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02/09/2020 SEI/CLDF - 0194701 - Ofício

CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL


PROCURADORIA ESPECIAL DA MULHER

OFÍCIO Nº 16/2020-PEM
Brasília, 02 de setembro de 2020.
Ao Senhor
Presidente FELIPE DE SANTA CRUZ OLIVEIRA SCALETSKY
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB
Brasília - DF

Assunto: Condenação do advogado Roberto de Figueiredo Caldas e providências


administrativas.

Senhor Presidente,

Na data de 1º de setembro de 2020, a imprensa do Distrito Federal e nacional noticiaram a


condenação do advogado Roberto de Figueiredo Caldas por crimes e contravenção penal relacionada
à violência doméstica. Reportagens anexadas.
A ação penal tramitou sob o número 2018.01.1.017261-9, junto ao 1º Juizado de Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Brasília. A sentença penal condenatória segue anexada.
A magistrada prolatora da sentença destacou a farta prova contra o advogado Roberto de
Figueiredo Caldas, conforme se vê na seguinte reprodução gráfica:

Disse a Juíza: “compulsando os autos, verifica-se que os indícios acerca da materialidade e


autoria do delito descrito na denúncia, apresentados na fase inquisitorial, foram devidamente confirmados
em juízo, mediante o contraditório[1]”.

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A vítima relatou e a Juíza atestou a veracidade do relato, que Roberto de Figueiredo Caldas,
durante 13 anos, agrediu física, verbal e moralmente sua então companheira Michella Marys Santana
Pereira.
Os relatos constantes dos autos são contundentes e chocantes, porque aviltam a dignidade de
todas as mulheres. A gravidade dos fatos é impressionante. A Magistrada afirma que “o depoimento de
Michella, além de firme e coerente, está em total consonância com a robusta prova dos autos, não
deixando dúvidas quanto à dinâmica dos fatos e à prática dos delitos pelo acusado[2]”.
Ao dosar a pena, a conceituada Juíza afirmou que a “culpabilidade, a censurabilidade da
conduta do réu atingiu um grau de reprovabilidade superior àquela comum ao tipo em razão do cargo
que ocupava à época dos fatos, presidente da corte interamericana de direitos humanos, sendo exigível
que tivesse comportamento completamente diverso, respeitando o bem jurídico tutelado[3]”.
A conduta de Roberto de Figueiredo Caldas, uma vez confirmada em trânsito julgado, será
lamentável para a advocacia, máxime por se tratar de um advogado internacionalmente conhecido. A
indicação feita de um violento e irascível agressor de mulher terá sido um enorme equívoco,
especialmente para uma corte internacional de direitos humanos, pois, ao mesmo tempo que proferia
discursos contra a violência doméstica, submetia à própria esposa à tratamento cruel e desumano.
A Ordem dos Advogados do Brasil precisa, urgentemente, instaurar processo administrativo
disciplinar contra o agressor e, cautelarmente, suspender Roberto de Figueiredo Caldas do direito de
exercer a advocacia. A solução aqui propugnada ecoará na comunidade nacional a mensagem clara de
que a Ordem dos Advogados do Brasil não compactua com a violência doméstica.
Em data recente, a Comissão Nacional da Mulher Advogada, em caso envolvendo o então
Presidente da OAB, seccional do Mato Grosso, Leonardo Pio da Silva Campos, recomendou a
suspensão cautelar do causídico após se tornarem públicas acusações de violência doméstica.
Destaca-se do mencionado parecer, que segue anexo, os seguintes trechos:

Tais fatos (violência doméstica) impactam diretamente na temática da idoneidade moral,


como requisito para ingresso e exercício da advocacia, a teor do disposto nos art. 8º,
Inc. VI, § 3º e artigo 34, inciso XXVII, todos da Lei 8906/94 – Estatuto da Advocacia e da
OAB.
A idoneidade moral pode ser definida como o conjunto de qualidades que recomendam o
indivíduo à consideração pública, com atributos como honra, respeitabilidade, seriedade,
dignidade e bons costumes. A idoneidade significa a qualidade de boa reputação, do bom
conceito que se tem de uma pessoa no meio social em que está inserida.
Em 21 de março de 2019 foi publicada no Diário Eletrônico do Conselho Federal da OAB a
Súmula n. 9/2019 do Conselho Pleno Federal, que estabelece como conduta de
inidoneidade moral a violência contra mulheres, caracterizando impedimento de inscrição
nos quadros da OAB.
A Súmula n. 9/2019 define que “a prática de violência contra a mulher, assim definida na
‘Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de
bacharel em Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado
ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto”.

Temos aqui mais do que uma mera acusação, mas condenação penal, que, ainda que passível de
recurso, traz alto grau de certeza quanto à prática da violência.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme salientado no Parecer adrede
mencionado, no julgamento que originou a Súmula 9/2019, estabeleceu que:

Como bem destacado na petição que deu início ao presente procedimento, a violência de
gênero deve ser alvo de atenção e reação de toda a sociedade. Não se pode aceitar tantas
e frequentes formas de violência. Não me refiro aqui apenas àquelas que retiram a vida ou
deixam marcas externas, mas também àquelas que, mesmo silenciosas, retiram o que mais
nobre há de ser preservado no ser humano: a dignidade.

Não há dúvida de que Roberto de Figueiredo Caldas, na condição de advogado, e, à época,


Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tinha o dever legal e moral de proteger os

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direitos humanos. O Brasil, perante toda a comunidade internacional, foi frontalmente humilhado e
escarnecido.
A prática de violência doméstica implica em inidoneidade para o ingresso e para o exercício
profissional, caracterizando, em tese, infração disciplinar insculpida no inc. XXVII do art. 34 da Lei
8.906/94 - EOAB, para a qual está prevista a pena de exclusão, na forma do art. 38, inc. II da Lei
8.906/94 - EOAB, obviamente atendidas as garantias do contraditório, da ampla defesa, bem como do
quórum qualificado para julgamento do pleito.
E, diante da profusão das provas, do escândalo público, do vexame internacional imposto ao país,
é possível e necessário a adoção de medida cautelar de suspensão, na forma do artigo 70, § 3º do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, verbis:

Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao


Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for
cometida perante o Conselho Federal.
§ 3º O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscrição principal
pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão prejudicial à dignidade da
advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a
comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser
concluído no prazo máximo de noventa dias.

Cabe, pois, a Ordem dos Advogados do Brasil, através da Comissão Nacional da Mulher e da
Seccional do Distrito Federal, esclarecerem se coadunam ou não com os atos praticados por Roberto de
Figueiredo Caldas, amplamente noticiados pela imprensa local e nacional.
Assim, a par de Vos cumprimentar, se requerer a adoção das providências pertinentes.

Atenciosamente,
Deputada Distrital JÚLIA LUCY
Procuradora Especial da Mulher da Câmara Legislativa do Distrito Federal

[1] Página 2137.

[2] Página 2133.

[3] Página 2188.

Documento assinado eletronicamente por JULIA LUCY MARQUES ARAUJO - Matr.


00153, Procuradora Especial da Mulher, em 02/09/2020, às 17:35, conforme Art. 22,
do Ato do Vice-Presidente n° 08, de 2019, publicado no Diário da Câmara Legislativa do
Distrito Federal nº 214, de 14 de outubro de 2019.

A autenticidade do documento pode ser conferida no site:


http://sei.cl.df.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0
Código Verificador: 0194701 Código CRC: 6055C38F.

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