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RPGM
Revista Acadêmica

A CRIANÇA HIPERATIVA NA PERSPECTIVA DA NEUROCIÊNCIA E A


POSSIBILIDADE DOS JOGOS TEATRAIS

THE HYPERACTIVE CHILD IN NEUROSCIENCE’S PERSPECTIVE AND THE POSSIBILITY OF


THEATRICAL GAMES

Ana Paula Carvalho Mangili1, Miriam Esperidião de Araújo2

RESUMO
Este artigo elucida o que é o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade bem como as
características da criança hiperativa e suas dificuldades e desafios. Concentramos nossa atenção nas
contribuições dos estudos da Neurociência para encontrarmos explicações sobre o funcionamento
do cérebro da criança hiperativa com o intuito de propor estratégias para o trabalho na escola.
Após estudos sobre jogos teatrais, consideramos que essas atividades são potencialmente positivas
para o desenvolvimento de capacidades fundamentais na criança para que ela aprenda a controlar
suas emoções e impulsos, além de uma série de outras habilidades para a vida social, emocional e
cognitiva.

Palavras-chave: Hiperatividade. Neurociência. Jogos Teatrais.

ABSTRACT
This paper elucidates what is attention deficit hyperactivity disorder as well as hyperactive child´s
characteristics, difficulties and challenges. We concentrated our attention in Neuroscience contributions
in order to find explanations for the hyperactive child´s brain operations to propose school work strategies.
After studies about theatrical games, we considerate that these activities are potentially positive for the
development of a child´s fundamental capacities to learn how to control emotions and impulses besides
a series of other skills for social, emotional and cognitive life.

Key words: Hyperactivity. Neuroscience. Theatrical Games.

1 EMEI Jardim Felicidade, Colégio Estrela Sirius

2 Faculdades Integradas Campos Salles – FICS, Faculdade Estácio-FNC, Instituto ABCD

Revista de Pós-Graduação Multidisciplinar, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 171-180, nov. 2017/fev. 2018.


ISSN 2594-4800 | e-ISSN 2594-4797 | doi: 10.22287/rpgm.v1i3.703
MANGILI, A. P. C., DE ARAÚJO, M. E.: A CRIANÇA HIPERATIVA NA PERSPECTIVA
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1. INTRODUÇÃO
Considerando a importância do tema das neurociências, da saúde mental na escola com a
política de educação inclusiva, nosso estudo tem como objetivo geral refletir sobre as contribuições
dessa ciência para a Educação, tentando buscar suas relações com a aprendizagem. Para delimitar o
nosso tema de pesquisa, temos como objetivo específico relacionar as contribuições da Neurociên-
cia para a compreensão do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e a prática educacional,
bem como a proposição de jogos teatrais na escola como uma forma de trabalhar capacidades fun-
damentais para o sucesso escolar.

As reflexões deste artigo se justificam dada a necessidade de profissionais da área de Educa-


ção terem um novo olhar para suas práticas a partir das descobertas da Neurociência. Nossa hipóte-
se é a de que o conhecimento dessas descobertas auxilia os profissionais da Educação a desenvolver
estratégias, cada vez mais elaboradas, para um melhor atendimento aos alunos com hiperatividade,
no caso desse artigo.

Sabendo disso, pretendemos refletir sobre a seguinte problemática: Quais são as contribui-
ções da Neurociência para a Educação? O que ela pode nos oferecer para iluminar as reflexões acerca
da criança hiperativa? Que capacidades precisam ser trabalhadas com esses alunos?

Sendo assim, nosso artigo está embasado em pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico em
que nos debruçaremos a compreender o que é a hiperatividade; as contribuições da Neurociência
para o sucesso escolar e os jogos teatrais na escola como proposta de trabalho.

2. ENTENDENDO A HIPERATIVIDADE
Segundo Antunes (2001) até 1980 pouco se sabia sobre a hiperatividade e as dificuldades na
capacidade de fixar a atenção, entretanto, as origens do Transtorno de Déficit de Atenção com Hipe-
ratividade (TDAH) já eram estudadas há muitos anos, sendo atribuído ao pediatra inglês Georg Fre-
derict Still, em 1902, o primeiro alerta de que a desatenção e a hiperatividade estariam relacionadas
e ocorriam de maneira involuntária em muitas crianças.

Transtorno de Déficit de Atenção, TDA, ou TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hipe-
ratividade), como é conhecido hoje, é a dificuldade que o indivíduo tem em se concentrar e manter
a atenção. Trata-se de uma disfunção parcial e relativamente incurável do córtex pré-frontal, ou ain-
da, segundo Antunes (2001), falhas no funcionamento do córtex pré-frontal do cérebro, daí, muitas
vezes, a necessidade de remédios estimulantes para essa área, como a dopamina e a noradrenalina.

Antunes (2001) compara o TDAH com a miopia, dizendo que para a miopia existem os óculos
que não curam, mas corrigem o defeito dos olhos, e que, se a medicina não tivesse se desenvolvido
nessa área e nada soubéssemos sobre a miopia, certamente os míopes poderiam ser, injustamente,
vistos como preguiçosos por não conseguirem realizar suas atividades de modo satisfatório. Deno-
mina, portanto, o TDAH como a “miopia da atenção”, para a qual não existem óculos.

Segundo Silva (2003), são vários os fatores causadores do TDAH. Estudos realizados em gême-
os idênticos, ou seja, com o mesmo material genético, mostraram uma concordância de 50%. O que

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significa que o fator genético é importante, mas não é único, pois se assim fosse, essa concordância
seria de 100%.

Essa compreensão significa uma mudança radical em relação à manifestação gené-


tica da neurobiologia humana. Tudo indica que a bioquímica cerebral possui uma
espécie de plasticidade que a torna passível de mudanças a cada momento vital.
Assim sendo, a biologia cerebral que se possui ao nascer (com fortíssima carga ge-
nética) pode sofrer alterações de intensidades variadas em resposta ao ambiente
externo, ou seja, acontecimentos vitais, como traumas físicos ou psicológicos mui-
to dolorosos, podem deixar “cicatrizes” no corpo, na alma e também na estrutura da
massa cerebral. (SILVA, 2003, p. 181).

Comumente chama-se a criança com TDAH ou TDA de criança hiperativa, nesse sentido a par-
tir de agora vamos nos referir a ela dessa forma.

Embora a criança hiperativa tenha uma inteligência normal, seu estado é caracterizado por
problemas de aprendizado e comportamento. Professores e pais precisam saber lidar com a falta de
atenção, impulsividade e instabilidade emocional.

Segundo Silva (2003), os comportamentos das crianças hiperativas interferem em todos os


aspectos da vida: familiar, escolar e social.

O mundo está fora de foco para as crianças hiperativas, pois não conseguem focalizar a aten-
ção nas coisas por muito tempo e logo se sentem irrequietas e aborrecidas de modo que seguem um
estímulo atrás do outro, sempre insatisfeitas, não conseguindo completar quase nenhuma atividade.

Crianças hiperativas não enxergam as consequências de uma ação, nem aprendem facilmente uma
ação, vivem os momentos presentes levadas pelo impulso e pela necessidade de estímulo, por exemplo,
não pensam no perigo de atravessar uma rua atrás de uma bola ou de conversar com estranho.

As crianças com hiperatividade são pouco compreendidas e acabam sendo rotuladas com
nomes feios, como:”motorzinho nas pernas“, pois não conseguem se manter sentadas; ”abelhudo”,
“furão”, pois ficar em fila para elas é um suplício; “linguaruda”, ela atravessa todas as palavras e sai
falando o que vem à cabeça. Essas crianças são classificadas, erroneamente, como preguiçosas, não
inteligentes ou problemáticas.

Contudo, essas crianças se esforçam para mudar seu comportamento, mas seus esforços nunca
são suficientes para modificar a impressão que se tem delas. A vida é uma experiência frustrante para
a criança hiperativa, até mais frustrante para elas do que para seus professores, por exemplo, na escola.

Para entender melhor essa delicada caminhada da criança hiperativa é necessário conhecer as
questões a seguir.

As crianças hiperativas são em tudo “mais”: mais impulsiva, mais impaciente, mais intolerante,
são crianças que fazem a tarefa rápido demais, são difíceis de parar na carteira, aprendem rápido o
que é transmitido e perdem rapidamente a atenção.

Elas podem ter muitos problemas devido à “dificuldade de aprendizado”, mas são geralmente
muito inteligentes. Sabem que determinados comportamentos não são aceitáveis, mas apesar do

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desejo de agradar e de ser educada e contida, não conseguem se controlar. Podem ser frustradas,
desanimadas e envergonhadas. Sabem que são inteligentes, mas não conseguem desacelerar o sis-
tema nervoso a ponto de utilizar o potencial mental necessário para concluir uma tarefa.

Com todas as dificuldades em se conter, a criança hiperativa sofre, sendo muito nova para
refletir sobre questões tão complexas de convivência social e outras em que o controle de seus im-
pulsos seja necessário e desejável. Sentir-se-á deslocada e, de alguma forma, defeituosa.

Segundo Topczewski (1999), a hiperatividade não se manifesta de maneira constante, pois há


momentos, como por exemplo, em atividades de esportes, natação principalmente, em que não se
nota a hiperatividade. Em épocas de férias, a hiperatividade pode se manifestar menos acentuada,
pois a rotina é modificada e menos rígidas com obrigações e horários.

A hiperatividade pode ser percebida em qualquer fase da vida, porém, torna-se mais nítida
em idade pré-escolar. Pode-se observar na escola o comportamento destoante em relação às outras
crianças, como: movimentos excessivos, atrapalhar a dinâmica da aula, falar muito, interromper o
professor com frequência, não prestar atenção e não se concentrar nas atividades, interferir nas con-
versas alheias de forma inoportuna, fazer brincadeiras fora de hora que tumultuam a classe e ter o
desempenho sempre abaixo da média.

Todos esses fatores contribuem para uma repercussão social bastante negativa. Essas crianças
costumam ser discriminadas pelos colegas, pois atrapalham as brincadeiras, não respeitam regras,
querendo impor as suas próprias. Para o estado emocional da criança, o afastamento é um fator
agravante.

Tanto para Topczewski (1999) como para Silva (2003), o hiperativo costuma apresentar proble-
mas emocionais: agressividade, impulsividade, espírito destrutivo, dificuldade de relacionamento
interpessoal e social, autoimagem negativa e baixa autoestima. Esses autores ampliam a visão sobre
os problemas acarretados pelo TDAH na criança.

Silva (2003) aponta também para a diferença do transtorno na menina, que geralmente é mais
quieta que os meninos, podendo muitas vezes ter um diagnóstico tardio por apresentar o déficit de
atenção sem a hiperatividade.

Nesse item, pudemos compreender um pouco sobre o que é TDAH e a criança hiperativa, suas
dificuldades e desafios que surgem não só na família, mas na escola e na vida social em geral.

Passaremos, então, a conhecer um pouco sobre como a Neurociência pode nos ajudar a enten-
der TDAH e a criança hiperativa para pensarmos em estratégias a serem adequadas na escola com o
objetivo de ajudar o hiperativo a vencer barreiras e aprender com qualidade.

3. CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA E O SUCESSO ESCOLAR


De acordo com Macedo e Bressam (2016), estudos em Neurociências podem lançar luz sobre
vários aspectos do desenvolvimento da criança e adolescentes na escola, portanto, este item do arti-
go tratará de questões neurocientíficas que poderão nos iluminar no desenvolvimento de atividades

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escolares e a olhar cuidadosamente para aqueles alunos que possuem um funcionamento cerebral
diferente, como os alunos hiperativos, foco deste trabalho.

Recente estudo da neurociência (Psychiatry, 2017), revelou que estruturas responsáveis pela
regulação das emoções, motivação e sistema de recompensa, como amígdala cerebral, acúmbens
e hipocampo são menores em pacientes com TDAH. Descobriu-se também que essa alteração no
tamanho das estruturas se modifica à medida que o paciente chega na fase adulta, o que leva os pes-
quisadores a acreditarem numa compensação com o passar dos anos. Os resultados dessa pesquisa
possibilitam a crença de que o TDAH é um atraso na maturação das regiões cerebrais reguladoras
das emoções, motivação e sistema de recompensa.

Dessa forma, a Neurociência, de acordo com o Centro Ibirapuera de Neurociência Aplicada –


CINA (2015), acredita que a melhor forma de ajudar os indivíduos nessa condição é estimulá-los a
desenvolver habilidades de controle de impulsos, manutenção da motivação, concentração, plane-
jamento e solução de problemas sem que percam suas características de produção e criatividade.

Buscamos em Salla (2012) informações neurocientíficas sobre as emoções, a motivação e a aten-


ção, pois elas interferem positiva ou negativamente no processo de aprendizagem de qualquer indivíduo.

Quanto às emoções, pesquisadores da Universidade da Califórnia fizeram pesquisas nos anos


90 com duas séries de imagens e descobriram que, do ponto de vista das emoções, as imagens com
caráter emocional produziram maior recordação no grupo de pessoas estudadas do que as imagens
neutras. Por meio de tomógrafo, os cientistas identificaram que a ativação da amígdala (parte impor-
tante do sistema emotivo do cérebro) foi maior no caso das imagens emotivas e, por isso, houve mais
retenção da informação no cérebro.

No que se refere à motivação, existe em nosso cérebro um sistema dedicado à motivação e


à recompensa. Quando o cérebro é afetado de forma positiva por alguma coisa, tal região cerebral
produz dopamina que gera bem-estar, mobiliza a atenção da pessoa e reforça o comportamento
dela em relação ao que a afetou. Isso quer dizer que se o cérebro se frustrar e não obter prazer do
sistema de recompensa, a tarefa será abandonada.

Por fim, as pesquisas comportamentais e neurofisiológicas comprovaram que só é possível


processar uma informação quando nosso sistema nervoso central estiver atento. Um desvio de aten-
ção pode prejudicar uma aquisição de habilidade e a memorização.

Duas outras questões fundamentais para a aprendizagem segundo a Neurociência são a com-
preensão da plasticidade cerebral e a memória.

Quanto à plasticidade cerebral, é importante ter em mente que o cérebro se modifica em con-
tato com o meio durante toda a vida. A interferência do ambiente no sistema nervoso causa mudan-
ças anatômicas e funcionais no cérebro. De acordo com Salla (2012, p. 54), “... a quantidade de neurô-
nios e as conexões entre eles (sinapses) mudam dependendo das experiências pelas quais se passa.”

No tocante à memória, o armazenamento de uma nova informação se dá pela ativação de


redes neurais por associação ou criação de vínculos e relações de um conhecimento novo com um
conteúdo já conhecido e armazenado. Quanto mais frequente for a ativação das redes neurais, mais

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estáveis serão as conexões sinápticas e, consequentemente, a recuperação da memória.

As cinco questões abordadas acima estão associadas ao que Mietto (2017) denomina funções
executivas e que têm relação à prontidão ao trabalho escolar e ao desempenho escolar, a saber: con-
trole inibitório; memória de trabalho e flexibilidade cognitiva.

Segundo Mietto (2017), controle inibitório ou autocontrole é “o controle de inibição e a capa-


cidade de resistir a uma forte inclinação para fazer uma coisa e fazer o que é mais adequado ou ne-
cessário”. Para conseguir isso, a criança precisa prestar atenção, permanecer na tarefa apesar e inibir
o agir impulsivamente. Segundo Macedo e Bressan (2016, p. 29-30)

O controle inibitório refere-se à capacidade de focar, concentrar-se, estar atento


aos diferentes aspectos que compõem uma situação, controle das emoções, ou
seja, aprender a autorregular suas expressões, a autogoverná-las. (BRESSAN, 2016,
P.29-30)

Memória de Trabalho é, para Mietto (2017), “a capacidade de manter as informações na memó-


ria enquanto mentalmente trabalha esta informação.” Para Macedo e Bressan (2016, p. 29) “Refere-se
a representar verbalmente objetos, ações, sentimentos, narrativas e, igualmente, aprender a compor
imagens visuais, auditivas, táteis.”

E flexibilidade cognitiva  é ser capaz de mudar rapidamente e facilmente perspectivas ou o


foco de atenção, é a capacidade de se ajustar às exigências de alterações do ambiente, ou priorida-
des. Ela é fundamental para a resolução criativa de problemas. (MIETTO, 2017). Ela diz respeito ao
“aprender a considerar as diferentes possibilidades de fazer algo, a entrar e sair do fluxo dos aconte-
cimentos.” (MACEDO E BRESSAN, 2016, P. 30)

Segundo Macedo e Bressan (2016, p. 30) pelas funções executivas, e por meio delas que, “o
adolescente poderá enfrentar e superar problemas..., ou seja, será capaz de julgar, tomar decisões e
planejar de forma positiva para si mesmo, para seus pares e para a sociedade em que pertence.”

Sendo assim, o trabalho com crianças com TDAH, mas também com todas as outras crianças,
deve desenvolver atividades que provoquem emoções positivas; a motivação e atenção; propiciem
experiências positivas para a plasticidade cerebral e objetivem a associação com conhecimentos
prévios para fortalecer a memorização. Esses cinco elementos contribuem para o desenvolvimento
das funções executivas e consequentemente para o sucesso escolar. De acordo com Macedo e Bres-
san (2016, p 11)

o problema da escola de hoje, inclusiva ou para todos, é o de possibilitar que todas


as crianças e jovens, no limite de suas possibilidades, aprendam, o que implica con-
siderar suas condições orgânicas, sociais, cognitivas, emocionais e físicas. (BRES-
SAN, 2016, p.11)

Dessa forma, proporemos a seguir a estratégia com jogos teatrais na escola em que uma série
de capacidades pode ser desenvolvida com alunos hiperativos, mas que também proporciona de-
senvolvimento para os demais alunos.

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4. OS JOGOS TEATRAIS NA ESCOLA


O que precisamos ter em mente são os tipos de atividades que canalizam a atenção da criança
hiperativa para que ela trabalhe todo o seu potencial de forma positiva. O teatro é uma importante
ferramenta para estimular as crianças e controlar a hiperatividade

O teatro se propõe a desmistificar determinados comportamentos e a indicar um


caminho para que as qualidades sejam exploradas de forma eficiente e transforma-
dora. As experiências e conhecimentos vivenciados na escola, e por meio da escola,
possuem um importante significado para o desenvolvimento social e emocional
da criança. (VASCONCELOS, 2013, p. 78)

Reverbel (1989) mostra o resultado positivo de uma pesquisa com teatro na educação, da Fa-
culdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foram observadas diferen-
ças acentuadas no desenvolvimento da capacidade de expressão dos alunos.

Foram trabalhados alunos com desenvolvimento normal quanto à capacidade de relaciona-


mento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção e um outro grupo que apresentava
bloqueios relacionados a essas capacidades.

A hipótese era a seguinte: Os alunos poderiam vencer suas dificuldades por meio da prática
de atividades globais de expressão. O trabalho foi desenvolvido durante quatro anos com o primeiro
grupo no horário escolar e o segundo nos Clubes de Expressão em horário extraclasse. Os resultados
foram altamente positivos.

Foram aplicadas atividades globais de expressão que proporcionam ao aluno a descoberta de


si próprio, do outro e do mundo em que está inserido.

Atividades de expressão são jogos dramáticos, musicais ou plásticos em que o aluno exterio-
riza, por meio do movimento e da voz, seus sentimentos mais profundos e sua maneira pessoal de
ver o mundo.

O objetivo nessas atividades é ampliar e orientar as possibilidades de expressão do aluno.


Durante a atuação as personalidades se revelam, pois os alunos se colocam frente a problemas, que
necessitam de soluções que envolvem observação, imaginação, percepção, relacionamento, espon-
taneidade, equilíbrio, ritmo, entre outras competências. Cabe ao educador oferecer atividades, num
clima de ampla liberdade, respeitando as ideias dos alunos e suas manifestações.

O importante é o processo de desenvolvimento das capacidades de expressão. O produto final


não deve ser enfatizado. É o processo contínuo que vai revelar o crescimento gradual das possibilida-
des expressivas. Percebido o processo do aluno, podemos oferecer sempre atividades de realimen-
tação (reforço).

As capacidades de expressão (relacionamento, espontaneidade, imaginação, observação e


percepção) são inatas no ser humano, mas precisam ser estimuladas e desenvolvidas.

Cada conjunto de atividades trabalha uma área e não precisa respeitar ordem, porém, é acon-
selhável segui-la, pois cada etapa funciona como suporte para a outra. Essa ordem pode mudar de

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acordo com as características dos alunos. Relacionamento Social; Espontaneidade; Imaginação; Ob-
servação; Percepção.

É preciso focar uma única capacidade de expressão durante a avaliação do aluno, o que não
significa que as outras capacidades também não estejam sendo trabalhadas. O aluno participa da
avaliação, debatendo no final. O foco tem o único objetivo de facilitar o trabalho em sala de aula.

O aluno que apresenta bloqueios, dificuldades para exprimir em linguagem verbal ou gestual
seus sentimentos, emoções e sensações à medida que se conhece, conhece o outro e o mundo que
o cerca, toma consciência de seu papel, do próprio corpo, relacionando movimento, espaço, ritmo e
aos poucos passa a expressar-se naturalmente.

A adaptação da criança ao grupo escolar é muito importante. Essas atividades favorecem o


autoconhecimento e o conhecimento do outro. Por meio dessa vivência, a criança perceberá as di-
ferenças no agir, percebendo que não existe o certo e o errado, mas sim maneiras diferentes de
expressão. Com essa experiência, ela passa a encarar o mundo externo como real e concreto com
limites claros e definidos.

A espontaneidade precisa ser desenvolvida sem que a criança tenha medo de estar agindo er-
rado, devendo comportar-se espontaneamente e naturalmente. Assim, desenvolve a autoaceitação,
favorecendo o desenvolvimento da sua capacidade de expressão.

Sendo assim, os jogos teatrais oferecem possibilidades de diversas competências relacionadas às


emoções positivas; geram motivação e desenvolvem a atenção do aluno; propiciam experiências positi-
vas para a plasticidade cerebral, tudo isso colabora para alavancar uma série de outras habilidades fun-
damentais para o desenvolvimento das funções executivas e, consequentemente, para o sucesso escolar.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura deste artigo nos levou a conhecer o que é TDAH e como a criança hiperativa tem seu
comportamento alterado devido ao transtorno. Infelizmente, não há cura para o problema, entretan-
to, a criança hiperativa pode estar bem ajustada aos ambientes sociais se for bem orientada na esco-
la e desenvolver suas potencialidades no sentido de controlar suas emoções, agitação e impulsos e
aprender a manter sua atenção quando assim for necessário.

Pudemos observar também que as contribuições dos estudos neurocientíficos são de grande
importância para o profissional da educação, uma vez que as pesquisas nos mostram como o cére-
bro do hiperativo funciona e em que aspectos devemos nos esforçar mais para ajudar as crianças a
se desenvolverem emocionalmente, socialmente e cognitivamente, uma vez que os hiperativos são
inteligentes e capazes de ultrapassar barreiras.

Propusemos como estratégia educacional os jogos teatrais, pois são eles ferramentas para
as crianças exercitarem suas capacidades de expressão, conhecendo a si mesmas, os outros ao seu
redor e o mundo em que está inserida. Dessa forma, a criança aprenderá como os outros veem o
mundo e mostrará ao mundo como ela o vê, sendo uma troca de experiências em que todos saem
ganhando em inúmeros aspectos emocionais, sociais e cognitivos.

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Os jogos teatrais, como vimos, possuem a característica de desenvolver em seus participan-


tes as capacidades de relacionamento social; espontaneidade; imaginação; observação e percepção.
Todas essas capacidades são essenciais para estimular as crianças hiperativas a controlar seus im-
pulsos, manter a motivação, a concentração, planejar e solucionar problemas o que contribui para
a plasticidade cerebral e a memória por serem os jogos teatrais atividades significativas para seus
participantes.

Sabendo que “o cérebro é uma estrutura plástica, ou seja, moldável, que muda conforme a ida-
de” (MACEDO E BRESSAN, 2016), acreditamos que é possível, por meio de um trabalho sério, pautado
em estudo e elaboração de estratégias baseadas em evidências científicas, oferecer apoio à criança
hiperativa e ajudá-la a desenvolver seu potencial produtor e criador.

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deral do Rio Grande do Norte – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Gradu-
ação em Artes Cênicas, 2013.

INFORMAÇÕES DOS AUTORES


Ana Paula Carvalho Mangili é professora de Educação Infantil, graduada em Pedagogia pela
Universidade de Mogi das Cruzes e pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade Anhanguera.
Trabalha na Prefeitura Municipal de Educação na EMEI Jardim Felicidade e na rede particular no
Colégio Estrela Sirius. anamanda22@yahoo.com.br

Miriam Esperidião de Araújo é mestre em Psicologia Social (IP- USP), graduada em Psicologia (PUCC),
coordenadora dos cursos de Pós Graduação em Educação Inclusiva e Educação e Neurociências na
Faculdades Integradas Campos Salles (FICS), Professora das Faculdades Integradas Campos Salles –
FICS e da Faculdade Estácio-FNC e formadora do Instituto ABCD. miriamspr@yahoo.com.br

Revista de Pós-Graduação Multidisciplinar, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 171-180, nov. 2017/fev. 2018.


ISSN 2594-4800 | e-ISSN 2594-4797 | doi: 10.22287/rpgm.v1i3.703

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