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Escuta terapêutica: instrumento

ESCUTA TERAPÊUTIC
SCUTA A:
ERAPÊUTICA
INSTRUMENTO ESSENCIAL
DO CUIDADO EM ENFERMAGEM
THERAPEUTIC LISTENING: AN ESSENTIAL
INSTRUMENT IN NURSING CARE

Rozemere Cardoso de Souza*


Maria Auxiliadora Pereira**
Luciane Prado Kantorski***

RESUMO: A comunicação é um processo que se realiza nas interações humanas, no qual partilham-se
e compreendem-se idéias, podendo ser um recurso valoroso na relação de ajuda. Nesse processo,
alguns instrumentos como a escuta e a observação são fundamentais, principalmente porque a escuta é
uma habilidade de auto e hetero-compreensão. Os autores objetivaram investigar, através da literatura,
um meio de aprofundar conhecimentos sobre a importância e a aplicabilidade desse recurso na saúde
mental. Descreveram, entre outros aspectos, um histórico apresentando os principais autores que
introduziram o conceito de escuta nos modelos de assistência psiquiátrica, formas de compreendê-la,
sua finalidade, condições favoráveis à sua promoção e as conseqüências da não-escuta. Dessa maneira,
este estudo poderá contribuir para a valorização e utilização da escuta no cuidado de enfermagem.
Palavras-chave: Comunicação; escuta terapêutica; relacionamento interpessoal; saúde mental.

ABSTRACT
ABSTRACT:: Communication is a process that takes place in human interaction and in which ideas are
shared and understood; therefore, it can be a valuable resource in a helping relationship. In this process,
some instruments such as listening and observation are fundamental, especially because listening is a
self- and interpersonal- understanding skill. The authors of this work aimed at investigating, through the
literature, a means to deepen knowledge concerning the importance and applicability of this resource in
mental health. They describe, among others aspects, a history introducing the main authors that introduced
the concept of listening in psychiatric care models, ways to understand it, its purpose, favorable conditions
to its promotion and the consequences of non-listening. In this way, this study can contribute to the
valorization and use of therapeutic listening in the nursing care.
Keywords: Communication; therapeutic listening; interpersonal relationship; mental health.

I NTRODUÇÃO
N a arte de cuidar do outro, neste início de Nesse sentido, algumas habilidades
milênio, vivenciamos momentos especiais de interpessoais necessitam ser desenvolvidas, entre as
reflexão sobre a natureza das relações humanas, na quais a escuta, que é considerada um instrumento
tentativa de destacar a relevância sobre a forma como indispensável à relação de ajuda.
se estabelece a relação profissional-cliente. A utilização da escuta como um instrumento
No campo da saúde mental, observamos que a terapêutico foi iniciada por Freud, no século XIX1.
assistência às pessoas portadoras de transtornos Em seu Modelo Psicodinâmico, o tratamento
mentais, desde os tempos mais primitivos, vem funciona como um invólucro dentro do qual o
sofrendo transformações, entretanto, qualquer que paciente pode se revelar, examinar eventos
seja a forma de tratamento que adotemos, fica visível traumáticos e identificar comportamentos
que na relação com o cliente deve haver uma melhor inadequados, através da escuta do terapeuta. No
comunicação, através de uma linguagem comum entanto, cabe a este último interpretar sua situação
entre profissionais que se aceitem como pessoas, e impor uma direção para solução de seus problemas2.
cuidando de pessoas, a fim de promoverem uma A partir do Modelo Centrado na Pessoa,
assistência mais humanizada. desenvolvido por Carl Rogers, outro sentido é dado

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Souza RC, Pereira MA, Kantorski LP

para a escuta, cuja utilização passa a valorizar a pessoa instrumento essencial para compreensão do outro, é
como sujeito que busca e é capaz de se desenvolver. uma atitude positiva de calor, interesse e respeito,
Nessa interação, o terapeuta intervém apenas para sendo, portanto, terapêutica.
aumentar a informação do paciente sobre a sua Por outro lado, outros autores, ao abordarem a
própria atividade mental2, para ajudá-lo a se questão da escuta, chamam a atenção para a
expressar de tal forma que consiga compreender a si diferença que há entre escutar e ouvir. Para
mesmo e a identificar o que é melhor para si. Travelbee4, escutar é mais que ouvir, é comprometer-
No contexto da reforma da atenção se totalmente com o outro. Segundo a autora,
psiquiátrica, a escuta sobressai como uma das podemos ouvir uma mensagem, o que não quer dizer
habilidades interpessoais a serem aprendidas por escutá-la realmente, pois podemos não extrair dela
todos os profissionais de saúde. Reconhece-se que a qualquer significado e não utilizar o encontro como
comunicação consigo mesmo é o caminho mais um meio de comunicação com outro ser humano.
apropriado que a pessoa possui para se reajustar3, e Hirdes (p.163) 10 afirma que “no escutar
isso só é possível através da escuta. colocamo-nos no espaço objetivo externo e no
Assim sendo, buscamos, neste estudo, espaço subjetivo interno do outro, através de uma
investigar esse instrumento, aprofundando participação, de um compartilhar do vivido”,
conhecimentos acerca de sua importância e diferentemente de ouvir, que é apenas a constatação
aplicabilidade em saúde mental, a partir da literatura de algo através do sistema auditivo, ou seja, “uma
que aborda tal temática. ação fisiológica que demanda uma constituição
Adotamos como referencial teórico o Modelo neurológica”.
Centrado na Pessoa, cuja ênfase terapêutica é dada Benjamim (p.68)9 descreve: “ouvimos com
ao tipo de comunicação e interação desenvolvidas, nossos ouvidos, mas escutamos também com nossos
incluindo a percepção e a escuta como elementos olhos, coração, mente e vísceras”. Assim, uma pessoa
indispensáveis para a ajuda. que escuta constata um fenômeno não somente
Este estudo também encontra embasamento através da estimulação do sistema auditivo, mas pela
teórico nas teorias desenvolvidas por Travelbee4 e apreensão do conjunto de suas percepções externas
Stefanelli5 que enfocam o potencial terapêutico do e internas. Escutar é, portanto, um processo ativo e
relacionamento e da comunicação para a assistência voluntário11.
de enfermagem, apontando a escuta, ouvir A partir desses conceitos, evidenciamos a
reflexivamente, como um recurso valioso para o diferença entre o sentido dos termos escutar e ouvir,
efetivo desempenho dessa assistência. no entanto, percebemos que, para os autores aqui
O objetivo deste trabalho é elaborar um estudo citados, que utilizam um ou outro termo nos seus
teórico sobre a escuta terapêutica, pontuando sua trabalhos sobre interação humana, o propósito é o
importância, aplicabilidade e contribuição para a de buscar a compreensão do outro, para ajudá-lo,
prática de enfermagem e de saúde mental. conscientemente.
Dessa maneira, destacamos dois atributos da
escuta: a compreensão e a ajuda. O primeiro já inclui
COMPREENSÕES DA ESCUTA
SCUTA uma ação de ajuda, pois a maneira mais significativa
de compreender o outro, apontada por Benjamim9 e
Buscando compreender o significado da implícita pelos outros autores, é aquela realizada com
palavra escuta, encontramos que ela deriva do verbo uma outra pessoa, na qual deixamos de lado tudo,
“escutar, do latim auscultare, que quer dizer tornar- menos o senso de humanidade, e através dele
se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos a aplicar o tentamos compreender com a outra pessoa como ela
ouvido com atenção para perceber ou ouvir e ouvir”, pensa, sente e vê o mundo ao seu redor. Somente
conforme Ferreira (p.693)6. dessa maneira poderemos ajudá-la através da escuta.
Alguns autores também utilizam as expressões A ajuda, por sua vez, pode ser promovida apenas
escutar e ouvir como sinônimos. Para Pagés 7 e pela escuta. Miranda e Miranda12 afirmam que,
Tahka8, escutar é uma atitude ativa, ou seja, dinâmica, muitas vezes, a pessoa necessita apenas ser escutada
que exprime esforço para compreender a significação para que ordene e organize sua própria experiência,
do que é dito, incluindo continuadas identificações e mesmo que a solução para seus problemas pareça
ou tentativas de identificações com a pessoa e com distante ou até impossível, o mero falar traz um alívio
sua situação. Segundo Benjamim9, ouvir é um imediato para ela. Para ilustrar, os autores citam a

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Escuta terapêutica: instrumento

imagem de um reservatório preste a se romper pelo FINALIDADES DA ESCUT


INALIDADES A
SCUTA
acúmulo de água represada. Se permitirmos que essa
água se escoe por uma pequena brecha, haverá um
T ERAPÊUTICA
alívio e o reservatório não mais se romperá. Quando
uma pessoa sobrecarregada de emoções se expressa,
C ompreender o outro 9,
7
possibilitando
comunicar-se consigo mesmo . Enquanto se expressa,
encontra alívio, e a escuta é que proporciona esse
a pessoa pode escutar a si mesma e elaborar sua situação
alívio, impedindo que ela se desestruture por
de maneira a visualizar escapes; obter informações
experimentar um nível de tensão acima de seu limite,
necessárias à complementação do exame físico e
por não ter com quem dividir o peso.
diagnóstico da doença, além de planejar e efetivar os
Além dos termos escutar e ouvir, outras procedimentos terapêuticos que melhor a ajudarão8.
expressões foram empregadas na literatura, abarcando Tais procedimentos são também planejados de modo
a compreensão aqui descrita, são elas: escuta ativa7,13, eficaz e realista, a partir da identificação das emoções,
escuta integral ou atenta11, ouvir reflexivamente5, necessidades e problemas da pessoa escutada,
escuta compreensiva14, escuta terapêutica10. favorecendo, assim, um impacto positivo na
Considerando os atributos identificados para a assistência que lhe é prestada; manifestar-lhe que é
escuta e sua inserção nos processos de comunicação e uma pessoa importante para o terapeuta11, pois este
interação terapêuticos, optamos por utilizar, neste lhe dedicará atenção necessária à implementação da
trabalho, a expressão escuta terapêutica. ajuda; aliviar tensões; promover que o escutado
aprenda também a escutar outras pessoas4.
JUSTIFICATIV
USTIFICA A/RELEVÂNCIA
TIVA DA Para alcance dessas finalidades e realização da
escuta terapêutica, algumas condições são necessárias
ESCUT
SCUTAA TERAPÊUTIC A
ERAPÊUTICA
ou até mesmo indispensáveis. Essas condições
A escutaterapêutica justifica-se, primariamente, referem-se a fatores internos e externos ao terapeuta,
pela necessidade que toda pessoa tem de se comunicar, pessoa que se dispõe a ajudar, e em muitos momentos
de compartilhar seus sentimentos, idéias, expectativas estão relacionadas, entretanto, buscando facilitar a sua
e situações. Afinal, o homem como um ser social identificação, elas são apresentadas separadamente a
estabelece suas relações através da comunicação que, seguir, com destaque para os requisitos necessários para
para ser efetiva, exige a escuta. sua efetividade.
No entanto, para Miranda e Miranda12, poucas
pessoas têm a capacidade de escutar, sendo freqüente CONDIÇÕES RELACIONADAS AO
níveis de comunicação superficiais que não promovem T ERAPEUTA
ERAPEUTA
ajuda, nem desenvolvimento pessoal. Essa é uma
realidade também presente nos serviços de saúde, onde
a escuta, muitas vezes, é esquecida. Não falam dela,
Estar livre de preocupações - preocupações
consigo mesmo, ainda que sejam referentes ao papel
nem a desenvolvem adequadamente11, ocorrendo,
desenvolvido na interação com o outro, como o que
desse modo, uma lacuna no cuidado que é prestado às
dizer ou fazer em seguida à escuta, constituem,
pessoas que chegam a esses serviços.
segundo Benjamin, um muro entre o terapeuta e a
Tahka8 aponta que, aproximadamente, 50% das pessoa entrevistada, pois este desvia sua atenção, o
pessoas vistas na clínica geral apresentam sintomas que o impede de exercer a escuta. O terapeuta, então,
que são, principalmente, expressos por problemas deve estar comprometido totalmente com a
psicossociais subjacentes. Além disso, lembra que interação4, 9,12.
o sofrimento é sempre uma experiência psíquica, - Ser sincero, autêntico e congruente – identidade
independentemente de sua causa... parte muito
grande do sofrimento subjetivo dos pacientes acha- pessoal 9,11,15 - enquanto escuta, o terapeuta deve ser
se associada com distúrbios psíquicos agudos ou ele mesmo, deve permanecer com sua estrutura
crônicos, produzam eles ou não sintomas interna para que possa ajudar o outro. Para isso, deve
experimentados como somáticos (p.67)8. ter claro quem ele é, compreender seus sentimentos,
Essas são algumas das razões que tornam a escuta escutar a si próprio, sem, no entanto, colocar-se no
terapêutica relevante na prática em saúde. caminho do outro. Benjamim9 descreve que a ajuda
Provavelmente, muitas outras podem se somar a essa exige, geralmente, mais que escutar; portanto, se o
prática, na medida em que essa habilidade for terapeuta não se afasta de sua própria estrutura de
exercitada. referência, enquanto escuta, poderá compreender algo

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que a pessoa ainda não entendeu; poderá adquirir identificar e compreender aspectos culturais da fala
insights sobre a situação do outro que talvez ele precise do outro, evitando julgamentos e confusão desses
saber, para mudar. Por outro lado, como aponta aspectos com os relacionados à sua doença12,16.
Rogers15, se ele se deprime com a depressão do outro - Fazer-se presente por meio do silêncio - o silêncio
(identificação), não poderá ajudá-lo. O terapeuta deve pode ter diferentes sentidos. Aqui nos referimos
existir independentemente do outro, não se deixando àquele que demonstra respeito, atenção e interesse
perder, ser destruído, escravizado ou absorvido pelos pelo outro. O silêncio que permite a verbalização
seus sentimentos2. De modo que, se o terapeuta do outro, a compreensão e o estabelecimento de
enfrenta dificuldades e angústias, precisa ouvir a si uma relação de confiança9,10.
próprio ou até mesmo ser escutado por alguém, e
dependendo da sua situação, não poderá oferecer
ajuda, num dado momento, devendo ser sincero com C ONDIÇÕES E XTERNAS AO
quem interage. Ressaltamos, ainda, a importância de T ERAPEUTA
ERAPEUTA
a pessoa ajudada não perceber nenhuma mensagem
contraditória por detrás das palavras do terapeuta, pois Reservar tempo suficiente para a escuta - uma
isso favorecerá o aprendizado de escutar maneira de exercitar tal condição é estabelecer
genuinamente a si própria, sem censura. um contrato com a pessoa, tão logo haja o interesse
- Interessar-se pelo outro - um profissional que não tenha e disponibilidade para ajudá-la, e deixar claro quanto
esse interesse, não escutará alguém que precise de sua tempo e em que dias da semana poderá escutá-la8.
ajuda. O interesse pelo outro é que motivará o - Manter a privacidade sem interrupções - dificilmente,
profissional a escutar a pessoa e a se esforçar por uma pessoa consegue expressar, em profundidade, sua
compreendê-la. Para Tahka (p.63)8, “um médico que situação, se é interrompido a todo o instante ou,
não possua esse interesse fará melhor em procurar, nas dependendo do problema, se está em presença de
disciplinas médicas, uma carreira que envolva pouca pessoas estranhas. Por isso, o momento dedicado à
ou, preferivelmente, nenhuma interação com os escuta deve ser respeitado e, para que não haja
pacientes”. Essa compreensão deve ser estendida a todos interrupções, é necessário um espaço destinado a esse
os profissionais que lidem com pessoas, embora fim. Eis algumas sugestões para a manutenção da
reconheçamos a inexistência de alguma disciplina no privacidade: avisar às demais pessoas do serviço para
campo da saúde que torne nula a interação com o não interromper; pôr um aviso na porta da sala;
sujeitos. manter a porta fechada; desligar aparelhos de
- Estar disposto e motivado para escutar - para aprender a telefonia celular e outros; utilizar o biombo8,12.
escutar e a praticar a escuta é preciso dispor-se e se - Preparar o ambiente para a escuta - o ambiente precisa
motivar para isso, estando consciente da importância ser acolhedor e tranqüilo, devendo-se evitar
que a escuta tem para o outro e para si.8,11 temperaturas muito altas ou baixas, estímulos visuais
-Estarnomundodossentimentosedasconcepçõespessoais e ruídos12.
do outro e vê-los como ele os vê – ser empático - isso
significa que o terapeuta entrará no mundo dos O QUE ESCUTAR
SCUTAR
sentimentos e concepções pessoais do outro, sem fazer
apreciações e julgamentos prévios do seu ponto de vista.
Ele compreenderá o que o outro expressa, alcançando
Benjamim9 descreve que, durante a escuta,
devemos estar atentos para o seguinte: o que o
os significados que ele dá, entendendo a realidade como entrevistado pensa e como se sente em relação a si
ele a entende, sem, no entanto, como já referimos, mesmo; como ele se percebe; o que ele sente e pensa
perder a sua própria identidade2,10. sobre os outros em seu mundo, especialmente aqueles
- Ter boa capacidade auditiva - essa é uma condição que lhe são importantes; o que pensa e sente em relação
biológica necessária ao terapeuta e à pessoa ajudada. às pessoas em geral; como percebe os outros relacionados
No entanto, alguma dificuldade auditiva pode ser consigo; o que, em sua opinião, os outros pensam e
superada por meio de elementos como a paciência, o sentem em relação a ele, especialmente aqueles que são
interesse e o afeto12. mais importantes em sua vida; como percebe o assunto
- Compreender as questões culturais - eis uma condição que ele e o entrevistador, ou ambos, desejam discutir; o
fundamental para a escuta. O uso de linguagem que pensa e como se sente em relação à problemática
inacessível ao ajudado constitui-se em barreira para a em que está envolvido; quais são suas aspirações,
comunicação. Uma linguagem clara permitirá ambições e objetivos; que mecanismos de

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Escuta terapêutica: instrumento

enfrentamento usa ou é capaz de usar. Tahka8 uma conferência sobre moral.


também ressalta outros aspectos a serem incentivados Dessa maneira, as conseqüências da não-
na exposição, tais como: quais as reações da pessoa escuta podem ser desastrosas e provocar o inverso
em relação ao terapeuta, seus valores e filosofia de daquilo que a escuta propõe, ou seja, manter o
vida. sofrimento ou até mesmo conduzir a pessoa a
Para alguns autores8,17, a atenção na escuta atitudes deletérias, entre elas a morte, sendo esta
é importante tanto para as frustrações como para aqui entendida como um fim existencial ou como
as necessidades da pessoa, as quais podem ser uma separação entre duas ou mais pessoas.
simuladas através de críticas ou mesmo de elogios.
Semelhantemente, a atenção deve voltar-se para o
que o escutado fala espontaneamente e o que evita. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aquilo que se repete é considerado como o tema
central da sua fala.
A o final deste trabalho , evidenciamos a
escuta terapêutica como indispensável ao processo
de mudança da atenção psiquiátrica, principalmente
CONSEQÜÊNCIAS DA NÃO-ESCUTA
SCUTA porque possibilita que a pessoa ajudada seja
protagonista de seu cuidado, cujo papel é tão
A não-escuta pode ocorrer por vários motivos, importante quanto o do terapeuta, no transcorrer de
que vão desde a deliberação intencional de não escutar suas interações.
até o desejo de escutar frustrado por fatores próprios da Destacamos o montante de condições internas
situação4. Num extremo, o terapeuta pode achar que o ao terapeuta, apontadas na literatura, favoráveis à
problema é da cabeça do outro e que nada pode fazer. escuta. Ao visualizá-las, devemos ter o cuidado de
Além de julgá-lo, subestima a escuta e deixa de oferecer não desanimarmos a ajudar através desse instrumento,
algum tipo de ajuda. entendendo ser impossível todas as condições
Situações de irritação decorrentes dos desejadas. Lembremos que a perfeição não existe e que
comentários, de pedidos ou perguntas da pessoa ajudada, a escuta, como uma habilidade interpessoal, deve ser
ou mesmo de antipatia por ele e de julgamento do que aprendida e aperfeiçoada durante seu exercício. Não
vai dizer, também dificultam e/ou impedem a escuta4. praticá-la significa ignorar a pessoa que sofre em sua
A conseqüência imediata, nesses casos, é a interrupção totalidade e as conseqüências dessa atitude podem
da comunicação ou distorções na mensagem recebida, adquirir dimensões indescritíveis, apesar de algumas
que conduz ao distanciamento entre as pessoas estarem pontuadas neste trabalho.
envolvidas no processo. Dessa maneira, apontamos para a escuta
Comumente ocorre a medicalização do terapêutica como um instrumento dos serviços de
sofrimento8, através da prescrição de drogas psicoativas, saúde, especialmente dos de saúde mental, a fim de
como os tranqüilizantes, que podem amenizar sintomas, tornar a assistência integral e mais humanizada.
mas que mascaram o sofrimento, conduzindo-o ao Precisamos começar a desenvolvê-la com os recursos
agravamento ou mesmo à cronicidade. A pessoa, por que dispomos e algumas sugestões de como fazê-la
sua vez, pode torna-se dependente do serviço médico encontram-se neste trabalho.
para levar sua vida diária e passa a ter baixa autonomia, Finalmente, apesar da inexistência de receitas
e assim outros problemas somam-se aos iniciais. prontas para todo o tipo de interação, ressaltamos
A não-escuta também transmite à pessoa a a importância das trocas de experiências entre
mensagem de que ela não merece que lhe dediquem aqueles que se dispõem a escutar, e que outros
tempo, ou que se interessem por ela12, conduzindo trabalhos apontem as dificuldades e possibilidades
ou aumentando seu sentimento de desvalorização. desse processo nos serviços de saúde.
Assim, se a pessoa que não é escutada experimenta
sintomas depressivos, como sentimento de culpa, REFERÊNCIAS
baixa auto-estima e idéias suicidas, tal atitude poderá
acentuar esses sintomas podendo levá-la à morte, pois 1. Caon JL. Serendipidade e situação psicanalítica da pesquisa
confirmarão seus sentimentos de que viver não vale no contexto de apresentação psicanalítica de pacientes. Psicol
Reflex Crit 1997; 10 (1): 105-23.
a pena. Tahka8 cita, como exemplo, uma pessoa que 2.RodriguesARF. Relaçõesinterpessoaisenfermeiro-paciente:
cometeu suicídio imediatamente após uma consulta análiseteóricaepráticacomvistasàhumanizaçãodaassistência
em que o médico, ao invés de escutá-la, a sujeitou a em saúde mental [tese livre-docência]. Ribeirão Preto (SP):

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Souza RC, Pereira MA, Kantorski LP

Universidade de São Paulo; 1993. Santa Catarina; 2000.


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[dissertação]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de EPU; 1983.

EL ACTO DE ESCUCHAR TERAPÉUTICO: INSTRUMENTO ESENCIAL DEL CUIDADO EN ENFERMERÍA


RESUMEN: La comunicación es un proceso que se realiza en las interacciones humanas, en la cual se
comparten y se comprenden ideas, pudiendo ser un valioso recurso en la nómina de ayuda. En ese
proceso, algunos instrumentos, tales como el acto de escuchar y la observación, son indispensables,
principalmente porque el escuchar es una habilidad de auto y heterocomprensión. El objetivo de los
autores fue investigar, a través de la literatura, un medio de profundizar conocimientos sobre la importancia
y la aplicación de ese recurso en la salud mental. Describieron, entre otros aspectos, una apresentación
de los principales autores que utilizaron el concepto de la escucha en los modelos de asistencia
psiquiátrica, el modo de comprenderlo, su finalidad, las condiciones favorables para promoverlo y las
consecuencias del no escuchar. De esa manera, este estudio podrá contribuir para la valoración y
utilización de la escucha terapéutica en el proceso de cambios en la atención de enfermería.
Palabras clave: Comunicación; escucha terapéutica; relacionamiento interpersonal; salud mental.

Recebido em: 09.01.03


Aprovado em: 05.05.03

Notas
*
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Universidade Estadual de Santa Cruz
**
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Universidade Estadual do Pará
***
Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas/ RS.

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