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A seguir apresentamos duas seções do capítulo 4 do livro Ética de William Frankena,


nas quais são apresentadas as distinções entre valores morais e ideais morais.

FRANKENA, William. Ética: curso moderno de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969

O SENTIDO MORAL E O SENTIDO NÃO-MORAL DE “BOM”

O valor moral (o bom e o mau morais) deve ser distinguido não apenas da
obrigatoriedade, correção ou incorreção morais, mas também do valor não-moral. Valores
morais ou coisas moralmente boas devem ser distinguidos de valores não-morais ou de coisas
que são boas em um sentido não-moral.

Acerca desta última distinção, importa acrescentar algo [...] Trata-se, em parte, de uma
questão de diferença dos objetos considerados bons ou maus. Podem ser moralmente bons ou
maus as pessoas, ou grupos de pessoas, os traços de caráter, as disposições, as emoções, os
motivos e as intenções - em resumo, as pessoas, grupos de pessoas e elementos da
personalidade. Todas as coisas, por outro lado, podem ser boas ou más não-moralmente,
como, por exemplo, objetos físicos, como carros e pinturas; experiências, como o prazer, a
dor, o conhecimento e a liberdade; e formas de Governo, como a democracia. Não faz sentido
dizer, em relação à maioria dessas coisas que são moralmente boas ou más, a menos que se
pretenda significar que, persegui-las, é moralmente bom ou mau.

É claro que a mesma coisa pode ser moralmente boa e não-moralmente boa. O amor ao
próximo, por exemplo, é uma emoção ou disposição moralmente boa; e, em geral, é também
uma fonte de felicidade e, por isso mesmo, é bom em sentido não-moral. Mas a base ou razão
para que o consideremos bom difere de um caso para o outro. Consideremos também as
expressões “uma boa vida” e “a boa vida”. Dizemos, por vezes, que um homem “teve uma
boa vida”; e dizemos, outras vezes, que um homem “levou uma boa vida”. Estamos dizendo,
em ambos os casos, que sua vida foi boa; mas, no segundo caso, estamos dizendo que foi
moralmente boa, útil ou virtuosa, enquanto no primeiro caso, estamos dizendo, em verdade,
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que a vida foi feliz ou satisfatória, ou seja, que foi boa em sentido não-moral (o que,
acentuemos, não equivale a dizer que foi imoral). Convirá, portanto a nossos propósitos, falar,
por um lado, em “vida moralmente boa” e, por outro, em “vida não-moralmente boa”. Como
esta última expressão parece estranha, usarei as palavras “boa vida” para significar a vida boa
não-moralmente.

Em razão desta e de outras distinções já estabelecidas, parece-me lamentável que termos


como “valores” e “Valores morais” (ou “valores morais e espirituais”) sejam usados da
maneira vaga e ambígua como o são hoje em dia. São utilizados como se se aplicassem
indiscriminadamente a todas as espécies de coisas moralmente corretas ou obrigatórias,
moralmente boas e não-moralmente boas. Proponho, por isso mesmo, que se distinga:

l. princípios ou tipos de ação corretos ou obrigatórios, por exemplo, os princípios da


justiça e da beneficência;

2. valores morais ou coisas que são moralmente boas, por exemplo, as virtudes e certos
motivos;

Elaborando e observando esse conjunto de distinções ou conjunto semelhante,


contribuímos em muito para que nosso pensamento se esclareça e para que se iluminem
nossas ações.

Haverá o que possa ser colocado em mais de um dos itens mencionados; assim, a justiça
é tanto um principio quanto uma disposição virtuosa, e a liberdade é, ao mesmo tempo, um
princípio e um valor. Quando isso ocorrer, devemos buscar compreensão clara do aspecto que
esteja sendo tomado em consideração em um dado contexto.

IDEAIS MORAIS

Esse é o ponto adequado para novamente falarmos dos ideais, que estão entre aquilo que
denominamos ingredientes da moralidade. Pode-se talvez, identificar os ideais morais aos
princípios morais, mas, falando mais propriamente, os ideais morais são antes formas de ser
do que de fazer. Ter um ideal moral é desejar ser uma pessoa de certa espécie, é desejar ter
estes traços de caráter e não aqueles, como, por exemplo, com coragem moral ou integridade
perfeita. Daí a razão por que a lembrança de pessoas exemplares, como Sócrates ou Jesus, é
tão importante para a educação moral e para o autodesenvolvimento e esse é um dos motivos
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para que escrevam biografias épicas, onde se retratem tipos de personalidade moral, mesmo
que não sejam todos eles santos ou heróis. Em geral, entretanto, esses dois ideais morais de
personalidade estendem-se para além do que pode ser exigido ou encarado como obrigatório;
são coisas antes para serem louvados do que para serem exigidas, a menos que alguém as
exija de si mesmo. Deve-se lembrar também que nem todos os ideais pessoais são de caráter
moral. Aquiles, Hercules, Napoleão, podem, todos eles, ser tomados como ideais, mas o ideal
que representam não é de caráter moral, embora não seja também de caráter imoral. Há todas
as razões para que se persigam tanto ideais morais como ideais não-morais, mas não há
porque confundi-los.

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