ser: corresponde ao período que abrange antiguidade


clássica e o período medieval. Nela temos o nascimento da Ética e a sua
formulação essencial em Sócrates (469-399 aC), Platão (427-347 aC) e
Aristóteles (384-322 a C), com a ética da virtude, onde o bem é identificado com
a prática de ações virtuosas. Temos seu desenvolvimento no período helênico,
com os epicuristas (Epicuro de Samos, 341-270 aC) e estoicos (Zenão de Cítio,
333-263, aC), e abrange a retomada do pensamento clássico na Idade Média e
sua fusão com a herança judaico-cristã, com Agostinho de Hipona (354-430 dC)
e Tomás de Aquino (1225-1274). Todos esses filósofos ocuparam-se do "ser",
de sua "verdadeira realidade", ou de sua "verdadeira natureza". No campo moral
e ético, perguntam-se, portanto, qual a verdadeira natureza da virtude do
homem, qual a verdadeira natureza do "bom", sua relação com o "bem" da
comunidade (polis) e desenvolvem a ideia de virtude (areté), como a excelência,
o "ser o melhor" (aristós), como a capacidade plenamente desenvolvida para

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praticar o bem. Assim, as primeiras teorias éticas giraram em torno do "bem", da
"virtude" e da "comunidade".

Era da Consciência: período conhecido como da filosofia


moderna, inaugurada com R. Descartes (1596-1650) e que se estende até o
início do Século XX. A nova era resulta de fatos como: a revolução científica, a
invenção da imprensa, o racionalismo, o contato com grupos culturais distantes
da Europa, as guerras religiosas, entre outros fatores históricos. Trata-se de um
contexto de crise das cosmovisões tradicionais que gera a necessidade de novos
paradigmas em todos os âmbitos da vida, incluindo o moral e ético.

No campo ético, o pensamento afasta-se das questões em torno


do "ser" para avançar em questões em torno do próprio conteúdo da consciência
humana. Como um primeiro pensador, nesse novo paradigma, temos D. Hume
(1711-1776), que separa, no fenômeno moral, a parte cognoscitiva (razão) da
experiência sensível (sentimento). Afirmando que a razão pode conhecer apenas
o dado, mas não o sentimento, dissociando por tal motivo o "ser" do "dever". A
razão penetra o primeiro, o sentimento, o segundo. Temos ainda a ética formal
de I. Kant (1724-1804), fundada no dever moral, que trataremos num tópico
específico mais adiante.

Dentro da filosofia liberal, temos o Utilitarismo, desenvolvido por J.


Bentham (1748-1832) e por J. S. Mill (1806-1873), que identifica o bem com o
prazer do hedonismo clássico, mas introduz um componente social. No

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utilitarismo, o bem está associado à maximização do prazer para a soma dos
indivíduos e, portanto, para a sociedade. O utilitarismo vai sofrer muitas críticas,
releituras, sendo apropriado por distintas teorias éticas, a exemplo da teoria da
justiça como equidade, que veremos a seguir.

No espectro de éticas socialistas, do socialismo utópico, com o


Conde de Saint-Simon (1760-1825) e C. Fourier (1772-1837), ao socialismo
libertário ou anarquista, com P. J. Proudhon (1809-1865), M. Bakunin (1814-
1876), entre outros. O materialismo dialético de K. Marx (1818-1883) coloca a
moral como uma superestrutura, condicionada pela infraestrutura. O modo de
produção capitalista condiciona o desenvolvimento da vida social e moral. A
moral da classe dominante impõe-se sempre sobre a classe dominada,
inviabilizando as condições necessárias a uma verdadeira moral em sociedade.

Era da linguagem
Justiça como Equidade

Ética do Discurso

Era da Linguagem: no Século XX surge uma série de teorias


éticas que apresentam novos instrumentais de reflexão. Várias delas em torno
da linguagem, com algumas abordagens ligadas à teoria da argumentação,
outras à teoria da interpretação e à hermenêutica filosófica. Fugiria ao escopo
deste curso aprofundá-las, mas pode ser necessário mencionar ao menos duas
delas, por suas repercussões no campo político e jurídico: a primeira, uma ética
procedimental, ligada à teoria da "justiça como equidade", de J. Rawls (1921-
2002), a segunda, uma ética do discurso, que converge para a teoria da ação
comunicativa, de K. O. Apel (1922-2017) e J. Habermas (1929).Justiça como

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equidade: Rawls parte de uma proposta contratualista, ao imaginar um acordo
fundamental, hipotético, entre pessoas iguais, racionais e livres, submetidas ao
"véu da ignorância", isto é, sem poderem saber antecipadamente, em que lugar
as loterias natural e social da vida as posicionarão na sociedade. Nesta situação
hipotética, decidiriam que princípios orientariam suas instituições públicas.
Rawls, então, conclui que dois princípios básicos, relacionados à liberdade e à
igualdade, estariam sempre presentes em qualquer sociedade,
independentemente dos conceitos de justiça particulares que estas venham a
adotar concretamente.

Em síntese, a ética rawlsiana concebe conteúdos morais, fundados


na liberdade e equidade, que seriam adotados nas sociedades modernas,
pluralistas e democráticas, a partir de um procedimento dialógico entre seres
racionais e autônomos.

A ética do discurso: Nascida na década de 70, a partir dos


trabalhos de Appel e Habermas, busca realizar na sociedade os valores da
liberdade, da justiça e da solidariedade, por meio do diálogo como único
procedimento capaz de respeitar tanto a individualidade das pessoas como a
sua dimensão solidária. Não é, entretanto, qualquer diálogo que permitirá

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distinguir o socialmente vigente e o moralmente válido. A ação comunicativa
proposta por Habermas pretende superar a racionalidade instrumental e
estabelecer uma racionalidade comunicativa, estabelecida dialogicamente e que
possui como meta a satisfação de interesses universalizáveis.

Classificação das diferentes Éticas Contemporâneas

Ainda com base em Cortina e Martínez (CORTINA; NAVARRO,


2005), apresentamos uma classificação das diferentes Éticas, segundo os
aspectos particulares e estruturantes que são ressaltados em sua compreensão.

Dessa forma, teríamos as Éticas Descritivas, que pressupõem o


fato moral como um fenômeno dado e buscam fazer a sua descrição. Tratam a
ética nessa perspectiva autores como: E. Durkheim (1858-1917), L. Levy-Bruhl
(1857-1939), M. Schlik (1882-1936), A. J. Ayer (1910-1989). As Éticas
Prescritivas, que buscam responder à pergunta sobre como devem atuar os
agentes morais, dedicando-se, por exemplo, ao estudo de repertórios
normativos, sistemas e códigos, como construções nas quais as normas se
apoiam umas nas outras e, não raro, pressupõem uma norma fundamental,
núcleo de todo o sistema. I. Kant (1724-1804), por exemplo, cujo pensamento
estudaremos mais adiante, trata a Ética nessa perspectiva.

Outra classificação baseia-se na compreensão da relação entre o


fenômeno moral e os fenômenos naturais: as Éticas Naturalistas assimilam as
duas classes de fenômenos. Desta forma, o correto moral, teria, por exemplo, a
mesma "natureza" do fisicamente prazeroso ou doloroso, isto é, decorre da
"natureza" das coisas e do ser; as Éticas não naturalistas distinguem o

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fenômeno moral como pertencente a um âmbito próprio, não natural, autônomo,
cultural, construído a partir da própria experiência moral, não sendo redutíveis
aos fenômenos naturais. Esta distinção ganha relevância com a crítica ao que
denomina "falácia naturalista" feita por D. Hume (1711-1776) e retomada por G.
E. Moore (1873-1958).

Hume

• De onde se pode inferir um


"dever", se tudo o que há no
mundo são fatos naturais ?

As Éticas podem também ser divididas entre aquelas que


consideram os enunciados morais susceptíveis da verificação de verdade ou
falsidade, conhecidas como Éticas cognitivistas, opostas às Éticas não
cognitivistas, que negam essa possibilidade e afirmam que os enunciados
morais não se sujeitam ao crivo da veracidade ou falsidade, pois sua natureza é
alheia à possibilidade de conhecimento ou de argumentação lógica. Algumas
correntes, já dentro da Era da Linguagem, embora neguem a possibilidade de
argumentação lógica, isto é, de cotejo entre o enunciado moral e a sua evidência
ou verdade, reconhecem a possibilidade da argumentação dialógica, isto é, a
possibilidade de critérios baseados em uma interpretação compartilhada ou
dialogada entre sujeitos morais.

As Éticas de motivos valorizam e investigação empírica da causa


das ações, para identificar os motivos que determinam concretamente a conduta
humana. O bem moral consiste em satisfazer esses motivos ou aspirações,
descobertas em uma investigação psicológica, que consideram empiricamente
acessível. O fundamento da ação moral são os fatos concretos em torno da
causa das ações humanas, sem justificações metafísicas ou transcendentais, o

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epicurismo e utilitarismo são exemplos paradigmático dessas éticas. Em
oposição, as Éticas de fins colocam a atenção nos resultados perseguidos pela
ação humana, buscam a essência do agir humano, seu caráter transcendente, o
fim perseguido é objetivo, é o aperfeiçoamento do ser humano e da sociedade.
Como exemplos dessas Éticas temos a ética de virtudes em Platão, Aristóteles
e no estoicismo.

As Éticas Materiais, em classificação proposta por I. Kant, são


aquelas que afirmam que o critério de moralidade pode ser explicitado por
enunciados com conteúdo, supõem que há um bem, um fim ou valor determinado
que é a base da moral. Tais éticas primeiro buscam descobrir o bem, fim ou
valor, e definir o seu conteúdo, dele extraindo os critérios de moralidade. Por
oposição, as Éticas Formais afirmam que o bem moral não depende de um
conteúdo, mas da forma dos seus comandos. Normas que assumem
determinada forma são válidas, porque assumem a forma da razão. Essa forma
evidencia-se quando se adota a perspectiva da igualdade (em um mundo de
pessoas empiricamente desiguais) e da universalidade (em um mundo com
indivíduos, dotadas de preferências subjetivas). A vontade que adota essas
perspectivas atua autonomamente, racionalmente e humanamente, pois cria um
mundo humano (moral, jurídico, político, religioso) em meio a um mundo
empírico e constitui a base da moralidade.

As Éticas Procedimentais defendem que a ética não tem como


tarefa recomendar conteúdos morais concretos, mas apenas descobrir
procedimentos que possam legitimar ou deslegitimar normas procedentes da
vida cotidiana. O procedimento básico é a racionalidade prática no sentido
kantiano, isto é, o ponto de vista de uma vontade racional universalizável. Os
procedimentalistas propõem uma visão dialógica da razão (Apel, Habermas,
Kohlberg) como forma de superar a concepção monológica do formalismo
kantiano. Já as Éticas Substancialistas afirmam contrariamente que é
impossível falar de normas sem ter como pano de fundo uma concepção
partilhada do que é uma vida moralmente boa. Para eles, a principal questão, no

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âmbito da moral, não são as normas morais justas, mas os fins, os bens, as
virtudes comunitariamente vividos num contexto vital concreto.

Uma classificação tradicional distingue Éticas Teleológicas, que


focam a atenção nas consequências posteriores da ação moralmente dirigida
(teleos designa em grego o fim), e as Éticas Deontológicas (deón em grego é
dever), que focam a atenção no dever, prévio à ação moral. J. Rawls, seguindo
W. K. Frankena (1908-1994), propõe uma definição mais precisa: as primeiras
ocupam-se de discernir o que é o bem não-moral (não determinável pela moral,
segundo a concepção de G. E. Moore), antes de determinar o dever,
considerando moralmente boa a maximização do bem não-moral e as segundas
definem o âmbito do dever antes de se ocupar do bem, só considerando bom o
que é adequado ao dever.

Max Weber
• quanto maior o grau de inserção
de determinado político na arena
política, maior é o afastamento
das suas convicções pessoais e
adopção de comportamentos
orientados pelas circunstâncias.

Uma distinção introduzida por M. Weber (1864-1920), em Política


como vocação, propõe ao político duas atitudes possíveis: a Ética da Intenção,
absoluta incondicionada, onde importa a convicção interna, a pureza de
intenção, a correção da religião; ou a Ética da Responsabilidade, que atende
aos efeitos das ações pelos quais assume a responsabilidade, se apoiando na
justificação dos meios pelo fim. O principal defeito da ética da intenção é o mal
não desejado como consequência da ação bem intencionada, enquanto que o
da ética da responsabilidade é o mal aceito como meio para se lograr o fim.
Weber propõe que as duas devem complementar-se.

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O justo e o bom

Uma discussão frequente, dentro do fenômeno da moralidade, é a


distinção entre o justo e o bom. Uma distinção possível: a justiça referir-se-ia ao
que é exigível no fenômeno moral, para qualquer ser racional, sendo, portanto,
universalizável. Ao contrário, quando falamos que algo é bom ou que
proporciona felicidade, não podemos exigir que qualquer ser racional o considere
como bom, porque essa é uma opção subjetiva.

Dessa discussão surge a distinção entre Éticas de Mínimos (ou


Éticas da Justiça), que ocupam-se da dimensão universalizável do fenômeno
moral, isto é, daqueles deveres exigíveis de qualquer ser racional, porque
identificados com as exigências mínimas para a convivência; e Éticas de
Máximos (Éticas de Felicidade), que oferecem ideais de vida boa, passíveis de
hierarquização, são éticas que aconselham modelos morais que dependem de
uma opção subjetiva e que, em razão da pluralidade subjetiva, não podem ser
exigíveis de todos os seres racionais. Teríamos o seguinte esquema:

1.4 O senso moral em Kant

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KANT

• Age somente segundo uma


máxima tal que possas querer
ao mesmo tempo que se torne
uma lei universal.

No centro da discussão ética está o ser moral e sua capacidade


de assumir decisões éticas, de fazer julgamentos morais e de se determinar
segundo os mesmos. Uma das elaborações mais contundentes e influentes
dessa responsabilidade moral individual é a feita por I. Kant (1724-1804),
embora, como veremos, ela não esteja isenta de críticas.

Kant não via relação entre o moral e a felicidade ou o ideal de vida


boa, presente na maior parte do pensamento da antiguidade clássica. Tampouco
considerava suficiente a atribuição de valor moral às ações em vista de suas
consequências, como vai ser propugnado, por exemplo, pelo utilitarismo de
Bentham e Mill.

Para Kant, a moral tinha a ver com um senso de dever, ou senso


de moral, inato no ser humano, independente da felicidade e, mesmo, do
resultado produzido pela ação orientada por esse dever. Kant, coloca a
autonomia, a liberdade e a capacidade para escolher entre bem e mal, como os
fundamentos da moralidade, fatores que distinguem o ser humano, ser moral,
dos outros animais. Nessa perspectiva, a única coisa originária e
verdadeiramente boa no homem é a sua inclinação, a sua boa vontade para
responder a esse senso de dever.

A Ética seria a reflexão ou justificação filosófica do senso de dever


inerente ao humano. A ética versa, para Kant, sobre o que são esses deveres e

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como os descobrimos. Nesse esforço, distingue dois âmbitos da razão: a razão
teórica e a razão prática.

A primeira, a razão teórica, volta-se a compreender o que ocorre,


de fato, no universo, conforme sua própria dinâmica, permitindo e exigindo, da
razão humana, operações lógicas para sua apreensão. A segunda, a razão
prática, volta-se ao que pode ocorrer por obra da vontade humana livre. Este é
o campo da metafísica, onde poder-se-ia reconhecer determinados mandatos
incondicionados, que Kant denomina imperativos categóricos.

KANT

• A boa vontade é condição


insdispensável para sermos
dignos de felicidade.

Segundo Kant, todo ser humano possui a consciência de certos


mandatos ou ordens incondicionadas. As inclinações naturais podem convergir
ou divergir dessas ordens, mas o que importa são as ordens, não a conveniência
ou o proveito pessoal que se retire delas. Aqui está a distinção entre a Ética de
Kant e a Ética clássica: o ponto de partida não é o bem, em si, que desejamos
como criaturas naturais, mas o bem referido a um dever, que reconhecemos
interiormente como criaturas racionais.

O bem moral não deriva diretamente do "ser" natural das coisas,


mas do "dever ser", inerente ao humano, pois inerente à racionalidade e
moralidade humana. Esse "dever ser" é dado pelos imperativos categóricos, que
equivaleria, a título de exemplo, a comandos do tipo: "diga a verdade", "cumpra
suas promessas", "socorra quem esteja em perigo", etc.

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Os imperativos categóricos não se referem a ordens comuns ou
caprichosas, mas sim àqueles comandos racionais que são fundamentais ao
homem, por estarem a serviço da preservação ou conservação de valores
absolutos, tais como a própria existência humana. O trabalho do filósofo é
revelar esses imperativos. Kant identifica alguns elementos essenciais desses
comandos:

✓ o fato de constituir-se como fins em si mesmo e não meros


instrumentos para se atingir outros (o que denomina imperativos
hipotéticos); e
✓ aptidão para valer como uma legislação universal. O
célebre imperativo categórico formulado por Kant é: "Age somente
segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo
que se torne uma lei universal".

Os três pilares da moral kantiana são: a vontade livre, o


imperativo categórico que a determina e as máximas, como regras práticas
de conduta subordinadas ao imperativo categórico. O mérito da moral
kantiana é colocar a autonomia do ser moral racional no centro do fenômeno
da moralidade.

Críticas à formulação kantiana: destacaremos três:

1) a atribuição de valor absoluto ao imperativo categórico: enfrenta


problemas em sua aplicação na vida real. Um exemplo clássico é o do comando
"não mentir", sendo absoluto, não admitiria exceções e teria que ser obedecido
mesmo diante de situações em que a mentira fosse o único meio de preservar,
por exemplo, a integridade de um fugitivo injustamente perseguido;
2) ao idealizar a moral e abstrair a realidade fenomênica, a ética kantiana
não leva em conta a situação do homem real em um mundo real, e acaba
gerando um divórcio entre o ser real e o ser moral idealizado;
3) a ética kantiana, focada no indivíduo, não dá conta de oferecer
respostas para muitas implicações das interações existentes na vida moral
em sociedade, tema que será abordado no próximo módulo.

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Acerca do comando "não mentir", veja como funcionaria o
imperativo categórico de Kant:

• Devemos agir somente em conformidade com a regra que


1 possamos desejar que se torne universal.

• Se aceitamos mentir, estamos admitindo como universal a


2 regra: "é permitido mentir".

• Adotada universalmente, ela derrotaria a si mesma, pois as


3 pessoas deixariam de acreditar umas nas outras.

• Logo, não devemos mentir.


4

Veja-se que, para Kant, o indivíduo não deve mentir em hipótese


alguma, pois trata-se de um imperativo categórico e, portanto, absoluto. Seu
pensamento está baseado no conceito de dever, abstraindo as consequências
posteriores da ação orientada e praticada segundo esse dever em abstrato.

Problematizando: imaginemos a seguinte situação:


durante a Segunda Guerra Mundial, um dos
funcionários do escritório de Otto Frank (1889-1980),
que ajudaram a ocultar sua família, fosse abordado por
um agente da Gestapo e perguntado se tinha
conhecimento da existência de cidadãos judeus
escondidos. Se seguisse o imperativo categórico absoluto, teria que responder
que sim, e, por consequência, a família de Otto Frank seria descoberta,
deportada e levada para campos de concentração, onde encontrariam a morte.
O que de fato acabou acontecendo (embora não em decorrência da obediência
ao comando "não mentir)). Para conferir a história, consulte:
<http://www.annefrank.org/pt/Anne-Frank/>).

Em sua opinião: mentir nesse caso hipotético, de proteger um fugitivo da


Gestapo, é uma ação moralmente correta? Qual conduta moral a adotar?

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A questão foi discutida por muitos filósofos, contemporâneos e
posteriores a Kant. Uma formulação possível, que deixamos aqui a título de
reflexão, é dada pelo filósofo francês Benjamin Constant (1767-1830) acerca do
"direito de mentir", segundo a qual, dizer a verdade é um dever, inseparável do
direito correspondente. Ou seja: o dever de um ser corresponde a direitos de
outro ser e, onde não há direitos, não há deveres. Assim: "dizer a verdade só é,
portanto, um dever em relação àqueles que têm um direito à verdade. Ora,
nenhum homem tem direito à verdade que prejudica aos outros" (CONSTANT,
2002, p. 7).

Em outras palavras, de acordo com esta formulação, persiste o


dever de não mentir como uma regra geral. Mas esta regra não é absoluta e,
sim, condicionada. Não precisa e não deve ser obedecida, sempre que cumpri-
la signifique prejudicar de forma relevante o direito (ou valor), cujo sacrifício não
seja razoável.

Você concorda com esta formulação? Não concordando, em que


aspecto você acredita que ela esteja falha? De que outras formas se poderia
resolver o dilema moral deste comando moral: "não mentir"?

Você consegue imaginar alguns outros deveres realmente


categóricos, isto é incondicionados, e realmente absolutos, isto é, que não
admitam ponderações?

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1.5 Questão, Dilema e Desacordo Moral

A decisão moral muitas vezes se caracteriza por exigir uma escolha


de ação dentre duas ou mais possíveis. Nenhuma delas inteiramente desejável
sob o ponto de vista moral. A conduta moral, nesses casos, implica refletir e
racionalizar a respeito da escolha menos danosa ou mais benéfica em relação
aos valores morais envolvidos. Para tratar das características especificas dessas
decisões, precisamos distinguir melhor três situações: a questão moral, o conflito
moral e o desacordo moral.

Questão moral: temos uma situação que exige agir em


conformidade com valores e princípios morais e esses valores e princípios
morais são razoavelmente claros, não envolvendo dúvida significativa sobre a
decisão correta a tomar.

Dilema moral: o dilema moral revela uma encruzilhada, onde há


que se escolher entre duas ou mais alternativas, nenhuma delas livre de
problemas éticos. Um exemplo hipotético: a situação do aborto necessário,
aquele realizado para salvar a vida da mãe. Podemos, nesse caso, estar diante
de um conflito moral, o valor vida está em jogo, tanto na hipótese de efetivação
do aborto, quanto para hipótese de continuidade da gestação. Quaisquer das
opções de ação adotadas são moralmente problemáticas, envolvendo
sofrimento e dor em uma situação de perplexidade subjetiva. Note-se que uma
pessoa cujas convicções morais rejeitem absolutamente a possibilidade do

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aborto não estará diante de nenhum conflito, não havendo decisão a ser tomada.
Fato que revela o componente subjetivo do conflito moral.

Desacordo moral: é a situação em que os sujeitos morais não


estão num estado de perplexidade. Há argumentos razoáveis com conclusões
diversas, em posicionamentos irreconciliáveis entre si. Temas como o do aborto,
da eutanásia, do suicídio medicamente assistido, da descriminação de uso de
drogas, do uso de animais em experimentação científica, são temas que
normalmente podem levar a desacordos morais característicos da complexidade
cultural das sociedades pós-modernas (FERRER; ALVAREZ, 2005).

Os dilemas morais estão normalmente associados às situações de


conflito moral subjetivo, embora possa também estar relacionado com a
situações de desacordo moral, na medida em que tais desacordos sempre
poderão ser resultado da mera incapacidade transitória de equacionamento de
um conflito moral.

As teorias éticas surgem da necessidade de encontrar soluções


racionais para os conflitos e desacordos morais. As teorias éticas não
garantem ser sempre possível resolver satisfatoriamente todos os conflitos ou
desacordos morais. Trata-se, antes, de uma busca, no primeiro caso, por
decisões prudentes, no segundo caso, por decisões capazes de promover
conciliação e atender a acordos éticos mínimos.

As teorias éticas são formuladas para responder a necessidade


de seres dotados de inteligência racional de justificar suas convicções e opções
morais. Esta necessidade é autônoma, não dependeria da existência de conflitos
e de desacordos morais, mas é aguçada por estes.

Há sistemas morais que negam a possibilidade de conflitos éticos


objetivos, mas apenas conflitos éticos subjetivos, isto é, aqueles originados na
perplexidade dos indivíduos. Outros reconhecem a possibilidade de conflitos
morais reais, originados da impossibilidade de honrar todos os valores e deveres
morais implícitos em uma situação concreta.

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As convicções e os juízos morais se justificam pelas razões
apresentadas em sua construção. Estas razões, voltadas a cumprir sua função
na ponderação moral e assim distinguir-se do mero fundamentalismo, devem
resistir à crítica racional da opinião diversa. O exercício da conciliação e da
ponderação moral, permite o desenvolvimento moral do indivíduo, dos grupos
sociais e da sociedade como um todo.

Leitura complementar:

Um tema presente no cotidiano dos indivíduos e das famílias é


o do desenvolvimento moral pelo qual passa o ser humano,
desde que nasce e durante os primeiros anos de vida até a sua
formação como indivíduo autônomo e integrado à comunidade
dos seres morais.

O estudo e a revelação, na perspectiva psicológica ou


sociológica, dessa gênese da moral, com suas etapas
autônoma e heterônima, com suas potencialidades e patologias, não são,
obviamente, indiferentes à própria compreensão do que seja o fenômeno moral
e vice-versa. Há três pensadores referenciais na discussão e compreensão do
desenvolvimento moral da criança: J. Piaget (1896-1980), L. Kohlberg (1927-
1987) e Carol Gilligan (1936).

Sobre o tema, sugerimos o artigo: "De Piaget a Gilligan: retrospectiva do


desenvolvimento moral em psicologia: um caminho para o estudo das
virtudes.", de Vanessa Aparecida Alves de Lima. Destacando-se, nesse artigo,
as distinções entre uma "ética da justiça" (em tese, de matriz masculina) e uma
"ética do cuidado" (em tese, de matriz feminina), segundo o aporte dos
pensadores referidos.

O texto está disponível no seguinte endereço:


<http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n3/v24n3a03.pdf>

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UNIDADE II – ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL E
CIDADANIA

2. Ética, Responsabilidade Social e Cidadania

Na Unidade anterior nos ocupamos da moralidade e da éticaem


uma perspectiva, sobretudo, individual. Nesta Unidade vamos nos ocupar das
repercussões da moralidade e da ética, como fenômeno coletivo, sobre a vida
das comunidades, das organizações e do Estado.

Dessa forma, procuraremos entender como a dimensão humana


da conduta ética penetra a estrutura das organizações; quais as relações entre
Ética e Economia e quais as expectativas que podemos manter em relação à
construção de empresas éticas e de um Estado ético.

Veremos as distinções entre Ética Pública e Ética Privada e as


relações das mesmas com o tema da Cidadania e da Responsabilidade Social.
Por fim, abordaremos a gestão pública sob a perspectiva ética.

2.1 Ética como fenômeno coletivo

O pensamento moral e ético centrado no indivíduo tem seu apogeu


com o pensamento de I. Kant (1724-1804). Contemporâneo a Kant, G. W. F.
Hegel (1770-1831) supera este ponto de vista, que denomina moralista, e propõe
o que denomina uma esfera da eticidade ou da vida ética. Em sua Filosofia do
Direito, Hegel indica que a ética, embora pertença ao mundo de valores e
hábitos, pode ser colhida de modo não subjetivo. Ela não é de todo livre para os
indivíduos de uma sociedade histórica, pois eles nascem em tempo e espaço
coletivos definidos, cujos valores se expressam em hábitos comuns a seus
integrantes. O ethos grego é traduzido por Hegel na palavra Gewohnheit (hábito),
que não se exerce apenas na invisível consciência individual, mas numa sede
(Sitz) comum a muitos indivíduos (ROMANO, 2009).

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Hegel
• Em cada momento histórico, a
moral se manifesta, tanto nos
códigos normativos, como nas
culturas e nas instituições sociais.
A Ética está vinculada, portanto, à
História e à Sociedade.

Daí o pensamento ético alemão reconhecer a importância das


instituições históricas e sociais, tais como família, sociedade civil e Estado, pois
são nelas que a liberdade e a vida ética pode se efetivar. Hegel, inclusive,
sobreleva a ideia de Estado, afirmando que "O Estado é a realidade efetiva da
ideia ética" (VALLS, 2008, p. 71). Vejamos em cada uma dessas três dimensões
da vida em coletividade: família, sociedade civil e Estado alguns dos problemas
éticos desafiantes do mundo moderno.

Família: inúmeras questões morais emergem no contexto familiar


e das alterações contemporâneas trazidas às configurações das relações
afetivas que caracterizam e determinam essa dimensão da vida coletiva: são
questões, por exemplo, em torno da liberdade e dos deveres recíprocos de apoio
no relacionamento afetivo familiar; da diversidade das configurações familiares;
da autodeterminação e do enfrentamento de formas de dominação e
subordinação fundadas no gênero, na idade ou no poder econômico; limites do
poder familiar, questões em torno da reprodução assistida, do direito à
informação sobre o patrimônio genético, entre muitas outras questões.

Sociedade civil: compreendendo desde questões morais


clássicas atinentes ao trabalho, à propriedade e às formas de distribuição justa
da riqueza, do ônus e do bônus da colaboração social; passando por questões
em torno a eticidade da atividade econômica e empresarial; das relações de
poder dentro da sociedade civil em suas diferentes manifestações; questões em

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torno do estigma e discriminação contra grupos minoritários, hipossuficientes ou
subalternizados, a que as sociedades estão sujeitas e necessitam enfrentar.

Estado: as ligações entre ética, política e exercício do poder


remontam à antiguidade clássica. No pensamento grego a ética só podia ser
pensada no âmbito da polis e, portanto, do próprio poder político. Essa herança
permanece durante toda a história e impregna a ideia moderna de Estado
Democrático de Direito como um Estado ético, cuja concepção veremos mais
adiante neste módulo.

2.2 Por que faz sentido falar em ética das organizações

Tripé da Sustentabilidade

Há uma tendência de se considerar a racionalidade ética como uma


esfera diversa da racionalidade da atividade econômica ou empresarial, ou
mesmo incompatível com estas, regidas ambas fundamentalmente pela
persecução de ganhos, lucros ou vantagens econômicas e não havendo espaço
para limitações outras a este objetivo, que não o próprio ganho, lucro ou
vantagem.

Outras vezes, admite-se um paralelismo entre ponderações éticas


e econômicas, mas como temas estanques, não comunicantes. Trata-se de uma
visão, entretanto, que não corresponde, como tentaremos evidenciar, nem à

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realidade do que ocorre no mundo real, nem tampouco à postura racional
pressuposta por qualquer ciência, dentre elas, a Ciência Econômica e a Ciência
da Administração. Economia e Ética, como todos os demais campos de
conhecimento estão imbricados, são dependentes um do outro.

Ética e Economia:

Aristóteles (384-322 a C), no início da "Ética à Nicômaco", discorre


sobre os fins da ação humana e associa, aos fins da economia, a riqueza, mas,
quanto a esta, adverte: "Quanto à vida consagrada ao ganho, é uma vida
forçada, e a riqueza não é evidentemente o bem que procuramos: é algo de útil,
nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa." (ARISTÓTELES, 1979,
p. 52).

O Estudo da Economia para Aristóteles não está dissociado do


estudo da Ética e da Filosofia Política, na medida em que o interesse perseguido
no campo econômico nunca se restringe apenas ao ganho pelo ganho, mas ao
que ele pode proporcionar. Ainda em Aristóteles, temos a observação sobre os
efeitos associativos do interesse individual que comandaria os fins da ação
humana: "Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é
mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para as Cidades-Estados"
(ARISTÓTELES, 1979, p. 50).

Amartya Sen (1933) esclarece que há duas questões centrais para


a Economia: 1) ligada a uma questão amplamente ética: "Como devemos
viver?", cujas respostas afetam o campo do comportamento econômico humano
que a Economia, como Ciência, precisa levar em conta; 2) na determinação da
realização social, no sentido proposto por Aristóteles, a avaliação econômica
exige uma avaliação mais abrangente de bem, não restrita à mera questão da
eficiência econômica.

A literatura econômica tradicional, ainda segundo Sen, supõe que


a pessoa, em suas decisões econômicas, maximiza a função utilidade com base
unicamente no autointeresse e propõe que uma Economia mais realista, fundada
no bem-estar, deveria levar em conta que os interesses pessoais vão mais além

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do consumo e dos objetivos individualistas. São esses interesses, mais
abrangentes, que vão, ao final, de fato, orientar suas ações. Em outras palavras,
a racionalização do interesse, pressuposto na teoria econômica, vai mais além
do próprio e exclusivo bem-estar individual. (SEN, 1999)

O pensamento de Sen mostra que o comportamento econômico do


ser humano não pode ser compreendido abstraindo-se os compromissos que
assume como agente ético. Esse comportamento, por sua própria natureza, não
se volta exclusivamente ao autointeresse, como proposto nas teorias
econômicas tradicionais, mas vai além e comporta restrições autoimpostas, com
o objetivo de se conformar às exigências mais amplas da racionalidade em suas
repercussões coletivas.

A teoria de Sen é, ao mesmo tempo, uma constatação: de um fato


da vida econômica, mas se estende também como uma proposta, no sentido de
que o comportamento econômico deve deliberada e ativamente, em benefício da
própria racionalidade e eficiência econômica, ser orientado para interesses mais
amplos, mais além da individualidade, tais como: a promoção da liberdade de
escolha, o desenvolvimento das capacidades, a integração social e a efetivação
de modelos de sustentabilidade social, econômica e ambiental.

Empresas Éticas

As questões éticas penetram as organizações empresariais por


razão bastante simples. As organizações são constituídas por pessoas, seres
humanos, resultam de deliberações e decisões a cargo de pessoas, são

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administradas por pessoas, são mantidas com o trabalho de pessoas e, em
última análise, destinam-se a atender necessidades humanas. De forma que,
embora haja diferentes modos e formas de se reconhecer, privilegiar ou preterir
a presença humana no empreendimento empresarial, ela tampouco pode ser
dele abstraída por completo. Significa dizer, as organizações empresariais não
podem abstrair a presença do humano e, por consequência, o fato da
moralidade, em seu funcionamento.

Em outra vertente de consideração, a "vida" das organizações, de


certa forma e guardadas as proporções, emulam, imitam, reproduzem dinâmicas
identificáveis com a vida do ser humano, entre elas o comportamento moral. Os
elementos da constituição do ser humano, que determinam sua natureza moral,
também se fazem presentes na determinação de uma moralidade empresarial,
incluindo o aspecto "instintivo" de sua sobrevivência. Nas palavras de Elizete
Passos, reproduzindo o pensamento de Laura Nash:

".. a ética das organizações não se caracteriza como valores


abstratos nem alheios aos que vigoram na sociedade; ao contrário,
as pessoas que as constituem, sendo sujeitos históricos e sociais,
levam para elas as mesmas crenças e princípios que aprenderam
enquanto membros da sociedade." (PASSOS, 2013, p. 66)

É possível, assim, identificar a presença de valores organizacionais dentro de


uma empresa, que, percebidos ou não como tais, moldam sua filosofia e modo
de atuar. São os valores que dão identidade à organização, definem sua cultura,
moldam suas decisões. São valores históricos, passíveis, portanto, de alteração,
segundo as circunstâncias históricas e sociais em que se desenvolve.
Entretanto, a explicitação desses valores, em uma perspectiva
fundamentalmente ética, contribuem para o bem-estar organizacional de forma
semelhante ao que ocorre em relação ao bem-estar moral do indivíduo.

Estado Ético

A política diz respeito à ação de uma comunidade e resulta do fato


de que vivemos em sociedade e necessitamos cooperar e unir esforços para a

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consecução de objetivos comuns. O homem é dependente de um fazer coletivo.
A coordenação de esforços é o campo da política. O exercício da política implica
deliberar e fazer escolhas. Deliberação e escolha, como vimos, é também o
objeto da ética. Não haveria política e tampouco a ética, se não houvesse
alternativas postas à escolha humana, se a necessidade férrea ou a casualidade
fossem absolutas.

A política implica a realização de uma atividade inteligente voltada


a um fim, para a conservação ou alteração de um estado de coisas. As
alternativas manejadas na política não são neutras em relação aos valores
morais. Na verdade, a atuação política envolve, precipuamente, a ponderação
de valores, de justiça, solidariedade, prudência, etc.

A política, como a ética, pressupõe um processo interpessoal.


Este processo pode envolver etapas introspectivas, mas sua vocação é
interpessoalidade e a projeção para além do indivíduo. Ela envolve uma ação
comunitária, cujo ambiente é a vida pública, onde se viabilizam a discussão e os
acordos que permitem a união necessária entre os membros de uma sociedade.

A política, por ser uma ação comunitária, precisa de um ambiente


para viabilizar os acordos e a união de seus membros: a vida pública. Ambiente
que é caracterizado pelos acordos, regras e virtudes que garantem a
solidariedade, o respeito mútuo aos modos de resolução dos conflitos sociais.

A efetivação do convívio se realiza através das instituições


políticas, que são os modos, as estruturas, com as quais uma sociedade se
organiza e organiza a autoridade pública, bem como os instrumentos para o seu
manejo. O Estado Ético é aquele em que a autoridade e o poder estão fundados
na moralidade pública, que abordaremos no próximo módulo.

2.3 Diversidade moral e Moralidade Pública

Osmir Antonio Globekner


(Operários, Tarsila do Amaral, 1933, acervo do Palácio Boa Vista)

Do frisado até este momento temos que a moralidade envolve


algum grau de liberdade e alguma medida de consentimento. Em relação à
liberdade, a decisão moral pressupõe a liberdade de escolha, pressupõe que o
agente moral possa agir de diferentes formas e que, ao escolher determinada
forma, esteja agindo em conformidade com seus compromissos morais.

Em relação ao consentimento, a moralidade é um fenômeno


social: indivíduos de um grupo estão em um espaço em que podem criar normas
morais, que valem na medida em que seus participantes asseguram o respeito
mútuo a tais normas e comportam-se majoritariamente de acordo com as
mesmas. O indivíduo, ao ser impelido a assumir decisões morais, vai
fortalecendo ou reformando as máximas que compartilha e, nesse processo, os
sujeitos se confirmam, uns para os outros, como agentes morais desse grupo.

Nas sociedades contemporâneas temos o fenômeno da


diversidade moral. Isto é, a coexistência, em uma mesma sociedade, de grupos
com distintas moralidades. O indivíduo nessas sociedades pode entrar e sair
desses sistemas; ao participar de determinado grupo, aceita as normas morais
do mesmo. São exemplos de sistemas éticos: os sistemas erigidos através de

Osmir Antonio Globekner


códigos de conduta profissionais, esportivos, associativos, etc. Os indivíduos,
em última análise, escolhem aderir aos mesmos, neles permanecer, ou deles se
retirar. Nesse sentido, estamos no campo da liberdade e do consentimento e,
portanto, da moralidade privada.

A convivência de distintos sistemas morais em uma mesma


sociedade pluralista pressupõe algum nível de moralidade comum, que permita
acordos morais mínimos, viabilizadores dessa convivência.

Para atender o pressuposto de liberdade, consentimento e


responsabilidade do mundo moral, uma regra mínima dessa moralidade comum
seria, precisamente, o respeito à diversidade. A diversidade moral permite,
nessas sociedades, a indispensável manutenção do campo de escolhas livres
do agente moral. Por outro lado, a diversidade implica reconhecer a
unilateralidade dos juízos morais, ou seja, o juízo moral só é válido no campo do
sistema ético no qual goza de reconhecimento.

José Arthur Gianotti (1930) coloca a questão da convivência de


distintas moralidades nos seguintes termos:

Numa época em que se confrontam várias formas de moralidade,


a virtude não pode ser enclausurada num conteúdo qualquer,
sendo ela sobretudo uma forma de julgar, isto é, de aceitar a
finitude e a unilateralidade de todos os juízos morais. A virtude

Osmir Antonio Globekner


contemporânea chama-se, pois, tolerância. (GIANOTTI, 2007, p.
344)

Dois comportamentos que Gianotti considera oposto a essa virtude


são: o do intolerante, que imagina ser o proprietário do único critério moral para
todas as formas de moralidade, e o do rigorista, que pratica a sua moral
mecânica e automáticamente, sem se dar conta da unilateralidade de seu ponto
de vista. O primeiro perde a alteridade e universalidade, o segundo perde a
liberdade e autonomia que caracterizam o mundo moral. Ambos perdem a
oportunidade de desenvolver um sistema moral que dialogue com os demais,
conferindo, assim, aos sistemas morais que propugnam, a robustez que o
diálogo propicia.

Ainda para Gianotti, a moralidade pública é a esfera de que todos


os seres humanos participam, inclusive porque cada sistema moral precisa ser
confrontado por outros. Há necessidade de que todos os seres humanos sejam
incluídos no âmbito dessa moralidade, estabelecendo direitos e regras de
convivência que permitam que os homens sejam morais, isto é, que exercitem,
com liberdade e autonomia, a moralidade que compartilham.

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Uma moralidade pública abrangente de todos os seres humanos,
por ser cosmopolita, possui como um de seus parâmetros os Direitos Humanos,
que estipulam as condições mínimas de exercício dessa moralidade. Para dar
um exemplo extremo: admitamos que exista um "código" moral do transgressor
desses Direitos, o código do estuprador, do torturador, do terrorista ou do
genocida. Uma moralidade inspirada nesses códigos torna-se repreensível do
ponto de vista da moralidade pública, por ser intolerante e violar os Direitos
Humanos, inviabilizando a convivência pacífica dos diferentes sistemas morais
e éticos.

É importante aclarar que o sentido da moralidade pública,


conforme abordada neste tópico, não se confunde com a expressão
"moralidade pública" referida unicamente ao Estado e ao exercício do poder
político, que estudaremos mais adiante. O primeiro sentido abrange o segundo,
porém não está restrito a ele, é mais amplo, pois tem a pretensão de
universalidade e cosmopolitismo, isto é, vai mais além do mero exercício do
poder político e mais além do âmbito do governo nacional.

A Ética Pública e a Ética Privada

Em sentido análogo à distinção entre moralidade pública e


moralidades privadas, José Renato Nalini (1945), citando Gregório Peces-Barba
(1938-2012), distingue uma Ética Pública de uma Ética Privada e coloca esta
distinção nos seguintes termos: a Ética Privada é "uma ética de conteúdos e de
condutas que assinala critérios de salvação, virtude, o bem ou a felicidade, quer
dizer, orienta nossos planos de vida" (NALINI, 2014, p. 363). Já a Ética Pública:

... é uma ética procedimental que não assinala critérios, nem


estabelece condutas obrigatórias, para alcançar a salvação, o bem,
a virtude ou a felicidade, nem fixa qual deve ser nosso plano de
vida último. Marca critérios, guias e orientações para organizar a
vida social, de tal maneira que situe a cada um para atuar
livremente nessa dimensão última de escolher nosso caminho,
nosso plano de vida para alcançar o bem, a virtude, a felicidade ou

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a salvação, quer dizer, para eleger livremente nossa ética privada.
(NALINI, 2014, p. 363)

Ainda da lição de Peces-Barba, citado por Nalini, três condições


tornam possível a compatibilidade entre Ética Pública e Ética Privada: 1) o
que deve ser oferecido à cidadania é um contexto pluralista, dentro da lealdade
democrática e não a imposição de um projeto solitário de Ética Privada; 2) a
opção ética do cidadão não pode ser fruto de contingências, imposições, temores
ou da falta de alternativas, cada ser humano, dono de sua vontade e com
discernimento livre e esclarecido, deve responder por sua conduta ética
individual; 3) deve ser possível a construção de plano de vida distinto e próprio,
sempre que seja universalizável como uma oferta aos demais e desde que não
obstaculize os demais planos ofertados.

Em síntese: a Ética Pública, embora se comunique com as Éticas


Privadas, não pode se confundir com elas. A Ética Pública supõe um esforço
de racionalização da vida política e jurídica para a humanização de todos. Deve
ser, ao lado das Ciências Política, Econômica e Social, um instrumento voltado
ao desenvolvimento integral do ser humano, do qual o desenvolvimento moral
constitui parte fundamental.

2.4 Responsabilidade Social e Cidadania

Responsabilidade Social

Recentemente a sociedade civil viu crescer a ênfase dada à


responsabilidade social das empresas e dos entes privados, em face de
uma série de fatos históricos, que passam, inclusive, pelas dificuldades
encontradas pelo Estado do Bem Estar Social em dar conta, sozinho, das
crescentes tarefas incumbidas ao Estado, mas, em outra grande parte, porque a
responsabilidade social se impõe como uma questão ética que "pressupõe uma
atuação eficaz da empresa com todos aqueles que são afetados por sua
atividade, sejam diretas sejam indiretas" (MOYSÉS apud PASSOS, 2013, p. 164)

Osmir Antonio Globekner


A responsabilidade social da empresa decorre, portanto, da
necessária postura ética requerida pelas interações que forçosamente mantém
com funcionários, fornecedores, clientes, acionistas, governo, concorrentes,
meio ambiente e comunidade. A responsabilidade social de uma empresa
significa, nesse sentido, o comprometimento da empresa com seu público
interno e externo e com a sociedade, ultrapassando a ideia da sua função
puramente econômica, voltada à obtenção do lucro e desvinculada de valores
sociais.

A responsabilidade social da empresa, inicialmente, destina-se a


mitigar os efeitos maléficos da competição econômica, mas ultrapassando esse
caráter inicial e mais restrito, contempla a necessidade mesmo de justificação da
existência da própria empresa em seu contexto social e como corresponsável de
processos sociais, não meramente como agente de exploração das atividades
econômicas, como se estas fossem desvinculadas das mudanças sociais que
provocam:

... no estágio empresa-cidadã, a empresa passa a agir na


transformação do ambiente social, sem se ater apenas aos
resultados financeiros do balanço econômico; busca avaliar a sua
contribuição à sociedade e se posiciona de forma pró-ativa nas
suas contribuições com os problemas sociais. (MOYSÉS apud
PASSOS, 2013, p. 166)

Neste sentido mais amplo, a responsabilidade social abrange,


reciprocamente, não apenas empresas e entes privados, mas toda a sociedade,
grupos sociais e organizações dos mais variados matizes, bem como dos
sujeitos que nelas atuam. O setor público não é exceção e, crescentemente,
entes e órgãos públicos vêm se debruçando sobre a questão da
responsabilidade social de suas atividades, em uma preocupação que vai mais
além daquelas referidas a sua atividade fim.

A responsabilidade social é, portanto, a assunção pelas


organizações de uma parcela das responsabilidades de todos diante da

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sociedade. Esta responsabilidade pode concretizar-se, por exemplo, por meio de
parcerias com outros entes da sociedade civil, com o fim de assegurar e
promover o bem da coletividade nas mais distintas áreas, tais como: educação,
saúde, assistência social, preservação ambiental, histórica e cultural, entre
outras.

(Oito jeitos de mudar o mundo. Objetivos do Milênio - Organização das Nações Unidas, 2000)

Cidadania

Adela Cortina (1947) explica que o conceito pleno de cidadania


envolve três elementos: um status legal, correspondendo a conjunto de direitos;
um status moral, correspondente à um conjunto de responsabilidades; e uma
identidade, que dá ao cidadão o sentimento de pertencimento a uma
determinada sociedade. De acordo com essa concepção, a cidadania possui
elementos civis, políticos e sociais (CORTINA, 2010).

No que se refere ao elemento político, a cidadania nas Cidades-


Estados gregas consistiam-se em um status dado pelo privilégio hierárquico,
hereditário e natural. Com o advento do constitucionalismo moderno,
concomitante com as ideias republicanas e a revalorização das ideias
democráticas no Século XVIII, ganha protagonismo uma ordem jurídica que
engloba toda a comunidade: o ESTADO, que estabelece direitos e deveres

Osmir Antonio Globekner


iguais para cada membro da comunidade. Esse conjunto de direitos e deveres é
o que denominamos CIDADANIA.

Em uma concepção mais ampla, o cidadão não é apenas aquele


que detém o direito de votar e ser votado, mas sobretudo é o cidadão
participante, que se organiza na defesa de interesses comuns, adquirindo o
direito de se fazer ouvido, de participar, com voz e voto, ativamente, das
decisões de governo e da vida do Estado. Com esse objetivo, deve receber do
Estado uma série de garantias legais (direitos) que o protegem em sua
integridade física e moral, nessa busca pela participação cidadã. Em
contrapartida, a Sociedade espera dele, cidadão, o cumprimento de um conjunto
de obrigações legais (os deveres) em face dele mesmo, do Estado, e, em
síntese, da própria sociedade, que o Estado corporifica.

É necessário frisar que condição de cidadão e a reciprocidade de


direitos e deveres que ela significa sempre foi, na perspectiva histórica, uma
conquista, resultado do enfrentamento das desigualdade e, por consequência,
de luta e de conquistas sociais. Emerge dessa contingência histórica o fato de
que uma cidadania ativa exige consciência cidadã e exercício ativo da cidadania,
na busca de sua realização. Ao Estado cabe, permanentemente, a obrigação de
proteger e promover os direitos de cidadania conquistados.

O movimento expansivo dos Direitos Humanos, concomitante com


a expansão dos direitos e deveres de cidadania, ensejam sempre a oportunidade
de novos passos nessa conquista. Um Estado democrático, fundado no Direito
e que pretenda uma estabilidade duradoura, vai estar atento a realidade da
progressividade da construção da cidadania e buscará instituir e aperfeiçoar os
mecanismos de sua promoção, bem como do equacionamento dos conflitos dela
decorrentes.

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Trata-se de um desafio, para a sociedade complexa pós industrial
em que vivemos, reconhecer e criar as condições de identidade dentro da
pluralidade de seus cidadãos, de forma que se reconheçam e se façam sentir
pertencentes à mesma. Importa, nesse sentido, o reconhecimento de um
conjunto de direitos referidos ao reconhecimento, respeito e defesa das
identidades individuais, como as de gênero e de diversidade sexual, e das
identidades coletivas, socioculturais, étnicas, políticas ou culturais. Esse projeto
exige uma cidadania complexa, pluralista e intercultural que integre seus
membros com vista à convivência pacífica e harmoniosa.

Não se trata, obviamente, de um projeto isento de dificuldades. Há


desafios persistentes, como os oferecidos pelo individualismo hedonista, que a
sociedade de consumo parece estimular; ou pela dificuldade do Estado Nacional
lidar com o pluralismo étnico, moral e jurídico, exigido pela interculturalidade; a
par de outros desafios da convivência social.

2.5 Estado, Cidadania e Ministério Público

A Ética Pública tem o papel de oferecer uma ética comum, dentro


da pluralidade moral que caracteriza as sociedades complexas. A gestão dessa
ética comum ou moralidade pública, no contexto da modernidade, coube ao
Estado. O mundo social é caracterizado por uma pluralidade de esferas éticas e,

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ao Estado, cabe o papel de administrar a convivência dessas esferas e mantê-
las dentro de limites éticos comuns.

O Estado deveria delimitar o âmbito dos grupos particulares, mas,


não raro, grupos que empolgam o poder no Estado tendem a ultrapassar os
limites da convivência ética e tentam impor sua visão particular do bom e do
correto sobre os demais grupos. O Estado ou grupos que empolguem o poder
do Estado podem tentar impor normas éticas particulares como doutrinas
oficiais.

Nesse conflito permanente, o desafio é harmonizar os


pressupostos do Estado e dos movimentos de massa com os direitos dos
indivíduos e minorias. O Estado Democrático de Direito deve garantir a harmonia
entre indivíduos e grupos e seus sistemas morais e éticos parciais, em benefício
da liberdade e consentimento que deve presidir escolhas morais e éticas. Os
limites éticos só podem ser definidos no âmbito do Estado Democrático de
Direito.

Um importante papel na obtenção do equilíbrio ético dentro do


Estado é dado pelo sistema de divisão e especialização das funções do Estado
em função legislativa, executiva e judicial. O judiciário tem importante papel no
balanceamento da democracia, com formação de sua vontade baseada em

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maiorias, ao exercitar seu papel contramajoritário visando garantir os Direitos
Humanos das minorias.

O Ministério Público, também possui papel relevante nesse


equilíbrio, ao posicionar-se como fiscal da aplicação imparcial da lei, contribuindo
para a imparcialidade das posições adotadas pelos demais poderes. O sistema
de pesos e contrapesos (check and balances) permite a limitação do poder e a
garantia da legitimidade recíproca entre os poderes. Essa função de
imparcialidade pressupõe a percepção da diversidade ética que caracteriza a
sociedade e pressupõe o respeito e a garantia ao direito à diversidade axiológica.

Os interesses que o Ministério Público é chamado a tutelar não é


um conjunto monolítico e corresponde a uma pluralidade de costumes e valores
éticos parciais. Em contrapartida, há aqueles valores mais gerais que definem a
sociedade em seu caráter amplo, destinados, sobretudo, a garantir a referida
pluralidade, que a ordem democrática precisa preservar. Nas palavras de
Roberto Romano:

Ele [Ministério Público] deve conhecer e respeitar o pluralismo ético


que impera numa sociedade democrática, para assegurar a mais
límpida e inquestionável passagem das éticas das esferas menores
para as normas do Estado e vice versa. Se determinado grupo
social segue regras éticas nocivas ao coletivo maior e viola a
Constituição [ou os Direitos Humanos], só um Ministério Público
isento possui autoridade legítima para acusá-lo publicamente
(ROMANO, 2009).

Em outras palavras, o Ministério Público nas suas relações com o


Estado e com a sociedade que tutela, não é o portador da Ética cuja função é
tutelar, da mesma forma que, em regra, não é o titular dos direitos que defende
em juízo, o fazendo em nome dos representados, titulares do interesse público,
difuso ou coletivo por ele tutelado.

Quanto mais precisa a atuação do Ministério Público em relação à


distinção entre éticas parciais, éticas próprias e a Ética que preside a moralidade

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pública, mais eficaz será a atuação ministerial no resgate da moralidade e da
cidadania que a acompanha.

A evolução do Ministério Público brasileiro, divergindo em certa


medida de órgãos congêneres em outros países, o levou, do perfil de órgão
acusatório no processo penal e da função de parecerista no processo civil, para
o papel de protagonismo na promoção de interesses públicos dos direitos
difusos e coletivos qualificados da sociedade.

Esse processo tem antecedentes com o papel reservado ao


Ministério Público em Leis como a da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº
6.938/1981), da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985). Vai cristalizar-se de forma
definitiva com a promulgação da Constituição de 1988 e tem continuidade com
a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8.069/1990), Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), Lei da Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/1992), e toda uma série de leis de proteção dos interesses difusos
e coletivos da sociedade.

A Constituição de 1988 definiu o Ministério Público como


“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-
lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis” (art. 127, caput). Esse papel coincide com o destaque
dado na Constituição à "novos Direitos" de natureza transindividual, entre eles,
o direito à saúde, à educação, à proteção do patrimônio público, à defesa dos
direitos dos trabalhadores, dos índios , das crianças, do meio ambiente, etc.
todos também relacionados com o exercício de uma cidadania ativa.

A relevância deste novo perfil do Ministério Público possui ainda


um outro destaque a ser ressaltado que é a atuação extrajudicial do Órgão. Já a
Lei da Ação Civil Pública previa a possibilidade de instauração de inquéritos civis
e requisitar informações, exames e perícias, visando instruir as iniciais das ações
civis. A Lei Complementar nº 75/1993 previu a possibilidade de expedição de
recomendações. O Código de Defesa do Consumidor introduziu na Lei da Ação
Civil Pública a possibilidade de celebração de termos de ajustamento de

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conduta. São todos instrumentos que põem em relevo a atribuição transacional
do órgão.

Essa mesma lógica, em certa medida, foi transposta também à


seara criminal, em sua origem com característica exclusivamente persecutória,
que passou a incorporar crescentes poderes transacionais, como os trazidos
pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/1995), ou o acolhimento
da delação premiada pelo sistema penal (§ 4º do art. 159 do Código Penal; arts.
13 e 14 da Lei nº 9.807/1999), para citar alguns exemplos.

O papel de interlocução e de composição extraprocessual na tutela


do interesse público e dos interesses difusos e coletivos foi sendo reforçada nas
funções do Ministério Público, que assim, coloca-se em uma posição dialógica
com o indivíduo e com a sociedade, que é também um dos pressupostos
indeclináveis para o exercício da ética, da responsabilidade social e da
cidadania.

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2.6 A Gestão Pública na perspectiva ética

Veremos neste curso algumas aproximações, na


perspectiva Ética, entre a Gestão Empresarial e a
Gestão Pública, neste tópico gostaríamos de
aprofundar, entretanto, os distanciamentos que
tornam a gestão pública algo diverso da gestão
empresarial, muito especialmente sob a ótica das
demandas da Ética Pública, da Responsabilidade Social e da Cidadania.

Para fazer isso mencionaremos brevemente três modelos de


Gestão Pública: a Gestão Burocrática, a Nova Gestão Pública e o Novo Serviço
Público, conforme exposto por Marcello Beckert Zapelini (ZAPELINI, 2013), com
o objetivo de nos fixarmos nas propostas do terceiro modelo.

O modelo burocrático, com origem nas formulações de Max Weber


(1864-1920), parte da noção de autoridade racional-legal, baseando-se na
existência de normas legais, na personificação da autoridade em um cargo, na
hierarquia como princípio de organização, nas regras técnicas e normas que
regulam o exercício do cargo. O cargo é a única ou principal ocupação do
funcionário, existindo uma estrutura de carreira, fundada no cargo, que prioriza
a disciplina e o controle rigoroso e sistemático do desempenho funcional, dando
à gestão pública características bastante diversas da gestão empresarial.

Esse modelo é contestado nos anos 80 e 90, na Inglaterra e


Estados Unidos, por um modelo denominado Nova Gestão Pública (New Public
Management), que pretendeu aproximar a gestão pública da gestão empresarial
privada. Nesse modelo, o cidadão, não é um mero administrado, mas passa a
ser considerado um cliente ou consumidor, cujos direitos devem ser
reconhecidos. Alguns modelos orientados nessa concepção possuem como
princípios a eficiência financeiro-administrativa, a ênfase na prestação de
serviços e a orientação ao cliente; o mercado como instrumento de alocação de
recursos, o funcionamento através de gestão por contratos, a redução do

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tamanho e de pessoal (downsizing), entre outros. O modelo prosperou e
continua sendo discutido. A ideia da Nova Gestão Pública, parece funcionar bem
em relação a serviços públicos que possam ser precificados ou regidos pelo
mercado, mas dificilmente funcionam adequadamente para serviços que
correspondem aos direitos básicos de cidadania.

O terceiro modelo, denominado Novo Serviço Público, visa oferecer


uma alternativa, tanto ao modelo burocrático, quanto ao modelo da Nova Gestão
Pública. Ele deriva da preocupação de que a Administração Pública dê conta de
promover os valores de cidadania, recuperando o engajamento e participação
da população na definição e prestação de serviços públicos, como valores
essenciais para a produção do bem-estar social. O que o modelo propõe é
essencialmente servir os cidadãos na busca do bem comum. Robert e Janet
Denhardt (DENHARDT apud ZAPELINI, 2013), apresentam sete características
principais de uma Gestão Pública baseada nesse modelo:

a) deve servir cidadãos e não consumidores: o interesse público é o


objetivo principal do serviço público e deve estar associado aos valores
de confiança e relacionamento entre cidadãos, não simplesmente a
satisfação de demandas de consumo;

b) a busca do interesse público é fundamental: administradores


públicos devem auxiliar a sociedade na busca de um interesse público
formado por interesses individuais compartilhados e responsabilidades
divididas entre todos, em uma visão comum e compartilhada desse
interesse;

c) valorização da cidadania em vez do empreendedorismo:


administradores públicos precisam realizar contribuições significativas
para a sociedade, não se restringindo à gestão de dinheiros e recursos
públicos como se fossem seus;

d) pensar estrategicamente e agir democraticamente: os processos de


construção do bem público devem ser colaborativos e coletivos;

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e) valorização das pessoas em vez da produtividade: as organizações
públicas devem construir processos de produção do bem público em que
a colaboração, a liderança compartilhada e o respeito por todos estejam
em primeiro lugar.

O modelo de Denhardt também prevê que a prestação de contas


(accoundability) deve dizer respeito não apenas aos imperativos do mercado,
mas também às questões legais, valores comunitários, normas políticas,
interesses de cidadãos e padrões profissionais, sendo, portanto, complexa.

O modelo do Novo Serviço Público também propõe servir em vez


de navegar. Essa característica diz respeito a uma oposição à formulação
específica do modelo da Nova Gestão Pública , que afirmava que o governo
devia navegar, em vez de remar, ser menor porém mais forte, separando as
decisões públicas de sua execução, que deveria pertencer à comunidade, dando
responsabilidade ao cidadão, isto é, transferindo as responsabilidades pelos
serviços, da burocracia, para a comunidade. O modelo do Novo Serviço Público,

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ao contrário, impõe ao serviço público a necessidade e dever de ajudar os
cidadãos a articular e atingir seus interesses compartilhados, em vez de
meramente lhes oferecer ou impor direcionamentos.

A abordagem dos modelos de Gestão Pública é complexo, bem


mais amplo do que o aqui exposto e envolve muitas outras variáveis. A
exposição, aqui realizada de forma resumida, tem o objetivo de estimular a
reflexão sobre as repercussões éticas que ensejam.

Sistematizando um pouco essas relações, transcrevemos abaixo o


quadro apresentado por Zapelini (ZAPELINI, 2013), que relaciona os três
modelos normativos de gestão pública mencionados às teorias éticas em função
do valor central que enfatizam:

Modelo Valor central Teoria ética

Burocracia Obediência às normas Kant

Nova Gestão Pública Resultados Utilitarismo

Novo Serviço Público Participação cidadã Kant e Habermas

Com a exposição da argumentação acima, procuramos


exemplificar as formas pelas quais as questões em torno
das teorias éticas penetram as questões em torno das
teorias administrativas da gestão, o que sugere que
aquelas não devem ser omitidas ou negligenciadas em
relação a estas e vice-versa.

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Atividade Complementar:

Sugerimos os vídeos:

1) Sobre o que é Responsabilidade Social:

<https://www.youtube.com/watch?v=yal_8JTxwK4> e

< https://www.youtube.com/watch?v=PT0dT33D7XQ>

2) Sobre como trabalhar a diversidade nas organizações:

<https://www.youtube.com/watch?v=PcMnxvb0ulY&t=3s>

Leitura complementar:

1) Para um estudo mais completo sobre o tema da diversidade,


abordando a tolerância, a reciprocidade e o civismo como
princípios de uma concepção inclusiva de razão pública,
sugerimos o texto A educação intercultural e a abertura à
diversidade religiosa, de Micheline Milot, disponível no
endereço:

<https://editora.unoesc.edu.br/index.php/visaoglobal/article/view/3430>

2) Para um estudo mais completo sobre o tema Responsabilidade Social das


Organizações e sua vinculação com a Cidadania, sugerimos o livro
Responsabilidade Social e Cidadania: conceitos e ferramentas, editado pelo
Sistema CNI/SESI e disponível no endereço:

<http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_24/2012/07/06/117/201
21101170545850629u.pdf>.

3) Para compreender melhor a ordem de valores e objetivos que não se


coadunam com a alocação pelo mercado, sugere-se, como leitura
complementar, o capítulo Como o mercado descarta a moral, do livro O que o
dinheiro não compra, de Michael Sandel.

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UNIDADE III – ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3. Ética na Administração Pública

Trataremos neste Módulo da Ética da Administração Pública ou,


mais abrangentemente, da Ética do Setor Público, com algumas questões a ela
relacionada, tais como: os vícios do patrimonialismo e do clientelismo; a ética
republicana e democrática; a obrigação de prestar contas (accountability).

Abordaremos também o papel do Ministério Público como órgão de


Estado, com seu papel na promoção da moralidade pública e da cidadania, a
relação desse papel com a sua atividade de persecução da corrupção e dos
crimes contra a Administração Pública.

Ao final, analisaremos a questão da fraude e da corrupção nas


organizações, na perspectiva de sua prevenção através dos princípios éticos e
das boas práticas de gestão.

3.1 Ética do Setor Público


Trataremos aqui da Ética Pública em seu sentido mais estrito, de
regras morais referida ao ente político administrativo. Aqui também são
oberváveis algumas variações terminológicas sobre a ética no setor público.
Ora falamos de ética pública, ora de ética para o setor público, ética para o
serviço público, ou ética na administração pública. Cada uma dessas
expressões acentua um aspecto ou outro do campo ético correspondente. Não
são, portanto, expressões intercambiáveis, mas possuem pontos de contato.

Convém, de toda forma, assinalar dois pontos; 1) nem todo serviço


público é prestado pelo setor público, uma vez que entes do setor privado
participam e muitas vezes assumem integralmente a prestação de serviços
públicos e de serviços de relevância pública, sujeitando-se, portanto, ao regime,
jurídico e ético, dos serviços de natureza pública; 2) o imperativo da
responsabilidade social dos entes privados e empresariais, especialmente nas
sociedades liberais contemporâneas, tem aproximado setores privado e público,

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com assimilação de lógicas de um setor em outro, decorrendo também uma
aproximação no campo ético, onde princípios, antes exclusivos de um setor,
passam a ter relevância também para o outro, rompendo ou atenuando a
dicotomia clássica.

Assim, não é natureza da pessoa física ou jurídica, nem mesmo a


natureza do serviço que diferencia a Ética do Setor Público da Ética do Setor
Privado e sim a natureza das questões morais sobre as quais a Ética se debruça.

Ainda uma última distinção, não se deve confundir a Ética no setor


público com as éticas particulares de grupos políticos, que, ainda que
persigam objetivos relacionados com a ética pública, o fazem segundo
concepções próprias de sociedade e de justiça social. Assim, podemos falar
de ética socialista, ética liberal, ética democrata-cristã, etc., porém, sem
confundi-las com uma Ética do setor público. Esta pode se relacionar, dentro
do espaço de convivência democrático, com aquelas distintas concepções, sem
contudo com elas se confundir.

Há alguns temas relacionados com a Ética do Setor Público, como


a questão do patrimonialismo, da prestação de contas e a ética do agente
público, que abordaremos nos tópicos seguintes.

3.2 Patrimonialismo e Clientelismo

Analisemos inicialmente dois vícios encontrados no setor público e


que obstaculizam a realização da Ética na Política e na Administração Pública.
Trata-se do patrimonialismo e o clientelismo, práticas que se constituem em
óbices à atuação ética no Setor Público.

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Um dos contrastes entre o regime republicano e os regimes
monárquicos absolutistas que o antecedem historicamente, à parte da
alternância no exercício do poder, é a oposição ao fenômeno que Max Weber
(1864-1920) denominou “patrimonialismo", significando a indistinção entre o
que pertence ao soberano e seus auxiliares e o que pertence à comunidade. Em
outras palavras: a ausência de uma demarcação clara entre o patrimônio público
e o patrimônio privado.

O fenômeno do patrimonialismo não desaparece, por óbvio, com


o declínio dos regimes monárquicos absolutistas, nos quais a indistinção fazia
parte da própria concepção do regime. Nas Repúblicas modernas o
patrimonialismo persiste, como patologia, através de formas mais sutis de
dominação, sempre que o cargo político é utilizado para instrumentalizar e
direcionar o aparato do Estado para a satisfação de interesses privados do
ocupante desse cargo ou de grupo que o apóia.

O clientelismo possui muitas definições, mas a síntese da ideia


está relacionada com a prática política de troca de favores que normalmente
envolvem um componente eleitoral, o carreamento de votos, como elemento da
barganha.

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O funcionamento do clientelismo se traduz em um tipo de relação
entre atores políticos, envolvendo, de um lado, a concessão de benefícios
públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, etc. e, de outro
lado, a oferta de apoio político, sobretudo na forma de condução de votos ao
interessado (CARVALHO, 1997).

Uma das distorções morais óbvias dessa prática se traduz na


utilização do cargo e do patrimônio público para a obtenção de benefícios
pessoais. A prática clientelista, ademais, retira a liberdade do eleitor, pretenso
beneficiário das vantagens oferecidas em troca de seu voto, já que tal prática
visa criar uma dependência do mesmo, aprisionando-o ao esquema clientelista.
Isto é: o voto, em vez de expressar a consciência e a escolha livre, passa a ter
"dono".

Ética Republicana e Democrática

A ideia de República busca consagrar a separação entre a esfera


pública e a esfera privada e o poder político passa a ser definitivamente um
assunto da esfera pública. Práticas escusas que busquem confundir o espaço
público e espaço privado, em proveito pessoal, são objeto de questionamento
moral e jurídico da própria legitimidade do regime.

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A Democracia é a orientação política que busca reconhecer um
acesso amplo do povo, em todos os seus extratos, às decisões políticas. Esse
reconhecimento implica um mínimo de direitos de liberdade e igualdade, tais
como: expressar-se livre e igualitariamente; votar e ser votado; defender livre e
igualitariamente seus interesses e opiniões (liberdade de expressão); associar-
se para defender e promover interesses comuns; exercer a fiscalização dos
poderes constituídos, participar livre, direta e igualitariamente da formação da
decisão política, pelos diferentes instrumentos de participação popular.

A implantação dos modelos republicano e democrático


repelem, portanto, as práticas patrimonialistas e clientelistas, uma vez que
buscam realizar uma alteração significativa no modo de se perceber e interpretar
a esfera pública e o exercício do poder político, com reflexo nas percepções
morais do justo e do correto.

A Ética Pública, sendo republicana e democrática, deve,


portanto, ser exigente em relação ao trato do patrimônio e do interesse público
e coletivo, fazendo sua clara distinção do patrimônio e do interesse privado e
particular.

3.3 Administração Pública e Accountability

As autoridades públicas nas democracias modernas titularizam


cargos que derivam do consentimento explícito de sua comunidade. São
características desses cargos: mandatos eletivos com prazos fixos, “devolvidos”
aos eleitores periodicamente, como instrumentos para dar consequência à
vontade de seus eleitores, segundo um critério majoritário de decisão, com base
num programa ou declaração de intenções que deve ser posta em prática
durante o mandato. Essas autoridades devem responder por seus atos aos
eleitores, na medida em que o exercício do cargo corresponde a uma expectativa
aprovada em sufrágio.

Em outras palavras, a ocupação de um cargo público gera um


compromisso da prestação pública de contas (no inglês, accountability), que

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envolve um amplo conjunto de formas de controle do exercício dos cargos pela
comunidade. A accountability implica a noção do direito do cidadão de
conhecer o desempenho de seus governantes e a correlata obrigação destes de
prestar contas sobre as suas ações, explicitando a formulação, discussão e
implementação das políticas públicas e demonstrando como os recursos
públicos estão sendo nelas empregados.

Em relação ao cargo eletivo, a própria periodicidade das eleições


constitui um mecanismo elementar de prestação de contas. Mas e quanto aos
cargos públicos não sujeitos à eleição? Eles também permitem ou exigem
prestação de contas? Veremos que sim.

Todo cargo público envolve certas expectativas a respeito dos


objetivos que o agente nele investido é capaz de realizar em prol da
comunidade. Qualquer cargo, de qualquer natureza, visa ao atendimento de
uma necessidade comunitária e é a própria comunidade que detém, em última
análise, o poder e a capacidade para controlar em que medida esse objetivo está
sendo satisfeito.

Todo cargo público requer um considerável investimento da


comunidade, entre outros: pagamento de salários, treinamento, aperfeiçoamento

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e recursos adicionais no ambiente do trabalho para o bom exercício da função.
É natural, portanto, que se exija que esse investimento retorne à sociedade na
forma de serviços adequados.

Mas há uma razão adicional para a prestação de contas e que está


relacionada a dois conceitos abordados no Módulo 1 deste curso, a deliberação
e a escolha. Como uma agência ética-política especial, o serviço público se
coloca frequentemente perante alternativas complexas e, muitas vezes,
dramáticas. Por mais consequentes e honestas que sejam as deliberações dos
servidores públicos, as escolhas resultantes raramente escapam a
controvérsias.

Diversos fatores tencionam o cenário da tomada de decisões


administrativas, entre eles: a urgência do serviço, requerendo respostas ágeis;
as alternativas postas podem envolver valores igualmente nobres, mas apenas
um deles ter chance de ser promovido (situação típica dos chamados “dilemas
morais”); objetivos de longo prazo podem, frequentemente, ter que dar lugar a
necessidades de curto prazo, etc.

Seria muito inconveniente se o detentor de um cargo público,


consciente da complexidade e das incertezas em torno do exercício das funções
públicas, se fechasse ao exame crítico da opinião pública. Tal atitude
significaria, ao mesmo tempo, a desconsideração do papel de fiscalização e
colaboração da comunidade e um prejuízo ao aperfeiçoamento pessoal e
institucional.

Há diversos modos de prestação de contas, trata-se de um


universo aberto, mas podemos elencar os mais evidentes: criando condições
para verificar e discutir publicamente, em linguagem acessível ao não
especialista, o quanto o exercício da função vem satisfazendo a comunidade.
Avaliando criticamente, por meio de consulta à opinião pública: em que medida
esse retorno está ocorrendo de fato; como o detentor do cargo lidou com
ocorrências imprevistas; que correções de rota se pode fazer; que possível
melhoria são passíveis de programação e implementação.

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Uma série de instituições podem intermediar a prestação de
contas: o próprio ente público, através de seus serviços de controladoria
interna, ouvidoria ou ombudsman; o órgão legislativo, através das função de
controle que lhe são cometidas, inclusive com o auxílio dos tribunais de contas;
a imprensa, através da informação e do confronto de ideias; as universidades
e centros de pesquisa, através de seus próprios especialistas; a sociedade
civil, através dos movimentos sociais e das organizações não governamentais.
Em todos esses casos, por iniciativas próprias ou através das instâncias de
participação popular como as audiências e consultas públicas, as
conferências e os conselhos administrativos de composição plural e paritária
que visam dar concreção á democracia participativa, entre outros meios.

A promoção da ética na Administração Pública, permeando toda a


vida do Estado e do cidadão, pressupõe uma educação ética não apenas dos
agentes públicos, mas de toda a população e de todos os indivíduos na
qualidade de cidadão. Essa participação precisa ser construída através de uma
formação cidadã dos indivíduos, das famílias e dos grupos, desde a educação
básica nas escolas e em todas as instituições sociais das quais participam.

Esta promoção requer, do Cidadão, uma postura ativa de vigilância


no posicionamento ético de seus representantes e nas suas relações com a
Administração Pública. e, do Poder Público e de seus agentes, uma postura de
transparência e de criação e manutenção dos instrumentos de controle acima
mencionados.

3.4 Improbidade Administrativa e Corrupção

Osmir Antonio Globekner


A existência e persistência da
corrupção, com o consequente
rompimento das relações éticas
mínimas que a moralidade pública exige
e seus óbvios efeitos deletérios sobre a
vida econômica, financeira, social e
política do país, repercute nos direitos
de cidadania, com a quebra da relação
de confiança que deve haver entre o cidadão e as instituições democráticas que
a garantem. O fato está demasiadamente demonstrado pela situação vivida pelo
Brasil nos últimos anos, com a crise ética transbordando seus efeitos para a vida
política, econômica e cívica do país.

A necessidade de combate não se restringe, entretanto, à debelar a crise moral


interna ao país, como um assunto doméstico. Ela também é imposta pela
comunidade das nações, igualmente impactada pelos efeitos da corrupção.

No início dos anos 2000, o Brasil ratificou


as Convenções da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico OCDE, da Organização dos
Estados Americanos – OEA e da
Organização das Nações Unidas – ONU
contra a corrupção (CNUCC). O
compromisso, em âmbito internacional,
gera maior comprometimento do Estado
com a implementação do Sistema de
Gestão da Ética, uma vez que o país
passa a ser observado pelas ações
efetivas adotadas contra a corrupção, e
esse sistema se constitui como o
instrumento de resposta efetiva para as
recomendações desses organismos.

Osmir Antonio Globekner


No âmbito do controle interno ao país, há diversos mecanismos de
prevenção e repressão à corrupção e à improbidade administrativa, para cujo
funcionamento a atuação do Ministério Público é parte fundamental, por deter a
titularidade, por exemplo, para as ações de improbidade administrativa, para as
ações de responsabilidade e para as ações por crimes contra a Administração
Pública.

A atuação do Ministério Público tem espaço também nos


mecanismos de transparência e controle da Administração Pública, pelo poder
requisitório que lhe permite ter acesso às informações e também pela
possibilidade de fomento ao controle social, com o estabelecimento de canais de
diálogo e participação entre Administração e comunidade e com a efetivação de
programas e ações de educação e promoção da cidadania.

Uma ação social mais ampla diz respeito à promoção de mudanças


culturais na sociedade, no sentido de erradicar práticas de tolerância para com
a corrupção, tais como a cultura do "jeitinho" brasileiro. Nesse sentido, não se
pode menosprezar o caráter educacional e informativo da atuação do Ministério
Público, através de práticas e campanhas de educação e conscientização
cidadã, em razão, inclusive, da expertise que detém na matéria da persecução
da improbidade administrativa e da corrupção.

3.5 Fraude, Corrupção e Princípios Éticos

Osmir Antonio Globekner


Como uma doença, a fraude e a corrupção, nos ambientes
corporativos e no contexto público, normalmente só são vistas e reconhecidas
como tais em sua fase aguda, quando o dano já foi causado e a cura exige
soluções drásticas e urgentes. Dificilmente se aborda essas patologias sociais
em suas fases iniciais, em que iniciativas no sentido da transparência, da
educação e da prevenção poderiam resultar mais efetivas para evitar o dano e
lograr soluções menos traumáticas.

A fraude e a corrupção, como fenômenos sistêmicos, possui


causalidade oriunda do indivíduo e do contexto, que podem ser abordadas
através de boas práticas de governança e através da noção de compliance.
Faremos uma abordagem resumida do tema com suporte no artigo de Renato
Santos, Cristina Amorim e Arnoldo Hoyos (SANTOS, AMORIM, HOYOS, 2017),
que deixaremos como sugestão de leitura complementar, para aqueles que
desejarem seu aprofundamento.

Os autores descrevem o triângulo da fraude, com três vértices:

1) racionalização;
2) necessidade/pressão; e
3) oportunidade.

Osmir Antonio Globekner


No primeiro vértice, está o discernimento do indivíduo sobre o certo e o
errado, que o obriga racionalizar seus atos, justificar para si e para os outros
"que sua ação não é errada", amenizando, para si, o conflito ético; no segundo
vértice, encontramos a força emocional ou financeira, expressa em necessidade
e/ou pressão como elementos do contexto que, potencialmente, conduzem o
agente à fraude, no último vértice, a oportunidade para a obtenção do objeto da
fraude, ou seja, o grau de vulnerabilidade do objeto exposto à fraude ou a
presença dos meios necessários para executá-la.

Com base nesse triângulo, os autores descrevem uma "escala de


fraude": no primeiro indicador, os problemas imediatos do indivíduo: perdas
financeiras, isolamento ou problemas na relação empregado/empregador; no
segundo indicador, as falhas de controle interno, que possibilitam o cometimento
da fraude; no último indicador, o mais complexo, por decorrer do
desenvolvimento moral, o comportamento ético do potencial fraudador.

Osmir Antonio Globekner


Cada um desses três elementos e indicadores estão melhor detalhados
no artigo já mencionado. O que queremos destacar aqui é a realidade da fraude
e da corrupção como processo. Este processo está no contraponto da ética como
virtude no sentido aristotélico, como um hábito que se desenvolve determinado
e condicionado pelo ambiente. O que faz o ser humano ser virtuoso ou não é o
hábito da virtude ou do vício. O homem virtuoso desenvolve hábitos virtuosos. O
hábito transforma o ser e o ser transforma o hábito. Nesse processo, o ambiente
não é irrelevante. E, para os autores, o fator ambiental principal da fraude é o
que denominam: pressão situacional.

Do trabalho desenvolvido pelos autores, consistente na aplicação


de um questionário de 140 questões em entrevistas individuais de pessoas em
ambiente organizacional, emergiram indicadores para medir a percepção moral
do indivíduo frente a hipóteses de conflitos éticos, tais como: ato de denunciar o
ato antiético; encobrir erros relevantes cometidos por colegas de trabalho; tolerar
o convívio com indivíduos ou ambientes antiéticos; culpar ou não outra pessoa
por um erro próprio; revelar informações confidenciais; admitir atalhos antiéticos
para atingir objetivos pessoais; admitir ou tolerar o furto; aceitar suborno; aceitar
presentes, etc.

Os autores, na conclusão, afirmam:

Na base da ação corrupta está a percepção do significado do gesto,


o indivíduo deve compreender se age de acordo com regras

Osmir Antonio Globekner


explícitas ou implícitas [...]. Nas organizações, há situações nas
quais o indivíduo tem dificuldade para reconhecer os limites entre
certo e errado, como por exemplo [...], denunciar atos corruptos ou
erros de colegas. Entendemos que se abre, portanto, campo para
as organizações intensificarem ações de esclarecimento e
estruturas corretas de denúncias, quando está em pauta, não a
glorificação da cultura da delação, mas ampliar o padrão ético
coletivo.

É esse sentido educacional, colaborativo e construtivo da luta


contra a fraude e contra a corrupção, nas vertentes empresarial e pública, que
procuramos destacar no presente tópico.

Osmir Antonio Globekner


Atividade complementar:

1) Sobre poder, política, comportamento humano e a


importância do Ministério Público no contexto ético,
assistir ao vídeo: Ministério Público e Justiça, por Luiz
Felipe Pondé. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=N56y1UKlvvE

2) Sobre a corrupção, causas e combate, assistir a um dos seguintes vídeo:

Ética e Corrupção, pelo Canal Futura. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=U9kvKeqLlWk>

Ética e corrupção no mundo contemporâneo, por Leandro Karnal.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J7s6lLfgdVY>

Leitura complementar:

2) Para aprofundamento do tema Fraude, Corrupção e


princípios éticos, sugere-se, como leitura complementar, o
artigo: Corrupção e Fraude: princípios éticos e pressão
situacional nas Organizações, de Renato Santos, Cristina
Amorim, Arnoldo de Hoyos. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/risus/article/view/4513>.

Osmir Antonio Globekner


UNIDADE IV – CÓDIGOS DE ÉTICA E SERVIÇO PÚBLICO

4. Códigos de Ética e Serviço Público Comentado [aD1]: Inserir resumo da unidade

Na presente Unidade vamos procurar aprofundar a distinção entre


regras morais e regras jurídicas, suas aproximações e seus distanciamentos,
compreendendo, de uma maneira geral, como a esfera moral e ética influencia
e se relaciona com a esfera jurídica.

Veremos em relação especificamente á Ética do Setor Público,


como a Ética Pública se relaciona com a moralidade legalizada, transformada
em norma cogente.

Analisaremos a função e os modos de funcionamento dos Códigos


de Ética como instrumento de normatização da conduta ética e o funcionamento
das Comissões de Ética na Administração Pública, introduzindo ao final o estudo
do Código de Ética do Servidor Público.

4.1 Regras morais e regras jurídicas: o ético e o justo

Justo

Legal

Ético

As regras morais e as regras jurídicas estão intimamente


relacionadas, mas não são campos idênticos. As questões morais mais

Osmir Antonio Globekner


candentes costumam ser também questões legais, pois afetam, de forma mais
contundente, a convivência social e a ordem pública. O Direito busca o justo, não
podendo, entretanto, se distanciar do moralmente correto. A Moral busca o bom,
não podendo, pelo mesmo motivo, afastar-se do justo. Moral e Direito se
entrelaçam continuamente na história da filosofia. Desses momentos de
entrelaçamento, destacamos os seguintes:

Isidoro de Sevilha (560-636 d.C), afirmava que a lei devia ser


realizável, possível conforme à natureza e apropriada aos costumes do país. Seu
cumprimento devia ser factível por todos ou pela maior parte dos cidadãos. A lei
não devia se ocupar de punir os vícios proibidos pela moral, mas apenas os mais
graves, aqueles que a maior parte da população pode evitar e os que prejudicam
aos demais e, sem cuja repressão, a sociedade não poderia se sustentar.

Tomás de Aquino
• Somente na cidade boa e
justa os homens podem ser
bons e justos; e somente
homens bons e justos são
capazes de instituir uma
cidade justa e boa.

Tomás de Aquino (1225-1274) nos dá os critérios pelos quais


distinguir leis justas de leis injustas: a) por razão de seu fim (bem comum); b) por
razão de seu autor (autoridade legítima); c) por razão de sua forma (conforme a
justiça distributiva, pois a virtude por excelência do príncipe é a de distribuir
justiça, com igualdade e proporcionalidade, em ordem do bem comum). As
injustas, contrário senso, não visa o bem comum, não emana da autoridade
legítima ou não distribui ônus e benefícios segundo a igualdade de
proporcionalidade.

A tradição jus naturalista secular de Hugo Grotius (1583-1645) e


John Locke (1632-1704) também afirmam que o estado natural é de liberdade e

Osmir Antonio Globekner


não o de licença. Locke propõe quatro Direitos humanos naturais: vida,
liberdade, propriedade, integridade física. Para ele, os Direitos Humanos são
naturais e têm caráter moral. Locke ainda admite a prioridade da ordem moral
sobre a ordem jurídica. A lei positiva deve ser desobedecida quando contrária às
exigências da ordem moral.

Stuart-Mill
• A Liberdade de um
indivíduo deve ser assim
limitada: não deve ser
prejudicial aos outros.

Também na tradição liberal, conforme John Stuart Mill (1806-1873)


em "On Liberty" ("Sobre a Liberdade"), o valor supremo é o da liberdade
individual, princípio fundamental da ética política liberal, havendo uma distinção
entre ordem legal e ordem moral, a intervenção injustificada na liberdade
individual é inválida precisamente porque violentou as exigências mais
fundamentais da ordem moral: a liberdade.

Consoante com essa ligação ontológica entre o moral e o justo. A


norma moral amiúde se converte também em norma legal, com eficácia jurídica.
Isso ocorre por diferentes mecanismos: pode ser pela incorporação da norma
moral ao costume, e do costume ao Direito, em face do valor que o sistema
jurídico confere ao mesmo; pode ser através do processo de ponderação jurídica
dos princípios, ou como critério na aplicação e interpretação de regras jurídicas,
e pode ser também pela incorporação legislativa da norma moral, convertendo-
a, concomitantemente, em norma legal.

Em síntese: há tanto uma diferença, como uma profunda relação


entre ordem moral e ordem jurídica. Normas legais, por um lado, não podem

Osmir Antonio Globekner


transgredir exigências essenciais da moralidade; por outro, não podem impor
todas as exigências que a norma moral impõe. De certa forma, a legalidade está
a serviço da ordem moral, salvaguardando os mínimos morais necessários à
convivência social.

A relação entre ordem moral e jurídica é dinâmica, recíproca, e de


profunda interdependência. Por um lado, normas legais criam padrões de
conduta ao incentivar comportamentos almejados quando de sua criação. Por
outro lado, a moralidade é paradoxalmente anterior e posterior à legalidade, pois
é condição prévia para a criação de normas legais válidas e eficazes; mantendo-
se, posteriormente, como uma instância crítica, a partir da qual é possível
interpretar, rever e reformar essas mesmas normas.

4.2 Ética Pública, a moralidade legalizada

Ocupemo-nos agora da forma como a moralidade específica de


nosso interesse, a moralidade pública ou do setor público, se institui nesse
dúplice caráter de norma moral e norma legal.

José Renato Nalini (1945) afirma que a Ética Pública é uma


moralidade com vocação para incorporar-se ao Direito positivo, orientando seus
fins e objetivos como Direito justo. Nesse sentido denomina de moralidade
crítica a Ética Pública que ainda não se incorporou ao direito positivo, mas serve
de critério para apreciar a norma positiva. Denomina moralidade legalizada ou
positivada aquela que foi incorporada ao direito positivo (NALINI, 2014, p. 363).

As normas que veiculam obrigações morais, portanto, podem


coincidir com as normas que veiculam expressamente deveres jurídicos. Isso
ocorre, por exemplo, nos dispositivos de lei que estipulam deveres a determinado
agente público. Como ocorre na Lei Orgânica da Magistratura (art. 35, da LC nº
35/1979, ou na Lei Orgânica do Ministério Público da União (art. 236 da LC nº
75/1993, ou no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (art. 116
da Lei 8.112/1990). Da leitura dos dispositivos referidos se depreende
claramente a origem da norma jurídica na norma moral correspondente, com

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comandos como: "tratar com urbanidade"; "manter conduta irrepreensível na
vida pública e particular"; "desempenhar com zelo e probidade as suas funções";
"exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo"; "ser leal às instituições
a que servir", entre outras.

A coincidência acima referida, entre norma jurídica e norma moral,


entretanto, não significa que elas possam ser confundidas entre si, pois possuem
funções e modos de operar distintos.

Uma forma de se obter um meio termo entre o caráter cogente do


Direito e a liberdade pressuposta na conduta moral, é a instituição de Códigos
Morais de Conduta ou Códigos de Ética. Um Código de Ética normatiza condutas
sem engessá-las, possuindo, ao mesmo tempo, função consultiva, orientadora e
preventiva, ao permitir cotejar condutas reais, com aquela hipotética e
normativamente considerada ética.

Na perspectiva do Direito Interno, os códigos de ética poderiam ser


entendidos de maneira análoga ao que ocorre com o quase direito (soft law) do
Direito Internacional. O quase direito estabelece regras que, em tese, não
possuem caráter vinculativo, isto é, não obrigam os Estados, muito embora,
através de uma linguagem mais aberta, possam ir além e mais livremente do que
direito vinculante (hard law), indicando as condutas desejadas.

4.3 A conduta moral do agente público

O Estado constitui, além da ordem jurídica que engloba toda a


comunidade, uma estrutura administrativa permanente. O Estado é um agente
coletivo com identidade própria, com poderes suficientes para cumprir algumas
missões básicas, como: a) garantir a segurança interna e externa; b) promover
o bem comum; c) representar a comunidade nacional perante outras
comunidades nacionais; d) mediar as relações entre os cidadãos e o governo; e)
mediar as relações entre os próprios cidadãos.

O agente coletivo Estado age através de agentes públicos, pessoas


naturais que são titulares de cargos ou funções públicas. Cargo público é o

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conjunto de atribuições e responsabilidades, previstas em uma estrutura
organizacional, as quais são assumidas pelos agentes públicos. A ocupação de
um cargo público implica distintos graus de poder de decisão.

Estado Ético

Res Pública

Serviço Público

Servidor Público

O aspecto público do cargo significa que ele não pertence à pessoa


que eventualmente o ocupa. A investidura não é um título de propriedade, de
direito de “uso e abuso”, passível de herança, doação, empréstimo, exploração
ou venda. A pessoa investida no cargo recebe uma missão, com a expectativa
de que utilizará os meios e recursos do cargo na proporção que essa missão
exigir. A função indeclinável de todo agente público é zelar pela coisa pública e
estar a serviço dos interesses e aspirações dos cidadãos.

A responsabilidade do detentor de um cargo público corresponde a


três aspectos da consciência político-moral: a) zelar por algo que não lhe
pertence; b) usar de poder e autonomia proporcionais à sua missão; c) agir em
nome de uma coletividade e em seu interesse e benefício.

A conduta moral do agente público não é apenas uma questão


de comportar-se de acordo com o que é permitido. O essencial da conduta é a
orientação interna que ela dá às ações praticadas sob o seu fundamento. Certos
aspectos do serviço público não se medem pelo simples cumprimento exterior
das normas, mas pela qualidade com que as regras são observadas. A conduta
moral, portanto, leva em conta a subjetividade do agente, considerando-se

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aspectos como a intenção e motivação da ação, indo mais além do mero
atendimento à legalidade da conduta.

Dessa forma, a previsão de regras de conduta são necessárias


inclusive para ajudar o agente a desenvolver sua própria orientação interna, dar-
lhe previsibilidade e comparabilidade de condutas e, por consequência,
segurança e estímulo para a atuação profissional e para o domínio dos modos
de executar as atribuições funcionais de uma forma ética. Esse domínio implica
a familiaridade com as regras e procedimentos que indicam como proceder às
atividades peculiares da atividade administrativa específica.

Normalmente se reconhece dois tipos distintos de regras de


conduta: Regras imperativas: que simplesmente proíbem ou ordenam,
pressupondo que o sujeito saiba fazer o que se ordena e conheça as condutas
proibidas, sem margem para a ponderação pessoal. Regras constitutivas: que
instruem as pessoas a fazer algo. Elas orientam o sujeito moral a realizar ou
construir o que se deseja. Como toda regra, elas limitam o espectro de
possibilidades de ações possíveis, mas deixam uma margem livre de opções a
serem exercidas no momento da execução. Ao contrário das regras imperativas,
as regras constitutivas buscam orientar a ação do indivíduo, em vez de ordenar
ou proibir condutas. Resumindo: as regras imperativas dizem o que não pode
ser feito e o que deve ser feito. As regras constitutivas dizem o que pode, o
que deve e o como pode ser feito. Ambas as modalidades de regras conferem
maior segurança ao agir moral, ao permitir alguma delimitação dos espaços de
livre eleição do agir.

Em todo processo deliberativo, há uma introspecção prévia que


vai definir a intenção do agir e desencadear o processo de amadurecimento da
decisão a ser tomada. As regras de conduta nos ajudam nesse processo de
deliberação, permitindo que escolhamos os caminhos adequados, nos ajudando
a decidir pelas ações moralmente corretas e justas.

O serviço público é uma atividade altamente profissional: o


Estado convoca seus quadros de carreira para uma dedicação plena, existindo

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algumas características peculiares nessa carreira, a exemplo do vínculo
permanente, concentração na função escolhida, dedicação, empenho para
servir à comunidade; competência, que demandam especialização, preparo e
aptidão. O conceito de profissionalismo do serviço público exige mais do que o
exercício talentoso de uma função. Há valores e condutas adequadas a seguir.
Além do compromisso ético com o bem comum, uma atitude profissional
exige:

a) imparcialidade: o serviço público exige o afastamento da


pessoalidade ou das preferências pessoais (políticas, ideológicas,
religiosas). O agente não serve um segmento da sociedade, serve
a sociedade em seu todo;

b) objetividade: o serviço público exige uma abordagem


razoavelmente distanciada e serena do trabalho a fazer. Isto não
significa indiferença ou frieza, mas implica o afastamento de
subjetividades indevidas, com o fim de se atingir resultados por
meio de um fluxo racional de trabalho;

c) eficiência: no serviço público, à semelhança de qualquer outro


empreendimento, o princípio da eficiência exige que a tarefa ou
norma a cumprir não seja apenas cumprida, mas cumprida da
melhor forma, visando obter o melhor resultado, ao menor custo
possível;

d) excelência: o serviço público deve buscar o constante


aperfeiçoamento. Trata-se de uma busca incessante de perfeição,
que, ainda que não alcançável, constitua-se em uma meta perene,
levando ao melhor desempenho possível na satisfação das
necessidades de uma sociedade;

d) decoro: o decoro une a disposição interna para agir


corretamente com a aparência desse agir, compreende não apenas
a retidão de uma ação, mas também permitir a visão e percepção
pela sociedade, da ação como sendo uma ação correta;

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e) probidade e integridade: significa retidão, honradez, brio e
observância rigorosa dos deveres da justiça e da moral. Integridade
tem significado de inteireza da honestidade, de impossibilidade de
corrupção, de irrepreensibilidade da conduta;

f) civilidade: é a disposição para tornar as relações sociais mais


fluentes ou menos ásperas. A competição e conflito existente no
contexto das relações sociais há de ser mitigada pela civilidade,
pelo “fair play” do jogo social;

g) prestação de contas: disposição para justificar publicamente as


decisões tomadas e as estratégias assumidas, abertura às
interpelações, às críticas e às sugestões, de forma respeitosa,
independentemente das empatias pessoais;

h) espírito cooperativo: abertura para acomodar diferenças nos


processos de mediação, evitar a ampliação das tensões que forem
inevitáveis, atenuando-as e buscando a melhor forma de solucionar
ou reduzir conflitos.

As qualidades acima elencadas, de forma não exaustiva, e a


tentativa de definição das mesmas, visam compor um conjunto de valores
relacionados ao serviço público que permitam ajudar a compreender a natureza
das normas de conduta correspondentes.

As normas de conduta moral são fugidias por natureza, ao se tentar


defini-las, sempre se perde algo, que escapa entre os dedos. São, no entanto,
qualidades que adquirem densidade a medida que são levadas à prática, à
medida em que o agente moral se defronta com os dilemas concretos da vida
moral, abrindo oportunidades para o desenvolvimento das virtudes em sua
concepção aristotélica. São essas qualidades e virtudes que os códigos de ética
tentam capturar e fixar, como veremos a seguir.

4.4 Os Códigos de Ética

Osmir Antonio Globekner


O Código de Ética é um padrão que serve de guia para a conduta
de um determinado grupo. De praxe, inicia-se com um conjunto de princípios,
assumidos publicamente, que orientarão determinadas atividades e refletem os
anseios sociais por lealdade, solidariedade e correção. Um Código de Ética
dispõe inicialmente princípios e, em seguida, regras de conduta que buscam dar
concretude aos princípios e, assim, servir de instrumento para realizar os valores
neles afirmados.

Um Código de Ética está concomitantemente em relação, por um


lado, com a lei e, por outro, com a moralidade em sentido mais amplo. Um código
de ética não pode, obviamente, legitimar comportamentos que a lei proíbe e deve
ir além daqueles que a lei prescreve. O código tenta capturar um aspecto que
em geral escapa à legislação e ao legislador em sentido estrito, pois vai além do
estrito cumprimento da lei, para atingir o bom cumprimento da lei. Incorporar
essa dimensão de bom cumprimento da lei é tarefa que cabe a um código de
ética.

O Código de Ética não pode ser entendido como um mero


instrumento disciplinar e repressivo. Não pode estar voltado exclusivamente para
“quem não tem ética” ou para "quem não pratica a ética". O inverso é mais
desejado. Deve estar voltado para quem busca nele um padrão cotidiano para
pautar sua atuação. Um Código de Ética funciona quando a conduta reta nele
prescrita é a regra e o desvio dessa regra, que desafia sanção e punição, é a
exceção.

Osmir Antonio Globekner


Os princípios e valores expressos em um Código de Ética, não raro,
provocam entrechoques que devem ser colocados em perspectiva, a fim de se
reconciliá-los. Assim, ele deve ser útil na resolução de dilemas morais, ou seja,
nas situações em que nenhuma das alternativas postas à decisão é
completamente satisfatória, determinando que as escolhas sejam baseadas no
menor dano ou no maior benefício que resultará da escolha. Estes dilemas são
vividos justamente por aqueles que procuram se conduzir eticamente.

Para diferentes contextos pode haver diferentes Códigos de Ética:


para uma categoria profissional, para uma determinada empresa ou organização
privada específica, para a Administração Pública em geral e para determinada
entidade ou órgão públicos particulares.

Códigos de Ética Profissional: versam sobre o conjunto de regras


que são construídas ao longo do tempo em torno da prática de uma atividade
profissional, servindo de guia para o exercício ético da profissão pela categoria
correspondente. Em regra a regulamentação de uma profissão pressupõe a
existência de um controle do exercício profissional pelo órgão de classe e, dentro
deste, a existência de um código e de uma comissão de ética. Normalmente
dispõem sobre direitos e deveres do profissional, normas de conduta
profissional, relação com o público e outras classes profissionais, condições para
o exercício profissional, etc. Preveem sanções que normalmente englobam:
censura privada, censura pública, suspensão do exercício e cassação do registro
profissional.

Osmir Antonio Globekner


Códigos de Ética Empresarial: tornam-se cada vez mais
frequentes em razão da necessidade de transparência da atuação empresarial
e da construção de uma cultura organizacional de promoção e de respeito ético
aos concorrentes, clientes e colaboradores, entre outros objetivos. O Código de
Ética empresarial permite tornar transparente a conduta ética que se pode
esperar da mesma em relação a seus sócios, acionistas e investidores,
colaboradores, clientes, concorrentes, bem como a agentes do mercado,
agentes governamentais e agências reguladoras, além da comunidade e
sociedade em geral.

Códigos de Ética da Administração Pública

O Código de Ética de uma entidade pública deve estabelecer e


tornar público e transparente o padrão geral de conduta dessa entidade. Deve
ser um instrumento para a resolução de conflitos e dilemas morais do grupo ao
qual se aplica. Quatro esferas de questões básicas devem ser nele tratadas
objetivamente, conforme indicado no quadro abaixo:

Osmir Antonio Globekner


Finalidades e Relações entre
Características da servidores e
Entidade colaboradores

Código de
Ética

Relações com
Relações com o
outras entidades
Cidadão
públicas e privadas

Não deve haver nenhuma pretensão de uso universal de um código


dessa espécie. Tal código deve ser um guia para a resolução dos problemas
específicos das relações compreendidas na esfera das relações administrativas
por ele regidas.

Sobre as comissões de ética

A produção de Códigos de Ética normalmente conduz a criação de


Comissões de Ética destinadas a resolver os conflitos e garantir o respeito a
conduta ética propugnada nos Códigos, muito embora um instituto não esteja
necessariamente atrelado ao outro, havendo Códigos sem a correspondente
Comissão e vice versa.

Comissões de Ética, em regra, são colegiados, com participação


ampla dos segmentos que representam a coletividade destinatária, que visa
discutir e prover formas de solução dos dilemas éticos que podem ser vividos
por essa coletividade. Possuem a função precípua de orientar e aconselhar no
campo ético, embora, não raro, tenham também atribuições disciplinares,
julgando a conduta dos integrantes dessa coletividade, sob a perspectiva ética.

Osmir Antonio Globekner


São exemplos de comissões de ética as criadas no âmbito de cada
categoria profissional, constituídas em regra no âmbito do conselho profissional
respectivo. No campo da saúde e da bioética, há comissões que se voltam, por
exemplo, às questões em torno da ética na pesquisa em humanos, ao uso ético
de animais em pesquisas científicas. Também tornou-se comum, em face dos
avanços tecnológicos da medicina e do aumento da complexidade das relações
entre profissionais de saúde e pacientes, a criação de comissões de ética clínica,
constituídas em hospitais e centros de saúde para abordar problemas e dilemas
éticos que se apresentam no contexto da prática clínica e da prestação dos
serviços de saúde.

Uma atividade relevante das Comissões de Ética é promover a


reflexão acerca dos problemas e dilemas éticos em torno de casos submetidos
à sua apreciação. Uma Comissão de Ética não vai, necessariamente, se ocupar
de dar a resposta ao caso concreto apresentado, mas pode criar uma pauta para
permitir a construção de soluções éticas para o caso concreto e similares que se
apresentem.

4.5 O Código de Ética do Servidor Público Federal

Uma das formas de promoção e controle da conduta ética dos


agentes públicos é a adoção de Códigos de Conduta Ética. No âmbito da

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Administração Pública Federal brasileira, uma série de iniciativas nesse sentido
foram adotadas desde meados da década de 1990. Entre elas, cabe mencionar:

1. instituição do Código de Ética Profissional do Servidor


Público Civil do Poder Executivo Federal. (Decreto nº 1.171, de 22
de junho de 1994);
2. criação da Comissão de Ética Pública (26 de maio de 1999);
3. instituição do Código de Conduta de Alta Administração
Federal (Exposição de motivos Nº 37, aprovado em 18 de agosto
de 2000);
4. instituição do Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos
em Exercício na Presidência da República (Decreto nº 4.081, de 11
de janeiro de 2002).
5. instituição do Código de Ética dos Servidores do Tribunal de
Contas da União (Resolução TCU nº 226, de 27 de maio de 2009).

Em relação ao Ministério Público, podemos citar as seguintes iniciativas:

1. vem sendo debatido no Conselho Nacional do Ministério


Público (CNMP), desde setembro de 2012, a criação do Código de
Ética para os membros do Ministério Público da União e Estados;
2. a Portaria PGR nº 79, de 19 de outubro de 2016, instituiu
comissão para elaborar o Código de Ética e de Conduta dos
Servidores do Ministério Público da União e da Escola Superior do
Ministério Público da União.

Código de Ética do Servidor Público Federal

O Código de Ética do Servidor Público Federal, como visto, foi


instituído pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994. O que gostaríamos de
frisar neste tópico é alguns aspectos ou requisitos, em torno de sua aplicação.
Lembrando o fato, também já explicitado, de que, por suas características, um
Código de Ética deveria significar um meio termo entre a rigidez da norma
jurídica e a liberdade e flexibilidade inerente à norma moral.

Osmir Antonio Globekner


Precisamos frisar que a mera existência formal de um Código de
Ética não garante a sua aplicação. Alguns vícios comprometem sua eficiência na
orientação da conduta moral. Um deles é a sua utilização como um mero código
punitivo, no mesmo modelo de subsunção da aplicação da norma jurídica
sancionadora: dado o fato desviante que se ajusta à previsão normativa, aplica-
se a norma punitiva.

Além de se constituir em um bis in idem, uma vez que normas


disciplinares estão disponíveis em outros diplomas legais, a exemplo, no caso
federal, da Lei 8.112/1990; essa aplicação exclusiva desvia o papel educativo,
reflexivo e de orientação do Código de Ética.

Um outro problema dessa aplicação restrita é que a norma jurídica


hipotética dificilmente consegue captar a sutileza das situações morais
concretas. Moral e Ética requerem um comportamento adquirido e conquistado
pelo hábito e por isso diz respeito à situações cotidianas, mais que a situações
excepcionais, que exigem a atuação, também excepcional, da norma
sancionadora, moral ou jurídica.

O Código de Ética pode ser um instrumento da gestão ética do


serviço público. Trata-se de um processo de aprendizagem e construção, que se
conecta não meramente com o tema da moralidade pública, de forma restrita,
mas também com os temas da responsabilidade social e cidadania, como se
buscou evidenciar no presente curso.

A Ética é dialógica e não funciona a contento se aplicada


simplesmente de forma vertical, como exercício de autoridade. A Ética trabalha
a partir de conceitos como liberdade, necessidade, valor, consciência,
sociabilidade que pressupõem, vivência, esclarecimento e reflexão, requerendo
aprendizagem e desenvolvimento de hábitos e de virtudes.

4.6 A Ética do Ministério Público

Osmir Antonio Globekner


O Ministério Público não é uma ilha e partilha com os demais
órgãos públicos e entes públicos e privados a condição de organização que pode
e deve pensar a ética em uma perspectiva interna.

Algumas características institucionais do Ministério Público, como


a independência, e o papel pró ativo e dinâmico que desempenha no dever de
impulsionar a prestação jurisdicional e a atuação administrativa, o colocam em
posição de protagonismo social, o qual precisa ser entendido de forma
equilibrada e imparcial, respeitando os diferentes valores e sistemas éticos
manejados pelos grupos sociais.

Um aspecto da complexidade da atuação ética do Ministério


Público é revelado na sua função extraprocessual na composição de litígios. O
órgão se interpõe entre interesses em conflito existentes na sociedade, com o
fim de mediá-lo. Sua posição, entretanto, não é de imparcialidade. Pelo menos
não na mesma intensidade que se exigiria do Poder Judiciário, como terceiro
imparcial na solução das lides. Sua posição é engajada, pró ativa e pró
sociedade. Esta posição não é, em si mesma, isenta de conflitos, exigindo
frequentemente a ponderação típica dos dilemas morais.

A gestão ética do Ministério Público é, por


um lado, um imperativo que se conecta
com as suas funções na tutela dessa
moralidade, uma vez que precisa dar
exemplo da gestão que esta tutela
propugna; por outro lado, em função
mesmo de seu papel protagonista nos
temas relacionados à moralidade pública, a sua gestão ética interna pode ter
indutora de práticas éticas nos demais órgãos da Administração e nos setores
privados com os quais se relaciona institucionalmente.

Osmir Antonio Globekner


Leitura complementar:

Sugere-se a leitura crítica:

1) de um ou mais dos códigos acima mencionado, cujos textos


podem ser encontrado no endereço:
<http://etica.planalto.gov.br/sobre-a-cep/legislacao>

2) de uma das propostas de código de ética em discussão no


CNMP e no MPU, nos seguintes endereços, respectivamente:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Noticias/2012/Imagens/Proposta
_de_resoluao_Cdigo_de_tica.pdf>

<http://web.sinasempu.org.br/images/CONSELHO_DE_%C3%89TICA.pdf>

3) Para aprofundar a compreensão do papel do código de ética na transformação


da cultura organizacional e sua relação com a gestão ética, indicamos, como
leitura complementar, o artigo: Administração Pública Federal: a percepção
dos servidores sobre a ética, de Annita Valleria Calmon Mendes* e Hermes de
Andrade Júnior. Disponível em:

<http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/8994>

Osmir Antonio Globekner


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Osmir Antonio Globekner


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Osmir Antonio Globekner


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Osmir Antonio Globekner

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