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Universidade de Brasília
1
In O mito de Sísifo, páginas 56 e 57.
2
Ibdem.
O Pensamento em imagens
Tendo tais finalidades me mente, gostaria de definir então o que Camus chama
de um “pensamento em imagens”. Para tanto, devemos ressaltar que a abordagem
também aqui desenvolvida é adequada à própria postura do autor que, mesmo em seus
ensaios filosóficos (ele também é conhecido por seus romances), tem um modo de
exposição onde seus conceitos não são definidos claramente em parte alguma, mas
desenvolvem-se em uma narrativa construída, justamente, através de imagens.
3
Ainda sobre a fenomenologia Camus afirma nas páginas 56 e 57 de O mito de Sísifo: “Coincide com o
pensamento absurdo na sua afirmação inicial de que não existe verdade, só existem verdades.”
4
In “Phenomenology and the Theory of Cognition” de Selected Essays (1973), página 137.
fluidas e adaptáveis aos diversos contextos narrativos. Isso, antes de uma questão de
estilo, é uma escolha que reflete uma desconfiança à facilidade das definições claras,
bem delineadas. Essa desconfiança parte do pressuposto de que o mundo de fato é de
uma constituição complexa5 - uma diversidade inesgotável, o que resulta em certa
impotência do intelecto. Portanto, esse cuidado estilístico reflete o rigor de um
pensamento que tenta capacitar sua forma em acordo com a altura da complexidade do
objeto que ele pretende retratar.
Essa diversidade é, como diz o próprio Camus, “o lugar da arte” 6. Podemos ver
então como e porque Camus escolhe dedicar-se à Literatura. As obras ficcionais:
romances, crônicas, peças, contos e outros são obras ricas em descrições de situações,
cenários, personagens, sentimentos. Além disso, podemos até assumir certo grau de
pretensão verdade nesses relatos, mas a própria estrutura do relato ficcional é desde o
princípio aberta, passível de uma interpretação, mesmo tendo em vista que o “romance
tem sua lógica, seus raciocínios, sua intuição e seus postulados”. Nesse sentido, um
ponto importante que gostaria de colocar em evidência é que Camus se aproveitou ao
máximo desse aspecto não objetivo da arte para usar suas narrativas ficcionais como
geradoras de tensão em seu pensamento.
Assim vemos ser falsa a tese geralmente aceita de que seus ensaios filosóficos
seriam explicações de uma mensagem que os romances pretenderiam passar. Esse
projeto, teorizado e praticado por Sartre7, é positivamente rejeitado por Camus. No
entanto, como figura de grande influência no circulo literário da época, Sartre acaba por
tornar-se uma referência na crítica literária, sobretudo com a ideia de “art engagé”.
Podemos observar, no entanto, que esse referencial não é valido na avaliação da obra
camusiana, não apenas pela sua rejeição da concepção de engajamento literário
sartreano, mas também porque Camus, em forte contraste com Sartre, tem nas obras um
momento não apenas de afirmação, mas de crítica de suas ideias. A concepção que
Camus faz de sua obra literária não deixa outra opção: ela deve operar em um
movimento que afirma ao mesmo tempo em que recusa. Como afirma Lissa Licoln:
5
In O Mito de Sísifo, página 132.
6
Ibidem.
7
Em Qu’est-ce que la littérature?
“Camus, longe de defender esse ou aquele sistema de valor, utiliza o material literário
para colocar esses sistemas em tensão.” 8
8
No artigo “L’éthique de l’artiste révolté”, tradução minha.
9
Prefácio de O Avesso e o Direito, página 34. Pretensão também expressa no último parágrafo do
capítulo “Criação sem amanhã”, na página 133 in O Mito de Sísifo. Paragrafo esse, inclusive, que elucida
seu entendimento peculiar do que seja mito: apesar da construção de imagens que muita vezes se serve
de figuras divinas, tem por objetivo ilustrar apenas a experiência humana e sua “paixão sem amanhã”.
10
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Página 216
11
Gide é citado com frequência por Camus, mais informações a respeito no artigo “André Gide et Albert
Camus: rencontres” de Raymond Gay-Crosier.
12
BLANCHOT, Maurice. “Os romances de Sartre” in A parte do fogo. Página 234.
Bibliografia
CAMUS, Albert. L’étranger. Coleção Folio. Paris, Editora Gallimard, 1942.