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O Wagnerianismo Como Concepção de Mundo - Ramón Bau (Tradução de Jonas Otávio Bilda) PDF
O Wagnerianismo Como Concepção de Mundo - Ramón Bau (Tradução de Jonas Otávio Bilda) PDF
O Wagnerianismo como
Concepção de Mundo
Tradução e Notas
Jonas Otávio Bilda
DO AUTOR E DE SUA TRADUÇÃO
1
KANT, I. Resposta à pergunta: que é “Esclarecimento”? (“Aufklärung”). In: _____.
Fundamentação da metafisica dos costumes. 2. ed. Trad. L. Holzbach. São Paulo:
Martin Claret, 2011.
enxuto, não peca por excesso de intertextualidade e transmite calor
rítmico e retórico.
Traduttore, traditore, busquei não incidir em traições ainda que
o castelhano e o português sejam semelhantes. As ênfases gráficas
foram respeitadas, mas os erros ortográficos e inadequações
gramaticais foram categoricamente corrigidas. Notas explicativas e
de interpretação foram incluídas para ampliar o acesso à
inteligibilidade da obra e, em caso ou outro, demarcar os limites do
trabalho de tradução.
2
Preservamos o termo original utilismo para evitar confusão com a doutrina filosófica
ética utilitarista de J. Bentham (1748-1832) e John S. Mill (1806-1873) que não é
abordada por Bau neste ensaio. O entendimento do utilismo consiste numa aproximação
do sentido usual de busca pelo útil e pelo prazeroso que o próprio adjetivo ‘utilitarista’
imediatamente evoca. N. do T.
3
Optamos por traduzir Posesión por possessão ao invés de posse pelo caráter
dramático da exposição do caminho material percorrido por uma dada maioria – caráter
este intencionado pelo autor no decorrer do texto. N. do T.
perecibilidade de todo o Representativo e o pretender duma ação
transcendente, algo que nos eleve sobre o que é humano. É a luta
como caminho heroico, não egoísta nem útil.
Quando um humano aceita que sua vida tem como fim sua
elevação à Pessoa, ato nunca acabado, uma luta permanente entre
as tendências ao prazer do superficial, e a Vontade de
Sobrehumanidade, é neste momento que Wagner se faz necessário.
Herói não é quem realiza atos extraordinários, mas quem
realiza sua própria vida como um ato contrário ao egoísmo utilista. O
ato heroico é um deslocamento da Vontade para a utilidade, e
sempre é um ato TRÁGICO.
4
Calderón de la Barca (1600-1681) foi um dramaturgo espanhol barroco.
5
Miguel de Unamuno (1864-1936) foi um filósofo e dramaturgo espanhol. Esta obra
possui versão brasileira sob o título “Do sentimento trágico da vida” pela editora Hedra
e trata-se de um ensaio filosófico sobre ausência de sentido na modernidade. N. do T.
6
O autor refere-se ao conceito do Übermensch do filósofo F. Nietzsche (1844-1900)
geralmente traduzido por super-homem e além-do-homem que grosso modo diz
respeito a transvaloração dos valores individuais, superação do niilismo, vontade de
potência e contínuo processo de superação de si. Este pensamento é formulado na
poética hermética e alegórica do livro Also sprach Zarathustra publicado em 1883. Cf.
NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Coleção Grandes Mestres do Pensamento,
vol. IV. Trad. José Mendes de Souza. São Paulo: Formar, s.d. N. do T.
instante de vida. Dar-lhe sentido pelo prazer e pela utilidade do
representativo é rebaixar nossa qualidade humana.
A ARTE TRÁGICA
7
Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (1776-1822) foi um escritor e compositor
romântico alemão renomado por sua obra fantástica.
8
Embora atualmente a Dionísio seja considerada, ao lado de Dioniso, como formas
gramaticais corretas de se referir ao deus grego, a partir da forma grega Διόνυσος faz-
se necessário diferenciar o teônimo Dioniso do antropônimo pessoal Dionísio, este
último entendido como sujeito dedicado a Dioniso. Optamos pela forma grega
contrariamente ao autor. N. do T.
Já sabemos como falar ao sentimento diretamente, porém
também necessitamos ‘dizer-lhe coisas’, não apenas fazê-lo vibrar
em si mesmo. A tragédia é razão e sentimento.
Se o artista quiser fazer-nos sentir e também explicar-nos a
razão das coisas, deve usar a música mas também a palavra, que é
o que nos dirá o como e o porquê.
A poesia é a expressão Representativa mais diretamente unida
à música. “Examinando a poesia de Pound9 nos daremos conta do
que nos falta em nossa poesia atual. Porque se o esqueleto da dicção
poundiana poderia efetivamente manter uma conversação ‘entre
pessoas inteligentes’, a mão do poeta se ocupa em pôr nela todo o
resto. Eu diria que tudo isto poderia vir a resumir-se com uma palavra:
música. Pound sabia que teríamos que buscar a música ali onde seu
divórcio com a poesia se havia iniciado, entre os trovadores. Os
trovadores souberam apresentar a música no momento em que
começava a desaparecer como companheira da poesia” (Estudo
sobre a poesia de Ezra Pound).
9
Ezra W. L. Pound (1885-1972) foi um poeta e músico modernista norte-americano.
Durante vários séculos a máxima e mais profunda sensibilidade
se abrigou na música por um lado, e no teatro dramático por outro.
Desde Calderón a Schiller ou Ibsen10, de Bach a Beethoven, a arte
da poesia dramática e da música evoluíram cada qual por sua parte.
Wagner se perguntava: ser dramaturgo ou músico? Expressar-se
pela palavra ou pela música? Ir ao intelecto e expor-lhe os problemas
íntimos do ser, como Hamlet faz ou bem fazer sentir diretamente à
alma como lograva Beethoven? Se Shakespeare nos fazia vibrar por
sua expressão do drama humano, Beethoven nos enchia de
sentimentos puros.
10
Henrik Ibsen (1828-1906) foi um dramaturgo norueguês modernista, considerado
fundador do drama em prosa.
Em 1849 escreve “Arte e Revolução” onde pela primeira vez e
de forma clara expõe a arte trágica em sua concepção global, o
caminho rumo a Arte capaz de levar o homem a ser Pessoa.
“Não podemos fazer uma investigação séria de nossa arte sem
observar a conexão com a arte da antiga Grécia. Na realidade, nossa
arte não é senão uma corrente formada pela evolução artística
europeia e o ponto de partida desta evolução se encontra nos
gregos”.
11
O trecho a que Bau se refere é provavelmente este: “Várias vezes, no curso de minha
vida, fui visitado por um mesmo sonho; não era através da visão que ele sempre se
manifestava, mas o que me dizia era invariável: ‘Sócrates’, dizia-me ele, ‘deves esforçar-
te para compor música!’ E, palavra! Sempre entendi que o sonho me exortava e me
incitava a fazer o que justamente fiz em minha vida passada”. A seguir, Sócrates se
indaga se a Filosofia não é o mais alto tipo de música, porém decide por compor versos
líricos segundo a acepção corrente do termo de modo a atender ao seu sentimento
religioso, relacionando esse sentido musical às festas em honra de Apolo que adiaram
sua condenação. Cf. PLATÃO. Fédon. Coleção Os pensadores, vol. III. Trad. J.
Paleikat e J. C. Costa. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 61. N. do T.
mas o diálogo e depois ‘a intriga’ irão matar todo o sensível e o
musical.
12
Carl Maria F. E. F. von Weber (1786-1826) foi um compositor alemão e pioneiro da
música e ópera românticas.
13
Ópera de tema egípcio de Giuseppe Verdi (1813-1901) que foi um compositor e
operista italiano romântico.
Ibsen soube como expor ideias em suas personagens, fazer um
teatro sensível e inteligente, mas a palavra era um meio escasso para
expressar esses sentimentos em sua totalidade.
Beethoven tratou de expor os sentimentos mais íntimos em sua
música, mas quando quis expor seu supremo canto gozoso, teve que
recorrer pela primeira vez à palavra: A poesia de Schiller ao final da
9º Sinfonia.
17
Juan Antonio Samaranch (1920-2010) foi um empresário e político espanhol,
responsável por uma reforma nos Jogos Olímpicos enquanto presidiu o Comitê Olímpico
Internacional (COI) que os tornou um evento de espetáculo global por meio de
patrocínios milionários. N. do T.
arte atual é o resultado da expressão de um mundo “econômico”,
material, onde se expressa o estilo de um Banco e se decoram
edifícios comerciais.
18
August Röckel (1814-1876) foi um compositor alemão, amigo e correspondente de
Wagner, ambos atuantes nas revoluções de 1848. N. do T.
“Ali onde um dia acabou a Arte, se iniciou a Filosofia e a
Política. Ali onde agora acabam o político e o filósofo deve começar
o artista” (Wagner em “Revolução e Arte”). Este é a grande revolução,
a regeneração da tragédia, um porvir de sensibilidade e vitalidade
para uma humanidade redimida do materialismo e do utilismo
razoável.
Wagner não é apenas o ‘descobridor’ do caminho da redenção
pela arte total trágica, mas é também o que alcança o mais difícil:
produz o cume supremo desta Arte, os dramas mais extraordinários,
coalhados de uma música excelsa e de um poema profundo.
Nenhuma das obras wagnerianas posteriores ao “Holandês”
tem uma só concessão à vulgaridade ou ao superficial, à música nem
à fama ou ao público. Cada obra é um resultado perfeito de um Ideal
levado ao extremo, com um poema extraordinariamente construído,
uma música a serviço dos sentimentos expostos nesse poema, uma
plástica teatral cuidadosa e expressiva, em suma, uma obra de Arte
Total sem fissuras nem oscilações.
Isto é o que não podem perdoar a Wagner os seguidores do
Ouro, aqueles que renunciam ao Amor a favor da Utilidade. Não
podem combater Wagner porque não são suas ‘ideias’ que devem
combater, mas sua Arte – e esta é invencível em sua qualidade.
19
Friedrich W. Ritschl (1806-1876) foi um filólogo clássico alemão, professor e amigo
de Nietzsche.
Nietzsche atacou brutalmente Wagner em vários libelos do pior
estilo, até que mais tarde, deixou de ocupar-se com ‘o caso Wagner’.
Os ataques anti-wagnerianos de Nietzsche devem ser vistos dentro
da perspectiva psicológica de Nietzsche: este havia sido um fiel e
humilde wagneriano (seu “camelo” segundo dirá o próprio Nietzsche
em “Assim falou Zaratustra”20). Havia encontrado em Wagner, e em
seu entorno, amizade e calor vital (o mesmo reconheceu sempre que
seus anos de visita a Tribschen haviam sido os mais maravilhosos
de sua vida) e romper com essas cadeias sentimentais lhe custaria
muito trabalho... Os libelos anti-wagnerianos são brutais porque
refletem a luta interna, a dor e a dureza do combate entre a fidelidade
a seu pensamento por um lado, e a amizade, o prazer de estar com
Wagner por outro. A ruptura por parte de Nietzsche foi dolorosa e
radical, foi “um rugido de leão” segundo o próprio Nietzsche.
Enquanto Wagner não tinha nada que lamentar-se por esta ruptura,
não dependia em nada de Nietzsche.
20
Há um trecho exemplar em “Das três transformações” dos “Discursos de Zaratustra”,
a citar: “O espírito sólido sobrecarrega-se de todas estas coisas pesadíssimas; e à
semelhança do camelo que corre carregado pelo deserto, assim ele corre pelo seu
deserto.
“No deserto mais solitário, porém, se efetua a segunda transformação: o espírito
torna-se leão; quer conquistar a liberdade e ser senhor no seu próprio deserto”. Cf.
NIETZSCHE, F. op. cit. N. do T.
CONCLUSÃO