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SOUZA, R.C., Et Al Escuta Terap Utica PDF
SOUZA, R.C., Et Al Escuta Terap Utica PDF
ESCUTA TERAPÊUTIC
SCUTA A:
ERAPÊUTICA
INSTRUMENTO ESSENCIAL
DO CUIDADO EM ENFERMAGEM
THERAPEUTIC LISTENING: AN ESSENTIAL
INSTRUMENT IN NURSING CARE
RESUMO: A comunicação é um processo que se realiza nas interações humanas, no qual partilham-se
e compreendem-se idéias, podendo ser um recurso valoroso na relação de ajuda. Nesse processo,
alguns instrumentos como a escuta e a observação são fundamentais, principalmente porque a escuta é
uma habilidade de auto e hetero-compreensão. Os autores objetivaram investigar, através da literatura,
um meio de aprofundar conhecimentos sobre a importância e a aplicabilidade desse recurso na saúde
mental. Descreveram, entre outros aspectos, um histórico apresentando os principais autores que
introduziram o conceito de escuta nos modelos de assistência psiquiátrica, formas de compreendê-la,
sua finalidade, condições favoráveis à sua promoção e as conseqüências da não-escuta. Dessa maneira,
este estudo poderá contribuir para a valorização e utilização da escuta no cuidado de enfermagem.
Palavras-chave: Comunicação; escuta terapêutica; relacionamento interpessoal; saúde mental.
ABSTRACT
ABSTRACT:: Communication is a process that takes place in human interaction and in which ideas are
shared and understood; therefore, it can be a valuable resource in a helping relationship. In this process,
some instruments such as listening and observation are fundamental, especially because listening is a
self- and interpersonal- understanding skill. The authors of this work aimed at investigating, through the
literature, a means to deepen knowledge concerning the importance and applicability of this resource in
mental health. They describe, among others aspects, a history introducing the main authors that introduced
the concept of listening in psychiatric care models, ways to understand it, its purpose, favorable conditions
to its promotion and the consequences of non-listening. In this way, this study can contribute to the
valorization and use of therapeutic listening in the nursing care.
Keywords: Communication; therapeutic listening; interpersonal relationship; mental health.
I NTRODUÇÃO
N a arte de cuidar do outro, neste início de Nesse sentido, algumas habilidades
milênio, vivenciamos momentos especiais de interpessoais necessitam ser desenvolvidas, entre as
reflexão sobre a natureza das relações humanas, na quais a escuta, que é considerada um instrumento
tentativa de destacar a relevância sobre a forma como indispensável à relação de ajuda.
se estabelece a relação profissional-cliente. A utilização da escuta como um instrumento
No campo da saúde mental, observamos que a terapêutico foi iniciada por Freud, no século XIX1.
assistência às pessoas portadoras de transtornos Em seu Modelo Psicodinâmico, o tratamento
mentais, desde os tempos mais primitivos, vem funciona como um invólucro dentro do qual o
sofrendo transformações, entretanto, qualquer que paciente pode se revelar, examinar eventos
seja a forma de tratamento que adotemos, fica visível traumáticos e identificar comportamentos
que na relação com o cliente deve haver uma melhor inadequados, através da escuta do terapeuta. No
comunicação, através de uma linguagem comum entanto, cabe a este último interpretar sua situação
entre profissionais que se aceitem como pessoas, e impor uma direção para solução de seus problemas2.
cuidando de pessoas, a fim de promoverem uma A partir do Modelo Centrado na Pessoa,
assistência mais humanizada. desenvolvido por Carl Rogers, outro sentido é dado
para a escuta, cuja utilização passa a valorizar a pessoa instrumento essencial para compreensão do outro, é
como sujeito que busca e é capaz de se desenvolver. uma atitude positiva de calor, interesse e respeito,
Nessa interação, o terapeuta intervém apenas para sendo, portanto, terapêutica.
aumentar a informação do paciente sobre a sua Por outro lado, outros autores, ao abordarem a
própria atividade mental2, para ajudá-lo a se questão da escuta, chamam a atenção para a
expressar de tal forma que consiga compreender a si diferença que há entre escutar e ouvir. Para
mesmo e a identificar o que é melhor para si. Travelbee4, escutar é mais que ouvir, é comprometer-
No contexto da reforma da atenção se totalmente com o outro. Segundo a autora,
psiquiátrica, a escuta sobressai como uma das podemos ouvir uma mensagem, o que não quer dizer
habilidades interpessoais a serem aprendidas por escutá-la realmente, pois podemos não extrair dela
todos os profissionais de saúde. Reconhece-se que a qualquer significado e não utilizar o encontro como
comunicação consigo mesmo é o caminho mais um meio de comunicação com outro ser humano.
apropriado que a pessoa possui para se reajustar3, e Hirdes (p.163) 10 afirma que “no escutar
isso só é possível através da escuta. colocamo-nos no espaço objetivo externo e no
Assim sendo, buscamos, neste estudo, espaço subjetivo interno do outro, através de uma
investigar esse instrumento, aprofundando participação, de um compartilhar do vivido”,
conhecimentos acerca de sua importância e diferentemente de ouvir, que é apenas a constatação
aplicabilidade em saúde mental, a partir da literatura de algo através do sistema auditivo, ou seja, “uma
que aborda tal temática. ação fisiológica que demanda uma constituição
Adotamos como referencial teórico o Modelo neurológica”.
Centrado na Pessoa, cuja ênfase terapêutica é dada Benjamim (p.68)9 descreve: “ouvimos com
ao tipo de comunicação e interação desenvolvidas, nossos ouvidos, mas escutamos também com nossos
incluindo a percepção e a escuta como elementos olhos, coração, mente e vísceras”. Assim, uma pessoa
indispensáveis para a ajuda. que escuta constata um fenômeno não somente
Este estudo também encontra embasamento através da estimulação do sistema auditivo, mas pela
teórico nas teorias desenvolvidas por Travelbee4 e apreensão do conjunto de suas percepções externas
Stefanelli5 que enfocam o potencial terapêutico do e internas. Escutar é, portanto, um processo ativo e
relacionamento e da comunicação para a assistência voluntário11.
de enfermagem, apontando a escuta, ouvir A partir desses conceitos, evidenciamos a
reflexivamente, como um recurso valioso para o diferença entre o sentido dos termos escutar e ouvir,
efetivo desempenho dessa assistência. no entanto, percebemos que, para os autores aqui
O objetivo deste trabalho é elaborar um estudo citados, que utilizam um ou outro termo nos seus
teórico sobre a escuta terapêutica, pontuando sua trabalhos sobre interação humana, o propósito é o
importância, aplicabilidade e contribuição para a de buscar a compreensão do outro, para ajudá-lo,
prática de enfermagem e de saúde mental. conscientemente.
Dessa maneira, destacamos dois atributos da
escuta: a compreensão e a ajuda. O primeiro já inclui
COMPREENSÕES DA ESCUTA
SCUTA uma ação de ajuda, pois a maneira mais significativa
de compreender o outro, apontada por Benjamim9 e
Buscando compreender o significado da implícita pelos outros autores, é aquela realizada com
palavra escuta, encontramos que ela deriva do verbo uma outra pessoa, na qual deixamos de lado tudo,
“escutar, do latim auscultare, que quer dizer tornar- menos o senso de humanidade, e através dele
se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos a aplicar o tentamos compreender com a outra pessoa como ela
ouvido com atenção para perceber ou ouvir e ouvir”, pensa, sente e vê o mundo ao seu redor. Somente
conforme Ferreira (p.693)6. dessa maneira poderemos ajudá-la através da escuta.
Alguns autores também utilizam as expressões A ajuda, por sua vez, pode ser promovida apenas
escutar e ouvir como sinônimos. Para Pagés 7 e pela escuta. Miranda e Miranda12 afirmam que,
Tahka8, escutar é uma atitude ativa, ou seja, dinâmica, muitas vezes, a pessoa necessita apenas ser escutada
que exprime esforço para compreender a significação para que ordene e organize sua própria experiência,
do que é dito, incluindo continuadas identificações e mesmo que a solução para seus problemas pareça
ou tentativas de identificações com a pessoa e com distante ou até impossível, o mero falar traz um alívio
sua situação. Segundo Benjamim9, ouvir é um imediato para ela. Para ilustrar, os autores citam a
que a pessoa ainda não entendeu; poderá adquirir identificar e compreender aspectos culturais da fala
insights sobre a situação do outro que talvez ele precise do outro, evitando julgamentos e confusão desses
saber, para mudar. Por outro lado, como aponta aspectos com os relacionados à sua doença12,16.
Rogers15, se ele se deprime com a depressão do outro - Fazer-se presente por meio do silêncio - o silêncio
(identificação), não poderá ajudá-lo. O terapeuta deve pode ter diferentes sentidos. Aqui nos referimos
existir independentemente do outro, não se deixando àquele que demonstra respeito, atenção e interesse
perder, ser destruído, escravizado ou absorvido pelos pelo outro. O silêncio que permite a verbalização
seus sentimentos2. De modo que, se o terapeuta do outro, a compreensão e o estabelecimento de
enfrenta dificuldades e angústias, precisa ouvir a si uma relação de confiança9,10.
próprio ou até mesmo ser escutado por alguém, e
dependendo da sua situação, não poderá oferecer
ajuda, num dado momento, devendo ser sincero com C ONDIÇÕES E XTERNAS AO
quem interage. Ressaltamos, ainda, a importância de T ERAPEUTA
ERAPEUTA
a pessoa ajudada não perceber nenhuma mensagem
contraditória por detrás das palavras do terapeuta, pois Reservar tempo suficiente para a escuta - uma
isso favorecerá o aprendizado de escutar maneira de exercitar tal condição é estabelecer
genuinamente a si própria, sem censura. um contrato com a pessoa, tão logo haja o interesse
- Interessar-se pelo outro - um profissional que não tenha e disponibilidade para ajudá-la, e deixar claro quanto
esse interesse, não escutará alguém que precise de sua tempo e em que dias da semana poderá escutá-la8.
ajuda. O interesse pelo outro é que motivará o - Manter a privacidade sem interrupções - dificilmente,
profissional a escutar a pessoa e a se esforçar por uma pessoa consegue expressar, em profundidade, sua
compreendê-la. Para Tahka (p.63)8, “um médico que situação, se é interrompido a todo o instante ou,
não possua esse interesse fará melhor em procurar, nas dependendo do problema, se está em presença de
disciplinas médicas, uma carreira que envolva pouca pessoas estranhas. Por isso, o momento dedicado à
ou, preferivelmente, nenhuma interação com os escuta deve ser respeitado e, para que não haja
pacientes”. Essa compreensão deve ser estendida a todos interrupções, é necessário um espaço destinado a esse
os profissionais que lidem com pessoas, embora fim. Eis algumas sugestões para a manutenção da
reconheçamos a inexistência de alguma disciplina no privacidade: avisar às demais pessoas do serviço para
campo da saúde que torne nula a interação com o não interromper; pôr um aviso na porta da sala;
sujeitos. manter a porta fechada; desligar aparelhos de
- Estar disposto e motivado para escutar - para aprender a telefonia celular e outros; utilizar o biombo8,12.
escutar e a praticar a escuta é preciso dispor-se e se - Preparar o ambiente para a escuta - o ambiente precisa
motivar para isso, estando consciente da importância ser acolhedor e tranqüilo, devendo-se evitar
que a escuta tem para o outro e para si.8,11 temperaturas muito altas ou baixas, estímulos visuais
-Estarnomundodossentimentosedasconcepçõespessoais e ruídos12.
do outro e vê-los como ele os vê – ser empático - isso
significa que o terapeuta entrará no mundo dos O QUE ESCUTAR
SCUTAR
sentimentos e concepções pessoais do outro, sem fazer
apreciações e julgamentos prévios do seu ponto de vista.
Ele compreenderá o que o outro expressa, alcançando
Benjamim9 descreve que, durante a escuta,
devemos estar atentos para o seguinte: o que o
os significados que ele dá, entendendo a realidade como entrevistado pensa e como se sente em relação a si
ele a entende, sem, no entanto, como já referimos, mesmo; como ele se percebe; o que ele sente e pensa
perder a sua própria identidade2,10. sobre os outros em seu mundo, especialmente aqueles
- Ter boa capacidade auditiva - essa é uma condição que lhe são importantes; o que pensa e sente em relação
biológica necessária ao terapeuta e à pessoa ajudada. às pessoas em geral; como percebe os outros relacionados
No entanto, alguma dificuldade auditiva pode ser consigo; o que, em sua opinião, os outros pensam e
superada por meio de elementos como a paciência, o sentem em relação a ele, especialmente aqueles que são
interesse e o afeto12. mais importantes em sua vida; como percebe o assunto
- Compreender as questões culturais - eis uma condição que ele e o entrevistador, ou ambos, desejam discutir; o
fundamental para a escuta. O uso de linguagem que pensa e como se sente em relação à problemática
inacessível ao ajudado constitui-se em barreira para a em que está envolvido; quais são suas aspirações,
comunicação. Uma linguagem clara permitirá ambições e objetivos; que mecanismos de
Notas
*
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Universidade Estadual de Santa Cruz
**
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Universidade Estadual do Pará
***
Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas/ RS.