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Introdução
A proposta deste artigo é relatar a experiência como observadora participante das oficinas de
Teatro do Oprimido, realizadas nas Unidades de Internação Feminina da Fundação CASA, na
Moóca em São Paulo. Por ocasião da pesquisa de mestrado, no período de 2011 à 2012, tracei
relações entre o processo de institucionalização e reabilitação de jovens infratoras e a contribuição
das oficinas de artes, mais precisamente as dedicadas ao ensino do teatro, com base na “estrutura
do drama social” proposta por Victor Turner (1987) e no conceito de “performance” elaborado
por Richard Schechner (1985).
No contexto socioeducativo, reconheço essas oficinas como um espaço de expressão,
dedicado ao desenvolvimento do potencial artístico e até mesmo político das jovens. No contato
com o projeto denominado “Teatro do Oprimido”1, reconheço os primeiros resultados de um
processo lento, porém efetivo de criação de protagonismo e autonomia, como nos sugere Paulo
Freire: “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor
que podemos ou não conceder uns aos outros.”
Nessas oficinas, observo as alterações posturais e gestuais (antes, durante e após as aulas)
que delineiam um percurso ímpar para a construção do corpo e expressão cênica das jovens atrizes-
performers.
Ao analisar o eco profundo do processo de institucionalização dessas jovens, em especial o
modo como lidam com o cerceamento da liberdade, questiono meu próprio processo criativo como
performer e experimento transportar esses elementos posturais e gestuais para meu corpo.
Considero como roteiro de experimentação, “os seis pontos de contato” propostos por Richard
Schechner (1985).
As contribuições teóricas e metodológicas da Antropologia da Performance sugeriram e
alicerçaram a proposta de um projeto temático em coreodramaturgia 2 que venho desenvolvendo
junto ao NAPEDRA–USP, cujo produto final será uma instalação virtual documentando o processo
de criação a partir de fotos, vídeos e textos realizados antes, durante e após o período da pesquisa na
forma de laboratórios de criação.
1
A oficina “Teatro do Oprimido” é ministrada pela arte-educadora Ana Maria Silva (Ana Borboleta) no Projeto Arte na
CASA de responsabilidade da ONG Ação Educativa. A Fundação CASA tem uma parceria com esta e outras ONGs.
Informações detalhadas sobre esse projeto e mais especificamente sobre a oficina de “Teatro do Oprimido” podem ser
obtidas na obra: Arte na Medida (MEDEIROS, Rodrigo (Org.). Arte na Medida. 1ª Ed., Max print -São Paulo, 2012.)
2
O site está previsto para lançamento no mês de março/2013 no endereço: www.coreodramaturgia.com .
2
3
HARTMANN, Luciana. “Performance e experiência nas narrativas orais da fronteira entre Argentina, Brasil e
Uruguai”. Revista Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 11, n. 24, p. 125-153, Dec. 2005.
4
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva 7ª ed. 2010, p. 7-108.
5
A Fundação CASA através de sua assessoria de imprensa declara que não se enquadrar na definição de “Instituição
Total”, pois de acordo com o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) faz parte de uma rede de
apoio (Sistema de Garantia de Direitos) e tem sua ação caracterizada pela “incompletude institucional”, já que não
possui toda estrutura necessária para atendimento ao adolescente em um único local físico. Essa normatização proposta
pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente está vigente desde 2006. Ao analisar o ambiente
socioeducativo da Fundação CASA como “instituição total” encontramos em Goffman (1983) duas características que
nos fazem compreender esse cenário social de forma diversa à declarada: 1) Os adolescentes permanecem internados ou
semi-internados conforme a gravidade do ato infracional cometido e 2) A Fundação CASA pode ser considerada uma
instituição para proteção da comunidade contra ameaças intencionais.
3
em consideração diretamente a percepção dos fenômenos enquanto experiência (dos indivíduos ali
presentes considerados nativos) e expressão (individual e coletiva) e, indiretamente, como memória
e história, reforçando seu processo cultural.
Mary Douglas6 reforça este fato ao descrever sobre o processo antropológico de observação
do corpo nos rituais sociais:
6
DOUGLAS, Mary. “Limites Externos” (cap. 7). In: Pureza e Perigo, de M. Douglas São Paulo: Perspectiva, 1976, p.
139-152.
7
Explicação publicada na revista institucional da Fundação CASA chamada: Casa em Revista, v.1-2009.
4
A reflexão sobre esse modelo de processo socioeducativo, baseada em Turner (1974, sugere
uma ruptura com a sua família, comunidade e ambiente conhecidos. Esse rompimento do
adolescente com o seu modo de vida habitual gera uma situação de crise e sua gradual
intensificação de modo a sugerir uma “problematização” de forma que o adolescente possa
identificar a situação de “não adaptação à sociedade” e os motivos que o levam ao conflito com as
leis. Após essa intensificação da crise, o adolescente será gradualmente instrumentalizado (inputs)
para lidar com essas dificuldades de adaptação e estimulado ao diálogo, a prática política e social.
Em seguida, ocorre a ação reparadora que caracteriza o processo de reabilitação. É a fase da
“catarse” (outputs) cujo ponto culminante do processo educativo demonstra a apreensão dos
conteúdos trabalhados e estrutura uma nova forma seu pensamento e comportamento. É
oportunidade de construção de um novo projeto de vida. O desfecho sugere a experiência de
vivência em um grupo (communitas) que resulta na experiência de harmonização-integração e a
transformação a que se pretende chegar após a conclusão do processo de crescimento pessoal.
As palavras-chaves: (a) ruptura, (b) crise e intensificação da crise, (c) ação reparadora e
(d) desfecho, são termos utilizados por Victor Turner (1974, 1987) para determinar a estrutura do
drama social. Ele interpreta esse ciclo dramático como: experiência, ritual de passagem,
performance.
Sobre esse processo de crescimento pessoal estruturado tanto na forma de ritual (Mclaren,
1991, 1999) quanto de drama social (Turner, 1974, 1987) acrescento a contribuição de Richard
5
Schechner (1985, 1990, 1988, 2003) com sua teoria da performance e seu conceito de
comportamento restaurado:
“Comportamento restaurado é o comportamento vivo tratado como se fosse a tira de
um filme pelo diretor. Essas tiras de comportamento podem ser reorganizadas ou
reconstruídas: elas são independentes do sistema que as criou (social, psicológico,
tecnológico). Elas tem vida própria. A ‘verdade’ original, ou ‘fonte’ do
comportamento, pode ser perdida, ignorada ou contradita – mesmo quando essa
verdade ou fonte está sendo coberta de honras (...) Dando origem a um novo
processo, usadas no processo de ensaio para criar uma performance, as tiras de
comportamento não são um processo em si, e sim coisas, itens, ‘matéria’. O
comportamento restaurado pode ter longa duração”. 8
De acordo com Schechner (1985, 2003), performances artísticas ou cotidianas – são feitas
de comportamento duplamente exercido, comportamentos restaurados, ações performadas que
as pessoas treinam para desempenhar. E é através da repetição, do ensaio e de uma nova
performance que essa experiência de aprendizado de si se consolida.
As etapas propostas por Vitor Turner (1987) sobre a estrutura do drama social dialogam com
os pontos de contatos (sequências) de Richard Schechner (1985) formando uma “ponte” que
permite associar a “estrutura do drama social” com as etapas de reabilitação da adolescente. Não
somente no que diz respeito à experiência, à vivência do “ciclo dramático” a que se propõe o
M.P.C., mas também quando a adolescente reincide no ato infracional e retorna para este processo
novamente.
O elemento principal de uma performance segundo Schechner é a noção de comportamento
restaurado. E para analisar esse aspecto proponho observar a descrição dos “seis pontos de contato”
de Schechner:
8
SCHECHNER, Richard. Between Theather and Anthropology. Filadelphia: University of Pennsylvania Press, 1985,
p.35)
9
GOFFMAN, 1983, p. 111-125.
6
Logo, comportamentos ritualizados no cotidiano como, por exemplo, a postura “mãos para
trás e cabeça baixa” e as falas repetidas à exaustão exigidas para acesso aos ambientes e atividades
na CASA (- “Licença Senhor!”, - “Sim, Senhor.”, entre outras.) caracterizam a proposta
institucional de controle da Fundação CASA e podem ser "lidas" como duplamente performáticas.
O fato das adolescentes passarem por um treinamento de "boas maneiras" na Unidade de
Internação Provisória e incorporá-lo de tal forma que ele permanece automatizado mesmo não
sendo mais solicitado na Unidade de Internação é mais um indício de comportamento restaurado.
Conforme relatado no início desse artigo, na Unidade Feminina de Internação pesquisada foi
implantado por meio da ONG Ação Educativa o projeto de oficinas do Teatro do Oprimido
ministrado pela professora Ana Maria da Silva (Ana Borboleta), alcançando resultados
significativos.
7
10
BOAL, Augusto. O Arco-íris do desejo: Método Boal de Teatro e Terapia –cidade: Editora Record – 1996, p.83-91.
8
“(...) A prática de Boal baseou-se em grande parte nas ideias desenvolvidas por Paulo
Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido, em especial, a necessidade de que as
pessoas libertem a si mesmas. (...) Não estava à procura de um público a ser
despertado apenas emocionalmente, para então purgar-se daquelas fortes emoções, de
terror e de compaixão. Ele estava em busca de espectadores para intervenção, para
transformar o estabelecido, para de fato prevenir-se contra o caráter trágico dos
acontecimentos. Ele queria um teatro para ensinar às pessoas que elas podiam
entender as situações em que viviam e que as oprimiam – e para isso elas precisariam
tomar uma atitude, uma atitude especificamente concreta, para burlar essa opressão.
(...)Boal pensava que o teatro podia ensinar as pessoas sobre quem e o que as oprimia
e, não obstante, oferecer modos de se opor e de se sobrepor à opressão. 11
Nesse sentido a visão de Schechner de que todos os nossos comportamentos são restaurados
e a performance é twice-behaved-behavior (duas vezes comportamento restaurado).
O estágio número 1 equivale ao Eu – a pessoa ensaiando para uma performance ser (2) outra
pessoa, além de mim, (4) evento restaurado, (5b) não evento restaurado ou (5c) não evento
restaurado - não público, que são os psicodramas. O ser humano (1) busca no passado tiras de
comportamento, em eventos reais (3) ou em não eventos (5a), que são reorganizadas, ensaiadas,
remontadas até se tornarem performance.
11
SCHECHNER, Richard, ICLE, Gilberto, Pereira. Marcelo de Andrade. O que pode a performance na educação? :
uma entrevista com Richard Schechner. Revista Educação e Realidade, Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação de
Santa Maria, número 35 vol. 2. 23-35, maio/agosto 2010.
12
PESSUTO, Kelen. O Afeganistão através das lentes de Samira Makhmalbaf: O cinema iraniano como performance
estética. In: Performance Arte e Antropologia. São Paulo, Hucitec, 2010, p. 108.
9
O diagrama de Schechner pode ser utilizado para “ler” uma performance, seja ela um filme,
uma música, uma dança, um texto, um drama social. Para exemplificar, utilizarei a entrevista
concedida pela adolescente “A”:
Pergunta: - Você participa do Teatro, como é tua experiência com o teatro? Resposta de “A”: -
Eu acho que foi mais por causa do teatro que eu to bem hoje. Porque quando eu entrei eu falava:
“Acha?”... vou saé... Profe! ...que minha profe chama Ana Borboleta, né? Eu falava assim pra
ela: “Profe eu vou sair daqui pior do que eu entrei!”...Mas aí ela foi... começou a fazer umas
dinâmica... que a gente consegue ser uma pessoa melhor eu acho que assim... pelo teatro... eu
estou mais...refletindo mais e sou uma pessoa melhor hoje pelo teatro. Quero participar lá fora...
quero fazer um futuro melhor. Pergunta: - Como você sente seu corpo antes de entrar na aula?
Ou Quando você não tem aula de teatro como fica seu corpo? Resposta de “A”:- Eu já me
irrito eu sou muito irritada, tem hora... aí né? Eu...acho que o corpo fica pesado... a gente só fica
pensando na nossa família... e quando a gente tá no teatro não... a gente tenta passar o melhor de
nós para o grupo... isso que é leveza (...) [Na aula]- Sinto meu corpo leve... flutuando... Logo
que eu entro a profe já dá... ela já pergunta pra nóis o dar e o receber que é tipo assim, o que é
que nóis qué dá pra aquele grupo e o que que a gente quer receber desse grupo e são as coisas
melhores que tem – aqui no páteo a gente num tem muita convivência uma com a outra mas
dentro do grupo do teatro é o grupo... é um grupo ...aquilo a gente pode falar que é um grupo...
um companheirismo... se uma tá precisando de força nóis tenta manter ela com muita força,
muita energia positiva... Pergunta: Você acredita que quando você entra na sala de aula, muda
seu relacionamento com suas colegas? Resposta de “A”:- Muda, muda. (Transcrição parcial da
entrevista com a Adolescente chamada de “A.” pertencente a UI - Caderno de Campo –
28/11/2011)
professora de teatro que dirige a peça e propõe o personagem), (4) evento restaurado
(performance pública), (5b) não evento restaurado (aulas de teatro) ou (5c) não evento restaurado
- não público, que são os psicodramas (performances). O ser humano (1) busca no passado tiras de
comportamento, em eventos reais (3 – interdição, fatos da vida, apresentações públicas das
performances ensaiadas) ou em não eventos (5a - aulas de teatro), que são reorganizadas,
ensaiadas, remontadas até se tornarem performance, de acordo com Schechner.
No Laboratório de Coreodramaturgia, como abordarei a seguir é possível exercitar as
possibilidades do não-não eu e dos eventos (reais) e não eventos para realização de performances
e experimentações da dinâmica do comportamento restaurado.
Laboratório de Coreodramaturgia
Essa reflexão originou os “seis pontos de contato” e o “rasaboxes 14”. Ao experimentar essas
duas formas de trabalho em laboratório de criação (“os seis pontos de contato” no campo de
pesquisa e o “rasaboxes” em um workshop promovido pelo NAPEDRA com Schechner em 2012)
13
SCHECHNER, Richard. "Performers e espectadores: transportados e transformados". Revista Moringa, João Pessoa,
Vol. 2, n. 1, p. 156, jan./jun. de 2011.
14
MINNICK, Michele e COLE, Paula Murray. "O ator como atleta das emoções: os rasaboxes", Revista Percevejo On-
line, Periódico do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas PPGAC/UNIRIO- Volume 03 – Número 01 – p. 1-25
-janeiro-julho/2011.
11
ficou clara essa diferença corporal e performática, em termos de resultado final do processo
criativo.
Os “seis pontos de contato” para mim se transformaram num roteiro de criação e
experimentação passo-a-passo e no modo de ler o trabalho de outro ator-performer. O “rasaboxes”,
por outro lado, possibilitou a experiência do fluxo e da não-separatividade do trabalho criativo e do
criador: performance e performer respectivamente.
Acostumada a trabalhar com a proposta de Constantin Stanislawski e de Viola Spolin, o que
Schechner propôs para mim por meio de seu “rasaboxes” foi a desconstrução de padrões enraizados
e a possibilidade da espontaneidade imediata, de perceber uma poética sensória do corpo que posso
traduzir como a experiência de não-interpretar. Curiosamente Schechner partiu do conceito
Stanislawskiano de "construção da personagem" para desenvolver seu próprio método. A
autenticidade almejada também por Stanislawski era, segundo ele mesmo possível de ser
conquistada após um longo processo de trabalho que poderia levar cerca de um ano de ensaios.
Partir da emoção para a performance, como sugere Schechner, ocorre em quatro etapas. A
primeira etapa, quando o “rasaboxes” é desenhado, há uma breve apresentação de cada espaço
(boxes) e da emoção correspondente. Os performers recebem giz colorido e passam a escrever e
desenhar nas caixas tudo o que lhes vem à mente de imediato.
Na segunda etapa, um performer de cada vez escolhe uma caixa e entra dentro dela se
deixando levar por tudo o que de espontâneo venha à tona. A sugestão e única direção apontada por
Schechner é o fluxo, se deixar incorporar pela emoção/sensação evocada pela caixa.
Na terceira etapa, dois performers de cada vez entram na caixa e interagem e saem da caixa.
Na quarta etapa, é sugerida aos performers que entrem em caixas diferentes ou na mesma para a
interação inicial, mas depois mudem de caixas seguindo o fluxo de tomada de emoções e interações.
Da segunda à quarta etapa não é permitido "racionalizar" ou preparar algo antes de entrar na
caixa. A experiência do fluxo deve ser ela mesma completa em si mesma e esgotada em todas as
suas possibilidades decorrentes da interação performer-caixa, performer-performer-caixas.
Essa possibilidade de fluxo visceral e imediato pode ser explicada por Damasio da seguinte
forma:
"Os níveis mais baixos do edifício neurológico da razão são os mesmos que
regulam o processamento das emoções e dos sentimentos e ainda as funções
do corpo necessárias para a sobrevivência do organismo. Por sua vez, esses
níveis mais baixos mantêm relações diretas e mútuas com praticamente todos
os órgãos do corpo, colocando-o assim diretamente na cadeia de operações
que dá origem aos desempenhos de mais alto nível da razão, da tomada de
12
A clássica frase me moveu a separar as peças para composição de uma leitura particular de
“Pequeno Príncipe”, o personagem do livro e do filme de mesmo nome. Esse processo de
construção-desconstrução trouxe à tona conteúdos que eu não poderia imaginar que pudessem estar
entremeados com o significado particular de privação de liberdade (cativeiro). A sensação paradoxal
15
DAMÁSIO, Antônio R. O erro de Descartes: emoção , razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras,
1996 p. 13.
13
de estar ao mesmo tempo fora e dentro da pesquisa me fez com que houvesse o movimento de
buscar a razão para explicar o processo e ao mesmo tempo o impulso de entrega à experiência.
Respirei. Foram inúmeros exercícios respiratórios até que eu me sentisse a vontade em começar o
trajeto em direção ao local da performance. Dirigi até o local que mais me aproximava do contato
com o ambiente socioeducativo e que seria possível mergulhar nesse processo catártico em busca da
performance. Procurei o espaço ideal (uma estrada próximo às unidades da Fundação CASA em
Guarulhos, local onde trabalhei como professora); comecei a caminhar. Experimentei as emoções e
expressões que vinham naturalmente. Enquanto tomava contato com esse processo, fui
documentando de forma audiovisual toda a transformação.
Pude perceber que o texto não é fundamentalmente necessário nesse processo, utilizando o
que memorizei da história do personagem que me inspirou e as próprias memórias que recorriam a
mente quando olhava para estrada em direção aos prédios distantes. A dramaturgia, a poética da
cena foi se construindo tendo como suporte essencial o corpo e o seu movimento (interno e
externo). Após algumas experimentações de performance (ensaios/aquecimentos) pude tirar
diferentes impressões e elaborar um segundo personagem. Enquanto na primeira oportunidade, fui
inspirada pela história do Pequeno Príncipe, dei especial atenção à postura em pé, ao movimento da
marcha e expressões que evocaram emoções fortes como: medo, saudade, raiva, rejeição, tristeza.
Enquanto na segunda experiência, inspirada no personagem da bailarina clássica que denominei de
“O Cisne Branco”, experimentei a oposição não muito óbvia elegendo o chão, a mínima
movimentação e emoções mais sutis.
Após esse processo ficou claro que eu havia seguido não somente as etapas propostas por
Turner e os seis pontos de contato de Schechner, mas sem me dar conta havia conseguido vivenciar
o “comportamento restaurado” através da construção da performance. Para exemplificar de forma
mais clara, aplicarei o diagrama de Schechner e sua descrição à performance do Pequeno Príncipe
Desconstruído:
O estágio número 1 equivale ao Eu (Tatiana) – a pessoa ensaiando para uma performance
ser (2) outra pessoa (Personagem – Pequeno Príncipe Desconstruído), além de mim (As
referências sobre o Pequeno Príncipe propostos por Antoine de Saint-Exupéry), (4) evento
restaurado (ensaios), (5b) não evento restaurado (happenings) ou (5c) não evento restaurado - não
público, que são os psicodramas (performances). O ser humano (1) busca no passado tiras de
comportamento, em eventos reais (local da performance, caminho para fundação CASA
Guarulhos I, lembranças, entrevistas CASA Chiquinha Gonzaga, história pessoal - infância e
14
adolescência) ou em não eventos (5a - ensaios), que são reorganizadas, ensaiadas, remontadas até
se tornarem performance.
BIBLIOGRAFIA:
BOAL, Augusto. O Arco-íris do desejo: Método Boal de Teatro e Terapia - Editora Record - 1996.
DAMÁSIO, Antônio R. O erro de Descartes: emoção , razão e o cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
DOUGLAS, Mary. “Limites Externos” (cap. 7). In: Pureza e Perigo, de M. Douglas São Paulo:
Perspectiva, 1976, p. 139-152.
15
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo, Perspectiva 7ª ed. 2010.
GOFFMAN, E. “The interaction order”. American Sociological Review, v. 48, p. 1-17 - 1983.
LANGDON, E. Jean. “A fixação da narrativa: do mito para a poética da literatura oral”. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre: PPGAS/UFRGS, ano 5, n. 12, p. 13-36- dez. 1999.
MAUSS, Marcel. “Uma Categoria do Espírito Humano: A Noção de Pessoa, a Noção do Eu.” In:
Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, São Paulo: Cosacnaify. p.367-397-1974.
MAUSS, Marcel “As Técnicas do Corpo”. In: Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, São
Paulo: Cosacnaify. p. 399-420 -2007.
MINNICK, Michele e COLE, Paula Murray. "O ator como atleta das emoções: os rasaboxes",
Revista Percevejo On-line, Periódico do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
PPGAC/UNIRIO- Volume 03 – Número 01 – p. 1-25 -janeiro-julho/2011.
PESSUTO, Kelen. “O Afeganistão através das lentes de Samira Makhmalbaf: O cinema iraniano
como performance estética”. In: Performance Arte e Antropologia. São Paulo, Hucitec, 2010, p. 95-
117.
PESSUTO, Kelen. O Afeganistão através das lentes de Samira Makhmalbaf: O cinema iraniano
como performance estética. In: Performance Arte e Antropologia. São Paulo, Hucitec, 2010, p. 95-
116.
PESSUTO, Kelen. O 'espelho mágico' do cinema iraniano: Uma análise das performance dos
"não" atores nos filmes de arte. Campinas: UNICAMP, 2011. 266 p. Tese (Mestrado) – Programa
de Pós-Graduação em Artes, Instituto de Artes, Universidade de Campinas, Campinas, 2011.
SCHECHNER, Richard, ICLE, Gilberto, Pereira. Marcelo de Andrade. O que pode a performance
na educação? : uma entrevista com Richard Schechner. Revista Educação e Realidade, Rio Grande
do Sul, Faculdade de Educação de Santa Maria, número 35 vol. 2. 23-35, maio/agosto 2010.
TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. New York: PAJ publications, 1987.