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SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................... Pag. 7


1 - Apresentação da disciplina .................................................................................... 8
2 - Roteiros de atividades ........................................................................................... 12
Atividade 1 ...................................................................................................... 12
Atividade 2 ...................................................................................................... 13
Atividade 3 ...................................................................................................... 16
3 - Indicações bibliográficas e para pesquisa .............................................................. 18
4 - Textos em anexo para consulta .............................................................................. 20
Texto 1 - A implantação das ciências no Brasil .............................................. 20
Texto 2 - O que é cultura ................................................................................. 30
Texto 3 - Concepções baseadas no senso comum relacionadas à química ..... 35
Texto 4 - Previsões do tempo: ecossistema e tradição .................................... 39
Texto 5 - Métodos e técnicas de pesquisa qualitativa ..................................... 43
Texto 6 - Procurando resgatar a ciência nos saberes populares ...................... 55
Texto 7 - Procurando um ensino de ciências fora da sala de aula ................... 66
5 - Bibliografia ............................................................................................................ 72
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INTRODUÇÃO
Caro Estudante.
Este é o seu livro texto para cursar a disciplina PRÁTICA PEDAGÓGICA EM
QUÍMICA II , constante do segundo bloco do seu curso de Graduação.
Tem o objetivo de contribuir para sua formação apresentando um conjunto de roteiros
de atividades a serem desenvolvidas bem como a maior parte da bibliografia a ser utilizada ao longo
de toda a disciplina com o intuito de construir com você uma base teórica mínima necessária para a
compreensão da chamada “ciência dos que não tem Ciência”.
Nesse sentido, pretende-se com este livro guiá-lo na descoberta das formas de
manifestação da ciência em sua realidade, visando com isso ampliar as sua concepções de ciência a
partir de uma perspectiva mais cultural, compreendendo a sua difusão a partir da Europa e as
manifestações de práticas culturais tradicionais dos “povos periféricos”, geralmente consideradas
menores diante do saber oficial acadêmico. Pretende-se, ainda, que você seja capaz de elaborar um
projeto de pesquisa, desenvolvê-lo e apresentá-lo na forma de relatório escrito como componente
final avaliativo desta disciplina.
Para isso, como na Prática Pedagógica I, o livro consta essencialmente de quatro partes:
A primeira parte é uma apresentação da disciplina, com seu programa oficial e
informações a respeito de sua importância e pertinência no curso de Licenciatura em Química.
A segunda parte contém os roteiros de atividades a serem desenvolvidas por você, sob
orientação, de modo a haver aprendizagem de conceitos importantes, fundamentais para a
construção de uma base teórica mínima necessária à compreensão da Ciência a partir dessa
perspectiva cultural/difusionista. Além disso, também pretende ensinar-lhe a elaborar um projeto de
pesquisa e seu relatório.
Na terceira parte estão indicações bibliográficas utilizadas na elaboração deste texto
didático, além daquelas que originaram os textos anexos, recomendadas como leitura adicional e
alguns endereços eletrônicos úteis para serem acessados como forma de pesquisa na web.
A última parte contém os textos básicos para leitura e referência visando a construção da
base teórica essencial à disciplina ora em curso.
Espero que este material lhe seja útil e que você possa tirar dele o proveito necessário
para sua formação profissional. Ao mesmo tempo, coloco-me à disposição para receber de você
críticas e comentários visando sua melhoria.
Prof. Jorge Machado
(jmachado@ufpa.br)
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1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

As mesmas considerações feitas na Prática Pedagógica I seriam aqui perfeitamente


pertinentes. Continuando o desenvolvimento dos componentes formativos de caráter prático em seu
curso de graduação, a PRÁTICA PEDAGÓGICA EM QUÍMICA II, que tem como eixo temático
VIVÊNCIAS AMAZÔNICAS visa chamar a sua atenção para a realidade cultural e científica que
lhe cerca, despertando sua atenção para fenômenos culturais de natureza científica que estão
ocorrendo diariamente à sua volta e que certamente acabarão por se manifestar em suas aulas de
química. Estar atento a essas manifestações significa que elas serão devidamente consideradas por
você em seu planejamento didático e serão componente relevante, contribuindo para realizar aquilo
que Chassot chama de “contaminações pela realidade”, uma abordagem da ciência sem o
hermetismo dos especialistas e mais ligada a práticas escolares, de domínio público, do que a
procedimentos exclusivos de especialistas.
Para a compreensão da organização da disciplina, seu planejamento será apresentado a
seguir:

Serviço Público Federal


Universidade Federal do Pará
Instituto de Educação
Depto. de Métodos, Técnicas e Orientação da Educação

PROGRAMA

Disciplina: PRÁTICA PEDAGÓGICA EM QUÍMICA II


Tema: Vivências Amazônicas
Código: ED-03157
Créditos: 2
Grupo de Atividades: Ensino de Química
Carga Horária: 34 horas

Descrição da disciplina:
Nesta disciplina os alunos buscarão relações entre as demais disciplinas do
bloco e as formas tradicionais de relação do homem com a natureza
amazônica como oportunidade para a construção de aulas de Química. Farão
pesquisas a respeito do processo de difusão e recepção das ciências ditas
“européias” na Amazônia, bem como sobre a maneira da ciência local e os
povos amazônicos abordarem certos temas de cunho científico ou
tecnológico, por exemplo, captação e tratamento de água, produção e
conservação de alimentos ou processos terapêuticos. Esta prática visa
oportunizar a construção de um "olhar amazônico" sobre a ciência. Nela serão
usadas noções de etnografia na abordagem cultural do conhecimento químico.
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Justificativa:
A inclusão em um curso de formação de professores de química de uma uma
disciplina de prática que aborde questões locais relativas a ciência e
tecnologia justifica-se na medida em que os professores em formação deverão
ter, como um de seus componentes curriculares formativos, a percepção clara
da interferência que o conhecimento local e as práticas comunitárias
tradicionais vem realizando sobre a difusão e a recepção do conhecimento.
Essa é uma forma de serem preparados para o fato de, se realmente houver um
paralelo entre a ontogênese e a filogênese, compreenderem que haverá fatores
interferentes na forma como seus futuros alunos recebem e interpretam as
teorias científicas, sendo esses fatores essencialmente de natureza cultural. A
constatação dessa realidade permitirá, no mínimo, que o professor reconheça-
se como construtor de conhecimento em parceria com seus alunos, dessa
forma, perdendo a pretensão de ser dono ou transmissor de um conhecimento
estático absoluto e "correto".

Objetivos:
Espera-se que com estes estudos os licenciandos em química sejam capazes
de:
1 - Vivenciar a pesquisa qualitativa em sua modalidade etnográfica
2 - Compreender o mecanismo de difusão e recepção da ciência européia na
América
3 - Definir cultura
4 - Identificar e documentar formas tradicionais de relação do homem
amazônico com o meio natural através do processamento de materiais ou de
tecnologias nativa

Ementa:
- Difusão e recepção do conhecimento científico: metrópole x periferia
- Cultura: seu conceito antropológico
- Resgatando a ciência nos saberes populares: conhecimento Químico e
tradição
- Pesquisa qualitativa: a Pesquisa Etnográfica
- Elaboração de projetos de pesquisa
- Execução de uma pesquisa
- Relatórios de pesquisa de campo

Programação das atividades didáticas:


UNIDADE 1 - Difusão e recepção do conhecimento científico: metrópole x
periferia
A Idade Moderna e o sistema colonial europeu
O capitalismo e a difusão da ciência européia
O confronto de culturas e interesses e a recepção da ciência européia

UNIDADE 2 - Cultura: seu conceito antropológico


O que é cultura
Manifestações da cultura

UNIDADE 3 - Resgatando a ciência nos saberes populares: conhecimento


Químico e tradição
A relação com a natureza e a resolução dos problemas de sobrevivência
Conhecimento popular e ciência oficial
Práticas químicas tradicionais na Amazônia

UNIDADE 4 - A pesquisa Etnográfica


Abordagens da pesquisa: quantitativa x qualitativa
Pesquisa qualitativa - modalidade etnográfica características e métodos

UNIDADE 5 - Projetos e relatórios de pesquisa de campo


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O projeto e o relatório de uma pesquisa


Normas técnicas para elaboração e apresentação de relatórios de pesquisa

Metodologia de ensino:
A disciplina será ministrada mediante estudo de textos, debates em grupos de
estudo e desenvolvimento de pesquisa de campo com apresentação de
relatório escrito.

Recursos necessários:
Os recursos necessários serão:
● Livro texto da disciplina

Metodologia de Avaliação:
A avaliação será realizada através dos resultados obtidos nas seguintes
atividades:
● Apresentação de trabalho escrito sobre temas relativos à base teórica
da disciplina (1º CPC)
● Elaboração de projeto de pesquisa etnográfica (2º CPC)
● Entrega de relatório escrito de pesquisa de campo. (CEF)

Bibliografia:
ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Previsões do tempo:
ecossistema e tradição. Galante, nº 14, vol. 2, Ago. 2002. Fundação Hélio
Galvão, Natal, RN.
CHASSOT, Attico. Alquimiando a quimica. Química nova na escola, nº 1,
maio de 1995.
CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: questões e desafios para a
educação. Ijuí, UNIJUÍ, 2000.
DANTES, Maria Amélia M. A implantação das ciências no Brasil - um
debate historiográfico. In Alves, José Jerônimo A. Múltiplas faces da
história das ciências na Amazônia. Belém, UFPA, 2005
D'AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo, Ática, 1993.
KNELLER, George F. A ciência como atividade humana. Rio de
Janeiro/São Paulo, ZAHAR/EDUSP, 1980.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro, Zahar, 1994.
LUDKE, Menga e André, Marli. Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo, EPU, 1986.

Uma análise desse plano permite que compreendamos mais a cerca da concepção da
disciplina e de seus objetivos.
Primeiro, tem um tema: Vivências amazônicas. O que vem a ser isso? Vejamos:
É indiscutível que o ensino de química vem se dando, já desde muito tempo, de forma
autoritária (na medida em que apresenta conhecimentos verdadeiros e inquestionáveis), baseado na
transmissão de conhecimentos de um ser que sabe (o professor) para outro que não sabe (o aluno),
centrado nas ações do professor e desconsiderado completamente a realidade mais imediata que
cerca a sala de aula onde o processo acontece. Para essa forma de ensino, a ciência a ser ensinada é
européia, cristã, branca e masculina, nos dizeres de Chassot, desconsiderando completamente a
periferia (em nosso caso, a América Latina) onde muita ciência se praticou e ainda se pratica à
revelia da ciência “oficial”. Ora, tendências mais recente na abordagem do ensino de química a
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partir de uma perspectiva de EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA vêm chamando a atenção para a
necessidade do professor conhecer de forma mais íntima a realidade que cerca sua sala de aula para
que possa considerar os saberes diversos que circulam entre seus alunos, buscado utilizar esses
saberes em auxílio ao seu trabalho docente. E que saberes seriam esses? Chassot (2000) no texto
reproduzido neste livro apresenta uma lista de práticas populares de base científica que são fontes
de um saber em extinção e que podem ser estimulantes repositórios de temas a pesquisar e ricas
possibilidades de contextualização em aulas de química.
No sentido de possibilitar a construção desse novo olhar sobre aulas de química,
impregnadas pela realidade mais imediata de professores e estudantes, foi elaborada esta disciplina
de caráter prático do curso de Licenciatura em Química da UFPA, que a exemplo da disciplina
prática que a antecedeu, não é propriamente constituída de conteúdos estanques e pré-definidos e
ensinar, mas formada por um conjunto de questionamentos cuja finalidade é conduzir os
licenciandos até a construção de uma concepção solidamente fundamentada, mas muito pessoal e
interativa sobre a realidade cultural que o cerca, reconhecendo a ciência como um saber cultural
histórico, complexo e multifacetado.
Espera-se que ao final da disciplina os licenciandos tenham sido capazes de perceber a
importância do resgate dos saberes populares de caráter científico e tecnológico por professores e
estudantes de química na educação básica como elemento relevante para a elaboração de propostas
de ensino inovadoras visando a ruptura com o autoritarismo do saber científico e a incorporação aos
planos de ensino de atividades capazes de renovar um ensino já ultrapassado e fadado à
infertilidade.
Discutir nesta disciplina as VIVÊNCIAS AMAZÔNICAS, portanto, significa refletir
sobre a difusão da ciência européia, sua recepção pela periferia, seu confronto com os saberes
locais, o necessário resgate dos saberes locais e sua incorporação a aulas de química como forma de
praticar uma educação mais dialética. Para isso, serão desenvolvidas as atividades relacionadas a
seguir.
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2. ROTEIROS DE ATIVIDADES
Esta disciplina está dividida em três momentos.
Num primeiro momento será construída uma base teórica mínima que permita a
compreensão de alguns conceitos básicos essenciais para uma visão articulada e sofisticada a
respeito das relações entre ciência, cultura e conhecimento popular. No segundo momento será
elaborado um projeto de pesquisa etnográfica sobre manifestações locais de saberes científicos e
tecnológicos tradicionais ou em extinção. A apresentação desse projeto de pesquisa constituirá a
segunda avaliação da disciplina. O terceiro e último momento das atividades constará da elaboração
de relatório da pesquisa realizada e seu entrega escrita ao professor da disciplina. Feita esta
descrição geral das atividades, vamos detalhá-las a seguir:

Atividade 1: CONSTRUÇÃO DA BASE TEÓRICA


Deverão ser construídas as seguintes bases:
1.1 - Compreensão da ciência praticada hoje no Brasil como resultante da difusão da
ciência européia na América hispânica. Para isso, ler o texto1 e escrever um texto dissertativo com
cerca de 30-40 linhas procurando responder à seguinte questão: Existe uma ciência brasileira?
1.2 - Redefinição do conceito de cultura a partir de uma visão antropológica,
reconhecendo as práticas e saberes científicos populares como elementos relevantes dessa cultura.
Ler o texto 2 e o texto 4 e escrever um texto síntese dissertativo com 30-40 linhas explicando, para
você, o que é cultura.
1.3 - Reconhecimento da existência de práticas e saberes populares não reconhecidas
oficialmente pela academia, mas extremamente relevantes para as pessoas em sua luta pela
sobrevivência. Ler o texto 3 e, em seguida, procurar identificar no lugar onde você vive uma prática
tradicional junto a avós, pais, colegas, vizinhos, empregados, que possa ser considerada uma prática
química. Registrar e documentar essa prática em um texto com até 30 linhas, destacando não só
como ela é realizada, mas também a importância que as pessoas da comunidade dão a ela.
1.4 - Reconhecimento da necessidade de professores de ciências naturais resgatarem
esses saberes e práticas com o objetivo de tornarem suas aulas mais ricas, contextualizadas e
constituídas de diálogos abertos com as comunidades onde as escolas estejam inseridas. Ler os
textos 6 e 7 e escrever uma resenha crítica dos mesmos.
No final, reunir toda a sua produção, formatá-la como trabalho acadêmico (capa,
identificação, introdução, desenvolvimento, conclusão, bibliografia) e entregá-la como elemento
para sua primeira avaliação.
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Atividade 2: ELABORAÇÃO DE PROJETO DE PESQUISA ETNOGRÁFICA


Leia o texto sobre metodologia (texto 5), procurando deixar claro o tipo de pesquisa que
será feita. Em seguida, elabore um projeto de pesquisa visando investigar um tema escolhido a
respeito de práticas tradicionais. Neste momento, você pode precisar de alguma inspiração. Para tal,
leia o texto 7, novamente, onde há uma lista de possíveis temas a serem investigados. Também
poderá ser um desenvolvimento da pesquisa realizada no item 1.3 do trabalho de construção da base
teórica da disciplina.
O projeto de pesquisa é um plano, um esboço do que deverá ser feito no futuro, quando
a pesquisa for efetivamente realizada. Trata-se do planejamento rigoroso e indispensável para que a
pesquisa seja realizada com eficiência. Em uma pesquisa, nada se faz por acaso. Desde a escolha e
delimitação do tema até a fixação de objetivos, justificativa, escolha da metodologia, delimitação do
cronograma de atividades, tudo é previsto no projeto de pesquisa. Este, portanto, deverá responder
às questões clássicas da metodologia: o que? por que? para que? onde? como? com que? quando?
O projeto deverá conter:
1. Título: Onde será apresentado, de forma sucinta, o que será pesquisado. Exemplo:
Os carvoeiros do rio Iriri e suas práticas tradicionais1.
2. O problema de pesquisa: Onde você apresentará a pergunta central que norteará o
seu trabalho. Exemplo: Que técnicas os carvoeiros utilizam para produção de carvão na comunidade
do rio Iriri? Aproveite para descrever melhor o seu objeto de pesquisa.
3. Objetivos: Onde você informará para que pretende fazer a pesquisa. O que espera
conseguir com ela.
Os objetivos devem explicitar e delimitar o tema, mostrando onde a pesquisa será
realizada, além disso devem explicitar o objetivo geral, mais amplo e imediato (por exemplo,
documentar as técnicas de produção de carvão) e os específicos, que são secundários a este, dele
derivados (por exemplo, produzir um vídeo documentário a ser veiculado nas escolas da cidade).
4. Justificativa: Onde será informado por que será feito este trabalho. Elaborar uma
boa justificativa significa ter a capacidade de “vender seu peixe”, isto é, argumentar em favor de sua
pesquisa como forma de convencer outras pessoas de que ela é importante e vale a pena investir
recursos e esforços na sua realização. Por exemplo, o trabalho sobre os carvoeiros do rio Iriri
justifica-se porque uma hidroelétrica irá inundar a região e, além disso, os processos de produção
tradicionais estão desaparecendo com o desaparecimento dos moradores mais antigos.
Na justificativa, muitas vezes o pesquisador expõe algo das leituras realizadas na forma

1 Aqui foi escolhido este tema apenas como exemplo, não significando que existam carvoeiros tradicionais no rio Iriri.
Nem que existe esse rio.
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de uma breve revisão bibliográfica que irá situar a base teórica sobre a qual se apóia a pesquisa.
5. Metodologia: Aqui será apresentado como será feita a pesquisa, que métodos e
técnicas serão utilizados, qual será o universo (número de pessoas, faixa etária, etc.), enfim qual
será o procedimento para coleta de dados. Para a pesquisa sobre os carvoeiros deve-se informar que
será usada, como metodologia, a pesquisa etnográfica e como instrumentos de pesquisa serão
utilizados observação participante, entrevistas e questionários, sendo que essas técnicas serão
aplicadas com um número x de carvoeiros escolhidos aleatoriamente (ou não).
6. Recursos: Onde serão apresentados com que, com quem e com quanto será
realizada a pesquisa. É uma lista dos recursos materiais, humanos e financeiros necessários para a
realização da pesquisa. Deve ser detalhada e clara, para que, por exemplo, conste o número exato de
passagens de barco que serão necessárias para o deslocamento dos pesquisadores até o rio Iriri; ou
quantos CD-ROMs serão consumidos durante a pesquisa. Vale destacar que no relatório da pesquisa
constará a realidade dos recursos efetivamente consumidos e utilizados, sendo flexível (embora
exata) a lista de recursos apresentada no projeto.
7. Cronograma: Pode ser apresentado mediante uma tabela como o exemplo abaixo:

Atividade 1ª semana 2ª semana 3ª semana 4ª semana


Atividade 1 x
Atividade 2 x
(....)
Atividade n-1 x
Atividade n x
O cronograma informa quais atividade serão realizadas e quando elas o serão. As
atividades usualmente são as seguintes:
- Revisão bibliográfica, para um estudo preliminar da base teórica2 que dá sustento à
pesquisa e com a qual os dados teóricos deverão dialogar. Essa base teórica pode ser (e geralmente
é) ampliada ao longo da pesquisa, à medida que novas leituras vão ampliando os referenciais do
pesquisador.
- Coleta de dados em campo, quando efetivamente o pesquisador irá até o objeto de
estudo para reunir as informações necessárias à pesquisa.

2 Lembre-se sempre que toda pesquisa científica é uma diálogo entre a teoria e os dados coletados em campo. Apenas
um relato de informações, sem confronto com a teoria, é trabalho jornalístico (informativo) e não científico. Lembre-
se da Prática Pedagógica I, quando ficou claro que uma cozinheira, embora realize operações químicas, não tem o
status de químico por não ter uma base teórica amparando suas operações.
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- Tabulação dos dados, quando estes serão organizados, as entrevistas serão


transcritas3 do gravador, filmes editados, fotografias impressas, dados organizados para uma
manipulação mais eficiente.
- Análise dos dados, quando os dados serão efetivamente analisados à luz da revisão
bibliográfica e se chegará a uma resposta para o problema de pesquisa apresentado no início do
projeto.
- Redação do relatório final, quando este documento é redigido e encaminhado a quem
compete avaliá-lo e publicá-lo.
Vale lembrar aqui algo muito importante: Essas etapas da pesquisa são apenas
mencionadas no projeto, porém constituem a essência do relatório de pesquisa, como veremos
a seguir.
8. Bibliografia: Aqui, no projeto de pesquisa, é apresentada uma lista de textos lidos,
consultados e referenciados pelo pesquisador, constituindo-se em base teórica preliminar essencial
para que a pesquisa tenha caráter de trabalho científico.
Existe, no Colegiado de Licenciatura em Química da UFPA, uma monografia de autoria
do Professor MSc Jorge Trindade contendo as normas de formatação de trabalhos acadêmicos
recomendadas por esse Colegiado. Essa monografia deve ser consultada para dirimir-se dúvidas e
respeito do formato que deverá ser dado ao seu projeto de pesquisa.
Esse projeto de pesquisa deverá ser devidamente formatado e impresso e será entregue
como elemento para sua 2ª avaliação.

Entre o projeto de pesquisa e o relatório existe a pesquisa propriamente dita, onde o


pesquisador efetivamente vai a campo obter seus dados. Esse é o momento em que os aspectos mais
imprevisíveis da pesquisa podem se materializar. É quando o pesquisador, principalmente o
iniciante, vê-se, de repente, no seio de uma comunidade que lhe é desconhecida e da qual ele precisa
extrair informações. De início há uma certa desconfiança em relação a ele: o que faz ali?, o que
quer?, será digno de participar de nosso grupo? Aos poucos, no entanto, ele vai ganhando a
confiança de seus informantes e então começa efetivamente a coletar informações. A etapa
preliminar, que alguns teóricos chamam de “fazer tecnologia”, na verdade é uma forma de ir
assimilando os rituais, costumes, o vocabulário, as rotinas da comunidade pesquisada, até que o
pesquisador quase seja mais um membro da comunidade pesquisada.
O uso do caderno de campo, do gravador e da câmara fotográfica são importantes como
auxiliares de pesquisa, mas, em se tratando de uma pesquisa etnográfica, nada substitui o contato

3 Transcrever dados é ouvir as gravações das entrevistas e passá-las para uma forma escrita
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direto do pesquisador com o objeto da sua pesquisa.


Voltando do campo, será hora de relatar como foi sua pesquisa.

Atividade 3: ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO DE PESQUISA


Após a pesquisa ser realizada, elabore um relatório, constando de:
1. Identificação: Uma capa onde constam os dados da instituição à qual estão
vinculados os pesquisadores, identificação dos pesquisadores e da pesquisa.
2. Introdução: Onde é apresentada uma retomada do projeto de pesquisa, apresentando
de forma resumida os elementos do projeto de pesquisa neste capítulo do relatório.
3. Revisão bibliográfica: Onde as leituras realizadas antes, durante e depois da
pesquisa de campo são apresentada na forma de uma base teórica que será usada como suporte para
a análise dos dados de campo. No caso de uma pesquisa como a proposta nesta disciplina do seu
curso de gradação, uma excelente base bibliográfica é o conjunto de textos anexos neste livro. A
revisão bibliográfica é a “alma acadêmica” da sua pesquisa.
4. A pesquisa de campo: Aqui é feito um relato no passado da pesquisa realizada,
narrando como tudo foi feito. Especial ênfase é dada ao que? e ao como?, isto é, ao tema da
pesquisa e à metodologia empregada. Trata-se de uma descrição objetiva do que foi feito e como.
5. Análise dos dados: Aqui os dados coletados na pesquisa de campo são analisados à
luz das leituras, isto é, da base teórica da pesquisa. É, talvez, o momento que mais exige de
elaboração intelectual do pesquisador. É o momento em que ele dará vazão a sua capacidade de
interpretar dados de campo e confrontá-los com a teoria, tendo em mente sempre que ele precisa
chegar a uma resposta ao seu problema de pesquisa. E a uma resposta que seja coerente com aquilo
que diz o referencial teórico consultado por ele.
6. Conclusão: A conclusão é o momento em que o pesquisador efetivamente responde à
pergunta que ele formulou no início da pesquisa. É quando ele relata o que concluiu, o que
descobriu a respeito das perguntas e da problemática que levantou antes de pesquisar. A conclusão é
a razão da existência da pesquisa; é quando o pesquisador apresenta sua contribuição ao corpo de
conhecimentos científicos existentes sobre o objeto que ele elegeu como seu objeto de pesquisa.
7. Referências bibliográficas: As referências são as obras lidas e citadas pelo
pesquisador na revisão bibliográfica e quando da análise dos dados. Ao conjunto mais amplo de
obras lidas pelo autor da pesquisa, mas não necessariamente citadas, chama-se bibliografia. Assim,
se ler muitas obras mas citar poucas, é recomendável que no relatório da sua pesquisa seja
apresentada uma bibliografia. Caso só seja lido aquilo que foi citado, deve-se optar por referências
bibliográficas. Existem várias normas para citação e elaboração de referências e de bibliografias.
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Livros, artigos em periódicos, CD-ROMs, resumos em anais de congressos, sites, artigos em


periódicos eletrônicos, todas essas fontes de informação possuem maneiras próprias para serem
referenciadas. Consulte a obra do prof. Jorge Trindade mencionada acima para obter
esclarecimentos a esse respeito.
O relatório de sua pesquisa será entregue ao final do semestre letivo, como requisito
para sua avaliação final na disciplina.
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3. INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS PARA PESQUISA4


ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA - QUESTÕES E DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO - Attico
Chassot. Ijuí, UNIJUÍ, 2000
Neste livro são discutidas questões relativas ao papel que tem o ensino de ciências em
promover uma educação voltada para a libertação do indivíduo no sentido de promover o despertar de sua
consciência crítica e sua capacidade de compreender a realidade que o cerca a partir do estudo dos
fenômenos naturais. Adota uma visão questionadora e instigante, na medida em que desafia certas certezas
pedagógicas aparentemente inquestionáveis.

ETNOMATEMÁTICA - Ubiratan D'Ambrósio. São Paulo, Ática, 1993


Este é o texto inaugural de uma nova forma de se abordar o conhecimento escolar como saber
global constituído essencialmente a partir do diálogo entre os saberes acadêmicos e culturais. Embora
pareça, não é um livro de educação matemática. É, sim, voltado para a formação do novo educador,
trabalhe ele com quaisquer das disciplinas escolares.

CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO - Roque de Barros Laraia. Rio de Janeiro, Zahar,


1994.
Um livro básico de introdução à antropologia onde a essência dessa disciplina acadêmica é
discutida de forma clara e concisa. Permite que se compreenda afinal o que é cultura.

OS ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL - Bronislaw Malinowski. Coleção Os Pensadores.


São Paulo, Abril Cultural, 1976.
Esta obra é um clássico que inaugurou a abordagem etnográfica em antropologia. Narra a
vivência de seu autor junto a povos polinésios e sua publicação resultou numa revolução na forma de se
fazer o estudo das culturas. A introdução ao texto é um resumo da metodologia empregada pelo autor e
passou a ser uma espécie de manual para a pesquisa etnográfica.

CATALISANDO TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO - Attico Chassot. Ijuí, Ed. UNIJUÍ, 1993.


Neste livro, o autor, que é licenciado em química, doutor em educação e trabalha com
formação de professores de química, visa apresentar uma visão panorâmica dos principais problemas e
possibilidades do ensino de química como deve ser realmente: libertador de mentes juvenis, capaz de dar
ao cidadão possibilidade de descobrir realmente o que é a química e qual sua importância para os que
serão ou não serão químicos.Obra de leitura indispensável para todo professor de Química.

ENDEREÇOS ELETRÔNICOS DE INTERESSE

EDUCAÇÃO QUÍMICA - http://www.ufpa.br/eduquim


Página pessoal do Professor Jorge Machado, do Instituto de Educação da UFPA, dedicada ao

4 Estas obras não estão referenciadas segundo os padrões da ABNT pois pretendeu-se dar mais ênfase ao título, para
facilitar pesquisa em bibliotecas, internet ou livrarias virtuais. Mas todas as informações necessárias a sua
normalização, localização e consulta estão presentes.
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ensino de química e à formação de professores de ciências. Tem textos para download, bibliografias e uma
grande seção de links que remete a outros sítios com informações sobre história da química e ensino.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA -


http://www.unb.br/ppgec/index.htm
Programa de pós-graduação onde são desenvolvidas pesquisas relevantes sobre o ensino de
química e a abordagem CTS. Na sua seção de links estão listadas outras instituições e periódicos
relevantes para pesquisas em educação química e sociedade.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA - http://www.sbq.org.br


Sítio com muitos informações para pesquisadores em química, links, etc. O ponto importante
para professores de química é a revista Química Nova na Escola, direcionada aos professores de química
atuando no nível médio. Os artigos de todas as edições deste excelente periódico estão disponíveis para
download mediante cadastro gratuito.
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4. TEXTOS EM ANEXO PARA CONSULTA

TEXTO 1

A IMPLANTAÇÃO DAS CIÊNCIAS NO BRASIL


UM DEBATE HISTORIOGRÁFICO
Maria Amélia M. Dantes
Professora do Programa de Pós-Graduação
em História Social - FFLCH-USP
in
ALVES, J. J. A. Múltiplas faces da História das Ciências
na Amazônia. Belém, EDUFPA, 2005

Em 8 de dezembro de 2004. rádios e emissoras de televisão lembraram o décimo


aniversário da morte de Tom Jobim. Pude assistir, então, a vários depoimentos deste músico
reconhecido por atuar na interface da música erudita e popular, e que contribuiu para projetar a
música brasileira no exterior.
Com esta imagem na cabeça, foi com grande surpresa que vi Tom Jobim, em um
depoimento transmitido pela TV Cultura de São Paulo, declarar que se lembrava de uma época em
que "tudo vinha de fora", de instrumentos a formas musicais. O exemplo que deu foi dos pianos, que
chegavam ao país, vindos de outras paragens.
O que o músico expressava é conhecido dos historiadores: a relação da cultura brasileira
com padrões europeus. Mas, o que chamou minha atenção foi a não valorização de outras tradições
presentes na sociedade brasileira. E como se houvesse um vazio cultural no país.
Este é um tema muito presente na histografia da ciência e pesquisadores que se voltam
para a implantação das ciências no Brasil muitas vezes se perguntam: realmente tudo veio de fora
também em ciência? Ou houve alguma contribuição local às práticas que se institucionalizaram? O
que poderia ser expresso, também, como: fazer ciência no Brasil é somente copiar o que é feito fora.
ou o processo de implantação implica transformações, ou seja, criação?
Podemos dizer que, até recentemente, foi bastante aceita a ideia de que as ciências
haviam se difundido dos países europeus para países periféricos como o Brasil, sem que fatores locais
tivessem ação expressiva. Só nos últimos anos, esta ideia do vazio científico e cultural que acolhe
valores externos vem sendo questionada.
Este é o tema que proponho para este texto: repensar o processo histórico de implantação
das ciências no Brasil, a partir dos parâmetros da historiografia mais recente. Existem hoje estudos
muito esclarecedores sobre o caso brasileiro e de outras regiões periféricas que trabalham este
processo e que chamam a atenção para a atuação de intelectuais, cientistas, políticos e outros setores
da sociedade brasileira.
É minha contribuição para esta coletânea em homenagem ao Prof. José Maria Filardo
Bassalo, um grande batalhador, com atuação destacada na implantação da Física no Pará.

l. Difusão científica ou encontro de tradições?

George Basalla e seu modelo para a difusão científica

Foi somente a partir dos anos 1960 que a difusão da ciência moderna e a implantação de
tradições científicas em diferentes contextos passaram a ser temas para os historiadores da ciência. Um
marco nesta linha de estudos foi a publicação, pela revista de divulgação científica Science, do texto
do historiador norte-americano George Basalla, 'The Spread of Western Science", em 19675.
5George Basalla, "The Spread of Western Science", Science, 156, 1967, pp. 611-622;
21

Este texto teve grande influência e trouxe uma perspectiva mundial para a História da
Ciência, até então voltada para o desenvolvimento das ciências em países que tiveram a liderança na
produção de conhecimentos científicos modernos6.
Foi editado no contexto dos debates sobre a questão do desenvolvimento, nos anos que
seguiram a Segunda Guerra Mundial e, a partir de estudos históricos, procurou apresentar propostas
que orientassem países dependentes cientificamente a se tornarem lideranças científicas.

No texto, Basalla utiliza estudos históricos existentes sobre o processo de difusão da ciência
moderna - produzida em alguns países europeus e paradigma científico por excelência - para outras
regiões do globo: América, África e Ásia, desde os primeiros períodos da expansão européia. A partir
destes estudos, constrói um modelo geral para a difusão da ciência moderna, constituído por três fases.
Uma primeira, caracterizada pela inexistência de comunidades cientificas locais e pelo levantamento
feito por europeus das regiões contaiadus; uma segunda, denominada colonial, de existência de uma
comunidade científica local, no entanto, dependente de padrões científicos externos e sem contribuições
relevantes para a produção científica mundial; uma terceira, dos países independentes cientificamente.
É importante destacar que o texto de Basalla está inserido no quadro tradicional da História
da Ciência, pelo qual a ciência moderna é vista como conhecimento universal e cujo desenvolvimento
conceituai é movido por determinantes internos e orientado para a busca de um conhecimento
correio do universo físico. Influências sociais só se dariam em aspectos mais externos da prática
científica, como papéis a ela atribuídos, ou sua utilização7.
Assim, a difusão da ciência ocidental é vista como um processo pelo qual um
conhecimento epistemologicamente superior - a ciência moderna - se instala em outros contextos
sociais. Para o autor, em alguns casos - como na China e na Índia, com grandes civilizações antigas
-, a ciência se impôs aos saberes locais por sua superioridade cognitiva. O exemplo dado é dos sistemas
de classificação, considerados superiores aos locais. Em outros casos - como nas Américas -, a não
existência de civilizações avançadas teria facilitado o processo.
Como, para o autor, o objetivo dos vários países deveria ser tornar-se cientificamente
independente, crenças filosóficas e religiosas que criassem resistências à implantação da ciência moderna
deveriam ser erradicadas pelas elites locais. O exemplo dado pelo autor é do confucionismo, na
China, que fazia críticas às práticas científicas. Finalizando, quero sublinhar que o texto de Basalla
considerava, também, a difusão como um processo unidirecional, pelo qual um conjunto já
estabelecido de conhecimentos se difundia para outros contextos.
Note-se que, analisando a implantação da ciência moderna nos vários continentes, o autor
não considera fundamental a ação de fatores políticos. E, em nenhum momento, registra alguma
interação positiva da ciência moderna com saberes locais.
Quanto às críticas a este modelo, lembremos que elas se inserem no conjunto mais amplo
das críticas às propostas desenvolvimentistas tão em voga no pós-guerra, e que se desmontaram com
sua própria ineficácia na resolução de problemas dos países sub-desenvolvidos.
No entanto, como já dito, o texto teve grande influência, estimulando estudos sobre o
processo de implantação das ciências nos mais variados contextos. O que, entretanto, já ocorreu em um
outro quadro conceituai da História da Ciência.

Novas formas de pensar a questão da difusão científica

Nas últimas décadas, a História da Ciência passou por grandes transformações e um número
crescente de historiadores passou a definir ciência como atividade social cujo desenvolvimento resulta
da ação de variáveis internas e externas.
6António Lafuente, Alberto Elena e M. Luiza Ortega, na introdução ao livro por eles organizado, Mundial'ización de Ia ciência
y cultura nacional, Madrid, Ed. Doce Calles, 1992, declaram que os historiadores da ciência têm uma dívida com Basalla que,
em primeiro lugar, chamou a atenção para a importância do processo de expansão mundial da ciência.

7Neste sentido, aproxima-se do sociólogo Joseph Ben-David, autor de O papel do cientista na sociedade, S. Paulo, Ed.
Pioneira, 1972;
22

A nova historiografia, de forma crescente, tem trabalhado a produção de conhecimentos


como contextualizada, resultante de negociações - de caráter científico e extracientífico e consensos que se
estabelecem. Tanto para contextos centrais como para periféricos8.
Passou á considerar, também, a implantação de conhecimentos científicos em diferentes
contextos como parte de processos históricos mais amplos. No caso tratado por Basalla, a difusão da
ciência moderna tem sido trabalhada como uma das facetas do processo de expansão européia - militar,
comercial, política -, portanto marcada pelas relações de poder que se instituíram entre as diferentes
regiões do globo, em especial entre metrópoles e colônias. Neste processo, a ciência européia se
universalizou, sobrepondo-se a saberes tradicionais locais, em alguns casos milenares9.
Esta difusão não é, assim, vista como simples resultado da superioridade
epistemológica do novo saber, e sim como um processo complexo em que atuam variados fatores.
No caso dos sistemas coloniais, políticas metropolitanas, mas também interesses de grupos
coloniais, não necessariamente harmônicos àquelas políticas.
Com a expansão da história social das ciências, destacam-se duas linhas de estudos
voltadas para a difusão da ciência moderna.
Primeiro, os estudos sobre o papel desempenhado pelas ciências na constituição dos
impérios. Nos anos 1980 e 1990 foram editados livros sobre os vários impérios - ibéricos, francês,
inglês, alemão -, alguns deles, partindo do artigo de Basalla e propondo novos modelos que, por
exemplo, diferenciavam as práticas imperialistas das metrópoles10.
Outra linha é a dos estudos sobre a implantação das ciências nos vários contextos, em
geral realizados por pesquisadores dos próprios países partícipes de comunidades de historiadores
da ciência que se formaram dos anos 1960 aos 1980. Na América Latina, a Sociedade Latino-
americana de História da Ciência e da Tecnologia, criada em 1982, teve um papel fundamental,
estimulando estudos e debates sobre as especificidades da historiografia da ciência no continente.
Esta nova produção partiu de uma crítica à generalização feita por Basalla em seu artigo
e passou a trabalhar a especificidade de cada contexto. Hoje, podemos dizer que existe uma gama
expressiva de estudos sobre os vários continentes, o que já permite estudos comparativos. A forte
presença destes estudos no congresso internacional de 200111 nos mostra que esta é uma das
características da História da Ciência atual: os estudos sobre os vários contextos nacionais.
Em muitos destes estudos, o processo de difusão passa a ser visto como um encontro de
diferentes tradições/culturas. E não como a transposição de um conhecimento já estabelecido em um
meio receptor, com pouca - ou nenhuma - contribuição ao desenvolvimento científico.
Dois estudos - um sobre o México e outro sobre o Irã e o Egito - são bastante ilustrativos
desta nova leitura.

José Luis Peset, em seu artigo "Ciência y independencia en la America espanõla"12, publicado
em 1992, trata da forte resistência do padre criollo José António Alzate ao projeto ilustrado da Coroa
espanhola de introduzir em Nova Espanha, atual México, o sistema de classificação lineana e outros
conhecimentos científicos modernos e realizar levantamentos de recursos naturais de interesse econômico.
Para tal, foi montada a Real Expedição Botânica de Nova Espanha, que atuou de 1788 a
1803, realizando excursões e levantamentos da flora da colônia. Também foi responsável pela
8Um texto que trabalha desta forma a implantação da física newtoniana no contexto europeu e no colombiano é o artigo de Luiz
Carlos Arboleda "Acerca de la difusión cientifica en la periferia" In. QUIPU, 4 (1), 7-32, 1987.
9A nova historiografia vem trabalhando com a ideia de que a ciência é uma atividade local, contextuai, que circula. Sobre esta
produção v. Dominique Pestre "Por uma Nova História Social e Cultural das Ciências: Novas Definições, Novos Objetos,
Novas Abordagens", Cadernos IG-UNICAMP, Campinas, Vol. 6, n° l, 1996, 3-56 (trad. de artigo publicado nos Annales ESC,
vol. 50, n° 3, mai-juin 1995);
10 Autores com propostas inovadoras neste sentido, como Lewis Pyenson e Roy MacLeod, têm artigos no livro de
Patrick Petitjean; Catherine Jami; Anne-Marie Moulin (eds.), Science and Empires, Historical Studies about
Scientific development and european expansion, Dordrecht/Boston/London, Kluwer Academic Publishers, 1992
11 Trata-se do XXI International Congress of History of Science, realizado na cidade do México, em julho de 2001.
12 José Luis Peset, "Ciência e independência en Ia America Espanola", In, António Lafuente, Alberto Elena e M.Luiza
Ortega (eds.), Mundialización de Ia ciência y cultura nacional, Madrid, Ed.Doce Calles, 1992, 195-218;
23

instalação de um Jardim Botânico e de uma cátedra de botânica na Universidade do México, que


deveria atuar como centro difusor do sistema de classificação lineano.
Esta interferência da Coroa espanhola na vida cultural da colônia motivou forte oposição
de parte dos intelectuais mexicanos. É bom lembrarmos que a Universidade do México havia sido criada
no século XVI e a colônia contava com uma comunidade expressiva de intelectuais criollos, segundo o
autor, familiarizados com as práticas das ciências empíricas.
Destacou-se neste movimento o padre criollo José António Alzate, intelectual e
naturalista, editor da revista Gazeta de literatura que, em seus textos, criticava o uso por Lineu de
caracteres acidentais (classes, ordens, gêneros) e defendia uma botânica mais ligada à medicina e à
fisiologia, às virtudes, e à utilidade das plantas, nos moldes da tradição de origem indígena.
Confrontavam-se, assim, dois sistemas de classificação baseados em concepções distintas.
Além da dimensão científica da oposição feita por Alzate, o autor sublinha, também, seu
lado ideológico, já que se inseria na luta de criollos contra a Coroa espanhola.
Considero esto estudo bastante esclarecedor sobre os diferentes fatores atuantes no processo
de implantação das ciências modernas em contextos periféricos. Além de mostrar intelectuais locais
em ação, mantendo intenso debate com naturalistas espanhóis que defendiam a introdução dos novos
saberes.

Outro estudo, bastante elucidativo, foi publicado em 1992 pelo historiador Roshdi
Rashed , e trata da introdução, no século XIX, de elementos da tradição matemática europeia no Ira e
13

no Egito, países com tradição antiga em estudos matemáticos.


Rashed mostra-se bastante crítico em relação ao modelo proposto por Basalla, pela
generalização que faz para contextos sociais distintos e por considerar os contextos receptores como
caracterizados por um "vazio científico". Em seu estudo trata de países nos quais, ainda no século
XLX, permaneciam tradições matemáticas distintas da européia, por ele denominadas tradições
clássicas, por terem se iniciado em período anterior à Idade Moderna. O autor identifica sua
permanência em vários países - Irã, Egito, Turquia e Tunísia -, como atividades que se mantinham
vivas, não decadentes, sendo ensinadas e orientando atividades de pesquisa.
Estuda detalhadamente as obras de al-Asfahani (1800-1876), da cidade de Ispahan no Irã,
que continuava resolvendo equações algébricas por métodos tradicionais, chegando a resultados
análogos aos demonstrados, por outros métodos, por matemáticos europeus. Registra, assim, no Irã do
século XIX, uma atividade vista por ele como condenada a desaparecer, mas que apesar de subalterna em
nível da produção mundial, mantinha-se viva, produzindo conhecimentos. Observa também que al-
Asfahani não se mostrava completamente refratário à tradição matemática européia.
Também estuda o Egito do século XIX, aí encontrando um corpo de professores que
aluaram como mediadores da transferência de ciência moderna, em especial após a formação do
Estado de Muhammad Ali, com seus projetos modemizadores que, mesmo mantendo o sistema
tradicional de ensino, trabalhou no sentido da introdução de valores ocidentais na sociedade egípcia.
Sublinha, assim, a atuação de grupos locais neste processo.

Finalizando este item, chamo a atenção para algumas características da nova historiografia.
Primeiro, a tendência a trabalhar de forma diferenciada os vários contextos, considerando suas
especificidades. Também, são estudos que procuram enfatizar que o processo de implantação de
práticas científicas não foi resultante simplesmente da ação de centros difusores, sendo
determinante a atuação de grupos locais. Por fim, a consideração de que o contexto cultural local, com
a presença de outros saberes, também atuou neste processo, gerando apropriações diferenciadas das
ciências modernas.

13Roshdi Rashed. "Science classique et science moderne à 1'époque de 1'expansion de la science européenne" In Petitjean,
Patrick. Jami, Catherine; Moulin. Anne-Marie(eds.), Science and Empires. Histórical studies about scientific development
and european expansion, Dordrecht/Boston/London, Kluwer Academic Publishers, 1992, pp. 19-30;
24

2. História das ciências no Brasil - A implantação da ciência e seus encontros e desencontros


com outros saberes

Até recentemente a historiografia brasileira considerava que práticas científicas só haviam


se estabelecido, de forma mais continuada, no país após a criação das primeiras universidades nos anos
1930. Ou seja, considerava-se que, por grande parte da história nacional, havia existido um "vazio
científico", entendido pêlos estudiosos como resultante do desinteresse das elites brasileiras pela
produção científica14.
A historiografia mais recente tem caminhado noutro sentido, procurando registrar e analisar
o que havia no país em períodos mais recuados.
Como vimos para outras regiões periféricas, a implantação de práticas científicas no Brasil
tem sido vista pelos historiadores como uma das facetas da incorporação do país à mundialização do
sistema capitalista.
Não por acaso, assim, os historiadores têm encontrado registros de que, desde o período
iluminista, as ciências modernas fizeram parte dos projetos governamentais - da metrópole e, depois,
dos governos imperiais. E, no século X I X , as ciências eram vistas como uma das facetas do
projeto de inserção da nação no conjunto seleto dos centros mais representativos da civilização
ocidental.
Temos assim hoje, para o final do período colonial, estudos sobre a atuação de
naturalistas viajantes e de jardins de aclimatação e gabinetes de história natural que levantavam
recursos naturais existentes no território brasileiro, realizavam catalogações ou atividades de
aclimatação, trazendo subsídios para o projeto metropolitano de revigoramento da produção
colonial. O período imperial, também, vem merecendo a atenção dos historiadores que têm
acompanhado a atuação de cientistas e de instituições, como escolas profissionais, museus,
associações científicas15.
Da mesma forma que para outros países, nossos historiadores têm analisado as
transformações que marcaram a implantação de modelos institucionais ou teorias científicas, e que
acabaram dando novos contornos às práticas científicas brasileiras.
Duas linhas de estudos podem ser bastante esclarecedoras. De um lado, os que
focalizam a implantação de teorias científicas e sua utilização por cientistas brasileiros. Nesta linha,
contamos com um número expressivo de estudos sobre a implantação das teorias evolucionistas,
que trabalham de forma instigante a questão da adaptação da teoria a um novo contexto.
Também, uma linha de desenvolvimento recente, bastante elucidativa, é a do encontro
de práticas científicas e práticas populares. Há uma produção já significativa sobre as práticas de
cura, que aqui focalizaremos.
Vejamos mais detalhadamente.

Teorias evolucionistas no Brasil - ciência e ideologia

Para ilustrar como vem sendo trabalhada a implantarão de teorias evolucionistas no


Brasil e as adaptações por que passaram, escolhi dois estudos recentes. O de Regina Cândida E.
Gualtieri sobre os trabalhos de cunho evolucionista realizados nos museus científicos brasileiros e o
de Lilia Schwarcz sobre as teorias raciais em instituições brasileiras. O período dos dois estudos é o
mesmo, a segunda metade do século XIX e o início do século XX.

14 Expressão usada por Simon Schwartzmann em seu livro Formação da comunidade científica no Brasil, de 1979, para
descrever as condições existentes no país no século XIX.
15 V. entre outros, Silvia Figueirôa, As cências geológicas no Brasil: uma história Social e Institucional, 1875-1934, S.
Paulo, Ed. Hucitec, 1997; Clarete P. Da Silva, O Desvendar do grande livro da natureza. Um estudo da obra do
mineralogista José Vieira Couto, 1798-1805. S. Paulo, Fapesp/AnnaBlume/Unicamp, 2002; M. Margaret Lopes, O
Brasil Descobre a Pesquisa Científica. Os Museus e as Ciências Naturais no Século XIX, S. Paulo, Hucitec, 1997;
Alda Heizer e Antônio A. P. Videira: Ciência , Civilização e Império nos Trópicos, Rio de Janeiro, Ed. Acess, 2001.
25

Regina Cândida E. Gualtieri16 trata de um tema não explorado pela historiografia


brasileira: a utilização das teorias evolucionistas pelos cientistas. Já que os estudos têm se voltado
para a presença do darwinismo como discurso ideológico e para sua difusão após 1870, quando ser
evolucionista - como ser positivista - era ser moderno para parcelas das elites brasileiras, que
incorporaram estas teorias em seus projetos políticos.
Trabalhando mais especificamente com a implantação de atividades científicas de cunho
evolucionista, a autora analisa os referenciais seguidos pêlos naturalistas brasileiros e sua utilização
nas pesquisas.
Constatou, assim, que a Teoria da Evolução, até o final do século XIX, além de manter
contradições como a aceitação de princípios lamarquianos, teve uma aceitação diferenciada, mesmo
entre os naturalistas europeus. Assim, se alguns pontos da teoria de Darwin eram bastante
consensuais - como o não fixismo dos seres vivos e a idéia de ancestral comum -, a seleção natural,
considerada materialista, foi muito contestada. Também, foi só na última década do século XIX que
a seleção natural passou a ocupar uma posição mais central e incontestável no darwinismo. Mostra,
assim, o evolucionismo do século XIX como bastante flexível, abrindo múltiplas possibilidades para os
cientistas.
Do levantamento de artigos nas áreas da botânica e em zoologia, publicados nos
Arquivos do Museu Nacional, no período 1875-1915, constata a presença do darwinismo biológico e
do haeckelismo tanto na escolha de temas como nas interpretações dadas, concluindo que os
naturalistas brasileiros estavam bem familiarizados com estas vertentes. Também conheciam as
controvérsias entre as diversas teorias evolucionistas e se posicionavam frente a elas.
Trabalhando no Brasil, tentavam fazer pesquisas originais, estudando espécimes presentes na
flora e fauna locais.
Entre os autores, vê Ladislau Netto, diretor do Museu Nacional mais próximo do
poligenismo, talvez mais coerente com suas crenças religiosas; já o naturalista alemão Fritz Miller,
ateu e darwinista convicto, se aproximava das interpretações monogenistas. A autora faz uma leitura
extensiva das obras destes cientistas e de outros naturalistas do Museu, como Pizarro e, para o
período republicano, João Batista de Lacerda e Alípio Miranda Ribeiro. Notemos, também, que as
convicções destes cientistas, registradas em suas obras científicas, também os levou a posições
diferenciadas sobre temas de interesse social mais amplo, como as políticas de imigração.
Tendo em vista o tema que estou considerando, chamo a atenção para a forma como a
autora trabalha a questão da divulgação científica, valorizando a atuação dos naturalistas na escolha
de seus referenciais e temas de pesquisa.

Já o estudo de Lilia Schwarcz17 ilustra bem como, no final do século XIX, a difusão de
teorias evolucionistas no Brasil embasou a disseminação de teorias racistas. A autora vê esta
utilização como própria ao caso brasileiro, em um momento em que o destino do "país mestiço" era
pensado por seus intelectuais.
Da mesma forma que no estudo anterior, aqui são lembradas as várias leituras que teorias
evolucionistas tiveram na Europa, e que também seriam referências para os cientistas brasileiros.
Desde 1 concepções monogenistas, que trabalhavam a humanidade como uma unidade, mesmo com
diferentes raças, a poligenistas, que defendiam diferentes origens para os vários povos, com a ideia de
uma humanidade cindida. Estas vertentes embasaram teorias raciais diferentes, que no segundo caso
incluía o conceito de raças superiores e inferiores. Como a autora sublinha, eram concepções científicas na
época..
16Regina C. Ellero Gualtieri. "O evolucionismo na produção científica do Museu Nacional do Rio de Janeiro (1876-
1915)" In, Heloísa M. B. Domingues. Magalí Romero Sá e Thomas Glick (eds.). A recepção do darwinismo no Brasil,
Rio de Janeiro. Ed.Fiocruz, 2003, 45-96;

17Lilia Schwarcz, O Espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930), S. Paulo,
Companhia das Letras, 1993.
26

Para o caso brasileiro, a autora faz um amplo levantamento da presença de temas raciais em
publicações de instituições científicas brasileiras: museus de história natural, institutos históricos, faculdades de
medicina e de direito. Acaba detectando diferenças significativas no tratamento dado ao tema pêlos
diferentes profissionais. Por exemplo, entre médicos baianos e da Corte ou entre advogados do Recife e
São Paulo.
A autora chama a atenção para como as teorias raciais foram incorporadas pêlos cientistas
brasileiros, ganhando novos significados, ou seja, construindo interpretações originais que vinham de encontro
aos temas candentes no país. São encontradas, assim, diferenciadas concepções - sempre apoiadas em
argumentos científicos - da melhor política de imigração a ser implantada.
Vemos, assim, estes estudos ilustrando bem o que queremos sublinhar na nova historiografia: a
implantação de teorias científicas sempre implica - com maior ou menor grau - adaptações, traduções,
recriações.
Medicina científica e práticas de cura no Brasil
É muito recente o interesse dos historiadores brasileiros pelo estudo do encontro de práticas
científicas com outras tradições culturais.
No entanto, nos últimos anos, vêm sendo editados vários textos sobre a presença de práticas
de cura no Brasil, desde tempos coloniais, e que têm pontos de contato com a área da história da
medicina, sem dúvida a de maior desenvolvimento na História das ciências no Brasil.

Os estudos sobre práticas populares de cura se inserem, em geral, na história da cultura, e


vêm contribuindo para o resgate de movimentos de resistência de setores mais pobres da população
brasileira, a políticas de organização social18. São, em geral, estudos que apresentam uma visão crítica em
relação à atuação dos médicos acadêmicos, vistos como agentes de projetos autoritários e que procuravam
impor suas práticas a outros saberes populares.
Como sabemos, a medicina acadêmica brasileira, como outros saberes científicos, tem suas
origens na tradição médica européia. Mas, sua implantação em terras brasileiras acabou ganhando
características específicas à história nacional.
Os médicos metropolitanos e, depois, os profissionais formados nas primeiras escolas de
medicina e cirurgia - Bahia e Rio de Janeiro, em 1808 -, sempre se viram confrontados a outros práticos que
se dedicavam às artes da cura. Barbeiros, parteiras, curandeiros, pajés, boticários, sangradores. Como mostra
Tânia Pimenta19, atividades que até 1832, quando os cursos médicos passaram por nova regulamentação, eram
reconhecidas socialmente. Para esta autora, este ano marca o início da luta da medicina acadêmica pelo
controle das práticas de cura. No entanto, esta regulamentação só aconteceu nas primeiras décadas do século
XX.
Como entender este processo tão longo, já que a medicina acadêmica contou com o apoio
das elites dirigentes nacionais, apoio muito intenso nos governos republicanos? Terá sido devido à pouca
eficiência terapêutica da medicina acadêmica até o início do século XX, quando as práticas microbiológicas
se institucionalizaram?
Vários estudos corroboram neste sentido, mostrando, por exemplo, que, em meados do
século XIX, leigos participavam de debates sobre questões médicas em periódicos científicos20. Há
exemplos, também, de que médicos prescreviam, até meados do século XIX, práticas como as sangrias
ou o uso de remédios similares aos utilizados pelos curadores populares.
Mais ainda, há registros de que estes práticos eram muitas vezes bastante populares e mais
18Tem atuação destacada nestes estudos o Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, IFCH-UNICAMP.
19 Tânia S. Pimenta, 'Terapeutas populares e instituições médicas na primeira metade do século XIX" In Sidney Chalhoub, Vera Regina
Beltrão Marques. Gabriela dos Reis Sampaio, Carlos Roberto Galvão Sobrinho (org.), Artes e Ofícios de curar no Brasil,
Campinas, Ed. UNICAMP, 2003, pp.307-330.
20L. Otávio Ferreira, "Ciência médica e medicina popular nas páginas dos periódicos científicos (1830-1840)", In, Sidney Chalhoub,
Vera Regina Beltrão Marques, Gabriela dos Reis Sampaio, Carlos Roberto Galvão Sobrinho (org.), Artes e Ofícios de curar no
Brasil, Campinas, Ed. UNICAMP, 2003, pp. 101-122.
27

procurados por parcela significativa da população do que os médicos. Vemos assim, no Brasil do século
XIX, um meio social que contava com um sistema complexo de práticas de cura, em que tradições
mais modernas, européias, dividiam espaço com tradições vindas do período colonial.
Para o século XIX, há estudos tratando da ação de pajés na Amazônia e de curandeiros e
outros práticos no Rio de Janeiro e em Minas Gerais21. Ou o estudo de Sidney Chalhoub sobre a
resistência da população de cortiços cariocas às medidas da junta de higiene do governo imperial, em
especial à vacinação antivariólica. O autor, após análise cuidadosa, conclui que as raízes destas ações
estavam em crenças religiosas africanas e suas concepções de doença e cura, que levavam a uma
oposição a práticas médicas oficiais22.
Já outros estudos mostram como práticas de cura populares continuavam sendo bastante
difundidas no Brasil nas primeiras décadas do século XX. No Rio Grande do Sul, sendo mesmo
oficializadas pela liberdade profissional estabelecida pela constituição estadual de caráter positivista23. Ou
mesmo em 1918, durante a gripe espanhola, quando foram largamente acionadas em um contexto de
falência da medicina oficial24.

3 À guisa de conclusão

Vejo a nova historiografia contestando a visão bastante difundida de que a história


brasileira foi uma sucessão de valores, tradições, saberes, práticas importados, sem uma contribuição
local.
Quanto às ciências, não podemos negar que a ciência moderna chegou ao território brasileiro
a partir do exterior, inicialmente dos países europeus; uma tradição desenvolvida cm outro território,
chegando ao Brasil. Mas, sua implantação não foi uma difusão simples em um território vazio. Ao
contrario, foi sobretudo resultado da ação de grupos locais que buscavam no exterior tradições que
queriam implantar no país.
Como vimos, no caso das teorias evolucionistas, setores das elites imperiais,
acompanhando o que acontecia na Europa, construíram um pensamento sobre a nação e seu futuro.
Na área da medicina acadêmica, modelos de ensino médico, princípios de higiene, ou mesmo
práticas microbiológicas, chegavam ao país e cumpriam funções na formação de profissionais e na
implantação de políticas de saneamento e controle de doenças.
Estas práticas vindas de fora foram utilizadas de formas diferenciadas. Quando não
tiveram que se confrontar com outras práticas já estabelecidas localmente.
O que nos lembra que é preciso ter cuidado com as generalizações, pois o processo de
implantação de saberes/valores tem tido múltiplos significados, nos diferentes contextos, em
diferentes épocas.
Quanto às outras áreas da cultura, já que começamos tratando de uma imagem difundida
sobre a música brasileira, voltemos a ela. No depoimento de Tom Jobim, talvez o que cause mais
estranheza, em suas palavras, seja o esquecimento de raízes culturais que, inclusive, fizeram parte
de sua música, vista por estudiosos como uma mistura de jazz e samba. É contraditória, também,
quando lembramos que, em seus depoimentos, sempre declarava seu apreço a Villa-Lobos, músico
que participou de projetos modernistas e nacionalistas dos anos 1920 e 1930, que defendiam uma
música brasileira que recuperasse elementos do folclore indígena e negro25.

21 Aldrin M. Figueiredo, "Pajelança e medicina na Amazônia no limiar do século XX" In, Sidney Chalhoub et allii, Op. Cit., pp.
273-304; Tânia P. Salgado, Op.Cit; e Betânia G. Figueiredo, Artes de Curar. Cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros
no século XIX em Minas Gerais, Rio de Janeiro. Ed. Vicio de Leitura, 2002.
22 Sidney Chalhoub, Cidade febril. Cortiços e epidemias na corte imperial, S. Paulo, Companhia das Letras, 1996.
23 Beatriz Teixeira Weber, As artes de curar. Medicina, religião, magia e positivismo na república rio-grandense. 1889-1928.
Santa Maria/Bauru, Ed. Univ. Fed. Santa Maria/ Ed. Univ. Sagrado Coração, 1999.
24 Liane Maria Bertucci. Influen:a, a medicina enferma. Ciência e práticas de cura na época da.jripe espanhola em São
Paulo. Campinas, Ed. UNICAMP. 2004.
25 V. Arnaldo D. Contier. Brasil Sovo. Música, nação e modernidade: os anos 20 e 30. Tese de livre-docência. São Paulo,
FFLCH-USP. 1988.
28

O depoimento nos faz pensar, assim, que a memória nacional é, muito frequentemente,
seletiva e exclui a ação de setores significativos da sociedade brasileira.
No entanto, como vimos, alguns estudos recentes começam a registrar a ação de
indivíduos até então sem história. Um caminho que se inicia, mas que pode ter muitos
desdobramentos.

Referencias
Arboleda, Luis C., "Acerca de la difusion cientifica en la periferia" In, QUIPU, 4(1), 7-32, 1987 (ed. da SLHCT, Mexico, DF).

Basalla, George, "The Spread of Western Science" In, Science, 156, 1967, pp.611-622.

Ben-David, Joseph, O papel do cientista na sociedade, S. Paulo, Ed. Pioneira, 1972.

Bertucci, Liane Maria, Influenza, a medicina enferma. Ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em
Sao Paulo, Campinas, Ed. UNICAMP, 2004.

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30

TEXTO 2

O que é cultura?
Prof. Jorge Machado
(adaptado da Enciclopédia Barsa)

“As meninas-lobo
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente
numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala,
vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e
veio a morrer um ao mais tarde. Kamala, de oito aos de idade, viveu até
1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente
semelhante àquele de seus irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joelhos
e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os
trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de
carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, lançando a
cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram
recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram
ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos.
Nunca coraram ou riram.
Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu,
humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a
andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras.
Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e
se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras crianças
com as quais conviveu.
A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por
gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar,
aprendendo a executar ordens simples.”
(B. REYMOND. Le dévelopment social de l'enfant et
de l'adolescent. Bruxelas, Dessart, 1965, p.12-14)

O fato verídico narrado acima nos faz questionar afinal o que é realmente um ser
humano. O que nos assemelha e o que nos diferencia dos animais. Claro está que as crianças eram,
de fato, lobos, no sentido de que agiam como eles. Embora organicamente pertencessem à espécie
humana, “culturalmente” eram lobos, pois haviam se integrado perfeitamente a uma alcatéia e,
mesmo quando retiradas dela, as crianças continuaram a comportar-se como lobos.
Crianças com desenvolvimento neurológico limitado por alguma doença grave têm em
geral sérias dificuldades para se desenvolverem plenamente como pessoas. Da mesma forma, como
na história citada, crianças neurologicamente perfeitas podem “não chegar à humanidade” se não
compartilharem do convívio com outros de sua espécie, aprendendo como viver em sociedade, o
que é e o que não é uma conduta humana, etc.
Esse patrimônio imaterial passado de geração em geração e que nos faz diferentes dos
animais tem sido chamado de CULTURA e tem sido igualmente objeto de estudo para uma
importante ciência humana, a ANTROPOLOGIA, que vem se debruçando sobre problemas
31

ensejados por fatos como o das meninas-lobo e outras situações. Mas, então, o que é cultura?
Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e têm uma cultura, transmitida no
tempo, de geração a geração. Mitos, lendas, costumes, crenças religiosas, sistemas jurídicos e
valores éticos refletem formas de agir, sentir e pensar de um povo e compõem seu patrimônio
cultural.
Em antropologia, a palavra cultura tem muitas definições. Coube ao antropólogo inglês
Edward Burnett Tylor, oferecer pela primeira vez uma definição formal e explícita do conceito:
"Cultura ... é o complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis,
costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da
sociedade."
Já o antropólogo americano Melville Jean Herskovits descreveu a cultura como a parte
do ambiente feita pelo homem; Ralph Linton, como a herança cultural, e Robert Harry Lowie,
como o conjunto da tradição social. No século XX, o antropólogo e biólogo social inglês Ashley
Montagu a definiu como o modo particular como as pessoas se adaptam a seu ambiente. Nesse
sentido, cultura é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos,
ocupando um território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagem,
instrumentos, serviços e sentimentos.

A história da utilização antropológica do conceito de cultura tem origem nessa famosa


definição de Tylor, que ensejou a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que ele
procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o animal a partir dos costumes,
crenças e instituições, encarados como técnicas que possibilitam a vida social. Tal definição
também marcou o início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da tradição dos estudos
antropológicos por Franz Boas e Bronislaw Malinowski, entre outros. Sobretudo na segunda metade
do século XX, esse uso caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais, enfocadas
como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela perda de interesse na evolução dos
costumes e instituições, preocupação dos antropólogos do século XIX.
Só o homem é portador de cultura; por isso, só ele a cria, a possui e a transmite. As
sociedades animais e vegetais a desconhecem. É um complexo, porque forma um conjunto de
elementos, inter-relacionados e interdependentes, que funcionam em harmonia na sociedade. Os
hábitos, idéias, técnicas, compõem um conjunto, dentro do qual os diferentes membros de uma
sociedade convivem e se relacionam. A organização da sociedade, como um elemento desse
complexo, está relacionada com a organização econômica; os dois entre si relacionam-se igualmente
com as idéias religiosas. O conjunto dessa inter-relação faz com que os membros de uma sociedade
atuem em perfeita harmonia.
A cultura é uma herança que o homem recebe ao nascer. Desde o momento em que é
posta no mundo, a criança começa a receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as
maneiras de alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua falada, a identificação
de um pai e de uma mãe, e assim por diante. À proporção que vai crescendo, recebe novas
influências desse mesmo grupo, de modo a integrá-la na sociedade, da qual participa como uma
personalidade em função do papel que nela exerce. Se individualmente o homem age como reflexo
de sua sociedade, faz aquilo que é normal e constante nessa sociedade. Quanto mais nela se integra,
mais adquire novos hábitos, capazes de fazer com que se considere um membro dessa sociedade,
agindo de acordo com padrões estabelecidos. Esses padrões são justamente a cultura da sociedade
em que vive.
A herança cultural não se confunde, porém, com a herança biológica. O homem ao
nascer recebe essas duas heranças: a herança cultural lhe transmite hábitos e costumes, ao passo que
a herança biológica lhe transmite as características físicas ou genéticas de seu grupo humano. Se
uma criança, nascida numa sociedade bororo, é levada para o Rio de Janeiro, passando a ser criada
por uma família de Copacabana, crescerá com todas as características físicas -- cor da pele e do
cabelo, forma do rosto, em especial os olhos amendoados -- de seu grupo bororo. Todavia, adquirirá
32

hábitos, costumes, a língua, as idéias, modos de agir da sociedade carioca, em que se cria e vive.
Além desses hábitos e costumes que recebe de seu grupo, o homem vai ampliando seus
horizontes, e passa a ter novos contatos: contatos com grupos diferentes em hábitos, costumes ou
língua, os quais farão com que adquira alguns desses hábitos, ou costumes, ou modos de agir. Trata-
se da aquisição pelo contato. Foi o que se verificou no Brasil do século XIX com hábitos
introduzidos pelos imigrantes alemães ou italianos; o mesmo sucedeu em séculos anteriores, com
costumes introduzidos pelos negros escravos trazidos da África. Tais costumes vão-se incorporando
à sociedade e, com o tempo, são transmitidos como herança do próprio grupo.
É certo que essa transmissão pelo contato não abrange toda a cultura do outro grupo.
Somente alguns traços se transmitem e se incorporam à cultura receptora. Esta, por sua vez, se torna
também doadora em relação à cultura introduzida, que incorpora a seus padrões hábitos ou
costumes que até então lhe eram estranhos. É o processo de transculturação, ou seja, a troca
recíproca de valores culturais, pois em todo contato de cultura as sociedades são ao mesmo tempo
doadoras e receptoras. Dessa forma, o homem adquire novos elementos culturais, e enriquece seu
tipo cultural.
Esses elementos, que compõem o conceito de cultura, permitem mostrar que ela está
ligada à vida do homem, de um lado, e, de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo
estática sua permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se modifica,
continuamente, nem sempre de maneira perceptível pelos membros do próprio grupo. É justamente
isso que contribui para seu enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria
sociedade e ainda do que é adquirido de outros grupos.
Graças às pesquisas em jazidas arqueológicas, tem sido possível recompor ou
reconstruir as culturas, o que permite conhecer o desenvolvimento cultural do homem, sobretudo no
campo material. É mais difícil, porém, conhecer o desenvolvimento da cultura espiritual, embora
muita coisa já se tenha podido esclarecer. De qualquer forma o que se sabe é que, nascida com o
homem, a cultura, sofreu modificações ao longo dos tempos, enriquecendo-se de novos elementos e
adquirindo novos valores. A cultura acompanha, pois, a marcha da humanidade; está ligada à vida
do homem, desde o ser mais antigo. Com a expansão do homem pela Terra, ocupando os grupos
humanos novos meios ambientes, a cultura se ampliou e se diversificou em face das influências
impostas pelo meio, cujas relações com o homem condicionaram o aparecimento de novos valores
culturais ou o desaparecimento de outros.
A cultura é derivada de componentes da existência humana, ou seja, origina-se de
fatores ligados ao homem. São fatores ambientais, psicológicos, sociológicos e históricos, que
contribuem para compor a cultura dentro de uma sociedade estudada. Ela é também aprendida,
porque se verifica um processo de transmissão dos mais velhos - pessoas ou instituições - aos mais
novos, à proporção que estes se vão incorporando a sua sociedade. São as chamadas linhas de
transmissão, isto é, aqueles meios pelos quais se verifica a aprendizagem da cultura. A família, os
companheiros de trabalho, os professores, o esporte, a igreja, a escola, são linhas de transmissão, ou
seja, transmitem a cultura, que se torna assim aprendida pelos que se incorporam à sociedade.
Do mesmo modo, a cultura é estruturada, pois tem uma forma ou estrutura que lhe dá
estabilidade no respectivo grupo humano, sem prejuízo das possibilidades de mudança, que são
imensas. É estruturada no sentido de que, compondo-se de diversos valores, mantém entre eles uma
estruturação orgânica.
Constituída de diferentes valores, a cultura forma os complexos que, unidos e inter-
relacionados, dão o padrão cultural. A organização social, a língua usada, a organização política, a
estética, as idéias religiosas, as técnicas, o sistema de ensino são alguns dos elementos existentes em
uma sociedade. Esses elementos dão forma à cultura e a representam, em conjunto, de maneira a
caracterizar a sociedade em que se manifestam. Não são iguais, porém, em todas as sociedades; daí
a cultura ser variável. A cultura é também cumulativa; vão-se acumulando nela, em face da
respectiva sociedade, os elementos vindos de gerações anteriores, sem prejuízo das mudanças que se
podem verificar no decorrer do tempo.
33

Cada geração humana, em determinada sociedade, recebe os elementos vindos de seus


antepassados, e ao mesmo tempo vai acolhendo novos elementos que se juntam àqueles. Por isso
mesmo, a cultura é também contínua: vai além do indivíduo ou de uma geração, pois continua,
mesmo modificada, mas sem interromper sua permanência na sociedade a que pertence. É o
continuum cultural que liga cada sociedade a suas raízes mais antigas. Se alguns valores se alteram,
desaparecem e são substituídos por novos, outros se mantêm constantes, vivos, geração após
geração. Essa continuidade cultural dá à sociedade sua estabilidade, pois apesar das revoluções,
invasões, novos contatos com grupos diferentes, o fato é que a cultura permanece, e a sociedade
prossegue em sua existência.
Por fim, a cultura é um instrumento de adaptação do homem ao ambiente. É pelos
valores culturais que o homem se integra a seu meio. Primeiro, como indivíduo. Ao transformar-se
em personalidade que se incorpora a seu grupo, vai adquirindo os hábitos, os usos e os costumes da
sociedade a que pertence, de forma a adaptar-se inteiramente a ela. Aprende a língua que deve ser
falada; adquire as noções de relações com os companheiros; aprende os mesmos jogos infantis e as
mesmas atividades juvenis; adquire uma profissão que atende aos interesses da sociedade. Em
segundo lugar, cria instrumentos ou concebe novas idéias, que o capacitam a melhor adaptar-se ao
ambiente.
Apesar de formar uma unidade devidamente estruturada, cumulativa e contínua, a
cultura pode ser dividida. É o que se chama de classificação de cultura, isto é, a divisão dos valores
culturais exclusivamente por necessidade metodológica, ou para fins pedagógicos ou didáticos. Os
elementos que integram uma cultura não dominam uns aos outros; unem-se e ajudam a compreender
a cultura e seu funcionamento. A classificação ou divisão da cultura é apenas uma necessidade que
têm os estudiosos para melhor apreciar os diferentes aspectos dessa cultura. Daí a própria variação
dessas classificações ou divisões, em geral conforme as preferências ou pontos de vista em que se
coloca cada autor.
A mais antiga classificação se deve ao sociólogo americano William Fielding Ogburn,
que em Social Change: With Respect to Culture and Original Nature (1922; Mudança social:
referida à cultura e natureza original) dividiu a cultura em material e não-material ou espiritual. A
primeira compreenderia todos os elementos capazes de uma representação objetiva, em um objeto
ou fato. A segunda seria tudo o que é criado pelo homem, como concepção ou idéia, nem sempre
traduzido em objetos ou fatos.
Outras classificações podem ainda ser lembradas. Ralph Linton, baseando-se na
constatação de que os fatos culturais resultam das necessidades humanas, dividiu a cultura em:
necessidades biológicas, agrupando todos os fatos que correspondem à vida física do homem
(alimentação, habitação, vestuário etc.); necessidades sociais, em que se reúnem todos os fatos
relacionados com a vida em sociedade (organização social, organização política, ensino etc.); e
necessidades psíquicas, que compreendem todos os fatos que representam manifestações de
pensamento dos seres humanos (crenças, estética etc.). Melville Herskovits ofereceu a seguinte
distribuição dos elementos culturais: cultura material e suas sanções; instituições sociais; homem e
universo; estética, linguagem.
Pode-se ainda assinalar a classificação dos elementos culturais, tendo em vista os
sistemas operacionais de ação do homem: sistema ou nível adaptativo, em que se verificam as
relações do homem com o meio (ecologia, tecnologia, economia); sistema ou nível associativo, em
que se estudam as relações dos homens entre si (organização social, família, parentesco,
organização política); e sistema ou nível ideológico, onde se compreendem os produtos mentais
resultantes de relações entre os homens e as idéias ou concepções (saber, crenças, linguagem, arte
etc.).
Uma última observação deve ser feita, em face da aplicação do sentido de cultura: é que
muitas vezes se tem confundido, na linguagem menos científica, o sentido de cultura com o de raça
ou de língua. Falar-se, por exemplo, de uma raça ariana é um engano, pois o que existe são povos
que falaram originariamente as línguas indo-européias ou arianas, tronco de onde nasceram as
34

modernas línguas faladas na Europa contemporânea. Da mesma forma é um engano falar-se de raça
judaica, pois o que existe são elementos humanos, que se aglutinam pela cultura, em particular
pelos mesmos ideais ou sentimentos religiosos, e nunca pelas mesmas características físicas.
Convém salientar que as três variáveis -- cultura, raça e língua -- são independentes e
não seguem a mesma direção. Encontram-se casos em que persistem as características raciais e se
modificam as lingüísticas e culturais, como se verificou com os negros da África na América do
Norte ou com os vedas do Ceilão (hoje Sri Lanka). Em outras ocasiões, persistem as características
lingüísticas e modificam-se as raciais; foi o que sucedeu com os magiares na Europa, vindos de um
mesmo tronco lingüístico, mas de variada formação racial. Pode também suceder a persistência de
características culturais e a modificação das características físicas ou lingüísticas. É o exemplo
encontrado nos povos chamados latinos. Com tais exemplos, conclui-se que cultura não se confunde
com raça ou língua.
35

TEXTO 3

Concepções baseadas no senso comum


relacionadas à Química
Prof. Jorge Machado
(UFPA - Instituto de Educação)

“O senso comum e a ciência são expressões da mesma


necessidade básica, a necessidade de compreender o
mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E para aqueles
que teriam a tendência de achar que o senso comum é
inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por
dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram
sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. A
ciência, curiosamente, depois de cerca de 4 séculos, desde
que ela surgiu com seus fundadores, está colocando sérias
ameaças à nossa sobrevivência.”
(Rubem Alves)

Para uma certa tendência epistemológica, dizer que a química é uma ciência eqüivale a
afirmar que ela é o resultado de uma evolução que representa o caminho do senso comum até uma
forma muito elaborada e especializada de se estudar e perceber o mundo. Ciência pode ser, portanto,
o senso comum refinado e aperfeiçoado26.
Mas, o que vem a ser senso comum?
Para entender o alcance dessa questão, vejamos o que acontece com os caboclos
amazônicos quando fabricam os artefatos que eles chamam de “cuias”.
Cuias são tigelas feitas com produtos da floresta, fabricadas de acordo com uma
tecnologia muito peculiar e muito específica, de domínio público entre os povos da floresta. Cuias
são muito comuns em Belém do Pará, nas barracas para venda de tacacá, onde são utilizadas para
servir essa iguaria típica da culinária paraense. Vejamos uma breve descrição do processo de
fabricação das cuias:
Essas cuias são feitas a partir da casca grossa dos frutos de uma árvore nativa
(Crescentia cujete), globos que podem atingir o tamanho de uma melancia grande.
Os globos são cortados em dois hemisférios, limpos e secados ao sol. Enquanto isso está
sendo feito, o artesão prepara um extrato aquoso do caule de uma planta chamada cumatê (árvore da
família das melastomáceas cujas cascas são ricas em tanino), com o qual pintará a cuia, cobrindo-a
com esse corante natural. Nesse trabalho de pintura ele dará vazão à sua arte, decorando as cuias
com motivos variados.
Após a pintura, as cuias serão colocadas sobre um recipiente contendo urina em
decomposição, a cujos vapores elas ficarão expostas. Não entrarão em contato direto com a urina,
mas apenas com as suas emanações amoniacais.
O corante endurecerá e escurecerá, adquirindo as propriedades de uma laca negra e
brilhante, que protegerá a cuia do apodrecimento e facilitará seu manuseio e higiene. Ao final, a
26 Para uma outra corrente epistemológica, cujo maior expoente é Gaston Bachelard, a passagem do senso-comum para
a ciência representa antes uma RUPTURA. Para essa corrente, não há uma evolução natural do senso comum, pois a
ciência (seu modo de abordar os fenômenos, seu formalismo, o racionalismo indutivista, a necessidade de uma teria
dando suporte ao trabalho do cientista) difere radicalmente da forma como o homem comum aborda a natureza e
seus fenômenos. A questão está em aberto.
36

cuia receberá polimento para ter seu brilho realçado, sendo usada nesse processo final uma resina
vegetal brilhante.
É curioso como esse processo de preparo das cuias teria igual sucesso se elas fosse
expostas aos vapores do amoníaco, mas a tradição manda utilizar a urina até hoje. Os espíritos
filosóficos podem meditar sobre as estranhas propriedades da matéria, porém a técnica continua
naturalmente a seguir o seu caminho...
Os detalhes “ritualísticos” do processo de produção das cuias ainda não foram
devidamente estabelecidos, mas de imediato poderíamos criar uma lista contendo um certo número
de conhecimentos com origem nas ciências naturais e formais que são indispensáveis para que o
caboclo tenha sucesso nesse empreendimento.
1. O caboclo precisa ter conhecimentos de botânica, no sentido de localizar os vegetais
segundo sua aparência e habitat e, ainda, para determinar o momento certo de coletar o material
vegetal (frutos da cuia e caules do cumatê) necessário para o empreendimento.
2. O caboclo precisa saber, de alguma forma, dividir uma esfera em dois hemisférios
iguais (ou quase iguais, ou ainda, deliberadamente diferentes) utilizando técnicas e instrumentos
adequados. Isso envolve conhecimentos matemáticos.
3. O caboclo precisa conhecer sobre o comportamento de certos materiais quando
expostos ao calor do sol, sobre resistência dos materiais, sobre construção de utensílios e
equipamentos, em outras palavras, sobre física.
4. Finalmente, o caboclo precisa dominar um conhecimento químico empírico, na
medida em que irá selecionar materiais, submeter esses materiais a reações químicas e avaliar
os resultados da manipulação desses materiais quando submetidos a processos químicos.
A partir dessas considerações muitas questões se apresentam a nós:
Qual a origem desse conhecimento?
Será possível estabelecermos algum diálogo entre saberes populares como esse (de
cunho científico e técnico) e a ciência química formal?
Principalmente, em que esse saber difere ou assemelha-se ao conhecimento químico
sistematizado?
Percebemos, então, a necessidade de estabelecermos um discussão sobre as infinitas
possibilidades criativas do homem inserido na sua cultura e as (restritas?) possibilidades do saber
científico sistematizado.
Iniciemos nossas considerações discutindo brevemente o que vem a ser senso comum.
Pelo exemplo das cuias apresentado acima, podemos afirmar que o senso-comum é todo um
conjunto de conhecimentos de domínio público que são utilizados pelo homem para a sobrevivência
e a resolução de problemas, muitos destes de natureza comprovadamente científica. Quando o senso
comum evolui e passa por um processo de sofisticação e sistematização, temos o que se chama
ciência. Assim, (para Alves, Kneller, e outros, mas não para todos) ciência é o senso comum
aperfeiçoado27.
No caso das cuias, um químico poderia concluir que a exposição do extrato aquoso do
cumatê aos vapores de amoníaco (ou de qualquer substância que desprenda esses vapores) poderia
resultar no mesmo fenômeno. Generalizaria, dessa forma, dizendo que a reação entre “alguma
coisa” no extrato do cumatê e a amônia (NH3) resultaria na formação de uma “laca”. Poderia isolar
a “coisa” que reage com a amônia e determinar sua estrutura e fórmula molecular. Poderia, a partir
de um modelo atômico e de modelos para mecanismos de reação química, propor uma equação que
descreveria a reação química observada. Poderia testar esse mecanismo e, eventualmente,
comprová-lo ou modificá-lo. Poderia, até mesmo, propor uma forma de produção comercial para

27 Alguns autores fazem distinção entre “senso-comum” e “conhecimento popular”. Este seria constituído de práticas e
saberes comuns a populações de reduzidas posses materiais e pequeno repertório cultural. Já o senso-comum estaria
presente de forma disseminada em todas as classes sociais. A fabricação de cuias, pelo processo descrito, seria uma
manifestação do “conhecimento popular”. Colocar cebolas na geladeira antes de cortar ou cortá-las sob uma corrente
de água (para reduzir o lacrimejar da cozinheira) seria conhecimento de “senso-comum”.
37

essa “laca”, capaz de revestir móveis sem o uso de substâncias derivadas do petróleo. E por aí vai.
Mas, por que o caboclo da Amazônia não pode realizar todos esses prodígios?
Justamente, porque lhe falta toda a trajetória de referenciais e de repertório cultural que
foi percorrida pelo químico. Comparemos, para usar uma metáfora oriunda da filosofia oriental,
com o arqueiro Zen. A flecha é o homem. O arco é o conhecimento de senso comum. O alvo é a
ciência. Para ir do arco até o alvo há toda uma trajetória a ser percorrida. E durante esse percurso,
muitas coisas acontecem, muita coisa muda, de forma que a flecha que chega ao alvo nunca é a
mesma que partiu do arco... Será essa trajetória, processo de aculturação no qual o indivíduo vai aos
poucos sendo “iniciado” nos procedimentos, abordagens, métodos, linguagens, isto é, no “ser” um
químico, que vai transformar alguém que pensa como um homem comum em alguém que aprende a
pensar como químico.
Da mesma forma que as cuias, muitos saberes de domínio público tem conexão direta
com a atividade do químico. Como exemplo mais corriqueiro, vejamos o caso da cozinha.
Na cozinha acontecem inúmeros fenômenos químicos, diversas substâncias são
manipuladas e a cozinheira (ou cozinheiro) é, em última análise, um químico em ação, embora
jamais possa desfrutar desse status28. Começando pelo fogo, que é quase indispensável no preparo
dos alimentos, trata-se obviamente de uma reação química. O gás que serve de combustível é um
hidrocarboneto, obtido por destilação fracionada do petróleo. O vinagre é uma solução ácida. Fazer
um bolo, por exemplo, é promover uma série de reações químicas desde o desprendimento de gases
do fermento até o cozimento do trigo. Podemos parar por aí, pois os exemplo se seguiriam ao
infinito. Os utensílios plásticos, as panelas de alumínio, os pratos de porcelana...
Saindo da cozinha e partindo para a farmácia, podemos perceber os antibióticos, os
antiácidos efervescentes (e por que eles reagem dessa forma com água?), os antissépticos, a água
oxigenada...
Facilmente poderíamos concluir que para todo lado que olharmos, para todos os
sistemas possíveis, para o muito distante, o muito perto, o infinitamente grande e o infinitamente
pequeno, para todo lado temos substâncias e reações químicas. Naturalmente, o homem vem
convivendo com essas coisas há milênios e aprendendo a lidar com elas mediante a aplicação de
conhecimentos espontâneos de senso-comum, fruto da experiência, da curiosidade e da abordagem
sistematizada (mediante um “método científico popular”?) dos fenômenos e materiais da natureza.
Acredita-se, por exemplo, que o homem descobriu como fazer sabão por acaso, ao observar que as
cinzas de fogueira quando misturadas com gordura animal derretida ajudavam a retirar a sujeira dos
utensílios mais facilmente do que usando apenas água. Da mesma forma acredita-se que o homem
aprendeu a cozer alimentos, tingir tecidos e extrair metais de seus minérios.
Como estabelecer pontes entre esse conhecimento e o saber químico sistematizado?
Durante o processo ensino-aprendizagem em química, constantemente o professor
depara-se com situações evocadas pelos alunos que demonstram claramente a permanência de
concepções de senso comum, mesmo depois que eles passaram por um processo básico de educação
científica. Alunos do final do nível médio, por exemplo, ainda manifestam-se, em alguns casos,
favoráveis à concepção de que o gás de cozinha tem “aquele cheiro desagradável” que eles
percebem quando há vazamento de gás, mesmo já tendo estudado química orgânica e tendo
recebido a informação de que aquele odor é da mercaptana adicionada ao gás, que é inodoro,
justamente para acusar vazamentos perigosos. Evidencia-se, nesses casos, completa desarticulação
entre sala de aula e realidade.
Se recordarmos que o conhecimento científico pode ser entendido como o senso comum
sofisticado e que o cientista é aquele homem que tem um (e apenas um) de seus sentidos
hipertrofiado, em detrimento dos demais, estando dessa forma capacitado para perceber em
profundidade um tipo de fenômeno, mas com sérias limitações para elaborar outras abordagens para
os fenômenos, percebemos o quanto o senso comum pode ser um poderoso aliado do professor de
28 Porque não teoriza sobre a causa dos fenômenos que estão acontecendo na sua cozinha, explicando-os à luz, por
exemplo, de um modelo microscópico, nem elabora mecanismos sofisticados para modelar os fenômenos.
38

química29.
Todo conhecimento químico precisa ser construído, a partir do conhecimento de senso
comum que, certamente, todos os alunos trazem de casa. A máxima construtivista “descubra o que
seus alunos sabem e ensine a partir disso” aplica-se maravilhosamente nestes casos.
Se o professor vai ensinar algo sobre indicadores ácido-base, pode partir de um fato que
qualquer pessoa já observou quando foi lavar a tigela em que acabou de tomar um porção de açaí.
Ao colocar o sabão na tigela os resíduos de açaí imediatamente mudam de cor. Por que isso
acontece? Esta pergunta tem, no mínimo, o poder de despertar o interesse dos alunos para a
explicação. A repetição desse fenômeno em sala de aula, usando ácidos e bases, é fácil de ser
realizada e ajuda a estabelecer as necessárias pontes entre o conhecimento científico (ácidos, bases,
indicadores, pH, viragem, neutralização, etc.) e o saber popular que certamente já havia observado a
mudança de coloração durante a lavagem da tigela suja de açaí. Da mesma forma, outros fenômenos
estão aí, na plenitude de sua visibilidade.
Quando as bombinhas acabavam, na noite de São João, os meninos acendiam pedaços
de bombril e os giravam sobre a cabeça, produzindo um círculo incandescente. Ora, mas por que o
bombril, que é uma palhinha de aço queima e um prego de aço não queima?
Quando alguém está com azia dissolve um comprimido antiácido efervescente em água
para aliviar a queimação no estômago. Um dia, dissolvendo o comprimido em água gelada essa
pessoa percebe que assim ele demora mais a dissolver do que em água natural retirada do filtro. Por
que isso ocorre? É correto dizer que se trata de uma dissolução?
Fenômenos que estão aí30, à espera de serem percebidos pelos professores de química,
muitos deles tomados por uma certa miopia, presos a esquemas rígidos de pensamento, habituados e
pensar fazendo recortes tão específicos da natureza, fruto de uma formação muito especializada, que
impedem a percepção dessa realidade tão vasta, tão inserida na cultura humana, tão presente no dia-
a-dia das pessoas, que negá-la é promover um ensino alienado e alienante, incapaz de lançar pontes
entre a sala de aula e o vasto mundo. Incapaz, lamentavelmente, de migrar de um ensino de química
para a educação química.

29 Um rato, por exemplo, pode ser estudado a partir de várias abordagens científicas. Um físico pode determinar, por
exemplo, sua força muscular. Um psicólogo pode estudar seu comportamento sob stress, em um labirinto, na solidão
ou em meio à multidão. Um biólogo pode determinar seu parentesco genético com o lêmure da Oceania. Um
químico pode moê-lo e determinar sua composição protéica. Nenhum desses cientistas, porém, captará o que é um
rato na sua totalidade...
30 Como severa ADVERTÊNCIA, é importante lembrar que os fenômenos naturais não devem ser vistos apenas como
ilustrativos da presença da química no universo, como se sem ela eles não pudesses existir. A química, com suas leis,
é uma linguagem humana, inventada para descrição e compreensão do mundo natural, este que existe à revelia da
humanidade. Se a química, os átomos, os mecanismos de reações químicas não tivessem sido inventados, o mundo
continuaria sendo o que é. Ao “descobrir” uma lei da natureza, o cientista não está revelando o oculto. Ele está
realizando um ato criativo, inventando uma forma para a compreensão do mundo natural. Assim, o professor de
Química deve partir dos fenômenos e usar a química para entendê-los. Não deve, em hipótese alguma, servir-se da
natureza apenas para ilustrar na sala de aula a verdade teórica que ele acredita possuir e que ensina antecipadamente
a seus alunos, tagarelando exaustivamente diante deles.
39

TEXTO 4

PREVISÕES DO TEMPO
Ecossistema e tradição
Maria da Conceição Xavier de Almeida
in Galante, nº 14, vol. 02, Agosto de 2002.
Fundação Hélio Galvão, Natal, RN.
(Notas por Jorge R. C. Machado)

Todas as épocas têm seus pensadores e


intelectuais: pessoas que se distinguem pela
maneira de observar os fenômenos com mais
atenção e criar métodos específicos para conhecê-
los, decifrá-los e explicá-los. Desde que o mundo é
mundo, desde o aparecimento da espécie humana na
Terra, os homens procuram responder aos
problemas que lhes são postos em todos os domínios
de sua vida, sejam esses problemas individuais ou
coletivos, materiais ou espirituais

Todas as épocas têm seus sábios, mas nem todas as pessoas que produziram
conhecimentos relevantes nas diversas culturas tiveram seus nomes divulgados, conhecidos. Na
época de Isaac Newton, de Galileu Galilei e de Nicolau Copérnico, certamente outros saberes
estavam sendo construídos sobre os mesmos temas por eles estudados, mesmo que não saibamos
onde e quem se dedicava a responder as mesmas perguntas. A ciência é uma maneira de explicar o
mundo, mas existem outras produções de conhecimento, outras formas de saber e de conhecer que
se perdem no tempo e no anonimato porque não encontram espaços e oportunidades de expressão. É
isso que acontece, em grande parte, com numerosos conjuntos de saberes construídos pelos
intelectuais da tradição.
Em diversos lugares espalhados pelo Brasil, mulheres dispõem de grande sabedoria para
tratar de doenças. Elas conhecem os segredos e as qualidades das plantas para curar enfermidades as
mais diversas; sabem assistir os nascimentos, fazer partos, cuidar da alimentação da mãe, tratar do
recém-nascido, dizer o que se pode ou não se deve comer. Os homens, mais afeitos às longas
caminhadas para o trabalho, sabem ler a natureza, a linguagem dos bichos, os segredos da mata. O
mundo rural, distante das grandes cidades, tem também seus sábios.
Na região do semi-árido nordestino, caracterizada por uma instabilidade climática
denominada de seca, a escassez das chuvas por períodos prolongados se constitui num fenômeno
que atravessa os séculos. Para responder ao desafio de viver num ambiente tão inóspito, parte dessa
população tem sistematizado técnicas de observação da natureza que constituem um conjunto de
saberes sobre "previsão do tempo".
Desenvolvidos às margens do conhecimento escolar e da ciência, esses saberes da
tradição são, ao longo da história, repassados de pai para filho de forma oral e experimental. Eles se
constituem numa "ciência primeira" ou uma "ciência neolítica", conforme expressões do
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss.

A OBSERVAÇÃO DO ECOSSISTEMA
40

Entre 1982 e 1989, podemos ter acesso, no âmbito de uma grande pesquisa sobre "A
problemática da seca no Rio Grande do Norte", coordenada por Terezinha de Queiroz Aranha, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, às experiências e saberes acumulados pelos irmãos
Chico Lucas e José Lucas.
Agricultores-pescadores que residem na lagos do Piató, no município de Assu, no Rio
Grande do Norte, esses dois homens expressam uma sabedoria extraordinária. Eles compreendem o
comportamento dos animais e das plantas e também a dinâmica dos fenômenos físicos como sinais
que permitem prever inverno ou seca. Chico Lucas e Seu José descrevem assim suas experiências
relativas à observação de três domínios de referência: a fauna, a flora e os fenômenos físicos.
O comportamento dos animais:
A curimatá (peixe) - "A experiência do pescador, para saber se vai chover, é a curimatá
ovar. No ano que é maus, ela só ova, aqui acolá, uma. E só de um lado. No ano que ela está
esperando uma enchente grande, então ela ova os dois lados. As duas laterais dela ficam bem
ovadinhas. A mesma coisa acontece com o peixe coró."
O gado - " Na época do inverno, quando começam as chuvas, mas pára de chover dois
ou três dias, observamos o gado. Pela manhã, vamos buscar o gado no cercado. O gado 'tá' malhado,
com a frente para o poente quer dizer, dando os quartos para a chuva. Quando ele se levanta, ele tem
um modo de dá com os quartos, ficar patinando. Aí a gente diz: Hoje vai chover! - e é certo. Pode
esperar que duas, três horas da tarde a chuva 'tá' caindo."
O três coco (pássaro) - "Três coco é uma espécie de codornazinha. Quando eles pegam
um bom inverno eles ficam só no baixio. Quando é de manhãzinha ele empurra o grito: 'três coco,
três coco'. Aí a gente fica logo animado, quando ele começa a cantar. Isso é sinal de que já 'tá' bem
pertinho de chover."
A gata - "Se no mês de janeiro a gata 'der cria' (parir) e comer os gatos, seus filhos, é
uma seca de fazer medo."
O tatu (um tipo de dasipodídeos) - "Essa observação é feita no mês de dezembro: se a
gente for caçar para pegar tatu e a fêmea tiver apenas com dois ou três tatus, o inverno vai ser um
invernozinho (fraco, ruim). Se a gente pega ela com quatro tatus, aí é um inverno forte."
O aruá da serra (um tipo de molusco) - "Quando ele está prevendo um bom inverno
ele se trepa (sobe) naqueles matos, naquele velame, para desovar (expelir ovos). Ele trepa tanto que
arreia (caem) os galos do velame. Quando o ano não é bom, ele não faz isso: você chega num pé de
velame, você vê um aruá por acaso."
Os sinais da vegetação natural:
A catingueira (árvore de porte mediano) - "Quando a catingueira tá esperando um bom
inverno ela chora (expele) uma resina do caule dela mesmo."
O juazeiro (árvore de grande porte e copa frondosa) - "Quando ele está bem enramado,
pra cima de (por volta de) dezembro e a gente chega na sombra dele de doze horas do dia, a gente
sente que ele está garoando. É sinal de bom inverno."
A palmatória (cactácea) - "Quando o ano é mau, você chega num partido (área limitada
de plantio) de palmatória, dificilmente vê uma fruta."
A leitura dos fenômenos físicos:
O vento norte (1) - "Se o vento norte 'cai' (ocorrer) dia primeiro de setembro e 'encarriá'
(continuar) o mês todinho, é bom sinal de inverno."
O vento norte (2) (experiência que tem por referência a "fogueira" de São João: queima
de madeira empilhada durante as festas tradicionais, em homenagem a São João e São Pedro, no
mês de junho) - "Na hora de acender a fogueira você presta atenção ao vento. Se o vento for norte
ou poente, pode considerar um bom inverno pro outro ano. Se o vento for sul, será um ano de seca."
O vento (3) na lamparina (chama-se também a experiência do tamborete, pequeno
banco de madeira) - "Meu tio tinha uma experiência a do tamborete. Ele disse que de quatro horas
da manhã, ele bota um tamborete lá no fim do terreiro. Aí ele traz um farol - uma lamparina acesa, e
41

bota (coloca) lá. Aí ele pastora (observar, ficar olhando). Se não tiver ventania, ele espera. Só sai de
lá quando sair qualquer raia de vento pra açoitar a fumaça. Se a fumaça for do nascente, quer dizer
que 'tá' ventando poente. Nesse caso, ele 'tá' esperando inverno, se for sul, nada de inverno."
O calendário da chuva - "Se chove dia de Santa Luzia, 13 de dezembro, é experiência
boa. Aí chove dia 14 de janeiro, 15 de fevereiro, 16 de março, 17 de abril, 18 de maio, 19 de junho.
Isso quer dizer que a gente pode contar com seis meses de inverno."
As pedras de sal (a experiência é feita na véspera do dia de Santa Luzia) - "Enroladas
uma a uma em pedaços de papel se bota (coloca) em cima (no telhado) da casa. Quando é de manhã,
antes do sol sair, aí se tira aquelas pedras. Se as pedras derreterem e emendar uma com a outra quer
dizer que 'tá partindo cacimba grande' - que chove todos os seis meses. Mas se derrete uma, depois
de um mês outra, aí quer dizer que se considera um inverno variado (instável)."

A "ciência" de predizer os períodos de inverno ou de seca é certamente muito mais


antiga do que as previsões científicas contemporâneas baseadas em tecnologias modernas de
controle, avaliação e projeções meteorológicas. A construção de saberes tradicionais no tocante a
leitura da natureza, para daí retirar ensinamentos para a vida, tem raízes milenares. Se a história
dessas técnicas de observação é marcada por descontinuidades e perdas, é importante lembrar
também que grande parte da história da ciência e da técnica se beneficiou desse diálogo que pode
ser fecundo até os dias de hoje.
A fertilidade desse diálogo requer entretanto que não se reduza um saber ao outro, que
não se valide um, por critérios estipulados pelo outro, uma vez que se trata de estratégias distintas
de pensar o mundo.
O que podemos aprender com essas narrativas e experimentos dos saberes
sistematizados pelos 'experts' no diagnóstico do "tempo de chuva" ou de "seca"? Em primeiro lugar
que essas narrativas são o produto de um pensamento baseado em homologias que interconectam
"comportamentos" da fauna e da flora tornando-os sinais de fenômenos climáticos: o
comportamento da gata ao comer os filhotes, por exemplo. Tais homologias se regem por sistemas
de correspondências que permitem a inclusão de elementos simbólicos propriamente culturais,
como no caso de fazer coincidir o fenômeno da umidade do ar com o dia devotado a uma entidade
sagrada: a experiência das pedras de sal que se dissolvem ou não no dia de Santa Luzia. Ocorre aqui
o que Lévi-Strauss denomina de "coações dos encaixes", uma operação do pensamento por
bricolage31 e que, condicionada a limites, "não é unívoca32, nem simples". Para o antropólogo, "esses
arranjos atualizam possíveis, cujo número, embora elevado, não é, contudo, ilimitado".
Os sistemas de correspondências, fazendo dialogar diferentes domínios da cultura
(ecossistema e crenças religiosas) longe de distanciar-se da vigilância, cautela e rigor do
pensamento, demonstram uma estratégia do conhecimento cujo apetite maior não é pela necessidade
e utilidade. Daí a expressão de Lévi-Strauss de que "as plantas servem antes para pensar, do que
para comer". Para esse autor, "as espécies animais e vegetais não são conhecidas na medida que
sejam úteis; elas são classificadas úteis e interessantes porque são primeiro conhecidas". Essa
maneira de falar sobre o pensamento e os saberes da tradição se estende ao conhecimento das
qualidades medicinais dos animais identificadas pelos habitantes da Sibéria, tanto quanto por
numerosas populações brasileiras que se valem de uma ciência botânica natural para curar suas
doenças.
As abundantes analogias caracterizam estratégias de pensar o mundo fora da
domesticação do pensamento científico, ao mesmo tempo tempo que permitem sintetizar as
semelhanças entre domínios expressamente dessemelhantes. Como afirmam o físico David Bohm e
o filósofo Edgar Morin, a operação mental de distinguir não supõe necessariamente dividir, separar.
31 Expressão francesa: Justaposição de partes encaixadas formando um conjunto.
32 Esta é uma expressão da filosofia que 1: Diz-se de palavra, conceito ou atributo que se aplica a sujeitos diversos de
forma absolutamente idêntica; 2: Que só comporta uma forma de interpretação; 3: Que é homogêneo, uníssono ou
homônimo.
42

Esse procedimento de religação e analogia é consagrado como prática de pensar nos redutos de uma
"ciência primeira", que encontrando-se mais próxima de uma "lógica do sensível", distingue mas
não separa nem opõe: relaciona, procura semelhança, observa as relações de repetição dos "sinais".
O uso eficaz das analogias entre os pensadores da tradição é conseqüência de uma forma de viver
que se caracteriza por um estado de espírito atento a tudo que vê. "Fomos instruídos para prestar
atenção a tudo que vemos", são as palavras de um "pensador indígena" confessadas a A. C. Fletcher
e referidas por Lévi-Strauss no livro "O pensamento selvagem". É a partir de um estado de espírito
"atento" que são alimentadas as construções do conhecimento da tradição.
A originalidade do conhecimento da tradição se enraíza em modelos mais holísticos de
pensar, não sendo esses modelos inferiores ou superiores aos da ciência. Não há diferença de graus,
mas de estilos ou estratégias de pensar. Os pensadores da tradição resolvem mais harmonicamente
os antagonismos presentes na natureza. Daí, por exemplo, a presença explícita de elementos míticos
nos enunciados interpretativos dos processos ecológicos. É por isso que a maioria das "previsões do
tempo" incluem aspectos mágicos ou religiosos e as festas populares religiosas selam contratos
sociais mediados por elementos físicos ricos em significações. Essa combinação de elementos
mágicos, míticos e simbólicos com elementos da natureza dá a dimensão da relação de troca e
complementaridade entre o cérebro que pensa e o mundo exterior, o que permite entender porque a
"religiosidade" como um artifício cultural da transcendência humana se pauta por códigos que
diferem radicalmente dos das religiões oficiais, caracterizadas por uma natureza dual e de oposição
frente ao real vivido.
Do ponto de vista da função social e política do conhecimento, cabem algumas
interrogações: A que serve o paralelismo entre a produção do conhecimento científico e os saberes
da tradição? A população que por interdição é destituída do saber científico, estaria em atraso em
relação às questões enunciadas pela ciência num determinado momento? Seriam elas um empecilho
à produção coletiva do conhecimento? Se é verdade que só a ciência sintoniza adequadamente as
questões postas e as resolve, como entender que as populações que não dispõem daquele
conhecimento elaboram suas matrizes de referência explicativas?
Essas questões permitem repensar o processo educativo em nossos dias, no que diz
respeito a transmissão da história da ciência e da técnica. A transmissão do conhecimento tem sido
redutora e mutilante. De um lado, o saber científico fracionado, não comunicante; de outro, o saber
tradicional entendido como "popular", tratado como filho bastardo da aventura do conhecimento e
excluído do âmbito da socialização e transmissão oficial. Tal exclusão acaba por fundar espaços,
linguagens e atitudes mentais que se excluem mutuamente.
Os conteúdos hoje transmitidos pela ciência correspondem a uma história domesticada
das descobertas do homem. Está fora de circulação a diversidade de explicações, especulações e
métodos de olhar, classificar e hierarquizar os fenômenos do mundo, pelos intelectuais da tradição.
São os métodos científicos de previsão climática que são comunicados nas escolas, e nunca as
formas tradicionais de leitura do ecossistema pelos peritos da tradição. O exercício do pensamento
analógico, ferramenta mental tão fecunda não saberes não-científicos, é entendido como um atributo
mental ingênuo, isto quando não é ostensivamente desclassificado. Se, nos conteúdos escolares, há
alusão a outras interpretações do mundo, a elas são imputadas as qualidades de um saber sem rigor,
sem método, sem função, um saber menor.
Essa forma de interdito na circulação da cultura, consolida uma sociedade de múltiplas
exclusões, condena as populações não letradas a redutos cada vez mais fechados. Dotadas,
entretanto de uma criatividade não domesticada, essas populações têm respondido a desafios que
talvez a ciência fosse incapaz de enfrentar, se não tivesse a seu dispor tantas ferramentas, artifícios e
próteses.
43

TEXTO 5

MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA QUALITATIVA


Jorge Machado
adaptado de: LUDKE, M e ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas
São Paulo, EPU, 1986.

Estudantes de ciências em geral têm mais familiaridade com pesquisas realizadas a


partir de referenciais quantitativos, com grandes amostragens, muita estatística e roteiros
estruturados para coleta de dados. Nas ciências humanas, no entanto, muita ênfase tem sido dada
atualmente às modalidades qualitativas que valorizam muito mais a pesquisa etnográfica e o estudo
de caso como formas de se aprofundar a análise de fenômenos que em geral vão além da frieza
numérica. Este texto, apesar de concebido tendo em vistas pesquisas etnográficas em educação,
voltadas essencialmente para o ambiente escolar e seus atores, apresenta os fundamentos de
métodos e técnicas de pesquisa etnográfica suficientes para a construção de uma visão introdutória
sobre o assunto, capaz de dar suporte aos que queiram iniciar-se nessa modalidade de investigação
científica.
Apesar da crescente popularidade das metodologias qualitativas de pesquisa, ainda
parecem existir muitas dúvidas sobre o que realmente caracteriza uma pesquisa qualitativa, quando
é ou não adequado utilizá-la e como se coloca a questão do rigor científico nesse tipo de
investigação. Outro aspecto que também parece gerar ainda muita confusão é o uso de termos como:
pesquisa qualitativa, etnográfica, naturalística, participante, estudo de caso e estudo de campo,
muitas vezes empregados indevidamente como equivalentes.
Abaixo, são listadas cinco características básicas que configurariam esse tipo de estudo,
destacando com clareza suas possibilidades e requisitos:

1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento. Assim, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto
e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra
através do trabalho intensivo de campo. Por exemplo, se a questão que está sendo estudada é a da
indisciplina escolar, o pesquisador procurará presenciar o maior número de situações em que esta se
manifeste, o que vai exigir um contato , direto e constante com o dia-a-dia escolar.
Como os problemas são estudados no ambiente em que eles ocorrem naturalmente, sem
qualquer manipulação intencional do pesquisador, esse tipo de estudo é também chamado de
"naturalístico". Portanto, todo estudo qualitativo é também naturalístico.
A justificativa para que o pesquisador mantenha um contato estreito e direto com a
situação onde os fenômenos ocorrem naturalmente é a de que estes são muito influenciados pelo seu
contexto. Sendo assim, as circunstâncias particulares em que um determinado objeto se insere são
essenciais para que se possa entendê-lo. Da mesma maneira as pessoas, os gestos, as palavras
estudadas devem ser sempre referenciadas ao contexto onde aparecem.

2. Os dados coletados são predominantemente descritivos. O material obtido nessas


pesquisas é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos; inclui transcrições de
entrevistas e de depoimentos, fotografias, desenhos e extratos de vários tipos de documentos.
Citações são freqüentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto de vista.
Todos os dados da realidade são considerados importantes. O pesquisador deve, assim, atentar para
o maior número possível de elementos presentes na situação estudada, pois um aspecto
44

supostamente trivial pode ser essencial para a melhor compreensão do problema que está sendo
estudado. Questões aparentemente simples, como: por que as carteiras nesta escola estão dispostas
em grupos nas primeiras séries e em fileiras nas terceiras e quartas séries?, e outras desse mesmo
tipo, precisam ser sempre colocadas e sistematicamente investigadas.

3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do


pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades,
nos procedimentos e nas interações cotidianas. Por exemplo, numa pesquisa das práticas de
alfabetização na escola pública, Kramer e André (1984) mostraram como as medidas disciplinares
de sala de aula serviam ao propósito de organização para o trabalho e como isso interferia no
"clima" de sala e no envolvimento das crianças nas tarefas propostas. Essa complexidade do
cotidiano escolar é sistematicamente retratada nas pesquisas qualitativas.

4. O "significado" que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção
especial pelo pesquisador. Nesses estudos há sempre uma tentativa de capturar a "perspectiva dos
participantes", isto é, a maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo
focalizadas. Ao considerar os diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos
permitem iluminar o dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao observador
externo.
O cuidado que o pesquisador precisa ter ao revelar os pontos de vista dos participantes é
com a acuidade de suas percepções. Deve, por isso, encontrar meios de checá-las, discutido-as
abertamente com os participantes ou confrontando-as com outros pesquisadores para que elas
possam ser ou não confirmadas."

5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.33 Os pesquisadores não se


preocupam em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos.
As abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num
processo de baixo para cima.
O fato de não existirem hipóteses ou questões específicas formuladas a priori não
implica a inexistência de um quadro teórico que oriente a coleta e a análise dos dados. O
desenvolvimento do estudo aproxima-se a um funil: no início há questões ou focos de interesse
muito amplos, que no final se tornam mais diretos e específicos, O pesquisador vai precisando
melhor esses focos à medida que o estudo se desenvolve.

A pesquisa qualitativa ou naturalística, envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos


no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o
produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.
Entre as várias formas que pode assumir uma pesquisa qualitativa, destacam-se a
pesquisa do tipo etnográfico e o estudo de caso. Ambos vêm ganhando crescente aceitação na área
de educação, devido principalmente ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola.
Neste texto, como pretende-se fundamentar pesquisas de cunho antropológico, será discutida apenas
a pesquisa etnográfica.

A abordagem etnográfica na pesquisa


Até muito recentemente as técnicas etnográficas eram utilizadas quase que
exclusivamente pelos antropólogos e sociólogos. No início da década de 70, entretanto, os
pesquisadores da área de educação começaram também a fazer uso dessas técnicas, para subsidiar
estudos sobre a educação propriamente dita bem como para o desenvolvimento de pesquisas
33 Indução é uma forma de abordagem dos problemas científicos que parte de uma série de fatos isolados observados
para se chegar à generalização. Parte-se, pois, do particular para o geral, ao contrário da DEDUÇÃO, que vai do
geral para o particular.
45

auxiliares como forma de se tornar as atividades escolares mais ricas e dinâmicas, o que deu origem
a uma nova linha de pesquisas, que tem recebido o nome de "antropológica" ou "etnográfica".
A utilização desses termos, no entanto, deve ser feita de forma cuidadosa, já que no
processo de transplante para a área de educação eles sofreram uma série de adaptações, afastando-se
mais ou menos do seu sentido original. Assim, por exemplo, denominar de etnográfica uma
pesquisa apenas porque utiliza observação participante nem sempre será apropriado, já que
etnografia tem um sentido próprio: é a descrição de um sistema de significados culturais de um
determinado grupo (Spradley, 1979). Um teste bastante simples para determinar se um estudo
pode ser chamado de etnográfico, é verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar
aquilo que ocorre no grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro desse grupo.
Os vários critérios para a utilização da abordagem etnográfica nas pesquisas podem ser
assim resumidos:
1. O problema é redescoberto no campo. Isto significa que o etnógrafo evita a definição
rígida e apriorística de hipóteses. Em lugar disso, ele procura mergulhar na situação e a partir daí vai
rever e aprimorar o problema inicial da pesquisa. Com isso não se estaria sugerindo a inexistência
de planejamento ou de teoria, mas apenas a inconveniência de uma atitude inflexível em relação ao
problema investigado.
2. O pesquisador deve realizar a maior parte do trabalho de campo pessoalmente. Isso
enfatiza a importância de que a pessoa que escreve a etnografia deve ter tido ela mesma uma
experiência direta com a situação em estudo. A existência de auxiliares de pesquisa pode ser
extremamente útil, diz ele, mas jamais substituirá a riqueza do contato íntimo e pessoal com a
realidade estudada.
3. O trabalho de campo deve durar o máximo de tempo possível e necessário. Há a
necessidade de uma longa e intensa imersão na realidade para entender as regras, os costumes e as
convenções que governam a vida do grupo social estudado.
4. O pesquisador deve ter tido uma experiência com outros povos de outras culturas.
A justificativa para esse critério é que o contraste com outras culturas ajuda a entender melhor o
sentido que o grupo estudado atribui às suas experiências.
5. A abordagem etnográfica combina vários métodos de coleta. Há dois métodos
básicos utilizados pêlos etnógrafos: a observação direta das atividades do grupo estudado e
entrevistas com os informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre nesse
grupo. Mas esses métodos são geralmente conjugados com outros, como levantamentos, histórias de
vida, análise de documentos, testes psicológicos, videoteipes, fotografias e outros, os quais podem
fornecer um quadro mais vivo e completo da situação estudada.
6. O relatório etnográfico apresenta uma grande quantidade de dados primários.
Além de descrições acuradas da situação estudada, o estudo etnográfico apresenta muito material
produzido pêlos informantes, ou seja, histórias, canções, frases tiradas de entrevistas ou
documentos, desenhos e outros produtos que possam vir a ilustrar a perspectiva dos participantes,
isto é, a sua maneira de ver o mundo e as suas próprias ações.

A partir desses critérios é fácil concluir que nem todos os estudos qualitativos podem ser
chamados de etnográficos. A etnografia como "ciência da descrição cultural" envolve
pressupostos específicos sobre a realidade e formas particulares de coleta e apresentação de dados.

Pressupostos
De acordo com Wilson (1977), a pesquisa etnográfica fundamenta-se em dois conjuntos
de hipóteses sobre o comportamento humano:
— A hipótese naturalista-ecológica, que afirma ser o comportamento humano
significativamente influenciado pelo contexto em que se situa. Nessa perspectiva, qualquer tipo de
pesquisa que desloca o indivíduo do seu ambiente natural está negando a influência dessas forças
46

contextuais e em consequência deixa de compreender o fenômeno estudado em sua totalidade.


— A hipótese qualitativo-fenomenológica, que determina ser quase impossível entender
o comportamento humano sem tentar entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos
interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. De acordo com essa perspectiva, o pesquisador
deve tentar encontrar meios para compreender o significado manifesto e latente dos
comportamentos dos indivíduos, ao mesmo tempo que procura manter sua visão objetiva do
fenômeno. O pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel objetivo de
observador, colocando-se numa posição ímpar para compreender e explicar o comportamento
humano.
Método
Embora já tenha havido algumas tentativas para especificar o processo de coleta e
análise de dados durante a observação participante, não existe um método que possa ser
recomendado como o melhor ou mais efetivo pois a natureza dos problemas é que determina o
método, isto é, a escolha do método se faz em função do tipo de problema estudado.
Geralmente o pesquisador desenvolve a sua investigação passando por três etapas:
exploração, decisão e descoberta.
A primeira fase envolve a seleção e definição de problemas, a escolha do local onde será
feito o estudo e o estabelecimento de contatos para a entrada em campo. Nessa etapa inicial também
estão incluídas as primeiras observações, com a finalidade de adquirir maior conhecimento sobre o
fenômeno e possibilitar a seleção de aspectos que serão mais sistematicamente investigados. Nesse
tipo de pesquisa o problema não precisa estar diretamente vinculado a uma linha teórica
predeterminada nem é necessário que haja hipóteses explicitamente formuladas. Parece ser
suficiente que o pesquisador possua um esquema conceitual a partir do qual possa levantar algumas
questões relevantes. Essas primeiras indagações orientam o processo de coleta de informação e
permitem a formulação de uma série de hipóteses que podem ser modificadas à medida que novos
dados vão sendo coletados. Diversamente de outros esquemas mais estruturados de pesquisa, a
abordagem etnográfica parte do princípio de que o pesquisador pode modificar os seus problemas e
hipóteses durante o processo de investigação.
O segundo estágio de pesquisa consiste numa busca mais sistemática daqueles dados
que o pesquisador selecionou como os mais importantes para compreender e interpretar o fenômeno
estudado. Como a investigação etnográfica procura descobrir as estruturas de significado dos
participantes nas diversas formas em que são expressas, os tipos de dados relevantes são: forma e
conteúdo da interação verbal dos participantes; forma e conteúdo da interação verbal com o
pesquisador; comportamento não-verbal; padrões de ação e não-ação; traços, registros de arquivos e
documentos. O problema fundamental para o investigador antropológico é aprender a selecionar os
dados necessários para responder às suas questões e encontrar o meio de ter acesso a essa
informação. Os tipos de dados coletados podem mudar durante a investigação, pois as informações
colhidas e as teorias emergentes devem ser usadas para dirigir a subseqüente coleta de dados.
O terceiro estágio da pesquisa etnográfica consiste na explicação da realidade, isto é, na
tentativa de encontrar os princípios subjacentes ao fenômeno estudado e de situar as várias
descobertas num contexto mais amplo. Esta fase envolve o desenvolvimento de teorias, um
processo que vai sendo preparado durante todo o desenrolar do estudo. Partindo de um esquema
geral de conceitos, o pesquisador procura testar constantemente as suas hipóteses com a realidade
observada diariamente. Essa interação contínua entre os dados reais e as suas possíveis explicações
teóricas permite a estruturação de um quadro teórico dentro do qual o fenômeno pode ser
interpretado e compreendido. Outra maneira de testar e refinar as explicações teóricas, consiste em
encontrar vários tipos de evidências para provar um determinado ponto e, além disso, procurar
"evidência negativa" para aquele ponto. Devido ao seu grau de imersão na realidade, o observador
está apto a detectar as situações que provavelmente lhe fornecerão dados discordantes e as que
podem corroborar suas conjecturas. Ele então penetra nessas situações, confronta as evidências
positivas e negativas com as teorias existentes e vai gradualmente desenvolvendo a sua teoria
47

visando encontrar o porque de um fenômeno, comportamento atitudes, etc.


O Papel do observador
Um dos grandes desafios da abordagem etnográfica refere-se ao papel e às tarefas
exercidas pelo observador. As habilidades exigidas desse profissional não são poucas nem simples.
Algumas características essenciais para um bom etnógrafo apresentadas por Hall (1978), e que são
fruto de suas experiências nessa área, são: a pessoa precisa ser capaz de tolerar ambiguidades; ser
capaz de trabalhar sob sua própria responsabilidade; deve inspirar confiança; deve ser pessoalmente
comprometida, autodisciplinada, sensível a si mesma e aos outros, madura e consistente; e deve ser
capaz de guardar informações confidenciais. Desde os contatos iniciais com os participantes, o
observador deve-se preocupar em se fazer aceito, decidindo quão envolvido estará nas atividades e
procurando não ser identificado com nenhum grupo particular. Esses cuidados são fundamentais
para que ele consiga obter as informações desejadas. Além dessas qualidades pessoais e das
decisões que deve tomar quanto à forma e à situação de coleta de dados, o observador se defronta
com uma difícil tarefa, que é a de selecionar e reduzir a realidade sistematicamente. Essa tarefa
exigirá certamente que ele possua um arcabouço teórico a partir do qual seja capaz de reduzir o
fenômeno em seus aspectos mais relevantes e que conheça as várias possibilidades metodológicas
para abordar a realidade a fim de melhor compreendê-la e interpretá-la.

Métodos de coleta de dados: observação e entrevista


A Observação
É fato bastante conhecido que a mente humana é altamente seletiva. É muito provável
que, ao olhar para um mesmo objeto ou situação, duas pessoas enxerguem diferentes coisas. O que
cada pessoa seleciona para "ver" depende muito de sua história pessoal e principalmente de sua
bagagem cultural. Assim, o tipo de formação de cada pessoa, o grupo social a que pertence, suas
aptidões e predileções fazem com que sua atenção se concentre em determinados aspectos da
realidade, desviando-se de outros.
Do mesmo modo, as observações que cada um de nós faz na nossa vivência diária são
muito influenciadas pela nossa história pessoal, o que nos leva a privilegiar certos aspectos da
realidade e negligenciar outros. Como então confiar na observação como um método científico?
Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação científica, a
observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática. Isso implica a existência de um
planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador.
Planejar a observação significa determinar com antecedência "o quê" e "o como"
observar. A primeira tarefa, pois, no preparo das observações é a delimitação do objeto de estudo.
Definindo-se claramente o foco da investigação e sua configuração espaço-temporal,ficam mais ou
menos evidentes quais aspectos do problema serão cobertos pela observação e qual a melhor forma
de captá-los. Cabem ainda nessa etapa as decisões mais específicas sobre o grau de participação do
observador, a duração das observações etc.
Na fase de planejamento deve estar previsto também o treinamento do observador. Para
realizar as observações é preciso preparo material, físico, intelectual e psicológico. O observador
precisa aprender a fazer registros descritivos, saber separar os detalhes relevantes dos triviais,
aprender a fazer anotações organizadas e utilizar métodos rigorosos para validar suas observações.
Além disso, precisa preparar-se mentalmente para o trabalho, aprendendo a se concentrar durante a
observação, o que exige um treinamento dos sentidos para se centrar nos aspectos relevantes. Esse
treinamento pode ocorrer em situações simuladas ou no próprio local em que ocorrerá a coleta
definitiva de dados, bastando para isso que seja reservada uma quantidade específica de tempo para
essa atividade.
A observação nas abordagens qualitativas
Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas
48

abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação ou associada a


outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com
o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência
direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. "Ver
para crer", diz o ditado popular.
Sendo o principal instrumento da investigação, o observador pode recorrer aos
conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação
do fenômeno estudado. A introspecção e a reflexão pessoal têm papel importante na pesquisa
naturalística.
A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da
"perspectiva dos sujeitos", um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida em que o
observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua
visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias
ações.
Além disso, as técnicas de observação são extremamente úteis para "descobrir" aspectos
novos de um problema. Isto se torna crucial nas situações em que não existe uma base teórica sólida
que oriente a coleta de dados.
Finalmente, a observação permite a coleta de dados em situações em que é impossível
outras formas de comunicação. Por exemplo, quando o informante não pode falar - é o caso dos
bebês - ou quando a pessoa deliberadamente não quer fornecer certo tipo de informação, por
motivos diversos.
Ao mesmo tempo que o contato direto e prolongado do pesquisador com a situação
pesquisada apresenta as vantagens mencionadas, envolve também uma série de problemas. Algumas
criticas são feitas ao método de observação, primeiramente por provocar alterações no ambiente ou
no comportamento das pessoas observadas. Outra crítica é a de que este método se baseia muito na
interpretação pessoal. Além disso, há críticas no sentido de que o grande envolvimento do
pesquisador leve a uma visão distorcida do fenômeno ou a uma representação parcial da realidade.
Essas objeções podem ser totalmente refutadas já que as alterações provocadas no
ambiente pesquisado são em geral muito menores do que se pensa. Os ambientes sociais são
relativamente estáveis, de modo que a presença de um observador dificilmente causará as mudanças
que os pesquisadores procuram tanto evitar. As criticas feitas à observação, por se basearem
fundamentalmente na interpretação pessoal, têm origem no ponto de vista "objetivista", que
condena qualquer uso da experiência direta. O pesquisador pode utilizar uma série de meios para
verificar se o seu envolvimento intenso está levando a uma visão parcial e tendenciosa do fenômeno
e corrigir as distorções. Ele pode, por exemplo, confrontar o que vai captando da realidade com o
que esperava encontrar. Se não houver discrepância, é possível que esteja havendo parcialidade. Ele
pode também confrontar as primeiras idéias com as que surgiram mais tarde. Pode ainda comparar
as primeiras anotações com os registros feitos ao longo do estudo. Se não houver diferenças entre
esses momentos, é provável que o pesquisador esteja apenas querendo confirmar idéias
preconcebidas.
As variações nos métodos de observação
Tendo determinado que a observação é o método mais adequado para investigar um
determinado problema, o pesquisador depara ainda com uma série de decisões quanto ao seu grau
de participação no trabalho, quanto à explicitação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto
aos sujeitos e quanto à forma da sua inserção na realidade.
As questões sobre o grau de participação do pesquisador aqui enfocadas são muito
similares às que surgem nos trabalhos de observação participante, que tem sua tradição na
antropologia e na sociologia.
Segundo Denzin (1978), a observação participante é "uma estratégia de campo que
combina simultaneamente a análise documental, a entrevista de respondentes e informantes, a
participação e a observação direta e a introspecção".
49

É uma estratégia que envolve, pois, não só a observação direta mas todo um conjunto de
técnicas metodológicas pressupondo um grande envolvimento do pesquisador na situação estudada.
Decidir qual o grau de envolvimento no trabalho de pesquisa não significa decidir
simplesmente que a observação será ou não participante. A escolha é feita geralmente em termos de
um continuum que vai desde uma imersão total na realidade até um completo distanciamento. As
variações dentro desse continuum são muitas e podem inclusive mudar conforme o desenrolar do
estudo. Pode acontecer que o pesquisador comece o trabalho como um espectador e vá
gradualmente se tornando um participante. Pode também ocorrer o contrário, isto é, pode haver uma
imersão total na fase inicial do estudo e um distanciamento gradativo na fases subseqüentes.
Evidentemente, o pesquisador pode decidir desde o início do estudo que atuará como
um participante total do grupo, assumindo inclusive um compromisso político de ação conjunta nos
moldes da pesquisa participante.
Outro tipo de decisão que o pesquisador deve enfrentar é em que medida tornará
explícito o seu papel e os propósitos de estudo. Aqui também pode haver variações dentro de um
continuum que vai desde a total explicitação até a não-revelação. Buford Junker (1971) situa quatro
pontos dentro desse continuum: 1) participante total; 2) participante como observador; 3)
observador como participante; e 4) observador total.
No papel de "participante total", o observador não revela ao grupo sua verdadeira
identidade de pesquisador nem o propósito do estudo. O que ele busca com isso é tornar-se um
membro do grupo para se aproximar o mais possível da "perspectiva dos participantes". Nesse
papel, o pesquisador fica com acesso limitado às relações estabelecidas fora do grupo ou às ligações
do grupo com o sistema social mais amplo. Por exemplo, se um pequisador quer conhecer o sistema
de ensino supletivo "por dentro", ele pode desenvolver seu trabalho como um participante total,
matriculando-se num curso supletivo como se fosse um aluno. Com isso ele pode avaliar o curso
por dentro, mas deixará de ter a visão do sistema como um todo, além, evidentemente, dos
problemas éticos implícitos no papel de "fingir" algo que não é.
O "participante como observador", segundo Junker (1971), não oculta totalmente suas
atividades, mas revela apenas parte do que pretende. Por exemplo, ao explicar os objetivos do seu
trabalho para o pessoal de uma escola, o pesquisador pode enfatizar que centrará a observação nos
comportamentos dos alunos, embora pretenda também focalizar o grupo de técnicos ou os próprios
professores. A preocupação é não deixar totalmente claro o que pretende, para não provocar muitas
alterações no comportamento do grupo observado. Esta posição também envolve questões éticas
óbvias.
O "observador como participante" é um papel em que a identidade do pesquisador e os
objetivos do estudo são revelados ao grupo pesquisado desde o início. Nessa posição, o pesquisador
pode ter acesso a uma gama variada de informações, até mesmo confidenciais, pedindo cooperação
ao grupo. Contudo, terá em geral que aceitar o controle do grupo sobre o que será ou não tornado
público pela pesquisa.
O papel de "observador total" é aquele em que o pesquisador não interage com o grupo
observado. Nesse papel ele pode desenvolver a sua atividade de observação sem ser visto, ficando
por detrás de uma parede espelhada, ou pode estar na presença do grupo sem estabelecer relações
interpessoais. Mais uma vez há questões éticas envolvidas na obtenção de informações sem a
concordância do grupo.
Outra dimensão em que a observação pode variar é quanto à duração do período de
permanência do observador em campo. Contrariamente aos estudos antropológicos e sociológicos,
em que o investigador permanece no mínimo seis meses e freqüentemente vários anos convivendo
com um grupo, os estudos da área de educação têm sido muito mais curtos.
Ao rever 51 estudos qualitativos da área de educação desenvolvidos nos Estados Unidos
de 1977 a 1980, Ross e Kyle (1982) concluíram que o período de observação nesses estudos variava
entre seis semanas e três anos, com ampla variedade dentro desse intervalo.
Em algumas pesquisas pode ser interessante haver diversos períodos curtos de
50

observações intensivas para verificar, por exemplo, mudanças havidas num determinado programa
ao longo do tempo. Em outros estudos pode ser mais adequado concentrar as observações em
determinados momentos, digamos no final de cada bimestre escolar.
A decisão sobre a extensão do período de observação deve depender, acima de tudo, do
tipo de problema que está sendo estudado e do propósito do estudo. Um aspecto que deve ser levado
em conta nessa decisão é que, quanto mais curto o período de observação, maior a probabilidade de
conclusões apressadas, o que compromete a validade do estudo. Por outro lado. um longo período
de permanência em campo por si só não garante validade. É preciso levar em conta outros fatores,
como a habilidade e experiência do observador, a possibilidade de acesso aos dados, a receptividade
do trabalho pelo grupo, a finalidade dos resultados etc.
O conteúdo das observações
Os focos de observação nas abordagens qualitativas de pesquisa são determinados
basicamente pelos propósitos específicos do estudo, que por sua vez derivam de um quadro teórico
geral, traçado pelo pesquisador. Com esses propósitos em mente, o observador inicia a coleta de
dados buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar demasiado de seus
focos de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele oriente a sua observação em torno de
alguns aspectos, de modo que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem
deixe de obter certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema.
Baseados em sua experiência de trabalho de campo, alguns autores, como Patton (1980)
e Bogdan e Biklen (1982) apresentam várias sugestões sobre o que deve ser incluído nas anotações
de campo. Segundo Bogdan e Biklen, o conteúdo das observações deve envolver uma parte
descritiva e uma parte mais reflexiva. A parte descritiva compreende um registro detalhado do que
ocorre "no campo", ou seja:
1. Descrição dos sujeitos. Sua aparência física, seus maneirismos, seu modo de vestir,
de falar e de agir. Os aspectos que os distinguem dos outros devem ser também enfatizados.
2. Reconstrução de diálogos. As palavras, os gestos, os depoimentos, as observações
feitas entre os sujeitos ou entre estes e o pesquisador devem ser registrados. Na medida do possível
devem-se utilizar as suas próprias palavras. As citações são extremamente úteis para analisar,
interpretar e apresentar os dados.
3. Descrição de locais. O ambiente onde é feita a observação deve ser descrito. O uso de
desenhos ilustrando a disposição dos móveis, o espaço físico, a apresentação visual do quadro de
giz, dos cartazes, dos materiais de classe podem também ser elementos importantes a ser
registrados.
4. Descrição de eventos especiais. As anotações devem incluir o que ocorreu, quem
estava envolvido e como se deu esse envolvimento.
5. Descrição das atividades. Devem ser descritas as atividades gerais e os
comportamentos das pessoas observadas, sem deixar de registrar a seqüência em que ambos
ocorrem.
6. Os comportamentos do observador. Sendo o principal instrumento da pesquisa, é
importante que o observador inclua nas suas anotações as suas atitudes, ações e conversas com os
participantes durante o estudo.
A parte reflexiva das anotações inclui as observações pessoais do pesquisador, feitas
durante a fase de coleta: suas especulações, sentimentos, problemas, idéias, impressões, pré-
concepções, dúvidas, incertezas, surpresas e decepções. As reflexões podem ser de vários tipos:
1. Reflexões analíticas. Referem-se ao que está sendo "aprendido" no estudo, isto é,
temas que estão emergindo, associações e relações entre partes, novas idéias surgidas.
2. Reflexões metodológicas. Nestas estão envolvidos os procedimentos e estratégias
metodológicas utilizados, as decisões sobre o delineamento (design) do estudo, os problemas
encontrados na obtenção dos dados e a forma de resolvê-los.
3. Dilemas éticos e conflitos. Aqui entram as questões surgidas no relacionamento com
os informantes, quando podem surgir conflitos entre a responsabilidade profissional do pesquisador
51

e o compromisso com os sujeitos.


4. Mudanças na perspectiva do observador. É importante que sejam anotadas as
expectativas, opiniões, preconceitos e conjeturas do observador e sua evolução durante o estudo.
5. Esclarecimentos necessários. As anotações devem também conter pontos a serem
esclarecidos, aspectos que parecem confusos, relações a serem explicitadas, elementos que
necessitam de maior exploração.
Evidentemente, essas sugestões não podem ser tomadas como normas ou listas de
checagem para o desenvolvimento do estudo. São apenas diretrizes gerais que podem orientar a
seleção do que observar e ajudar a organização dos dados.

O registro das observações


Há formas muito variadas de registrar as observações. Alguns farão apenas anotações
escritas, outros combinarão as anotações com o material transcrito de gravações. Outros ainda
registrarão os eventos através de filmes, fotografias, slides ou outros equipamentos.
Embora pudéssemos discutir as vantagens e desvantagens desses diferentes
procedimentos, preferimos falar apenas do registro escrito, que é a forma mais freqüentemente
utilizada nos estudos de observação.
Não há, evidentemente, regras para fazer as anotações, mas apenas sugestões práticas,
que podem ser úteis pelo menos ao pesquisador iniciante. As considerações principais nesse sentido
referem-se a quando, como e onde fazer as anotações.
Uma regra geral sobre quando devem ser feitas as anotações é que, quanto mais próximo
do momento da observação, maior sua acuidade. Isso, no entanto, vai depender do papel do
observador e das suas relações com o grupo observado. O "participante total" evidentemente não
poderá fazer o registro na presença dos informantes, já que seu papel de pesquisador não é revelado
ao grupo. O "observador total", em geral, não vai encontrar muitos problemas, já que ele ou não está
à vista do grupo ou está exercendo declaradamente um papel de observador. Os dois papéis que
envolvem uma combinação de observador e participante é que podem encontrar mais dificuldades.
Pode ser, por exemplo, inviável fazer anotações no momento da observação porque isso
compromete a interação com o grupo. Nesse caso o observador procurará encontrar o mais breve
possível uma ocasião em que possa completar suas notas, para que não precise confiar muito na
memória, sabidamente falível. Não será nada fácil para o pesquisador encontrar um momento
propício para fazer as suas anotações, que não seja muito distante dos eventos observados, para não
haver esquecimento, nem provoque dúvidas nos participantes sobre seu verdadeiro papel.
A forma de registrar os dados também pode variar muito, dependendo da situação
específica de observação. Do ponto de vista essencialmente prático, é interessante que, ao iniciar
cada registro, o observador indique o dia, a hora, o local da observação e o seu período de duração.
Ao fazer as anotações, é igualmente útil deixar uma margem para a codificação do material ou para
observações gerais.
Sempre que possível, é interessante deixar bem distinto, em termos visuais, as
informações essencialmente descritivas, as falas, as citações e as observações pessoais do
pesquisador. Outro procedimento prático é mudar de parágrafo a cada nova situação observada ou a
cada nova personagem apresentada. Essas medidas têm um caráter meramente prático, no sentido de
ajudar a organização e a análise dos dados, tarefa extremamente trabalhosa e estafante.
Finalmente, a decisão sobre o tipo de material onde serão feitas as anotações também
vai depender muito do estilo pessoal de cada observador. Alguns podem preferir um papel de
tamanho pequeno, para não chamar muito a atenção; outros se sentirão muito mais à vontade usando
fichários ou folhas avulsas para facilitar o arquivamento e a posterior classificação. Outros poderão
adotar um tipo de material que mantenha junto todo o conjunto de observações, para fazer consultas
às informações já obtidas sempre que necessário.

A entrevista
52

Ao lado da observação, a entrevista representa um dos instrumentos básicos para a


coleta de dados, dentro da perspectiva de pesquisa aqui desenvolvida. Esta é, aliás, uma das
principais técnicas de trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais.
Ela desempenha importante papel, não apenas nas atividades científicas como em muitas outras
atividades humanas. Estamos habituados e muitas vezes ficamos irritados com o seu uso e abuso
pelos meios de comunicação de massa, especialmente pela televisão, que nos atinge de forma tão
direta e onde podemos flagrar freqüentemente a inabilidade de um entrevistador que antecipa e força
a resposta do informante, através da própria pergunta, quase não deixando margem de liberdade de
resposta, a não ser a própria confirmação. E que dizer do repórter ansioso, que não hesita em
formular as questões mais cruas às vítimas da tragédia recém-acontecida? Pois essa poderosa arma
de comunicação, às vezes tão canhestramente empregada, pode ser de enorme utilidade para a
pesquisa em educação. É preciso, para tanto, conhecer os seus limites e respeitar as suas exigências.
De início é importante atentar para o caráter de interação que permeia a entrevista. Mais
do que outros instrumentos de pesquisa, que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o
pesquisador e o pesquisado, como na observação unidirecional, por exemplo, ou na aplicação de
questionários ou de técnicas projetivas, na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo
uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas
entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões,
o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no
fundo são a verdadeira razão da entrevista. Na medida em que houver um clima de estímulo e de
aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e autêntica.
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação
imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre
os mais variados tópicos. Uma entrevista bem feita pode permitir o tratamento de assuntos de
natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas
nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas
de coleta de alcance mais superficial, como o questionário. E pode também, o que a torna
particularmente útil, atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de
investigação, como é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um
questionário escrito seria inviável.
Como se realiza cada vez de maneira exclusiva, seja com indivíduos ou com grupos, a
entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na
obtenção das informações desejadas. Enquanto outros instrumentos têm seu destino selado no
momento em que saem das mãos do pesquisador que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se
iniciar o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado.
A liberdade de percurso está, como já foi assinalado, associada especialmente à
entrevista não-estruturada ou não-padronizada. Quando o entrevistador tem que seguir muito de
perto um roteiro de perguntas feitas a todos os entrevistados de maneira idêntica e na mesma ordem,
tem-se uma situação muito próxima da aplicação de um questionário, com a vantagem óbvia de se
ter o entrevistador presente para algum eventual esclarecimento. Essa é a chamada entrevista
padronizada ou estruturada, que é usada quando se visa à obtenção de resultados uniformes entre
os entrevistados, permitindo assim uma comparação imediata, em geral mediante tratamentos
estatísticos. Entre esses dois tipos extremos se situa a entrevista semi-estruturada, que se
desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o
entrevistador faça as necessárias adaptações.
Parece-nos claro que o tipo de entrevista mais adequado para o trabalho de pesquisa que
se faz atualmente em educação aproxima-se mais dos esquemas mais livres, menos estruturados. As
informações que se quer obter, e os informantes que se quer contatar, em geral professores,
diretores, orientadores, alunos e pais, são mais convenientemente abordáveis através de um
instrumento mais flexível. Quando se pretende levantar rápida e superficialmente as tendências
eleitorais ou as preferências por determinados produtos do mercado, então é o caso de se aplicar
53

uma entrevista padronizada, que permita reunir em curto espaço de tempo a opinião de um grupo
numeroso de pessoas. Mas, quando se quer conhecer, por exemplo, a visão de uma professora sobre
p processo de alfabetização em uma escola de periferia ou a opinião de uma mãe sobre um problema
de indisciplina ocorrido com seu filho, então é melhor nos prepararmos para uma entrevista mais
longa, mais cuidada, feita provavelmente com base em um roteiro, mas com grande flexibilidade.
Há uma série de exigências e de cuidados requeridos por qualquer tipo de entrevista. Em
primeiro lugar, um respeito muito grande pelo entrevistado. Esse respeito envolve desde um local e
horário marcados e cumpridos de acordo com sua conveniência até a perfeita garantia do sigilo e
anonimato em relação ao informante, se for o caso. Igualmente respeitado deve ser o universo
próprio de quem fornece as informações, as opiniões, as impressões, enfim, o material em que a
pesquisa está interessada. Uma das principais distorções que invalidam freqüentemente as
informações recolhidas por uma entrevista é justamente o que se pode chamar de imposição de uma
problemática. Muitas vezes, apesar de se utilizar de vocabulário cuidadosamente adequado ao nível
de instrução do informante, o entrevistador introduz um questionamento que nada tem a ver com
seu universo de valores e preocupações. E a tendência do entrevistado, em ocasiões como essas, é a
de apresentar respostas que confirmem as expectativas do questionador, resolvendo assim da
maneira mais fácil uma problemática que não é a sua
Ao lado do respeito pela cultura e pêlos/valores do entrevistado, o entrevistador tem que
desenvolver uma grande capacidade de ouvir atentamente e de estimular o fluxo natural de
informações por parte do entrevistado. Essa estimulação não deve, entretanto, forçar o rumo das
respostas, para determinada direção. Deve apenas garantir um clima de confiança, para que o
informante se sinta à vontade para se expressar livremente.
Tratando-se de pesquisa sobre o ensino, a escola e seus problemas, o currículo, a
legislação educacional, a administração escolar, a supervisão, a avaliação, a formação de
professores, o planejamento do ensino, as relações entre a escola e a comunidade, enfim, toda essa
vasta rede de assuntos que entram no dia-a-dia do sistema escolar, podemos estar seguros de que, ao
entrevistarmos professores, diretores, orientadores, supervisores e mesmo pais de alunos não lhes
estaremos certamente impondo uma problemática estranha, mas, ao contrário, tratando com eles de
assuntos que lhes são muito familiares sobre os quais discorrerão com facilidade.
Será preferível e mesmo aconselhável o uso de um roteiro que guie a entrevista através
dos tópicos principais a serem cobertos. Esse roteiro seguirá naturalmente uma certa ordem lógica e
também psicológica, isto é, cuidará para que haja uma seqüência lógica entre os assuntos, dos mais
simples aos mais complexos, respeitando o sentido do seu encadeamento. Mas atentará também
para as exigências psicológicas do processo, evitando saltos bruscos entre as questões, permitindo
que elas se aprofundem no assunto gradativamente e impedindo que questões complexas e de maior
envolvimento pessoal, colocadas prematuramente, acabem por bloquear as respostas às questões
seguintes.
Quase todos os autores, ao tratar da, entrevista, acabam por reconhecer que ela
ultrapassa os limites da técnica, dependendo em grande parte das qualidades e habilidades do
entrevistador. É inegável, que há qualidades específicas que denotam o entrevistador competente,
tais como uma boa capacidade de comunicação verbal, aliada a uma boa dose de paciência para
ouvir atentamente. Mas é inegável também que essas e outras qualificações do bom entrevistador
podem ser desenvolvidas através do estudo e da prática, principalmente se esta partir da observação
de outro entrevistador, mais experiente, que possa inclusive funcionar como supervisor da prática
do iniciante. Não há receitas infalíveis a serem seguidas, mas sim cuidados a serem observados e
que, aliados à inventiva honesta e atenta do condutor, levarão a uma boa entrevista.
Um desses cuidados é o que alguns autores chamam de "atenção flutuante". O
entrevistador precisa estar atento não apenas (e não rigidamente, sobretudo) ao roteiro
preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de
gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma
comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e a validação do que
54

foi efetivamente dito. Não é possível aceitar plena e simplesmente o discurso verbalizado como
expressão da verdade ou mesmo do que pensa ou sente o entrevistado. É preciso analisar e
interpretar esse discurso à luz de toda aquela linguagem mais geral e depois confrontá-lo com outras
informações da pesquisa e dados sobre o informante.
Um outro aspecto importante da entrevista merece ser abordado aqui, nesta visão geral
desse instrumento. Como registrar os dados obtidos? As duas grandes formas de registros suscitam
grandes discussões entre os especialistas e carregam consigo seus defeitos e virtudes. São elas a
gravação direta e a anotação durante a entrevista. A gravação tem a vantagem de registrar todas
as expressões orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda a sua atenção ao
entrevistado. Por outro lado, ela só registra as expressões orais, deixando de lado as expressões
faciais, os gestos, as mudanças de postura e pode representar para alguns entrevistados um fator
constrangedor. Nem todos se mantêm inteiramente à vontade e naturais ao ter sua fala gravada.
Outra dificuldade grande em relação à entrevista gravada é a sua transcrição para o papel. Essa
operação é bem mais trabalhosa do que geralmente se imagina, consumindo muitas horas e
produzindo um resultado ainda bastante cru, isto é, onde as informações aparecem num todo mais
ou menos indiferenciado, sendo difícil distinguir as menos importantes daquelas realmente centrais.
Será necessária uma comparação desse material com a gravação para se estabelecerem as
prioridades, com o auxílio, é claro, da memória do entrevistador.
O registro feito através de notas durante a entrevista certamente deixará de cobrir muitas
das coisas ditas e vai solicitar a atenção e o esforço do entrevistador além do tempo necessário para
escrever. Mas, em compensação, as notas já representam um trabalho inicial de seleção e
interpretação das informações emitidas. O entrevistador já vai percebendo o que é suficientemente
importante para ser tomado nota e vai assinalando de alguma forma o que vem acompanhado com
ênfases, seja do lado positivo ou do negativo. Aqui se percebe bem a importância da prática, da
habilidade desenvolvida pelo entrevistador para conseguir ao mesmo tempo manter um clima de
atenção e interesse pela fala do entrevistado, enquanto arranja uma maneira de ir anotando o que é
importante. Essa maneira é específica de cada um, mas não representa nada de mágico ou
misterioso, podendo perfeitamente ser encontrada a partir de um acordo com o próprio entrevistado.
É muito importante que o entrevistado esteja bem informado sobre os objetivos da entrevista e de
que as informações fornecidas serão utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa, respeitando-se
sempre o sigilo em relação aos informantes. É preciso que ele concorde, a partir dessa confiança, em
responder as questões, sabendo, portanto, que algumas notas têm que ser tomadas e até aceitando
um ritmo com pausas destinadas a isso.
É indispensável que o entrevistador disponha de tempo, logo depois de finda a
entrevista, para preencher os claros deixados nas anotações, enquanto a memória ainda está quente.
Se deixar passar muito tempo, certamente será traído por ela, perdendo aspectos importantes da
entrevista que lhe custou tanto esforço.
A escolha de uma ou outra forma de registro será feita em função de vários fatores,
como vimos, e também da preferência, do estilo de cada entrevistador. Em alguns casos é possível
até utilizar as duas formas concomitantemente. De qualquer maneira, é importante lembrar que, ao
nos decidirmos pela entrevista, estamos assumindo uma das técnicas de coleta de dados mais
dispendiosas, especialmente pelo tempo e qualificação exigidos do entrevistador. Quanto mais
preparado estiver ele, quanto mais informado sobre o tema em estudo e o tipo de informante que irá
abordar, maior será, certamente, o proveito obtido com a entrevista. Como em qualquer outra
técnica, é necessário verificar cuidadosamente se as informações pretendidas exigem mesmo essa
técnica ou se poderiam ser conseguidas por outros meios de aplicação mais fácil e menos cara.
55

TEXTO 6
PROCURANDO RESGATAR A CIÊNCIA
NOS SABERES POPULARES
Attico Chassot
in Alfabetização científica: questões e desafios para a educação.
Ijuí, UNIJUÍ, 2000

Quando em 1990 publiquei um livro 34 onde incursionava na desafiadora seara da Educação


Química — talvez o primei ro livro brasileiro nesta área — incluí um capítulo com título
Procurando resgatar a Química nos saberes populares. Afortunadamente o texto retribuiu-me com
muitas gratificações. É sempre muito gratificante encontrar leitores e leitoras em diferentes pontos
do Brasil que usaram/usam este capítulo quando buscam resgatar saberes populares. Aqui e agora,
revisito aquele texto. Usando-o como substrato, busco ampliar este assunto levantando
alternativas para uma importante linha de pesquisa na área da Educação cm Ciências, talvez, mais
particularmente, da Educação Química: o resgate de saberes populares. Sinalizo esta como uma
direção para pesquisas em programas de pós-graduação.
Sabe-se que as pesquisas em Química, como em todas as Ciências classificadas como
duras, são marcadas por aspectos de um rigor quantitativo. Mesmo na área da Educação, as
investigações foram marcadas por um caráter tecnicista e formal. Todas as tentativas de se fazer
estudos distanciados dos modelos positivistas (entre eles o funcionalismo, o sistemismo, o empirismo
e o estruturalismo) foram sempre olhadas com descrédito, chamadas de "orientações viesadas" que
precisavam de "correções" em função de um paradigma científico geral,"cujas dimensões eram muito
pouco evidenciadas.
Não deixa de ser significativo que consideremos quem eram os mandantes das necessárias
"correções". Havia/há os que detêm a verdadeira receita para achar a Verdade. Os outros que se
adaptem a ela. A afirmação atribuída a Lord Kelvin35: "Só se pode falar a respeito do que se pode
medir" foi (e talvez o tempo verbal devesse estar ainda no presente: é) empecilho muito forte para
aquelas e aqueles que fazem uma mediação entre o conhecimento científico e a Educação.
Preciso reconhecer que a não-adesão a posturas positivistas ilustradas na afirmação
antes citada, me tornou um marginal na Química, onde fiz minha graduação. Aliás, esta
marginalização marcou minhas dificuldades para enfrentar as muitas resistências para implementar,
junto com um grupo reduzido de colegas, uma área de Educação Química em um Instituto de Química
em uma Universidade Federal.
Agora, quando retomo esse texto nesta releitura, vejo significativas modificações no fazer
pesquisas em Educação e talvez as possa ilustrar com a minha trajetória como pesquisador na área da
Educação. É muito bom ver que houve mudanças, e parece que estas vão em direção a tempos
melhores. Essa caminhada pode ser visualizada num recorte que faço para olhar dois momentos desta
história.
Recordo que, quando escrevi a minha dissertação de mestrado36, havia nela um capítulo
sobre a Metodologia, onde, eu descrevia os sujeitos, os instrumentos, o estudo-piloto, q procedimento e

34 A educação no ensino de química. Ijuí, Unijuí, 1990, 118p.


35 Kelvin, William Thomson, l" Baron (1824-1907). Matemático e físico britânico, um dos principais cientistas e
dos maiores professores de seu tempo. Conhecido também como Lord Kelvin. Investigou junto com )oule o fenómeno
de resfriamento dos corpos conhecido como o fenómeno Joule-Thomson. A escala de Temperatura Absoluta também
leva o nome de Temperatura Kelvin, em sua homenagem.
36 Comparação de dois instrumentos de avaliação: Questões de Respostas Livres X Questões Objetivas. Porto Alegre :
UFRGS, Programa de Pós-Graduação em Educação, 1976. 164 p. (dissertação de mestrado)
56

o tratamento estatístico. O referido capítulo iniciava assim:

A investigação educacional pode ser dividida de diversas


maneiras. Por exemplo, Haiman (1969) apresenta 3 categorias:
a) histórica; b) descritiva; c) experimental. Se aceitarmos esta
categorização, o presente trabalho está incluído na terceira
categoria, porque as conclusões são decorrentes de 'experimentos
realizados.
Quase duas décadas depois, quando escrevi minha tese de doutoramento37,
paradoxalmente, tive mais dificuldades de classificá-la, e, aceitando o referencial então referido, achei
válido que ela pudesse ser colocada nas três categorias: a) Histórica, pois aventurei-me a realizar uma
apropriação de um "fazer" de historiador, mesmo sem ter exercido com competência um adequado
mergulho no campo da História da Educação; b) descritiva, enquanto apresentei os resultados
não só do meu historicizar sobre o ensino de Química, mas fiz uma descrição de como (e por que)
se selecionaram alguns conteúdos para integrarem a formação química do cidadão e da cidadã; c)
experimental, pois fiz experimentos, claro que com dimensões muito diferentes daqueles que referi
antes, onde o controle das variáveis era o que garantia a cientificidade de uma tese ou dissertação.
Agora, os experimentos realizados são fundamentalmente aqueles que representam as tentativas de
busca de respostas.
Poderia resumir a metodologia da tese de doutorado repetindo, o quanto, naquela
elaboração de tentativas de respostas às minhas interrogações, vivenciei muito claramente a
afirmação "os caminhos se fazem caminhando". O difícil, usualmente, é iniciar a caminhada.
Ratifico também que a palavra "tentativa" da frase anterior foi escolhida no seu mais pleno significado,
sem que com isso eu pense desmerecer o meu trabalho. Então, eu experimentei, fiz ensaios,
tentando encontrar respostas, não apenas àquelas que eram as minhas interrogações protocolares,
mas houve, também, respostas a muitos interrogantes que não estavam nas minhas buscas. Muitas
vezes, as descobertas que não se procuram são realmente as mais promissoras e também desafiadoras.
Nesta olhada histórica deve-se creditar a chamada pesquisa participante ou pesquisa-
ação, um papel decisivo na ruptura com este círculo fechado, estabelecendo novos critérios de
validade para pesquisa cm ciências humanas.
Hoje já existem novos paradigmas que, mesmo ainda em elaboração, oferecem uma
suficiente consistência teórica nas formas alternativas de estudar, pesquisar, ensinar, aprender para
aqueles que buscam uma nova direção.
Thiollent, (1985) um dos autores que fez propostas pioneiras entre nós sobre pesquisas
onde pudéssemos deixar de temer a presença do viés do pesquisador, apresenta os seguintes
pressupostos básicos para a pesquisa-participante:
a) ampla e explícita interação entre o pesquisador e as pessoas implicadas na situação
investigada;
b) estabelecimento de uma ordem de prioridade dos problemas pesquisados e das
soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta, a partir desta interação;
c) clareza de que o objeto da investigação não é constituído pelas pessoas a serem
pesquisadas e sim pela situação social e pêlos diferentes problemas;
d) acompanhamento das decisões das ações e de atividade intencional dos atores da
situação ao longo de todo o processo de pesquisa;
e) consciência de que o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos,
esclarecer os problemas da situação observada;
37 Para que(m) é útil o nossa ensino de Química? Orientador: Prof. Dr Laetus Mário Veit." Porto Alegre : Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995. 316 p. (tese de doutorado).
57

f) conhecimento de que a pesquisa-ação abre três perspectivas de objetivos: a resolução


de problemas; a tomada de consciência; e a produção de conhecimento que poderão, ou
não, se processar simultaneamente;
g) o procedimento operacional e o destino deste estudo será definido ao longo do
trabalho entre o grupo de pesquisadores e as pessoas implicadas na situação.
Assim, uma possibilidade de se fazer uma pesquisa-participante na área da Educação
Química pode ser traduzida no resgatar a Química que está inserida na realidade física e social
vivenciada pêlos estudantes (ou em outras realidades) e analisar com eles, de forma dialógica, os
diferentes significados atribuídos ao conhecimento e as diferentes formas de construção deste
conhecimento.
Aqui comento um pouco as experiências que realizei quando docente de disciplinas da
Licenciatura em Química na UFRGS e também quando fui professor de Prática de Ensino das
Licenciaturas em Biologia, Matemática e Química na ULBRA. Houve, também atividades
semelhantes em cursos de especialização na UNIJUÍ, na UNISINOS, na FURB e na UFMT. Em
alguns dos cursos de especialização houve naturais restrições para a realização de pesquisas mais
longamente acompanhadas, por serem cursos intensivos.
Para fazer do resgate de saberes populares uma atividade de pesquisa há um pressuposto
importante: é preciso trabalhar criticamente a ciência do cientista, a ciência da escola e a ciência
popular. Aqui já surgem alguns problemas, pois chamar o saber popular de ciência popular
usualmente causa estranheza na Academia. Devem-se observar, para cada um destes três
segmentos, as características - marcadas por uma tradição secular -, as interações e até os
descréditos mútuos. Há um artigo que já usei, como abertura das discussões, que foi publicado
nos Cadernos de Ciências editados pela Editora UNIJUÍ, onde o professor Maurice Bazin 3 8 , da
PUC do Rio de Janeiro, faz uma analogia entre ciência popular e teologia da libertação,
mostrando as resistências e incompreensões que uma e outra encontram na Ciência
institucionalizada e na Igreja-instituição.
Talvez seja importante caracterizar um pouco cada um desses três cenários [a
Universidade, os saberes populares e a Escola] 39 e depois ousar que estes interajam, -
amistosamente, isso c sem ressentimentos - entre si. Isso acontecendo teremos facilitado o que se
coloca como um pressuposto básico para esta ação. Olhemos primeiro estes segmentos, de uma
maneira independente, mesmo que muito panoramicamente.

A Universidade
Quando se comenta a Universidade, mesmo vendo-a viver plenamente a pós-
modernidade, não se pode deixar de considerar (e isso não é feito apenas para falar na sua origem) o
seu surgimento simbiôntico à Igreja. A Universidade de Bolonha (tida como a primeira e também
nisso uma exceção, pois tinha a sua gestão inicial feita por estudantes) surgiu cm 1088 e a de Paris
entre 1150 e l170. Quando recordamos Pedro Abelardo (1079-1142)40 ensinando, podemos
imaginara Universidade de Paris em estado seminal. Como ela, depois surgiram à sombra das
catedrais a de Cambridge e a de Oxford. Isto numa visão ocidental, pois se considerarmos o mundo
islâmico, a universidade mais antiga é a de Al Qarawivin, na cidade de Fez, em Marrocos, fundada
em 859.
Para quem desejar conhecer mais da história da Universidade no mundo ocidental cristão
para visualizar, inclusive, as implicações das origens da Universidade junto à Igreja, com posturas

38 Atualmente o Professor Bazin dirige o Exploratorium um moderno Museu de Ciências em São Francisco, nos
Estados Unidos.
39 Excertos desta caracterização escrevi e foram publicados no verbete Saber acadêmico/ saber escolar/saber popular
do Dicionário Crítico da Educação da revista Presença Pedagógica v. 2, n. I I , p. 81-8-4. set/out. 1996.
40 ' O filme “Em nome de Deus", disponível em vídeo, conta a dramática história de Pedro Abelardo e Heloísa e
ilustra aspectos da nascente Universidade.
58

medievais ainda hoje presentes, recomendo o livro As Universidades na Idade Média (Jacques Verger,
1990). Outro texto que traça um minucioso histórico das origens da Universidade é A Universidade:
das origens à Renascença (Reinholdo Ullmann & Aloysio Bohnen, 1994). Também recomendo para
uma visão geral da Universidade no mundo ocidental o texto de Ricardo Rossato (1998)
Universidade: nove séculos de história. Para uma análise da importância histórica da
Universidade há duas conferências reunidas no livro Um mundo sem Universidades? (Gerhard
Casper & Wilhelm von Humboldt, 1997). Para entender como diferentes universidades brasileiras
compreenderam sua tarefa, vale aproveitar-se da lucidez de um dos maiores educadores brasileiros
no livro A Universidade de ontem e de hoje, que reúne duas palestras de Anísio Teixeira (1998),
com uma introdução de Clarice Nunes.
Wilhelm von Humboldt, fundador da Universidade de Berlim, em um texto
considerado lapidar (escrito em 1810, embora só publicado a primeira vez em l899), em que
d ef i n i a, no século 19, como deveriam ser as instituições científicas em Berlim e que tem
importância para a própria estrutura da universidade moderna, iniciava assim:

O conceito das ins tituições científicas superiores implica


em duas tarefas. De um lado, promoção do desenvolvimento
máximo da Ciência. De outro, produção do conteúdo
responsável pela formação intelectual e moral. Esse conteúdo
não pode ser determinado segundo unia intenção que lhe seja
externa. Pelo contrário, contem a sua própria finalidade. No
entanto as instituições científicas apenas se justificam
completamente quando convergem as ações para o
enriquecimento da cultura moral da Nação.
Mais adiante, quando desejava expressar a autonomia da Ciência como a condição
sine qua non da Universidade, af ir ma va: "(...) tudo consiste em preservar o princípio segundo o qual a
Ciência representa algo que ainda não foi plenamente realizado e que nunca poderá sê-lo. A Ciência é
portanto uma eterna busca." Os princípios humboldtianos foram e são metas quase utópicas, mas
certamente merecem ser considerados quando se pensa a Universidade hoje.
Usualmente a Academia conserva muito, ainda hoje, um ranço conservador e até
inquisitorial frente ao conhecimento popular, que lembra tempos medievais em que nasceu a
U n i versidade. Só tem valor aquilo que ela valida. Há não muito tempo 41, a associação de docentes
de uma das mais importantes universidades brasileiras e a Regional da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência - na qualidade de entidades representativas da comunidade científica -
publicavam uma carta à população, em um jornal de grande circulação, manifestando sua crítica a
esse jornal por estar publicando fascículos sobre Astrologia. Não se trata aqui de posicionar-se
sobre se a Astrologia é ou não Ciência, mas sim estranhar como a Universidade hoje assume o papel
que a Igreja assumia/assume para dizer a todos o que é bom e o que é certo. Também quero afirmar
que minha crítica ao autoritarismo da carta não significa em nada uma defesa do jornal e muito
menos do monopólio das comunicações que o publica. Ao contrário, tenho severas restrições a um e
a outra.
Diz a carta que "a divulgação de idéias secularmente reconhecidas como fruto da ignorância,
quando não fruto da desonestidade e do charlatanismo, em nada contribuirá à educação popular." Esta
frase não é muito diferente da exposição de motivos de uma Bula Papal de 1317, na qual o Papa
João XXII proibiu as experiências de Alquimia, a fim de proteger seus fieis dos embusteiros.
Quem escreveu42 defendendo a publicação da carta disse: "[...] o clássico método
cartesiano que serve de base à Ciência facilmente desmonta qualquer princípio astrológico.[...]",
advogando a existência de um único método científico. Aqui, uma vez mais, o autor do texto
41 Zero Hora, Porto Alegre, 03 jul. de 1997: Carta à população, da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência/Regional RS e Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
42 Adverso - jornal da Adufrgs: Astrologia confusão mental. n. 10. p. 4, 1ª| quinzena de agosto de 1997.
59

deveria trazer no ataque à Astrologia, a frase de Lord Kelvin para ajudar na defesa do exclusivo
método cartesiano.
Ao contemplarmos como foi/é/será estruturado o conhecimento, é importante considerar
aquela que foi uma das mais fantásticas mudanças de paradigmas que vivemos: quando
migramos, no século l6, do geocentrismo para o heliocentrismo, começa ser construído um novo
entendimen to do Universo. A Matemática e a Física passam a ser as linguagens para as grandes
explicações. As certezas que vão se firmando, em mais de dois séculos, determinaram linguagens e
maneiras de ler o mundo, muitas das quais usamos ainda hoje, impondo-as quase
dogmaticamente43.
A produção de uma Ciência matematizada, asséptica, esotérica parece continuar a ser
objeto (talvez não intencional) das preocupações da Universidade. A escrita cifrada dos alquimistas
está ainda presente na linguagem científica. Parece que neste limiar do século 21 ainda precisamos
repetir o "Sapere aude!" kantiano numa luta igual contra as "trevas" da ignorância e pelo acesso ao
conhecimento. Onde, num quase paradoxo, se considerarmos o Século das Luzes, o despotismo se
exerce muito através da Ciência, que é tão ou mais esotérica do que aquela que era inacessível à
maioria de então.
Conta-se, por exemplo, que quando Newton publicou, cm 1867, Pliilosophiae Naturalis
Principia Mathematica - um dos livros mais célebres da história da humanidade - este talvez tenha
sido o livro lido por menos pessoas, por ter sido escrito em um latim abstruso e técnico. Um dos
seus biógrafos, citado por Downs (1977, p. 181), provavelmente exagere ao afirmar que não havia,
no último quartel do século 17, mais que três ou quatro homens vivos, capazes de compreender os
Príncipia. Hoje, quantos entendem a Ciência, mesma se escrita em vernáculo?
Mais de 100 anos depois que Newton publicou seu revolucionário livro é que ocorre
na Química a chamada revolução lavoisierana, com novas concepções de combustão e com a
associação desta à respiração animal: mais uma vez houve mudanças de postulados que eram
universalmente aceitos. Setenta anos depois de Lavoisier publicar o Tratado elementar de Química (l789),
é a vez de ocorrer uma grande revolução na Biologia, com a publicação por Darwin de sua famosa obra A
origem das espécies (1859), que determina modificações de paradigmas, abalando posturas seculares.
A história poderia prosseguir, com a lembrança de muitos acertos e desacertos. Se
quiséssemos, por exemplo, comparar a Ciência no entorno da última virada de século, há cem
anos, com esta dos dias atuais, a síntese que melhor descreveria um momento e outro é uma
situação aparentemente paradoxal: o abandono das certezas do final do século l 9 para viver as
incertezas deste final de milênio. Vivemos constantemente tendo muitas de nossas convicções
a bal ad as , por exemplo, com o surgimento de novas teorias sobre a criação do Universo ou com
a hipótese de vidas em outros planetas.
Ao olharmos a Ciência, não podemos deixar de reconhecer o quanto há de
possibilidades novas representadas pela Matemática - que hoje realiza em frações de segundo,
cálculos nos quais nossos ancestrais consumiam muitas horas ou dias; pela Física - com as cada
vez mais fantásticas conquistas que determinam que vivamos a era digital, onde não
transportamos mais átomos e sim bits; pela Química - que, se não realizou o sonho dos alquimistas
na conquista do elixir da longa vida, colabora cada vez mais na busca da saúde e já desenvolve um
mundo maravilhoso de novos materiais que são mais valiosos que o cobiçado ouro alquímico; e
pela Biologia - e nesta mais acentuadamente pela (genética, que já vimos em outras referências
tão poderosa - onde parece ser ficção científica a já realização de exames em óvulos e
espermatozóides antes da fecundação. Assim, ao olharmos a Ciência vivemos o paradoxo do
encantamento e da impotência. Mas estes múltiplos olhares não podem deixar de nos chamar a
atenção para o fato de que esta Ciência ainda está em construção. Em nossos dias, por exemplo, ainda se

43 Antecipo que no capítulo 18, quando comentar o caso Sokal. este será um tema revisitado.
60

fazem descobertas matemáticas. Essa última afirmação, às vezes, surpreende a alguns.


Lembro de Ilya Prigogine - Prêmio Nobel de Química de 1977 -, em uma entrevista ao
jornal francês Lê Monde em 1989: "Tivemos de abandonar a tranqüila quietude de já ter decifrado o
mundo". Sabemos que não estamos sós na imensidão do Universo, e, se a Ciência clássica faz da
natureza algo acabado e pronto, a Ciência dos dias atuais, através de sua escuta poética, usando uma
vez mais uma imagem de Prigogine, reintegrou o homem ao universo que ele mesmo observa.
Antigamente a Ciência nos falava de leis eternas. Hoje, nos fala da história do Universo ou da
matéria e nos propõe sempre novos desafios que precisam ser investigados. Este é o Universo das
probabilidades e não das certezas.
Parece oportuno considerar que, mesmo vivendo a Ciência estas incertezas em nossos dias,
há ainda um grande elitismo entre os cientistas. Quem nos mostra isso é Thomas Kuhn, que talvez
tenha sido um dos primeiros a nos alertar para as incertezas da Ciência. Eis como ele descreve o
elitismo dos que fazem Ciência:
A comunidade mais global ó composta por todos os cientistas
ligados às ciências da natureza. Em um nível imediatamente
interior, os principais grupos científicos profissionais são
comunidades: físicos, químicos, astrônomos, zoólogos e outros
similares. Para esses agrupamentos maiores, o pertencente a
uma comunidade é rapidamente estabelecido, exceto nos casos
limites. Possuir a mais alta titulação, participar de sociedades
profissionais, ler periódicos especializados são geralmente
condições mais que suficientes. (1987, p.221)
Foi com a hipótese kuhniana, desenvolvida em A estrutura das revoluções científicas,
que deixamos de ver o saber científico como um processo linear de construção e descoberta de
verdades objetivas e de construção progressiva da sociedade em torno dessa verdade. Kuhn
demonstra como a Ciência se desenvolve contra os conceitos positivistas que domina(v)am o saber
ocidental. Ele foi um dos iconoclastas de uma Ciência toda-poderosa e dona de verdades
insuperáveis e imutáveis.
Talvez a própria Universidade precise (re)pensar a afirmação antes citada, de Humboldt,
de que “a Ciência representa algo que ainda não foi plenamente realizado e que nunca poderá sê-
lo. A Ciência é, portanto, uma eterna busca.” Isso facilitaria também compreensão de que existem
saberes fora da universidade.

Os saberes populares
Assim como resumi meus comentários sobre a Ciência da Academia, também não vou
fazer aqui, uma ampla discussão do saber popular, ou, se nos despirmos de alguns preconceitos, talvez
ousássemos dizer: ciência popular. Primeiro gostaria de distingui-lo do chamado senso comum.
Também aqui não farei comentários sobre a teoria da mudança de perfis conceituais, lema que hoje
na Academia merece estudos muito significativos.
Marcados pelo senso comum é que nós referimos que o sol nasce e que o sol se põe. Aliás
é muito bom, já disse alguém, que não sejamos sempre cientistas. É até mais poético divagar usando o
senso comum para olhar, às vezes, a natureza do que querer sempre lê-la com o racionalismo
cartesiano ou buscar concluir sobre qualquer fenômeno com empirismo baconiano. Continuemos a
admirar as crianças colocando cobertores nas bonecas para que não passem frio ou até nós mesmos
nos agasalhando para nos protegermos do frio.
61

Alice Lopes tem publicado vários textos44 onde, iluminada na epistemologia de Bachelard,45-
46
mostra como o conhecimento científico se dá contra, e não (o destaque é da autora), a partir do senso
comum cotidiano.
Os saberes populares são os muitos conhecimentos produzidos solidariamente e, às vezes,
com muita empiria. Aqui já temos um preconceito: porque o empirismo é, também, sinônimo de
charlatanismo. Os conhecimentos de meteorologia que os homens e mulheres possuem são resultados
de uma experimentação baseada na observação, na formulação de hipóteses e na generalização. O
caboclo que sabe explicar melhor do que o acadêmico por que uma desfilada de correição47 é sinal de
chuva tem um conhecimento científico resultante de observações e transmissões construídas solidariamente,
às vezes, por gerações. Exemplos iguais se podem apontar na chamada medicina popular, onde se
encontram especialistas em traumatologia (os tão populares consertadores de ossos de nosso meio rural), nas
práticas agrícolas, que incluem conhecimentos que a Academia colocaria no ramo da genética. Lopes, no texto
antes referido (p. 9), afirma que “os saberes populares são os saberes associados às práticas cotidianas das classes
destituídas de capital cultural e econômico, enquanto o senso comum abrange saberes quie se difundem por todo
tecido social.” Isto é, os ricos são tão geocêntricos quanto os pobres e até se agasalham mais contra o
frio. Talvez por não terem as mesmas necessidades que os desprovidos do capital econômico e cultural,
são menos produtores de saberes - que levam um rótulo preconceituoso de “populares”.
Incluo-me entre os preconceituosos quando falo em resgate de saberes populares. Nós, os
bons, vamos aos desvalidos e resgatamos - com todas as conotações que tem esse verbo - os saberes e
em troca oferecemos nossa Ciência asséptica e imaculada, onde incluímos um cuidadoso modo de usá-
la a fim de que não a desvirtuem com um uso inadequado.
O saber popular- é aquele que detém, socialmente, o menor prestígio, isto é, o que resiste a
menos códigos. Aliás, popular pode significar vulgar, trivial, plebeu. Talvez devêssemos recordar que
este saber popular, em algum tempo, foi/é/será um saber científico.
Resta-nos questionarmos por que a validação de saberes populares pela Academia é
acompanhada da transferência dos mesmos para classes de mais poder econômico, com a usurpação
daqueles que os produziram e detinham. No Brasil temos este aspecto muito presente com a recente
polemica das patentes do patrimônio genético de plantas medicinais.

A Escola
Aqui, também, não vou comentar a Escola, e sim os chamados saberes escolares. Todavia,
como fiz quando comentei a Universidade, é fácil ver na Escola atrelamentos e posturas que muito têm
a ver com sua história. Paradoxalmente, no mundo ocidental, o surgimento da Escola é bem posterior
à Universidade. Esta vimos ser do século 11, a Escola, na sua concepção como a temos hoje, é uma
das mais salutares consequências da Reforma Protestante do século 16. Somente a partir de então se
fala, pela primeira vez, cm educação universal com a implantação da escola primária para todos.
Martinho Lutero (1483-1546) dirige-se em 1524, quando a Reforma não tinha sete anos, por carta,
aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã para que instituam e mantenham escolas, pois
indicava que a educação para todos era dever do Estado. Um exemplo da reação à pratica
protestante de fazer Educarão, no mundo católico, foi a fundação da Companhia de Jesus, em 1534,
44 Em um texto mais recente [Alice Ribeiro Casimiro Lopes, Ensino de Química e conhecimento cotidiano, 20ª Reunião da
Sociedade Brasileira de Química. Poços de Caldas, 24 a 27 de maio de 1997; os artigos desta reunião estão disponíveis em
CD produzido pela SBQ] a autora faz uma referência a publicações sobre esse tema.
45 Gaston Bachelard (1884-1962). filósofo francês, que teve na Química sua formação acadêmica inicial, é considerado um
dos fundadores da moderna epistemologia.
46 Quando se refere o uso da cpistcmologia bachclardiana, é preciso recordar uma das pioneiras na busca de espaços para a
Educação Química brasileira: Letícia Tarquínio de Souza Parente (1921 -1991), que escreveu entre outras obras, Bachelard e
a Química (Edições Universidade Federal do Ceará, 1990, 144 p).
47 Correição ou formiga-correição é designação comum dos insetos himenópteros da família dos dorilídeos, gênero
Eciton Latreille, capazes de realizar grandes migrações, em que milhares de obreiras percorrem vastas extensões de
território durante algumas horas. ou mesmo dias.
62

por Inácio de Loyola (1491-1556). Os jesuítas, antes de completar meio século, já tinham quase
duas centenas de colégios espalhados pelo mundo.
Também aqui refiro algumas obras que poderão trazer mais esclarecimentos para quem
quiser conhecer um pouco da história da Escola e de quanto o Renascimento foi momento
importante para que se definissem concepções que ainda hoje marcam as nossas salas de aulas. Um
livro que tem uma excelente descrição que se inicia com a educação no Egito e na Grécia antiga é a
História da Educação, de Mário Manacorda (1992). Para uma análise sócio-histórica de alguns
momentos decisivos da evolução escolar do Ocidente vale ler A produção da Escola: produção da
sociedade, de André Petitat (1994). Um texto mais didático, indicado inclusive para o ensino médio,
é História da Educação, de Maria Lúcia Aranha (1992).
O saber escolar é o saber que a Escola transmite, e a ação de transmitir já descaracteriza
este saber, pois se estabelece a diferença entre o produzir e o transmitir. A escola defronta-se com
duro questionamento (que ela geralmente desconhece) quando se diz que a mesma não é produtora
do conhecimento e sim reprodutora ou apenas transmissora do saber. A Escola não se diminui por
transmitir o saber, se buscar fazê-lo dentro de uma maneira (re)contextualizada.

Usualmente a Escola costuma t r a n s m i t i r um saber que ela não produziu (e, às vezes,
nem o entende), mas o corteja, principalmente, porque traz o rótulo da validação acadêmica. Por
outro lado, também não entende - não sabe explicar - os saberes que são próprios da comunidade
onde está inserida e por isso os rejeita, até porque estes não são reconhecidos pela Academia,
pois esta, em muitas situações, também não os sabe explicar.
Há interrogações que são decisivas: como, historicamente, os atuais conteúdos
ensinados na Escola - hoje ensinados quase universalmente - foram se constituindo e passaram a
ser considerados como os necessários para integrar a formação científica do cidadão? Como o
privilegiamento, nos currículos escolares, de determinados conteúdos se relaciona com os princípios
de uma educação crítica? As respostas podem mostrar a seleção privilegiada de determinados
conteúdos, que foram assim definidos como importantes para a manutenção de um grupo dominante.
Verifica-se, que usualmente professoras e professores não sabem quem selecionou determinados
conteúdos nem por que estes fazem parte do currículo. Transmitem o que os outros selccionaram,
com propósitos que às vezes desconhecem. Assim, o saber escolar é também, e acima de tudo, um
saber político.
Precisamos estar continuadamente atentos, para o quanto os saberes escolares sejam
caracterizados como produzidos pela e para a escola e não, como transmitidos pela escola. As
discussões sobre saberes escolares, como as feitas por Alice Casimiro Lopes, em estudos antes
referidos, têm procurado ressaltar seu caráter de produção, ainda que seja uma produção que não se
inicia na escola, não serve aos interesses da maioria da população e é condicionada pelos fatores
excludentes como os de alguns exemplos que antes se referiu.
Ao observar certos saberes escolares, verifica-se como determinados conteúdos transitam no
tempo sem ser questionada sua validade. Ao olhar-se como foi construída a história social do currículo
dos diferentes saberes que a Escola ensina, verifica-se o quanto esses não têm um enraizamento na
realidade local e temporal da Escola, sendo usualmente conteúdos que se prestam para manter a
dominação. Repito uma recomendação que acho muito válida: conhecermos a história (social) de
nossas disciplinas. Muitos desse conteúdos, com o falso rótulo de necessários para a formação do
espírito científico dos estudantes, organizam-se cm uma determinada disciplina escolar, que muitas
vezes se caracteriza como uma disciplina esotérica e que, por seu hermetismo, se torna
(propositalmete) inacessível.
Assim a Escola, muito mais que ser vista como reprodutora do conhecimento, deve ser
pensada nas suas amplas possibilidades de fazer uma Educação crítica. Essa é a nossa responsabilidade
como professoras e professores.
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As interações entre os três segmentos


A Escola e, em algumas situações, a própria Universidade defrontam-se com
questionamentos quando se diz que não são produtoras do conhecimento, e sim reprodutoras ou até,
apenas, transmissoras do saber. Trabalhar com o resgate de saberes populares, da maneira que se
propõe, produz saber? Formalmente não; mas, se considerarmos que no processo há um redescobrir
que também é descobrir, estaremos nesta proposta produzindo conhecimento.
Quando se analisam as relações entre o saber institucionalizado e a ciência da Escola,
aflora, ainda mais, o distanciamento que existe entre a Escola e o saber popular. A escola não só vira as
costas para o saber popular, como o despreza ao cortejar o saber institucionalizado.
Assim, parece que, quando se olha a posição da Escola, colocada entre a Academia,
produtora da Ciência, e a Comunidade, detentora do saber popular; a vemos cortejando o saber
acadêmico, que não conhece, mas tem que transmitir, e até desprezando o saber popular, que ela
também não entende e que não tem a validação da Academia.
Há, assim, uma necessidade de se buscar uma valorização dos saberes populares e uma
conscientização do respeito que os mesmos merecem e de como estão inseridos nos distintos
contextos sociais. Esta é uma função da Escola, e é tanto uma função pedagógica como uma função
política. É um novo assumir que se propõe à Escola: a defesa dos saberes da comunidade onde ela está
inserida. É evidente que isso não significa o estudo dos sabereis estranhos ao meio, mas o não-desprezo
pelo que é local. É esse ato político que se espera da Escola.

Buscando os sabeáes
Após ser feita uma análise crítica dos diferentes saberes e das posturas diante dos mesmos
os alunos procuram ampliar estas fontes e definem o local que merecerá a sua atenção. Definido o local,
procuram verificar "o saber" no local de sua ocorrência através de observações que devem ser
acompanhadas de muito respeito pelo que está sendo observado. Sobre isso há bons textos de antropologia que
mereceriam ser previamente estudados. Observado o saber, há um retorno às fontes do saber institucionalizado
para procurar explicá-lo e tentar modelá-lo, segundo as explicações que são consagradas. Há nesta etapa um
constante ir e vir, pois muitas vezes não são fáceis as explicações
Para este estudo são propostas algumas indicações metodológicas, tendo presente os
pressupostos teóricos de Thiollent, inicialmente referidos. A interação entre o pesquisador e as pessoas implicadas
na investigação é muito discutida em sala de aula, principalmente no resguardo que se deve tomar buscando uma
"proteção mútua". Há uma preocupação de que ocorra um despir-se de preconceitos. Aqui, também, existe uma ação
recíproca, pois os preconceitos estão na escola e nas comunidades onde se buscam os saberes. Deve-se estar atento,
pois há a possibilidade de conflitos entre uma e outra postura.
Nesta etapa cabe ainda uma outra discussão, que deve acontecer em classe: por que se vai
resgatar determinado saber? Thiollent fala nas soluções a serem encaminhadas, sob forma de ações
concretas, Á partir das interações com a comunidade pesquisada. Os estudantes, usualmente, tendem a
enxergar no processo a busca de uma nova alternativa para ensinar determinado conteúdo que até oferece
um estímulo para a tarefa. Mas não é isso. Deve ser muito mais. Deve haver a busca de solução de
problemas concretos, mas não como um bom samaritano que vai levar o seu saber ou sua tecnologia aos mais
desvalidos culturalmente. Esta talvez deva ser a maior reconversão que devemos fazer em nossa
prática de pesquisa. Qual o retorno que estamos dando à Comunidade daquilo que pesquisamos?
Quanto fazemos as Comunidades pesquisadas apenas sujeitos de nossas investigações? Qual a
valorização que têm os homens e as mulheres que não informam sobre os riscos de um desabamento?
Realizado o trabalho de campo, onde há observações, entrevistas, documentação com
recursos audiovisuais, segue-se uma análise que pode conduzir o pesquisador a voltar à realidade para
64

investigar aspectos que só adquirem importância quando se faz o estudo comparativo entre o saber
institucionalizado e o saber popular. Então, na análise da decodificação do que foi feito, elabora-se um
modelo usando a Ciência Química, surgindo geralmente o confronto entre como a comunidade resolve o
problema e como a ciência institucionalizada explica ou não a referida prática.
A partir desta etapa podem decorrer duas situações: uma para a escola e outra para a
comunidade.
Na Escola - Qual a contribuição que a modelagem dos saberes resgatados pode oferecer para o
ensino fundamental e médio e mesmo para o ensino superior? É preciso verificar se os saberes
resgatados podem ser ensinados apenas através dos conteúdos usuais ou se a pesquisa realizada oferece
novos conteúdos a serem trabalhados. Deve-se estar atento para como os alunos do ensino fundamental e
médio, que pertencem à comunidade onde o saber foi resgatado, podem ter uma visão mais depurada
de mitos e falsos conceitos. Como a Universidade pode deixar de voltar as costas para o saber
popular estudando a modelagem proposta?

Na comunidade - O que a pesquisa realizada pode oferecer para a melhoria da comunidade


pesquisada? Há uma necessidade social de se reverter os benefícios aos sujeitos que ofereceram sua
contribuição. A consciência deste retorno encontra-se inclusive nos pressupostos teóricos para a
pesquisa-ação de Thiollent. A melhoria não deve ser entendida como uma mudança do fazer, mas
como o oferecimento de algumas explicações para alguns porquês do fazer. Há situações em que se vão
oferecer soluções para problemas com que a comunidade se defronta, principalmente quando um
fazer está oferecendo dificuldades.
É importante registrar que não são em todas as situações onde se resgatam saberes
populares que se consegue a culminância das duas situações descritas: às vezes ocorre uma ou outra,
ou até nenhuma das duas.
Nos cursos de licenciatura em Química, e mesmo em outros cursos de formação de
professoras e professores, há usualmente disciplinas de instrumentação que são espaços privilegiados
para estimular os licenciados a realizarem esta atividade. Em cursos de especialização, usualmente, há
um excelente locus para algumas destas investigações.
Quando falamos na busca de saberes populares, é preciso estar especialmente atento à
ocorrência dos mesmos; eles estão onde menos suspeitamos e surgem imprevistamente. Outra
postura importante é espir-se de preconceitos, e isto é uma atitude científica. Ir perguntar a uma
cozinheira ''por que ela coloca a cebola no congelador antes de descascar para não lacrimejar, ou por
que ela usa uma porcelana com um furo para não derramar o leite ao ferver, é despir-se de
preconceitos. É claro que esta investigação comporta uma modelagem onde se descreverá como varia,
com a temperatura, a pressão de vapor dos aldeídos presentes na cebola, ou como se formam as
colunas de ebulição numa leiteira, responsável pelo fato do leite não derramar. No capítulo seguinte
há uma listagem de saberes que poderiam ser pesquisados e trazidos para as salas de aulas
procurando ver as explicações que a ciência oferece para os mesmos.
Há ainda situações onde os saberes estão muito relacionados com a realidade local e esta
oferece ricas informações na busca de explicações. Eis alguns exemplos: na UNISINOS ocorreram
trabalhos relacionados com técnicas artesanais de curtimento; na FURB, alunos de Itajaí trabalharam
com pescadores na salga do peixe; na UFMT, as situações do garimpo ofereceram excelentes
contribuições para o estudo de separação de misturas; na UFJF, trabalhou-se o uso de cinza como
alternativa ao emprego da soda cáustica no fabrico de sabão; na UNIJUI, estudaram-se algumas práticas
rurais em que se puderam discutir problemas de Química do solo. Dos trabalhos de alunos de
graduação destaco a pesquisa feita por uma aluna sobre a produção de carvão nas margens do Rio
Gravataí, na Região da Grande Porto Alegre. Aqui há um saber que foi resgatado em tempo, pois
corre o risco de extinção, já que as fábricas de extração de tanino da acácia-negra estão colocando no
65

mercado carvão para churrasco com utilização de uma tecnologia nada semelhante àquelas usadas
pelos carvoeiros. Foi trazida para a sala de aula toda uma descrição de uma carvoaria, adequadamente
documentada. Houve surpresas: por que a lenha não queima até reduzir-se à cinza? Por que o processo
leva vários dias? Como controlar a entrada de ar? Como "secar" o carvão? Por que há diferenças entre
os carvões de diferentes árvores? Por que há madeiras que "não queimam"? Verificou-se, mais uma
vez, como se dá pouco crédito às tecnologias alternativas. Havia inúmeros processos químicos para os
quais não se encontrou, imediatamente, uma solução adequada com os conhecimentos químicos de que
se dispunha. Foram levantadas várias hipóteses e construíram-se diferentes modelos para explicar os
processos. Houve problemas para os quais os carvoeiros queriam explicações, ou melhor, queriam ver
resolvidos. Houve também uma preocupação de ver o quanto a Química estava presente nos
conceitos da comunidade, onde se estudava o fabrico de carvão.
Parece que não duvidamos de uma Ciência que se constrói fora da Academia. Não há,
também, necessidade de trazê-la para a Universidade para fazer sua validação. No capítulo seguinte -
Procurando um ensino de Ciências fora da sala de aula -, admitindo que se ensina e se aprende fora da
Escola, vamos buscar encontrar mais saberes populares e com eles discutir possibilidades de
aumentarmos a alfabetização científica.
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TEXTO 7

PROCURANDO UM ENSINO DE CIÊNCIAS


FORA DA SALA DE AULA
Attico Chassot
in Alfabetização científica: questões e desafios para a educação.
Ijuí, UNIJUÍ, 2000

Quando meu pai era ainda menino, ganhou uma caixa de isopor.
Na época eles moravam no sítio, no interior de Santa Rosa,
no Rio Grande do Sul.
Aquela caixa era uma novidade. Meu pai fora sempre muito caprichoso.
Ele guardava e cuidava daquela caixa com muito carinho. Usava-a para
guardar injeções para vacinar o gado. Com o passar do tempo a caixa foi
sujando. Por mais que ele lavasse a caixa não limpava.
Certo dia, alguém disse-lhe que se ele lavasse com gasolina a caixa ficaria
como nova. Como no sítio não havia gasolina, ele pegou o cavalo e
algumas economias que guardava
e foi até a vila, a uma distância
de 15 km, comprar gasolina.
Quando retornou foi lavar a caixa;
à medida que ia lavando a caixa ia se desmanchando.
Resultado: a caixa derreteu toda e ele chorou por três dias.
Quando meu pai contou essa história em minha casa,
fiquei surpresa, porque não entendia o que havia acontecido.
Descobri que o isopor é um derivado do petróleo
e a gasolina tem um efeito de dissolver os derivados
do petróleo como graxas, tintas, óleos...

Preciso confessar que não consigo imaginar bem qual seja a expectativa do leitor diante
do título que dei a este capítulo. Confesso que estou com uma página quase em branco, apenas
seduzido por uma idéia que se fez título. Em geral temos um texto e depois fazemo-lo deixar de ser
pagão. Aqui o batizado ocorreu num quase embrião. Preciso afirmar que apenas se avolumam
algumas idéias, bastantes desordenadas, sobre o que eu gostaria de escrever aqui. Elas se fazem
fortes em função do capítulo anterior. Mas só são idéias. É preciso materializá-las na escrita.
O texto epigrafado vem quase em meu socorro. Ele é uma transcrição, ipsis verbis, de
relato de Joseli A. Nunes, que foi minha aluna em quatro das etapas em que estive na Sexta Turma
de Magistério do ITERRA48, que assim fala de seus fazeres: "Quanto à minha atividade, faço parte
do setor de educação do MST no estado do Paraná, e contribuo com as atividades relacionadas à
educação no assentamento Ireno Alves dos Santos e no assentamento Marcos Freire em Rio Bonito
do Iguaçu - PR. Nas dois assentamentos temos 1.604 famílias assentadas, dez escolas de Iª a 4ª
série, duas escolas de 5ª a 8ª e com projetos para mais três escolas de 5a a 8a e uma escola de 2º
grau, ainda para 1999." Quando se lê o relato de um bom exemplo de um ensino de Ciências fora
da sala de aula e se contempla a dimensão das ações da Joseli, parece que devamos valorizar estes
aprenderes que ocorrem, tão significativamente, fora da sala de aula.
Este capítulo, assim, quer concorrer na discussão da importância desse ensino e de
quanto o mesmo merece ser aproveitado. Não há, necessariamente, que trazê-lo para a sala de aula.
Mas é preciso que concorra para a desejada alfabetização científica.
No capítulo anterior se comentou, o quanto há saberes que, muitas vezes, não são

48 Nos capítulos 15 e 16 expando minhas considerações sobre ações que ocorrem ITERRA
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legitimados pela Universidade. Como há os vetados pela Academia, criando-se novos índices49.
Logo este texto pode ser considerado decorrência do capítulo anterior. Não apenas uma decorrência,
uma ampliação. Isso é a maior exemplificação sobre onde e como esses saberes se fazem ensino.
Esse deverá ser o condutor das incursões ao mundo externo da sala de aula a partir de agora.
Quando, em diferentes momentos, se referiu à inversão das fontes de informação, com a
perda do lugar privilegiado de detenção do conhecimento que tinha a Escola, se desconheceram,
entretanto, os múltiplos ensinamentos que ocorrem fora da sala de aula. A consideração desses
ensinamentos desaparece também por aquilo que se mostrou ser a marca da globalização da sala de
aula, quando, no capítulo 7, se alertou para os chamados currículos ilegais. Aqui, a sufocação
(permito-me enfatizar a ação que vejo ocorrer com algumas produções de conhecimentos:
sufocação) deste ensinar fora da sala de aula ocorre por outras razões.
Esse valioso aprender na chamada Escola da Vida corre o risco de desaparecer ou
porque modernas tecnologias suplantam (ou incorporam ou se adonam de) conhecimentos ditos
populares ou porque, como já se viu, estes não validados pela Academia, passam a merecer
descrédito. Uma e outra das situações são ameaças à extinção destes saberes. Há áreas em que a
primeira das situações é mais evidente (medicina caseira, controle genético de sementes...). Outras
há que, pelo fato de a Academia não as saber explicar (meteorologia, astrologia, por exemplo), são
simplesmente ridicularizadas ou até vetadas.
Pessoas detentoras de riquezas contidas nos saberes populares, estão disponíveis para
que conheçamos o que elas sabem. Usualmente não oferecem dificuldades para a disseminação, pois
consideram que seus conhecimentos; por terem sido produção coletiva, são da Comunidade. Em
geral, são pessoas de larga experiência construída numa continuada empiria. Estes mestres,
detentores de uma diplomação outorgada pela prática sempre continuada superam, muitas vezes, a
Escola na capacidade de ensinar. Lembro sempre de uma passagem muito conhecida de José
Hernandez no Martim Fierro, o épico gauchesco, onde o velho Vizcacha, ladino corno animal que
lhe empresta o nome, que ao dar conselhos ao filho de Fierro diz algo que sempre cito, para
justificar porque me arvoro no direito de dizer certa coisas. "El primer cuidao del hombre es
defender el pellejo; lleváte de mi consejo, fijáte bien en lo que hablo: el diablo sabe por diablo,
pêro más sabe por viejo. "50 ou simplesmente "O diabo tem mais de diabo por ser velho do que por
ser diabo.” Chamamos isso de a voz da experiência.
Os amautas - a comparação é com os sábios incas que amealhavam os conhecimentos
das gerações e com o seu ensino os perpetuavam - são muitas vezes os nossos vizinhos, desejosos
de uma prosa. Ficam orgulhosos quando podem contar para alguém, mais letrados que eles, seus
saberes. As vezes, é preciso procurá-los. Um lugar onde ainda estão muito presentes é nas feiras,
onde trazem o resultado de seu lavor, às vezes, secular, em outras situações, recém-descoberto. Aí
se comprazem, muitas vezes, no descrever as técnicas que usam nas suas produções. O pescador
solitário, que encontramos em silenciosas meditações, sabendo onde e quando deve jogar a tarrafa,
também tem saberes importantes. A lavadeira, que sabe escolher á água para os lavados, tem os
segredos para remover manchas mais renitentes ou conhece as melhores horas de sol para o coaro.
A parteira, que os anos tornaram doutora, conhece a influência da lua nos nascimentos e também o
chá que acalmará as cólicas do recém-nascido. A benzedeira não apenas faz rezas mágicas que
afastam o mau-olhado, ela conhece chás para curar o cobreiro, que o dermatologista diagnostica
como herpes-zoster. O explorador de águas, que indica o local propício para se abrir um poço ante o
vergar de sua forquilha de pessegueiro, tem conhecimentos de hidrologia que não podem ser
simplesmente rejeitados.
Quando essas pessoas passarem, há conhecimentos que passarão. E passarão

49 Aqui a metáfora é com o Index librorum prohibitorum ou catálogo dos livros proibidos pela Igreja, pois os saberes
não-avalizados pela Academia tem sua circulação desaconselhada
50 Neste texto há palavras em "argentino" e em "criollo" e não somente em espanhol de Espanha. Uma tradução livre
para o mesmo pode ser: O primeiro cuidado de um homem é defender a pele: usa de meu conselho. Presta bem
atenção no que falo: o diabo sabe por diabo, porém mais sabe por velho.
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irreversivelmente. Lembro de novo a situação da necessária reformatação de um winchester sem que


tenhamos uma cópia de seu conteúdo. Há os que sabem o quanto estas perdas são dolorosas e,
muitas vezes, irrecuperáveis. Uma vez mais, me permito recordar a metáfora: "Quando um velho
morre, é como uma biblioteca que se queima.” Talvez devesse acrescentar quando o velho deixa de
poder responder as nossas tentativas de diálogo. Lamentável e dolorosamente, há momentos nos
quais dizemos: "Agora, já não dá mais...”
Enumero, a seguir, como exemplos, algumas fontes onde podemos encontrar sábios
ensinando fora da sala de aula. Vale ouvi-los. São mestres quase em extinção, mas se comprazem
no seu ensinar. Talvez ouvi-los hoje seja imperativo; amanhã, poderá ser impossível [Escrevi esta
última frase quando, ao redigir os tópicos que estão abaixo, dei-me conta, então, de que usava, com
muita freqüência, saudosamente, e não sem dores, o tempo verbal no passado]:
- Produção e conservação de alimentos: os derivados da carne (charque, embutidos), da
mandioca (como são eliminados os produtos tóxicos presentes em certas variedades desta planta),
compotas e conservas etc. A produção doméstica de alimentos e, especialmente, as técnicas usadas
para a sua conservação são bons temas para investigações. Vale buscar relatos de conservação de
alimentos antes do advento da luz elétrica quando inexistiam refrigeradores e freezers. A produção
de pães e o uso de fermentos têm uma Ciência que não podemos ignorar. No capítulo Presenteísmo
é uma conspiração contra o passado que ameaça o futuro me detenho mais amplamente nos
trabalhos domésticos, especialmente sobre a cozinha dos anos 50. As cozinhas são os ancestrais de
nossos modernos laboratórios. Quanta Ciência se fez/se faz em nossas cozinhas!
- Lavação de roupa: muito associados aos conhecimentos referidos no item anterior, as
lavadeiras como as cozinheiras, são detentoras de muitos saberes. O alvejamento da roupa por
coaração, o uso do anil, a remoção de manchas (aqui há um número muito grande de práticas que
podem oferecer excelente material para discussões). O fabrico e uso de sabões são um tema muito
pródigo para os propósitos do tópico. O mesmo vale para as técnicas de amolecimento de água para
possibilitar o uso da mesma na lavação.
- Tinturarias: uma atividade doméstica (ou comercial, quando em microescala) que
envolve uma série de conhecimentos, as práticas de tingir roupas têm muitos saberes quase ligados a
tempos da alquimia. O preparo de corantes naturais a partir de madeiras, folhas c flores é tema
envolvente pela necessidade do artesão conhecer o equilíbrio ácido-base para definir tons de cores.
Aqui, também, é preciso conhecer características das águas usadas para a fervura, os mordentes
usados e as técnicas para as roupas não desbotarem.
- Derivados do leite: o fabrico (quase artesanal) de uma ampla variedades de queijos,
manteiga, quarks, iogurtes, oferece oportunidade para o aprender de uma série de conhecimentos
que só se ensinam formalmente em cursos de engenharia de alimentos. A produção do coalho e seu
uso exigem uma arte de quase peritos. Pode-se facilmente inferir o quanto este é um tema que,
particularmente, está muito presente no imaginário popular. Há um livro, instigante já no título: O
queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição,51 que narra
histórias apaixonantes sobre a Inquisição e sobre a cultura popular e erudita do século 16, através da
vida de Menocchio, um moleiro, que tem na experiência cotidiana do surgimento de vermes do
queijo putrefato a explicação do nascimento dos seres vivos, estabelecendo a partir daí uma muito
original cosmogonia. Já se podem deduzir das razões de Menocchio ter sido presa dos tribunais
inquisitoriais. Na sua proposta de explicação do surgimento de vida, não recorria à intervenção
divina. Lateralmente, quero, uma vez mais, recordar o quanto aprendemos em uma das mais
frutuosas atividades humanas: a leitura, mesmo aquela não necessariamente acadêmica.
- Fabrico de cervejas e refrigerantes: os conhecimentos no fabrico de cervejas e
refrigerantes gasosos foram, há um tempo, base da economia familiar. Só a técnica de controle da
fermentação e a arte de garantir um engarrafamento seguro (onde a pressão resultante de uma
fermentação controlada não estoure as garrafas) merecem considerações muito especiais. Produtores

51 Cario GINZBURG. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ISBN 85-85095-22-9
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domésticos transformaram-se em fabriquetas locais que, muitas vezes, se consagraram como


respeitadas cervejarias regionais que acabaram sendo tragadas por multinacionais. Há aqui
ensinamentos de resistências à avassaladora dominação de mercados pela; cartelização.
- Medicina caseira: muito provavelmente, não há área da sabedoria popular tão rica e
tão ameaçada como esta. A ameaça vem desde as acusações de exercício ilegal da medicina
(charlatanismo) até as pressões das multinacionais dos medicamentos, que buscam se apropriar do
patrimônio genético. Há, aqui, um número muito diversificado de indicações que podem ser
contempladas. As parteiras são detentoras de muitos conhecimentos que foram aproveitados pelas
escolas de medicina. Os conhecimentos das comadres que conhecem anticoncepcionais e remédios
abortivos merecem reservas pelo quanto podem ser também prejudiciais à saúde, mas se deve
reconhecer que há/houve práticas eficientes que são/foram, largamente usadas antes do advento da
pílula anticoncepcional, que só começou a ser usada nos anos sessenta. Também é preciso recordar
algumas práticas na previsão do sexo dos nascituros antes do advento da ecografia nos anos setenta.
Os "encanadores" ou "arrumadores" de ossos conhecem anatomia e ortopedia de fazer inveja.
Também antes do advento do Raio X (1895) havia conhecimento de técnicas de apalpação
facilitadoras de diagnósticos. Um bom exemplo é como a acupuntura se consagra em especialidade
médica. Aqui também vale uma referência à medicina praticada pelo homem do campo no
atendimento de partos e na cura de animais domésticos e rebanhos de gado.
- Odorização de ambientes: há aqui uma larga prática de uso de meios para tornar o
ambiente mais agradável. Em outro texto, Cubeiros - uma profissão que (felizmente) não existe
mais52 discuti isso mais amplamente. O uso de folhas e flores é uma prática de largo uso. Também a
desinfecção de latrinas reúne muitas práticas, entre as quais, por exemplo, está o uso do carbureto
de cálcio.
- Carvoaria: as diferentes práticas de carvoeiros mais extensamente comentadas no
capítulo anterior podem ser não apenas bons exemplos de como ocorrem e se transmitem certos
saberes, como também - o assunto parece ser excelente para isso - estes conhecimentos podem ser
levados para a sala de aula. Este tema recebeu comentários mais extensos no capítulo anterior.
- Ferraria: aqueles que tiveram o privilégio de conviver com os fazeres de uma ferraria
hão de convir que esta é (ou era) locus de vários saberes muito práticos. Nada parecia tão mágico
quanto ver um ferreiro moldar um ferro em brasa. E os saberes envolvidos num aparentemente
simples ferrar de um cavalo com uma ciência onde o não-mancar do animal era atestado de
capacidade do ferrador. Conhecimento de coeficientes de dilatação diferentes para o ferro e para a
madeira fazia com que os ferreiros construíssem aros onde não havia a necessidade de rebites para
sua fixação nas rodas. Lamentavelmente a tecnologia quase terminou com uma profissão que
detinha muito saber: o ferreiro.
- Fundição e metalurgia: dois assuntos que têm uma larga história, que remonta a
tempos quase imemoráveis, muito anterior àquela que os tornou ramos do conhecimento acadêmico,
colocando-os como áreas da engenharia. Se no item anterior referiu-se ao trabalho com o ferro,
podemos imaginar o quanto o trabalho com outros metais está muito presente nos fazeres populares.
Exemplifico com o trabalho em cobre, tão próximo de muitas nações indígenas pré-colombianas
(entre os incas haviam verdadeiros artistas na metalurgia e na ourivesaria), o lindo artesanato dos
povos do Magrebe53 ou as conhecidas habilidades no fabrico de utensílios metálicos de nossos tão
próximos e tão misteriosos ciganos.
- Funil/iria: o fabrico de calhas e algerozes é uma referência ao trabalho do funileiro.
Havia um outro que era o da fabricação de vasilhames de cozinha (canecas, bacias) e também de
utensílios como malas, cofres, baús. Nestes misteres havia necessidade de definições de volumes,
pois muitos dos utensílios produzidos destinavam-se a padrões para medidas volumétricas. Assim
fazer a aferição dos objetos era uma das artes dos funileiros.
52 Chassot, 1995.
53 Magrebe: nações muçulmanas situadas ao noroeste da África entre o Saara, c o Mediterrâneo (Marrocos. Argélia e
Tunísia).
70

-Artesanato em couro: um dos Iocus de muitos saberes que se inicia com a seleção e
depois com a etapa altamente rica em conhecimentos do curtimento do couro. A escolha de
tanantes54 naturais tem muita ciência. Hobsbawm (1998) tem um excelente capítulo sobre o ofício
de sapateiro, nos encantando com a descrição de algumas práticas que também estão em extinção.
Uma das cenas mais impactantes a que assisti foi quando assisti o trabalho dos curtidores de couro
em Marrocos. Há técnicas ainda em uso, especialmente aquelas de curtir e de colorir o couro, que
nos remetem a pelo menos dois mil anos antes do presente.
- Prevenção de insetos: há pesquisas que desenvolvem um altamente recomendável
controle biológico de insetos com predadores ou com o uso de certas flores de cheiro que repila
insetos. Aqui, como exemplificação, poderia se recordar o costume, aparentemente apenas com fins
estéticos, de plantar os medicinais gerânios nas floreiras junto a janelas. Muito provavelmente
emanações de gerânio55 repilam mosquitos e moscas. Há também o conhecimento da existência de
algumas variedades de flores com odores desagradáveis, como, por exemplo, os tagetes,56 que, ao
exalarem certos cheiros, afastam as mesquinhas que colocam larvas, e certos frutos, como o
pêssego, a ameixa; daí a recomendação de plantá-las junto aos pomares.
- Melhoramento genético animal e vegetal: esta é, muito provavelmente, uma das áreas
nas quais o saber popular foi mais dizimado, pois havia/há interesses econômicos para que os
mesmos desapareçam. Poderia elencar muitos exemplos, como a implantação das chamadas
sementes híbridas ou a situação similar das matrizes genéticas de aves domesticas ou de diferentes
variedades de gado. Quanta aprendizagem havia entre os colonos quando faziam, por exemplo, a
seleção e o cruzamento de sementes de milho: tudo isso foi perdido com a imposição do chamado
milho híbrido. Quantos estudos empíricos se fazia para determinar de qual galo se escolheria para
reprodutor e' que ovos se selecionariam para o choco; a dominação das chamadas galinhas de
aviário terminou com isso. O mesmo se poderia dizer de muitas outras espécies animais e vegetais.
Aqui também se podem adicionar os conhecimentos envolvidos, por exemplo, na área da zootecnia,
com a inseminação artificial.
- Polinização e enxertia: nestas duas áreas da produção, especialmente no campo da
fruticultura, há muitos conhecimentos envolvidos. Por exemplo, o uso de abelhas (há a prática de
apiários móveis para tal) para a polinização implica o conhecimento da fertilização e reprodução.
Na enxertia, um assunto que pode ser aproveitado é a produção de clones (ou a chamada clonagem
de vegetais), numa reprodução assexuada. Isso ocorre, por exemplo, na produção de mudas a partir
de folhas ou estacas, por exemplo na obtenção de novas mudas de violetas ou na plantação do
aipim.
- Floricultura e jardinagem: no item anterior se fez referência aos conhecimentos
genético de produção de variedades de flores. Aqui se poderiam acrescentar algumas observações
sobre práticas de largo uso destinadas à conservação de flores cortadas. Há ainda saberes
acumulados na busca de modificações de cores pela variação do pH do solo (no cultivo de
hortências que exigem solos leves, silicosos, desprovidos de calcário, e, onde em função do pH
destes, as várias espécies cultivadas produzem flores azuis, brancas ou rosadas) ou pela adição de
anilinas à água após o corte.
- Maturação e conservação de frutas: há saberes para a definição do grau de maturação
da fruta para decisões relativas à colheita, como também de avaliações das modificações dos teores
de açúcares em função das chuvas. A previsibilidade de uma boa safra de vinho, por exemplo, tem
muitos saberes envolvidos. Há inclusive conhecimentos de sustação temporária do processo de

54 Substâncias que possuem tanino: classe de substâncias adstringentes encontradas em certos vegetais por exemplo a
acácia negra, muito cultivada no Rio Grande do Sul, que dão coloração azul com sais de ferro, usadas no curtimento
de couros, e também como mordentes.
55 Geraniol é um álcool terpênico [fórmula: C10H18O.] encontrado em diversos óleos essenciais, com odor de rosas,
líquido, incolor.
56 Tagetes são ervas da família das compostas (Tagetes patula), originária do México, de folhas subdivididas em vários
segmentos, capítulos grandes e maciços, de cor amarela imensa, e odor forte e desagradável; cravo-de-defunto.
71

maturação e do acompanhamento desta depois da colheita. Há também práticas envolvendo a


conservação e limpeza de frutos.
- Meteorologia: talvez nesta área estejam os mais instigantes conhecimentos,
especialmente as previsões do tempo que são feitas, com base em dados empíricos que
surpreendem. Há aqui muitas vezes uma nítida confrontação entre o saber popular e aquele
respaldado pela Academia. Os instrumentos do meteorologista caboclo, muitas vezes melhor
sucedido que aqueles que lêem os mapas de satélites, vão desde a observação de dores em alguma
junta óssea, carreiros de formigas, a presença de certas aves arribação, o desenho feito por nuvens,
as cores do nascente e do poente, floradas ou brotações extemporâneas. Há, no Rio Grande do Sul,
um saber que diz que, quando os maricás57 florem antes da festa de São José (19 de março), o
inverno será precoce e intenso. Quantos anos de continuadas e transmitidas observações para se
permitir tal afirmação!
- Tecnologias alternativas: entre essas, além das antes referidas, podem ser
mencionadas as olarias e cerâmicas (aqui a escolha do barro requer muitos saberes), perfumarias e
saboarias e uma gama de chamadas indústrias de "fundo de quintal". Lutfi (1992) descreve com
muita propriedade as práticas de galvanoplastia e cromagem, mostrando inclusive as relações de
poder que se estabelecem com a produção social, a apropriação privada e a detenção do
conhecimento químico.
A leitora ou o leitor, talvez sem muito esforço, mas com um veio de antropólogo,
poderia ampliar esta lista. O importante é que procuremos esses ensinamentos, convencidos que
fora da sala de aula há verdadeiros sábios no ensinar (Ciências). Acreditemos também que há
aqueles que precisam ser ouvidos agora.

57 Maricá ou espinho-de-maricá é um arbusto de caule tortuoso, da família das leguminosas (Mimosa sepiaria), dotado
de propriedades melíferas, cujas flores são alvas, numerosas, dispostas em capítulos, e cujos frutos são vagens:
espinheira, espinho-de-cerca, espinho-roxo, maricá.
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5 - BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Previsões do tempo: ecossistema e tradição. Galante,
nº 14, vol. 2, Ago. 2002. Fundação Hélio Galvão, Natal, RN.
CHASSOT, Attico. Alquimiando a quimica. Química nova na escola, nº 1, maio de 1995.
CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí, UNIJUÍ,
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DANTES, Maria Amélia M. A implantação das ciências no Brasil - um debate historiográfico.
In Alves, José Jerônimo A. Múltiplas faces da história das ciências na Amazônia. Belém, UFPA,
2005
D'AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo, Ática, 1993.
KNELLER, George F. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro/São Paulo,
ZAHAR/EDUSP, 1980.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Zahar, 1994.
LUDKE, Menga e André, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo,
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