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Anexo

Tigre de Papel, Dragão de Fogo

André Gunder Frank1

Aportes, Revista de la Facultad de Economía, BUAP, Año X, Número 29, Mayo - Agosto de 2005

Com o fim da guerra-fria em 1989 e o inquirir posteriormente sobre o que foi até
subseqüente declínio da Rússia como um agora a última etapa deste processo históri-
sério competidor imediato, assim como o co.
declínio durante os anos de 1990 do fama
do Japão como número um, duas outras Tigre de Papel:
regiões, Estados e poderes entraram na os Estados Unidos no Mundo
disputa. Um foi os Estados Unidos, cujos Qual é a base e a certeza da posição e do
sucessos e expectativas pareciam ter decli- poder dos Estados Unidos no mundo? A
nado depois de 1970, mas que foram reto- resposta é os dois pilares do Dólar e do
mados nos anos de 1990; e mesmo assim Pentágono. O dólar é o tigre de papel
como um Tigre de Papel. O outro foi a Ásia —literalmente isso, e muito mais do que
Oriental, apesar da sua crise após 1997, e quando Mao empregou este termo para os
especialmente a China —o Dragão de Fogo. Estados Unidos. A força e a mobilidade do
Em termos globais, podemos ver isto como Pentágono é dependente do dólar que, em
um processo de deslocamento contínuo do troca, o sustenta. Mas as duas torres de
centro de gravidade do mundo na direção sustentação dos Estados Unidos são tam-
do Ocidente no globo, da Ásia Oriental/ bém seu dois calcanhares de Aquiles. Por
China para a Europa Ocidental, depois, causa delas, tal como ocorreu com as torres
através do Atlântico, para os Estados Uni- gêmeas do World Trade Center em New
dos, e aí então do litoral oriental para o York— todo o edifício norte-americano
litoral ocidental, e agora progressivamen- pode ruir em pedaços numa manhã —não
te, através do Pacífico, de volta para a Ásia pelo terrorismo, mas pelas operações do
Oriental, como foi observado no meu “A mercado financeiro na economia mundial e
Volta ao Mundo em Oitenta Anos”. Vamos pelas políticas imprudentes do próprio go-
verno dos Estados Unidos.
1
Os Estados Unidos ainda possuem a
Gunder Frank, Andre (2003) “Tigre de papel,
dragao de fogo”, en Theotonio dos Santos (coord.) maior economia do mundo, que viveu épo-
Os Impasses da Globalizacao, Ed. Loyola, Brasil, cas de crescimento durante a maior parte
agosto 2003 (21 pp.) dos anos de 1990, e possuem também um

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poder militar sem rival, que é superior ao Unidos do resto do mundo. Pelo contrário,
conjunto dos outros doze ou mais poderes esta superioridade dos Estados Unidos re-
militares combinados. Além disso, a admi- pousa em dois —talvez três— pilares: 1) o
nistração do presidente Bush faz uso de Dólar enquanto moeda mundial, cujo pri-
ambos em políticas unilaterais, para impor vilégio monopolista de cunhar os Estados
sua vontade sobre o resto do mundo, igual- Unidos dispõem à vontade; 2) o Pentágono
mente a amigos ou adversários, a todos os com sua capacidade militar sem rival; 3)
quais Bush lançou o desafio que diz “ou talvez o terceiro pilar seja o governo, a
vocês estão conosco ou contra nós”. Co- alimentada Ideologia educacional e dos
nosco significa que vocês devem fazer tal meios de comunicação que oculta estes
como nós dizemos, contra nós significa que simples fatos da opinião pública. Além
vocês estão sob a ameaça de serem destruí- disso, cada um desses pilares sustenta o
dos econômica e politicamente, e também outro: custa dólares manter o Pentágono,
militarmente, como desejarem. No caso de suas bases em 80 países em volta do mundo
haver qualquer dúvida a respeito das nos- e o desdobramento das suas forças milita-
sas intenções e capacidades, a Rússia e a res em volta do globo. Os gastos militares
Argentina são os principais exemplos no são as causas principais dos dois déficits
fronte econômico, como são o Iraque com norte-americanos, no orçamento federal e
o boicote, e também a Sérvia e o Afeganis- na balança comercial. Inversamente, a força
tão no fronte militar. Estas últimas em- do Pentágono ajuda a sustentar a confiança
preitadas —mas realmente ambas as coi- global no dólar.
sas— são o que o presidente Bush pai Mas esta mesma confiança recíproca na
chamou de Nova Ordem Mundial quando força, por esta mesma razão, constitui tam-
bombardeou o Iraque em 1991. Eu cha- bém os dois mutuamente relacionados cal-
mei isso de Terceira Guerra Mundial em canhares de Aquiles dos Estados Unidos. O
dois sentidos: em primeiro lugar, porque dólar é literalmente um Tigre de Papel, na
isto aconteceu no Terceiro Mundo e, em medida em que ele é cunhado no papel,
segundo lugar, porque esta guerra contra cujo valor está baseado somente na sua
o Terceiro Mundo constitui uma Tercei- aceitação e na confiança que se tem nele em
ra Guerra Mundial. todo mundo. Esta confiança pode declinar
A prosperidade e o bem-estar do povo ou ser totalmente retirada quase de um dia
norte-americano repousa primeiramente na para o outro e levar o dólar a perder a
sua posição no mundo hoje, assim como foi metade ou mais da metade do seu valor.
a posição da Grã-Bretanha no século XIX. Sem considerar o corte no consumo e no
Esta observação é fundamentalmente dife- investimento norte-americanos, assim como
rente da fama política e vinda dos meios de a riqueza denominada dólar, qualquer de-
comunicação sobre as fontes da superiori- clínio no valor do dólar comprometeria
dade norte-americana, que estaria suposta- também a capacidade dos Estados Unidos
mente no seu gênio, na sua moral, na sua de manter e aumentar o seu aparelho mili-
produtividade e em outras características tar. Inversamente, qualquer desastre mili-
que supostamente diferenciam os Estados tar enfraqueceria a confiança no valor do
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 127

dólar. De fato, no Fórum Econômico Mun- Na metade dos anos de 1980, James
dial de Davos de 2003, as elites da política Tobin [o inventor da taxa Tobin sobre
e dos negócios mundiais expressaram te- transações financeiras] e eu, até onde vai o
mores muito graves de que o simples au- meu conhecimento, fomos os únicos que já
mento das forças militares dos Estados tínhamos publicado previsões de de-flação
Unidos, por exemplo, contra o Iraque, po- como sendo um perigo futuro para a econo-
deria trazer uma depressão mundial. O mia mundial. Os fazedores de política
“Time Magazine” desta semana relata um econômica, contudo, ignoraram estas ad-
estudo abrangente da indústria aeronáutica vertências e este risco [não realmente um
norte-americana, que conclui que uma gue- risco, mas uma conseqüência necessária],
rra contra o Iraque levaria a metade desta embora continuassem com suas políticas
indústria à bancarrota imediata. Sendo as- destinadas a combater a in-flação. No en-
sim, o que seria então das linhas aéreas não- tanto, desde então, os preços das mercado-
americanas, que são ainda mais frágeis? A rias caíram acentuadamente e substancial-
incerteza que sobrevem com o ruído do mente e mais recentemente os preços in-
sabre militar e ameaça solapar a confiança dustriais caíram também. Além disso, no
no dólar e coloca freios no investimento. E que diz respeito à economia mundial, a alta
nenhum procedimento ideológico é sufi- inflação em relação às respectivas moedas
ciente para ocultar totalmente esta situação nacionais [pesos, rubros etc.] e sua acen-
econômica. tuada desvalorização frente ao dólar en-
De fato, o mundo já está em depressão, quanto moeda mundial provocaram uma
da qual por enquanto somente os Estados efetiva de facto maior de-flação no resto do
Unidos estão substancialmente e o Canadá mundo. Isto reduziu seus preços e tornou
e a Europa Ocidental estão parcialmente suas exportações mais baratas para aqueles
isentos. E estes últimos se encontram nesta que compram suas moedas com dólares,
condição, por causa da posição privilegia- em primeiro lugar, naturalmente, os consu-
da especialmente da economia norte-ame- midores, os produtores e os investidores
ricana na economia global, de cujo infortú- nos —e dos!— Estados Unidos. Estes, além
nio os norte-americanos têm extraído os disso —o que é sempre difícil de mencio-
benefícios desta posição, que, repetindo, é nar!— podem e compram todo o resto do
essencialmente derivada do privilégio de mundo com dólares que “custam” apenas
cunhar a moeda mundial com a qual os sua cunhagem e distribuição, o que, para os
norte-americanos podem primeiramente norte-americanos, não custa virtualmente
comprar toda a produção do resto do mun- nada. [A nota de 100 dólares é o dinheiro
do a preços deflacionados reduzidos, e de- vivo mais usado no mundo, sobre a qual
pois obter os mesmos dólares de volta vin- gira toda a economia russa, e há duas ou
dos de fora para serem investidos em Wall mesmo três vezes o número delas circulan-
Street e nos certificados do Tesouro norte- do tanto fora quanto dentro dos Estados
americano para a guarda e/ou para a ob- Unidos]. O crescimento e o bem-estar nor-
tenção de lucros maiores do que estão dis- te-americanos e em seguida o orçamento
poníveis em qualquer outro lugar. federal “equilibrado” da administração
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Clinton de 1992 a 2000, contrariamente às ra em torno de aproximadamente 400 bil-


suas pretensões populistas, apenas fizeram hões de dólares por ano e continua crescen-
coincidir com este crescimento. Os tam- do. Destes, 100 bilhões são cobertos pelos
bém 8 anos de longa prosperidade dos investimentos japoneses de suas próprias
Estados Unidos foi inteiramente construí- economias nos Estados Unidos, que não
do nas costas de uma terrível depressão e poupa nada, dinheiro que os japoneses po-
deflação, gerando assim um marcado au- dem logo ter de repatriar para administrar
mento da pobreza no resto do mundo. Du- suas próprias operações bancárias e sua
rante esta única década, a produção decli- crise econômica —especialmente se uma
nou em torno da metade na Rússia e na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque
Europa Oriental, a expectativa de vida na acarretar ainda que seja um transitório pico
Rússia diminuiu de dez anos, a mortalidade no preço do petróleo, de cuja importação o
infantil, a embriaguez, o crime e o suicídio Japão é tão dependente. Outros 100 bilhões
aumentaram como nunca antes em tempos vêm da Europa, na forma de vários tipos de
de paz. Desde 1997, a renda na Indonésia investimento, incluindo investimento real
diminuiu pela metade e gerou uma crise direto, investimento que poderia secar na
política permanente. Este é o desperdício medida em que a recessão européia venha
da entropia gerada nos Estados Unidos e a continuar, na medida em que os europeus
suas exportações para fora, para aqueles fiquem exasperados com a política norte-
que são obrigados a absorvê-las numa des- americana, ou na medida em que eles ten-
ordem cada vez maior. Seria difícil encon- ham outras tantas razões para reduzir suas
trar melhores exemplos —a não ser a des- reservas em dólares e por outro lado trans-
truição de toda a sociedade na Argentina, formem estes dólares em seus próprios
em Rwanda, no Congo, em Sierra Leone, euros. Outros 100 bilhões são fornecidos
na anteriormente próspera e estável Costa pela China, que inicialmente vende para os
do Marfim— para não falar dos países que Estados Unidos suas manufaturas baratas
foram acometidos pela destruição provo- em dólares e em seguida acumula estes
cada pelo poder militar norte-americano. dólares como reservas cambiais externas—
Tudo isso, dentre outras coisas, teve as assim de fato entregando os produtos dos
seguintes conseqüências: os Estados Uni- seus pobres produtores aos norte-america-
dos podem exportar a inflação que de outro nos. A China faz isso para manter suas
modo seria gerada por seu grande estoque exportações fluindo e suas indústrias fun-
de dinheiro em casa, cuja baixa taxa de cionando, mas, caso se decida destinar es-
inflação nos anos de 1990 não era portanto tes produtos para expandir mais o seu pró-
nenhum resultado miraculoso da política prio mercado interno, seu povo ganharia
monetária doméstica “adequada” do Fede- em renda e riqueza, e os Estados Unidos
ral Reserve. Os Estados Unidos só pude- perderiam esta sorte. Os restantes 100 bil-
ram cobrir sua balança comercial e também hões do déficit são cobertos por outros
seus déficits orçamentários com o dinheiro fluxos de capital, incluindo o serviço da
e os produtos baratos vindos de fora. O dívida dos pobres latino-americanos e afri-
déficit comercial norte-americano gira ago- canos que têm de pagar o principal das suas
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 129

dívidas já várias vezes mais e contudo Além disso, os Estados Unidos estão
manter crescendo o montante total devido também extensamente super endividados
pela rolagem a taxas de juros elevadas. A aos proprietários estrangeiros dos certifi-
idéia de declarar o tipo de insolvência dos cados do Tesouro norte-americano, dos
Estados Unidos fica contudo finalmente estoques de Wall Street e de outros ativos,
esclarecida. que podem ser cobrados por bancos cen-
Assim, a deflação/desvalorização em trais estrangeiros que têm mantido reservas
qualquer lugar do mundo tem algo como em dólares norte-americanos e por outros
um ímã que atraiu o capital financeiro proprietários estrangeiros da dívida dos
especulativo do resto do mundo —tanto Estados Unidos. De fato, foi exatamente a
dos Estados Unidos quanto dos outros paí- política norte-americana que contribuiu
ses— para os certificados do Tesouro nor- tanto para a desestabilização em todo mun-
te-americano [para fazer parar o déficit do [por exemplo, através da desestabili-
orçamentário dos Estados Unidos]. Isto foi zação do Sudeste da Ásia, que solapou a
o que alimentou e sustentou o seu mercado economia japonesa e o sistema financeiro
especulativo nos anos de 1990, que, em ainda mais do que poderia de outro modo
troca, aumentou, sustentou e espalhou mais ter sido feito], que agora ameaça e que logo
amplamente uma crença especulativa e ilu- agora torna muito mais provável que espe-
sória no aumento de riqueza para os pro- cialmente os proprietários japoneses e euro-
prietários de estoques norte-americanos e peus da dívida norte-americana devam co-
outros e, por intermédio disso, também um brá-la para manter em pé suas próprias
“efeito riqueza” ilusório sustentou o con- economias e sistemas financeiros cada vez
sumo e o investimento mais elevados. Não mais inseguros e instáveis. As obrigações
obstante, o declínio dos preços de estoque dos Estados Unidos para com os estrangei-
no mercado de sustentação atual e posterior ros agora equivale a dois terços do GNP
é ainda uma bênção lucrativa para empre- anual norte-americano —e portanto nunca
sas que lançaram e venderam seus estoques poderão ou serão pagas integralmente.
nos mercados especulativos com preços de Contudo, qualquer ingenuidade de rolar
estoque altos e em elevação. Pois eles estão eternamente esta dívida pode trazer como
agora comprando de volta os seus próprios resultado tentativas estrangeiras de retirar
estoques, o que para eles são preços baixos de lá tanto dinheiro quanto possam, trazen-
e base de negócios vantajosos, preços que do como conseqüência a quebra do dólar.
representam um enorme lucro para eles às Outra conseqüência importante é que a
expensas dos pequenos proprietários de economia norte-americana —e do mun-
estoques, que estão agora vendendo estes do!— está agora enredada num laço do
mesmos estoques a preços baixos e decli- qual muito provavelmente ela não pode se
nantes. A “prosperidade” norte-americana livrar recorrendo à bomba de ar [pump
agora repousa no gume da faca também de priming] keynesiana e muito menos à polí-
uma instável e enorme dívida dos associa- tica macroeconômica de escala total e sus-
dos e dos consumidores internos [cartão de tentar assim as economias norte-america-
crédito, hipoteca e outros]. na, ocidental e japonesa, tal como fizeram
130 ANDRÉ GUNDER FRANK

os governos de Carter e de Reagan. O mais a Rússia?], mas agora é muito mais


Keynesianismo Militar, disfarçado sob o profunda a recessão mundial e a depressão
monetarismo de Friedman/Volker e sob a que rodeia ameaçadoramente o globo. Os
Curva Supply-Sideism de Laffer, começou Estados Unidos deveriam então novamen-
com Carter em 1977 e foi posta efetivamen- te apelar para o déficit keynesiano maciço
te em prática em 1979, quando Carter em [usando o 11 de Setembro como um pretex-
seguida nomeou Paul Volker para o Fede- to provavelmente para fins militares], para
ral Reserve, quem, em outubro de 1979, os gastos re-flacionários como a locomoti-
desviou a política monetária do Federal va a puxar o resto do mundo para fora das
Reserve da alta criação de dinheiro/baixo suas depressões econômicas. Contudo, os
preço de juros para a pretendida baixa Estados Unidos são já o consumidor mun-
criação de dinheiro/altos juros [para 20% dial de último recurso, mas podem ser
de juros monetários!] para socorrer o dólar assim com o dinheiro, os investimentos e as
em razão da sua queda dos anos de 1970 e importações baratas vindas de fora, ele-
para atrair capital estrangeiro para o pobre mentos que fazem parte do problema econô-
Estados Unidos. Ao mesmo tempo, Carter mico global.
começou o Keynesianismo Militar em jun- Além disso, para liquidar sua agora enor-
ho de 1979, que foi então posteriormente me e sempre crescente dívida externa, os
desenvolvido pelo presidente Reagan. Nis- Estados Unidos podem escolher também
so, eles tiveram depois sucesso. apelar para uma redução in-flacionária da
Contudo, é muito improvável que agora carga daquela dívida para si mesmos e
políticas semelhantes possam novamente também do seu sempre crescente serviço da
obter sucesso. Os Estados Unidos precisa- dívida externa. Mas, ainda assim, não po-
riam invocar novamente a mesma política deriam —ao contrário do que fizeram no
re-flacionária para si e para seus aliados. acima referido período anterior— evitar
Mas agora não podem fazer isso! O Federal posteriormente a geração de uma super
Reserve já baixou tanto a taxa de juros que balança comercial, particularmente se as
ela não pode baixar mais, e não é possível demandas do mercado caírem depois e se
estimular investimentos fazendo isso. Por as pressões de fora aumentarem no sentido
outro lado, elevar a taxa de juros para de exportar para os consumidores norte-
continuar a atrair capitais de fora arriscaria americanos de último recurso. Mas agora
estrangular todos os investimentos e capi- não haverá influxos de capital de fora para
tais aproveitáveis internamente. O Brasil socorrer a economia norte-americana. Pelo
tentou isso, provavelmente com taxas ex- contrário, a pressão atual para baixo para
cessivas de juros monetários de 60% para desvalorizar o dólar norte-americano fren-
atrair capital estrangeiro, e com isso arrui- te a outras moedas impulsionaria uma saída
nou a sua economia interna. de capital dos Estados Unidos, tanto dos
Os Estados Unidos podem [poderiam?, bônus do Governo norte-americano quanto
deveriam?] tentar então repetir o desem- de Wall Street, onde o significativo declí-
penho dos anos de 1980 para esgotar-se a si nio do preço de estoque gera posteriores
e os seus aliados [agora, menos o Japão e declínios de preço e deflação em relação ao
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 131

mundo, ainda que os Estados Unidos expe- dentro da OPEP [Organização dos Países
rimentem inflação interna. Produtores e Exportadores de Petróleo], é
O preço do petróleo é uma outra mosca travado principalmente entre a OPEP, que
no ungüento econômico-político, cuja di- agora vende somente de 30 a 40% da pro-
mensão e importância são inversamente dução mundial, e os outros produtores, que
proporcionais à saúde ou doença do pró- produzem 60%, hoje principalmente a Rús-
prio ungüento. E hoje este está muito doen- sia, mas também incluindo o próprio Esta-
te e já em estado de deterioração. O preço dos Unidos, que são tanto um produtor
mundial do petróleo foi sempre uma faca importante quanto o mercado principal,
de dois gumes, cujos gumes cortantes po- embora este esteja crescentemente se des-
dem perder o corte com a ajuda de políticas locando para a Ásia Oriental. A recessão
de preço e políticas econômicas alternati- em ambos os países e o resultante declínio
vas bem-sucedidas. Por um lado, as econo- na demanda de petróleo jogam o seu preço
mias e os países produtores de petróleo e para baixo. A estratégia e a guerra norte-
seus interesses precisam de um patamar de americanas contra o Afeganistão e o Iraque
preço mínimo para produzir e vender seu é para obter o máximo de controle do petró-
petróleo em vez de deixá-lo no subsolo e leo quanto seja possível e agora para divi-
também postergar depois o investimento dir o menos possível com a Rússia o petró-
produtivo de petróleo enquanto espera tem- leo das regiões da Ásia Central, do Mar
pos melhores. Os Estados Unidos é o pro- Cáspio e do Golfo Pérsico. E este controle,
dutor de petróleo de mais alto custo. Um ainda que não se possa controlar o preço do
alto preço do petróleo é economicamente e petróleo, deve ser usado como uma impor-
politicamente essencial também para paí- tante alavanca econômica e geopolítica a
ses importantes, como a Rússia, o Irã e ser manipulada contra os aliados norte-
especialmente a Arábia Saudita, assim como americanos dependentes da importação de
para os interesses petrolíferos dos Estados petróleo na Europa e no Japão, e finalmente
Unidos. Por outro lado, um baixo preço do contra o seu inimigo estratégico, a China.
petróleo é bom para os países importadores Pois a re-flação de gastos keynesiana
de petróleo, seus consumidores, incluindo norte-americana, assim como a inflação
os produtores de outros produtos que con- não podem mais colocar o patamar abaixo
somem petróleo, e sustenta a macro políti- do preço do petróleo requerido hoje e aman-
ca econômica estatal, por exemplo, nos hã. Nenhuma política, mas somente recu-
Estados Unidos, onde os baixos preços do peração que gerou demanda no mercado
petróleo são boa política e também bom mundial —e/ou limitações no suprimento
para a economia. Atualmente, a linha que de petróleo— pode agora fornecer um pa-
divide o alto preço e o baixo preço entre tamar e evitar uma queda posterior no preço
ambos parece estar em torno de US$ 20 o do petróleo —e seu impulso deflacionário
barril —no atual preço-valor do dólar! Mas sobre os outros preços. Em compensação,
ninguém parece estar em condições de uma deflação posterior aumentaria a carga
manter o preço do petróleo neste nível. O das já amplamente super-endividadas eco-
atual conflito, há muito tempo não mais nomias dos Estados Unidos, da Rússia e da
132 ANDRÉ GUNDER FRANK

Ásia Oriental, para não falar de alguns Venezuela, que fornece em torno de 15%
países da Europa e do Terceiro Mundo. das importações norte-americanas. Então,
Assim, a economia política do petróleo muitas pessoas perguntam, o que estes paí-
deve provavelmente acrescentar uma pos- ses têm em comum? Bem, três deles pos-
terior pressão deflacionária. Isto deveria suem petróleo, mas não a Coréia do Norte.
novamente —de fato já faz— enfraquecer Então, qual é a ameaça dela para que Bush
significativamente os ganhos norte-ameri- a ponha no seu eixo do mal. Certamente,
canos do petróleo e dos seus parceiros de não é uma questão de geografia ou de
fora, especialmente na Arábia Saudita e no alianças [O Iraque e o Irã eram inimigos
Golfo Pérsico. De fato, o baixo preço do mortais, e a Coréia do Norte não joga bola
petróleo durante os anos de 1990 levou a na sua liga]. A resposta é simples e resolve
economia saudita, que crescia anteriormen- não somente este enigma, mas o que pode-
te, para a falência. Isto provocou imediata- ria de outro modo aparecer como uma po-
mente o desemprego da classe média e um lítica externa norte-americana bastante con-
declínio significativo na renda, o que trouxe fusa e embaraçosa: [1] o Iraque mudou o
também uma insatisfação bastante difundi- preço do seu petróleo de dólar para euro em
da, e agora ameaça gerar uma insatisfação 2000; [2] o Irã ameaça fazer o mesmo; [3]
ainda maior exatamente no momento em a Coréia do Norte mudou para negociar
que a monarquia saudita está já enfrentan- somente com euros; [4] a Venezuela reti-
do problemas de transição geracional, in- rou parte do seu petróleo do preço em dólar
ternamente desestabilizadores. Além dis- e em vez disso está trocando este petróleo
so, um baixo preço do petróleo também por produtos com outros países do Terceiro
tornaria novos investimentos não atraen- Mundo. Além de ser um velho amigo meu,
tes e postergaria tanto uma nova pro- o venezuelano Francisco Mires, no quartel-
dução de petróleo quanto eliminaria os general da OPEP em Viena, propôs que
lucros potenciais da colocação de novos todos os países da OPEP deveriam trocar o
oleodutos na Ásia Central. preço do seu petróleo de dólar para euro!
Na verdade, há ainda uma necessidade Nada mais, nenhum traço de terrorismo
imediata mais urgente para os Estados Uni- poderia ser mais ameaçador para os Esta-
dos, a de controlar as reservas de petróleo dos Unidos; pois toda e qualquer coisa que
do Iraque, a segunda maior da região e a pudesse retirar o suporte do dólar faria que
mais sub-aproveitada, com uma grande ca- os importadores de petróleo não mais com-
pacidade de aumentar a produção de petró- prassem dólares, mas ao contrário usassem
leo e rebaixar os preços. Mas este não é nem euros para comprar o petróleo. Realmente,
todo nem sequer o cerne do problema. eles desejariam também substituir suas re-
Muitas pessoas ficaram surpresas quando o servas em dólares por euros. O Iraque já
presidente Bush juntou o Irã e a Coréia do ganhou em torno de 15% com esta mu-
Norte no que chamou de “eixo do mal”. No dança, na medida em que o euro cresceu
entanto, elas não podem ficar tão surpresas frente ao dólar. E, além disso, os países
com os esforços norte-americanos de pro- árabes produtores de petróleo, que agora
mover um golpe para mudar o regime na vendem seu petróleo por notas de dólar,
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 133

dificilmente continuariam a girar em torno Guerra do Vietnam, mas permaneceu até


disso e a gastar este dólar novamente com agora de pé durante três décadas como uma
as ferragens militares dos Estados Unidos. colcha de retalhos terapêutica. Mas, como
É este cenário aterrorizante que a ocupação vimos, os Estados Unidos estão agora fu-
norte-americana do Iraque está querendo gindo dos outros remédios econômicos para
evitar, com o Irã sendo o próximo da lista. manter o pilar dólar de pé. Bastaria somen-
Curiosamente, este detalhe do petróleo- te a proteção para gerar uma grave inflação
dólar-euro nunca é mencionado pelo go- num curto espaço de tempo, devendo ser
verno norte-americano ou pelos meios cunhados ainda mais dólares norte-ameri-
de comunicação. Não é de admirar que os canos para o serviço de sua dívida, o que
maiores Estados europeus estão contra a solaparia então a sua força, quebraria o
política de Bush no Iraque, que é susten- pilar dólar e enfraqueceria o suporte de que
tada apenas pelo Reino Unido, que é ele ele dispõe ainda mais.
próprio produtor de petróleo no Mar do Isto deixaria apenas o pilar militar nor-
Norte. É simples como uma pequena peça te-americano para sustentar a economia
de informação casual pode fazer as outras política e a sociedade norte-americanas.
peças de todo o quebra-cabeça cair no Mas este pilar e a confiança neste pilar
lugar certo! também carregam consigo perigos. Visi-
Todos estes problemas e desenvolvi- velmente, este é o caso para o Iraque, para
mentos atuais agora ameaçam puxar o tape- a Iugoslávia e para o Afeganistão e natural-
te [irão?] por baixo das finanças e da eco- mente para todos os outros países que são
nomia política dos Estados Unidos, tanto por intermédio disso obrigados a jogar bola
internamente quanto internacionalmente. pelas regras norte-americanas na sua nova
A única proteção ainda disponível para os ordem mundial, sob pena de trazer para si o
Estados Unidos ainda deriva de seus anti- mesmo destino. Mas a chantagem política
gos e ainda únicos dois pilares da “Nova para participar na nova ordem mundial nos
Ordem Mundial”, que foram estabelecidos termos dos Estados Unidos também se es-
pelo presidente Bush pai, depois da “Gue- tende para aos aliados dos Estados Unidos
rra do Golfo de Bush” contra o Iraque e da —especialmente para a OTAN— e para o
dissolução da União Soviética em 1991. O Japão. Isto foi feito assim na Guerra do
presidente Bush filho está agora tentando Golfo [outros países pagaram as despesas
consolidar a nova ordem mundial do seu norte-americanas para que os Estados Uni-
pai [sem dúvida com este último ainda dos obtivessem um lucro líquido com esta
como um poder atrás do trono], começando guerra], na guerra dos Estados Unidos con-
com a Guerra contra o Afeganistão e tra a Iugoslávia, na qual a OTAN e seus
ameaçando mais uma vez o Iraque, e com Estados-membros foram induzidos com li-
esforço de Bush-Putin agora também para sonjas a participar, e depois na Guerra
construir um Acordo entre Estados Unidos contra o Afeganistão, como parte do pro-
e a Rússia —ou é isto o Eixo. nunciamento da nova política do presiden-
O pilar dólar está agora ameaçando se te Bush. Ele usou a velha terminologia da
desintegrar, como já aconteceu depois da Guerra Fria de John Foster Dulles, que
134 ANDRÉ GUNDER FRANK

dizia: “Ou vocês estão conosco ou contra força, mas por causa da fraqueza de um
nós”. Mas a confiança norte-americana nes- verdadeiro Tigre de Papel. Então, quem
ta terminologia, a então apenas remanes- demonstra alguma força? O Dragão Chinês!
cente estratégia da chantagem político-mi-
litar, pode também levar os Estados Uni- O Dragão de Fogo:
dos à bancarrota, na medida em que o a China na Ásia Oriental
fracasso do pilar dólar não o sustente A crise financeira e econômica irrompeu
também; e isto pode vir também a impor na Ásia Oriental em 1997 e trouxe evidente
a “super-extensão” [overstretch] nos ter- alívio a muitos observadores no Ocidente.
mos de Paul Kennedy ou a “retro-explo- Como resultado disso e malversada pela
são” [blowback] nos termos da CIA e de reportagens diárias dos meios de comuni-
Chalmers Johnson. cação impressa, por negócios de curto pra-
Num inglês simples e claro, os Estados zo e pela política e análises governamen-
Unidos têm somente dois recursos em que tais, mesmo a opinião pública “informada”
confiar, ambos provavelmente de impor- no Ocidente mudou novamente. Agora se
tância mundial, mas talvez, ainda assim, diz que o primeiro “Milagre da Ásia Orien-
insuficientes. São o dólar e seus recursos tal” foi não mais do que um milagre, um
político-militares. Para o primeiro, as ga- sonho para alguns e um pesadelo para
linhas econômicas do esquema de Ponzi da outros. As supostas explicações prévias e
pirâmide de cartas dos Estados Unidos as estratégias de sucesso imediatas estão
estão agora voltando para casa para se sendo abandonadas novamente tão rapida-
empoleirar no próprio Estados Unidos. mente quanto vieram a se formar. Ouvimos
O segundo pilar está agora em prática menos a respeito dos valores ou garantias
para apoiar a nova ordem em todo o mundo. asiáticos do mágico do mercado e não há
Mais importante talvez seja a atual propos- mais certeza vinda do capitalismo de Esta-
ta de acordo entre os Estados Unidos e a do. Isto é o melhor que eu poderia dizer, já
Rússia contra a China, em vez de [ou para que estas supostas explicações e políticas
realizar] uma defesa dos Estados Unidos corretas nunca foram mais do que impostu-
contra o acordo Rússia-China [e a Índia?]. ras ideológicas em qualquer sentido.
A guerra da OTAN contra a Iugoslávia A evidência histórica apresentada no
gerou movimentos na direção desta última meu livro Re-Orient [University of Cali-
proposta, e a guerra dos Estados Unidos fornia Press, 1998. A 4a edição em 2002
contra o Afeganistão promove a primeira. também nas traduções chinesas e japone-
Que Deus ou Alah proíbam que qualquer sas. Uma edição coreana está por vir] mos-
dessas possibilidades ou a sua Guerra San- tra que nenhuma forma institucional parti-
ta contra o Islã venha a nos explodir ou cular ou prática econômica política oferece
venha a provocar os outros para fazê-lo. ou dá conta do sucesso [ou do fracasso!] no
O que quer que seja, a chantagem impe- competitivo ou sempre mutável mercado
rial político-militar dos Estados Unidos mundial. A evidência contemporânea mos-
pode ainda retro-explodir também sobre os tra a mesma coisa. A esse respeito, o famo-
Estados Unidos, não exatamente por causa so aforismo de Deng Xiaoping está correto.
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 135

A questão não é se os gatos são institucio- O significado da posição e da resposta


nalmente, para não dizer ideologicamente, flexível na economia mundial é particular-
pretos ou brancos; o verdadeiro problema mente importante durante períodos de crise
mundial é se eles pegam ou não ratos econô- econômica da fase “B”, que é para os chi-
micos na sua concorrência com outros ga- neses de perigo [negativo] e de oportunida-
tos no mercado mundial. E isto depende de [positivo]. Na atual crise econômica,
muito menos da cor institucional do gato do por enquanto, o foco tem estado muito
que da sua posição favorável na economia predominantemente nas suas conseqüên-
mundial em cada lugar e tempo particula- cias negativas, sem dúvida graves. Mas as
res. E já que os obstáculos e as oportunida- oportunidades que ela coloca têm recebido
des no mercado mundial competitivo muda atenção insuficiente, exceto talvez nos Es-
em relação a tempo e lugar, para ser bem- tados Unidos e na China, ambos os quais
sucedido, o gato econômico, não importa estão buscando tirar proveito de vantagens
qual seja a sua cor, deve se adaptar a estas comparativas dos problemas econômico-
mudanças ou fracassar absolutamente na políticos e da suposta fusão disruptiva do
sua tentativa de pegar ratos. Dentre estas Japão, da Coréia e do Sudeste Asiático.
formas institucionais diferentes, incluindo Mas a destituição das forças e das ex-
relações entre Estado, finanças e organi- pectativas econômicas da Ásia Oriental,
zações produtivas e de mercado, talvez a particularmente da China, pode ser prema-
avaliação mais atenta e positiva tenha sido tura e certamente está baseada numa negli-
dedicada no exterior àquelas da Coréia e gência imprevidente da evidência históri-
depois do Japão, mas também da China ca, tal como foi apresentada em Re-Orient,
Maior, incluindo sua vasta rede de chineses e depois perseguida na seqüência do século
no estrangeiro. Mas o verdadeiro fato de XIX em preparação e numa grave interpre-
que eles diferem, em Taiwan, Singapura, tação errada da evidência contemporânea.
Malásia, Indonésia e também em qualquer Eu acredito que esta última rápida desti-
outro lugar, deveria nos precaver contra tuição da Ásia está equivocada pelas se-
privilegiar uma forma institucional sobre guintes razões dentre outras:
todas as outras. Já que a Ásia e especialmente a China
No melhor dos casos e isto já é muito, a eram economicamente poderosas no mun-
evidência é que nenhuma destas formas do até uma época relativamente recente, e
institucionais é necessariamente um impe- novos conhecimentos agora datam o declí-
dimento ou um obstáculo insuperável para nio como realmente começando somente
obter êxito no mercado interno, regional ou na segunda metade do século XIX, é bem
mundial. Muito digno de nota talvez, na possível que ela possa logo voltar a sê-lo
visão da difusa propaganda ocidental a novamente. Ao contrário da mitologia oci-
respeito de suas próprias supostas virtudes, dental do século passado, a dominação
é o fato demonstrado de que o modelo asiática no mundo foi somente interrompi-
ocidental precisa ou deve ser seguido pelos da até então por um relativamente curto
asiáticos na Ásia ou em qualquer outro período de apenas um século, no máximo
lugar. de um século e meio. O sempre suposto
136 ANDRÉ GUNDER FRANK

declínio da China de meio século ou mais é depois se moveu para o resto do mundo a
puramente mitológico. partir daí. E foi por isso precisamente que
O sucesso econômico da China e de a capacidade produtiva e de exportação da
outros países asiáticos no passado não esta- Ásia Oriental e particularmente do Japão,
va baseado nos modelos ocidentais; e o da Coréia e depois da China cresceu tanto.
sucesso econômico bastante recente da Ásia Esta recessão pode portanto ser interpreta-
não estava baseado no modelo ocidental. da como uma evidência, não tanto da fra-
Portanto, não há uma boa razão para que o queza transitória, mas da força econômica
Japão e outros países asiáticos precisem ou básica crescente da Ásia Oriental, para
devam copiar o modelo ocidental ou outro qual o centro de gravidade da economia
qualquer. Os asiáticos podem conduzir seus mundial está agora retornando, para onde
próprios meios e não têm uma boa razão estava antes da Ascensão do Ocidente.
para agora substituí-los pela via ocidental, A recessão no setor produtivo foi curta,
tal como afirma a suposta única via para especialmente na Coréia e até então ausen-
sair da atual crise econômica. Pelo contrá- te na China. Mas foi também severa, espe-
rio, a confiança asiática nas outras vias é cialmente na Indonésia. E as ondas de cho-
prova de força e não de fraqueza. que a partir do setor financeiro para os
O fato de que a crise atual visivelmente setores produtivo, de consumo e político
se espalha do setor financeiro para o setor foram visivelmente —e para todos, exceto
produtivo não significa que este último seja para os totalmente cegos, intencionalmen-
fundamentalmente fraco. Pelo contrário, a te— exacerbadas pelas políticas de choque
atual crise de superprodução e de excessiva econômico impostas sobre os governos
capacidade é a comprovação da força sub- asiáticos pelo FMI, como é comum, se-
jacente do setor produtivo, que pode se guindo os ditames do Tesouro norte-ameri-
recuperar. De fato, foi o excesso de capaci- cano, que sistematicamente representa os
dade e de produtividade que leva à super- interesses financeiros dos Estados Unidos
produção no mercado mundial que iniciou às expensas dos interesses populares em
a crise financeira, para começar, quando os qualquer outro lugar no mundo. O anterior
lucros do comércio externo asiático na con- vice-presidente do Banco Mundial, mem-
ta comercial não eram mais capazes de bro consultor do Conselho de Economia do
financiar seu serviço da dívida especulati- presidente dos Estados Unidos, Joseph Sti-
va de curto prazo. glitz [2002], nos forneceu uma visão de
Não é que a recessão econômica será ou dentro destes acontecimentos intencionais
poderá ser evitada no futuro. Ela nunca foi no seu livro Globalização e seus Descon-
evitada no passado, mesmo com o planeja- tentes.
mento estatal na China e na União Sovié- Isto também permitiu que os interesses
tica. Mais importante é que esta é a primei- ocidentais tirassem proveito do declínio da
ra vez em um século que uma recessão força produtiva e financeira na Coréia e em
mundial começou não no Ocidente para qualquer outro lugar para comprar ativos
depois se mover na direção do Oriente, mas em acordos comerciais básicos a preços de
que, ao contrário, começou no Oriente e liquidação [fire-sales prices]. Ainda assim,
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 137

a força subjacente da economia coreana era bancárias, que podem evitar um retorno da
tal que os estrangeiros eram mesmo então atual situação no futuro, escapando do laço
incapazes de alterar significativamente a de estrangular dos mercados de capitais
estrutura financeira, produtiva, de proprie- controlados pelo Ocidente. Stiglitz obser-
dade e estatal a seu favor. A máquina pro- va estes esforços já nas suas recentes dis-
dutiva e financeira coreana logo se recupe- cussões privadas com as autoridades asiá-
rou novamente para seguir em frente, mas ticas, como é reportado no seu livro.
agora com uma lição árdua bem aprendida. Realmente, uma das atuais batalhas, em
A lição deve ter sido aprendida também primeiro lugar travadas pelo Japão e agora
noutros lugares, comparando o quanto re- também pela China, é para remodelar as
lativamente ilesas a China e a Malásia [e instituições comerciais e financeiras mun-
como já mencionado, por diferentes ra- diais, que estavam destinadas pelos Esta-
zões, a Coréia] saíram da crise financeira. dos Unidos a operar a seu favor. Assim, o
Elas mantiveram controles sobre as expor- Japão queria estabelecer um fundo monetá-
tações de capital, comparadas àqueles paí- rio asiático para evitar que a recessão na
ses que sucumbiram ao remédio letal mi- Ásia Oriental se aprofundasse, tal como
nistrado pelo FMI, ao permitir um fluxo tem ocorrido graças ao Fundo Monetário
de capital especulativo que destruiu seu Internacional baseado e subserviente a Was-
aparelho produtivo e multiplicou o des- hington. E a China entrou para a Organi-
emprego num insuportável problema zação Mundial do Comércio, mas também
econômico, social e político, especial- quer que esta instituição dominada pelo
mente na Indonésia. Ocidente seja reformada para seu proveito.
A força econômico-política subjacente Uma luta econômico-política relacio-
também coloca a Ásia Oriental, e especial- nada com isso é a concorrência entre os
mente a China, o Japão e a Coréia, numa Estados Unidos e a China para substituir o
posição muito mais favorável do que o Japão, a Coréia e o Sudeste Asiático no
resto do Terceiro Mundo e mesmo da Rús- mercado, tirando vantagem de sua banca-
sia e da Europa Oriental para resistir à rrota. O capital norte-americano está com-
chantagem ocidental, tal como ela é agora prando algumas facilidades produtivas da
exercida pelo Departamento do Tesouro Ásia Oriental a preços comerciais básicos,
dos Estados Unidos através do Fundo Mo- embora a China esteja esperando que todos
netário Internacional, do Banco Mundial, eles ou sejam jogados para fora do mercado
da Organização Mundial do Comércio, de competitivo, ou, caso contrário, que se com-
Wall Street e de outros instrumentos. prometam em operações conjuntas. De fato,
O verdadeiro procedimento e custo das foi a desvalorização da moeda chinesa an-
concessões da Ásia Oriental a esta pressão tes de 1997 que reduziu a quota do mercado
ocidental na recessão passada torna politi- mundial de outras economias asiáticas e
camente mais provável, já que isto é econo- corroborou para gerar a própria crise finan-
micamente possível, que a Ásia Oriental ceira. Somente o tempo dirá qual a estraté-
tomará medidas, incluindo especialmente gia terá mais sucesso, mas a China e talvez
uma nova coligação financeira e instituições também alguns países do Sudeste Asiático
138 ANDRÉ GUNDER FRANK

parecem como a melhor aposta no longo É notável que as regiões mais dinâmicas
prazo. Além disso, não importa o quão economicamente da Ásia Oriental hoje tam-
profunda é a recessão no Japão; nem por bém são, ainda ou novamente, exatamente
isso ele é eliminado como sendo um poder as mesmas de antes de 1800 e que sobrevi-
econômico, especialmente na Ásia. Contu- veram no século XIX.
do, há evidência de que a China está tentan- No Sul, Lingnan centrada em Hong
do reconstruir o comércio e o sistema tribu- Kong —no corredor Guangzhou.
tário da Ásia Oriental, em cujo centro ela Fujian, ainda centrado em Amoy/Xia-
estava no século XVIII e que as potências men e focalizado nos estreitos de Taiwan e
coloniais ocidentais desmantelaram no sé- todo o Sudeste Asiático no sul do Mar da
culo XIX. China; e entre eles,
Também significativo é que a Índia e O Vale do Yangtse, centrado em Shang-
mais recentemente, numa escala menor, a hai, e o comércio com o Japão que está já
China permaneceram substancialmente tomando a dianteira novamente das regiões
imunes à atual recessão, graças em parte à sudeste e nordeste.
inconversibilidade das suas moedas, o yuan Mas já então havia também uma quarta
e a rúpia, e à válvula nos seus mercados de região econômica em torno do norte do
capitais, que permite a entrada, mas contro- Mar da China, as relações de comércio
la a saída de capital. A desvalorizações da quadrangular entre a Manchuria e outros
moeda dos concorrentes da China em outros lugares no Nordeste da China, o Extremo-
lugares da Ásia Oriental e o reduzido in- Oriente da Sibéria/Rússia, o [nordeste?] do
fluxo para a China dos capitais chineses no Japão, e a Coréia, mas também incluindo a
estrangeiro e japoneses, que são negativa- Mongólia. Embora estas três primeiras re-
mente afetados pela recessão na Ásia Orien- giões acima citadas estejam já experimen-
tal, pode obrigar também a China a uma tando um tremendo crescimento econômi-
nova desvalorização para permanecer com- co [e de poder político?] no sentido absolu-
petitiva. Não obstante e apesar dos seus to do termo, a quarta região em volta da
graves problemas econômicos, as econo- Coréia parece desfrutar do maior cresci-
mias chinesa e japonesa parecem já estar e mento relativo, e dentro dela o capital co-
continuar capazes de se tornarem suficien- reano também. Ela está ajudando a desen-
temente produtivas e fortes competitiva- volver recursos no Extremo-Oriente da
mente para resistir e superar estes proble- Rússia e também na Ásia Central, no Kasa-
mas. No Sudeste Asiático, a Malásia tem quistão. A população chinesa do lado russo
seguido com sucesso o modelo chinês de do Rio Amour foi estimada já como exce-
abrir seu mercado de capitais a influxos, dendo a 5 milhões de pessoas, constituindo
mas restringindo especialmente os fluxos um bolo de trabalho barato. A provável
para fora de suas fronteiras do capital espe- mudança política no DRNK pode muito
culativo. A Coréia não precisou destas me- bem acrescentar uma nova fonte de trabal-
didas emergenciais, já que recebeu relati- ho barato para este crescente bolo de trabal-
vamente pouco capital estrangeiro para co- ho na Região do Nordeste Asiático e para
meçar. seu Extremo-Oriente russo também uma
ANEXO: TIGRE DE PAPEL, DRAGÃO DE FOGO 139

base barata de recursos metalúrgicos, flo-


restais, agrícolas e mesmo petrolíferos. Os
capitais coreanos e japoneses podem fazer
disto um pólo de crescimento regional muito
atraente em si e uma região muito compe-
titiva no mercado mundial.
Todas estas regiões, em compensação,
foram, ainda ou novamente, e são crescen-
temente segmentos importantes do comér-
cio mundial e da economia global. Nesse
sentido também e embora sua história ter-
mine em 1800, uma investigação da econo-
mia mundial e do lugar predominante nele
da Ásia Oriental, incluindo a economia
coreana, aponta para as bases mais funda-
mentais do desenvolvimento econômico
contemporâneo na região e também pressa-
gia importantes desenvolvimentos econô-
micos num futuro previsível.

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