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O encarceramento em massa é uma das grandes questões sociais do Brasil desde sua

constituição como Estado e só vem se agravando. Dados do Departamento Penitenciário


Nacional (DEPEN) estimavam, em 2016, cerca de 726 mil pessoas privadas de liberdade.
A taxa de aprisionamento cresceu 157% entre 2000 e 2016, indo de 137 para 352,6
presos a cada 100 mil habitantes. Em decorrência disso, há baixa de vagas nos
presídios, causando superlotação. Independente desta superlotação, a realidade nestes
espaços é marcada pelas sempre existentes violações de direitos humanos – vale
lembrar o massacre do Carandiru, em 1992 – e inexistência de qualquer ambiente
propício à convivência comunitária entre os indivíduos ali abrigados pelo Estado. É, pelo
contrário, ambiente cuja sociabilidades são pautadas na violência estrutural.

Para uma compreensão histórica deste contexto, Castanho (2019) faz um apanhado dos
principais marcos legais da regulamentação das prisões e do tratamento reservado aos
privados de liberdade. Menciona que apenas em 1940 passou-se a compreender as
pessoas privadas de liberdade como cidadãs, a partir do artigo 38 do Código Penal: “o
preso conserva os direitos não atingidos pela perda de liberdade, impondo-se a todas as
autoridades o respeito à sua integridade física e moral” (BRASIL, 1940). Em 1984, é
criada a Lei de Execução Penal (LEP), que “fundamenta os direitos, deveres, sanções da
disciplina e avaliação dos presos, tendo como foco a reintegração social, buscando a
prevenção do crime e a preparação da pessoa presa para o retorno ao convívio social.
Prevê à população prisional: assistência jurídica, educacional, social, religiosa e de saúde
(BRASIL, 1984).” (Castanho, 2019).

Quanto às políticas de saúde no sistema prisional, Castanho (2019) menciona, a partir de


levantamento de Lermen et al. (2015), além da própria LEP, o Plano Nacional de Saúde
no Sistema Penitenciário (PNSSP), de 2004, baseado nos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS), e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas
de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), de 2014, ainda buscando garantir o acesso
integral ao SUS para esta população, a partir de ações conjuntas entre as diversas
esferas governamentais. Castanho (2019), citando Lermen et. al (2015), ressalta que a
PNAISP traz a nomenclatura “pessoas privadas de liberdade”, excluindo a forma
reducionista da nomenclatura “preso” e “condenado”, que reduz a pessoa ao seu delito
(p. ??).

Sobre o histórico das políticas de atenção ao egresso em São Paulo, estado que conta
com cerca de 33% da população carcerária brasileira, totalizando cerca de 240 mil
pessoas em 2016, Castanho (2019) refere o Decreto no 47.930, de 2003, que unificou a
Secretaria da Administração Penitenciária ao Departamento de Reabilitação Social
Penitenciário, criando o Departamento de Reintegração Social Penitenciário, enfatizando
a ressocialização e buscando-se um compartimento de responsabilidade quanto a isso.
Castanho (2019) menciona também o Decreto no 54.025, de 2009, criou e organizou a
Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania, ainda no esforço de reorganizando
dos serviços em prol da atenção ao egresso e família.
A Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (CRSC) tem o objetivo de
coordenar as ações referentes à reintegração social de pessoas em situação de
vulnerabilidade frente ao sistema penal. Ela “é responsável por todas as ações que
visam reintegrar o recluso à sociedade, pelo cumprimento de penas alternativas à
pena privativa de liberdade e pelo atendimento aos egressos do Sistema Prisional e
seus familiares” (SILVA, 2019, p. ??). Este atendimento aos egressos se efetiva, em
São Paulo, por meio do Programa de Atenção ao Egresso e Família, “cuja
institucionalização se subsidia no Parágrafo Único do Artigo 10 da LEP que estabelece
que: “A assistência estende-se ao egresso” (BRASIL, 1984, online).” (SILVA, 2019,
p. ??).
Os Centros de Atenção ao Egresso e Família (CAEF) são os equipamentos públicos
que efetivam esta política na assistência direta ao egresso, visando sua reintegração
social. Para cada unidade, está prevista uma equipe mínima formada por um técnico
de nível superior em Direito, Psicologia ou Serviço Social, um oficial administrativo e
três estagiários (dois de nível superior e um de nível médio). A realidade do serviço, no
entanto, é condizente com o sucateamento das políticas públicas: Silva (2019)
encontrou, em sua pesquisa em (VER NÚMERO) CAEFs, que a maioria não possuem
esta equipe mínima e, quando há, realizam mais atendimentos do que a máxima
preconizada na política. As técnicas entrevistas mencionam que isso acaba causando
uma precarização do trabalho dos estagiários, não havendo a devida supervisão e
integração com a formação profissional. Mencionam realizar, mesmo com as equipes
precarizadas, cerca de 40 a 50 atendimentos diários, cerca de 500 mensais.
Consequentemente, sofrem com a sobrecarga de trabalho.
Isso se deve, em parte, pela expansão exponencial do serviço desde sua inauguração,
indo de uma unidade, em 2002, para 46, em 2018, segundo Silva (2019, com base em
dados ofertados pela CRSC. O número de atendidos, é claro, também cresceu: dentre
os atendimentos de egressos homens, foram de 2.020 em 2003, para 130.994 em
2017, enquanto os de egressas mulheres foram de 126 para 14.675, no mesmo
período. Já o número de atendimentos de familiares foi de 318 para 26.777. Silva
(2019) destaca, a partir destes dados, a maioria de egressos masculinos, condizente
com a realidade do sistema prisional, sendo que as mulheres perfazem 7% da
população carcerária. Ressalta, ainda, que entre 2000 e 2016 houve um aumento de
656% da população de mulheres no sistema.
Silva (2019), que em sua pesquisa de doutorado entrevistou assistentes sociais que
trabalham em CAEFs, assinala que os técnicos mencionam o aumento da procura
pelo serviço como resultado de um “incessante trabalho de divulgação que os técnicos
realizam cotidianamente entre os reclusos e egressos, a rede intersetorial que compõe
os municípios em que estão instaladas as centrais e a população de forma geral”
(p. ??), e pontuam a importância deste trabalho considerando que esta é uma política
pública recente. O trabalho com os reclusos acontece, principalmente, nas chamadas
Jornadas de Cidadania e Empregabilidade.
Silva (2019) expõe que, ainda que no Caderno de Orientações Técnicas do CAEF
conste como sua atribuição:
“Proporcionar o acesso à cidadania, por intermédio de serviços públicos, para a
população egressa do Sistema Penal Paulista e seus familiares, bem como para a
família do preso; Assegurar que as ações tenham centralidade na família e que
garantam a convivência familiar e comunitária.”
A prática cotidiana do serviço é atravessada por suas atribuições mais burocráticas,
em especial o acompanhamento de benefício, que os egressos chamam de “assinar
carteirinha”. Esta tarefa, considerada pelos técnicos entrevistados por Silva como o
principal motivo para a sobrecarga do serviço, “consiste na fiscalização do
cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de
finais de semana e também na supervisão da execução das prerrogativas para a
suspensão de pena e o livramento condicional” (Silva, 2019, p. ??)

A burocratização dos atendimentos também é vista no fato de que


“assistentes sociais das CAEF’s indicaram que as famílias, quando são atendidas, não recebem
ações diferenciadas dos egressos, sendo que se tratam de atendimentos pontuais, mais
voltados a encaminhamentos e orientações e, em sua totalidade, para familiares de pessoas
que ainda estão reclusos, sendo exíguas as ações com familiares de egressos” (SILVA, 2019,
p. ??)

Os profissionais entrevistados mencionam ainda que, quando há tentativas de realizar


trabalhos coletivos com as famílias, há demasiados empecilhos institucionais,
organizacionais e práticos que impedem sua continuidade. Também é mencionada a
necessidade de articulação com os Centros de Referência da Assistência Social para
a efetivação deste tipo de iniciativa. Silva (2019), sobre isso, pontua sobre o caráter do
CAEF de “primeira referência institucional” após a reclusão.
Para que o trabalho com o egresso seja efetivo, é fundamental buscar a compreensão
do fenômeno do encarceramento e da criminalidade como partes de um processo
fundante da sociedade, e não algo estranho a ela. A partir disso, reconhecer os
determinantes sociais do problema e aplicar essa compreensão à atenção reservada a
cada indivíduo compõem o ponto de partida do trabalho da psicóloga e demais
técnicas implicadas nos trabalhos voltados ao egresso.
Sobre isso, Seron (2009) encontra em seu estudo que a maioria dos egressos do
sistema prisional vêm de famílias de classe socioeconômica baixa e têm histórico de
trabalho infantil. Encontra, em sua pesquisa qualitativa, que a decisão de trabalhar na
infância está relacionada à dinâmica familiar, bem como à evasão escolar. Traz em
seus resultados que “a maioria dos egressos entrevistados começou a trabalhar ainda
criança, entre 7 e 8 anos de idade, e naquele momento o trabalho representou para
eles e para os seus grupos familiares uma estratégia que visava diminuir o sofrimento
causado pela carência material” (p. ??) e relembra, citando Mello (2001), que “um
grande número de famílias sobrevive, em parte, graças ao trabalho de crianças e
adolescentes” (p. ??).

O histórico de violência e privação de direitos também figura como determinante social


nas condições do encarceramento feminino, em suas especificidades. Castanho (2019)
encontrou em sua revisão bibliográfica que “as mulheres com passado carcerário são
mais jovens, mais pobres, menos educadas e trabalhadoras informais, além de terem
mais comumente sofrido violência doméstica, utilizado drogas e vivido na rua”. A vivência
pessoal da violência e dos conflitos familiares, desde a infância, parecem ser
determinantes da condição das mulheres em privação de liberdade.

A violência estrutural que permeia a vida dos egressos antes da prisão faz parte de um
ciclo que produz ou busca produzir a manutenção de sua condição. A violência e falta de
assistência característica do período de execução da pena manifesta-se na fragilidade
dos vínculos, após a reclusão, como apontado pelo DEPEN, segundo Castanho (2019),
que “aponta como um dos motivos para tal realidade o tempo de encarceramento, o qual
dificulta o retorno do presidiário à sociedade” (p. ??). Isto acarreta na fragmentação das
redes previamente estabelecidas e no afastamento do convívio social. Convém, também,
avaliar qual o sentido de inclusão se trabalha na atenção ao egresso, sendo fundamental
considerar a singularidade de cada sujeito em seu processo. Castanho (2019) explicita: “o
sujeito egresso nem sempre tem um exercício de cidadania capaz de promover sua
inclusão na sociedade, entretanto, muitas vezes, apenas se adapta ao convívio social,
executando atividades sem nenhum sentido para si” (p. ??).

De fato, a vivência no sistema carcerário por si só é um determinante na quebra dos


vínculos, sendo não uma fuga ao funcionamento normal do sistema, mas parte fundante
dele, em seu fechamento enquanto instituição total (Goffman, 2008). Para reduzir os
danos deste funcionamento, uma das possibilidades é a visitação. No estudo de
Castanho (2019), “76,9% dos egressos entrevistados receberam visitas durante o período
de encarceramento, todas realizadas por algum familiar, nenhum dos entrevistados
recebeu visitas de amigos ou alguém da comunidade” (p. ??), demonstrando o
estreitamento dos laços sociais e limitação à convivência comunitária. O não recebimento
de auxílio reclusão também dificulta a manutenção dos laços, em especial de famílias que
moram longe.
O tratamento degradante reservado aos familiares das pessoas privadas de liberdade
–destas estendido – também é fator na fragilização dos vínculos. A partir de sua
pesquisa bibliográfica, Silva (2019, p. ??) alerta que “inúmeros são os estudos que
apontam o tratamento desumano às pessoas que visitam seus conhecidos na prisão
(PEREIRA, 2005; JUNQUEIRA, 2005; HOWARD, 2006; CASTILHO, 2007, QUEIROZ,
2015)”. A desistência do contato acontece tanto por parte da família quanto do
encarcerado, para poupá-los. Mencionam, especificamente, os procedimentos de
revista íntima e seus efeitos simbólicos na subjetividade dos indivíduos.
Os impedimentos institucionalizados também são vários: somente são permitidas
visitas de familiares de até segundo grau. Quanto aos companheiros, é necessário que
haja reconhecimento legal da união. E, embora possam cadastrar até oito pessoas
para visita-los, somente são permitidas duas por dias. A substituição de nomes de
visitantes cadastrados só ocorre após 180 dias da exclusão prévia (SILVA, 2019). A
burocratização, ainda que a autora considere sua importância na organização do
estabelecimento, dificulta a presença dos familiares, em especial das pessoas em
situação de vulnerabilidade social. Mesmo a exigência de alguns documentos impõe-
se como impeditivo para a realização das visitas. A regularização da situação conjugal,
quando há interesse dos companheiros, implica uma quantia significativa. Os horários
e dias oferecidos também não consideram as diversas rotinas de trabalho possíveis,
bem como impactam na educação dos filhos das mulheres em privação de liberdade.
O afastamento das unidades dos centros urbanos agrava ainda mais todo este
cenário. Silva (2019) ressalta que há legislação que preveja o direito do preso à visita
e convivência familiar – menciona os artigos 41 e 66 da LEP e o Ofício Circular
SAP/GS nº 15 de 2000 no estado de São Paulo, que assegurou a transferência para
unidade na mesma região da residência familiar. A garantia deste direito, entretanto, é
dependente da disponibilidade de vagas para as transferências, sendo, na prática,
impossível.

Um dado curioso, trazido por Castanho (2019), é a de que os poderes paralelos


permanecem atuantes onde o Estado falta. Em sua pesquisa, relata que “o Primeiro
Comando da Capital (PCC) freta ônibus para os familiares dos encarcerados em dias de
visita” (p. ??).

A vivência na prisão também favorece a quebra dos vínculos por meio da própria cultura
vivenciada para dentro dos muros. Segundo Cruces (2009), para Barreto (2006) essa
experiência “traz consequências irreparáveis para sua vida, e elas são levadas para fora dos
muros da prisão. A pessoa presa assimila a cultura prisional, que é muito diferente daquela
adotada pelas que estão em liberdade” (p. ??). Silva (2019) corrobora essa tese e exemplifica:

Se, no estabelecimento prisional, as pessoas devem ser passivas e submissas às regras


institucionais, no mundo liberto, é importante que haja autonomia. Se, nas penitenciárias, os
reclusos resolvem uma situação conflituosa por meio da força e da dominação, nas relações
interpessoais do mundo externo, é preciso diplomacia. Se nas celas, a desconfiança é um
sentimento sempre presente, na vida familiar, é indispensável confiança e o auxílio mútuo.
Inúmeros são os aspectos que divergem entre uma cultura e outra, o que torna o indivíduo
estranho ao seu próprio local de origem, como pássaro que, após ser retirado e aprisionado em
uma gaiola, não mais consegue retornar ao seu ambiente natural. (BARRETO, 2006, p. 591).

Em estudo sobre a identidade e representações sociais, Cruces (2009) encontrou egressos que
acreditam no “amor só de mãe”, valorando os vínculos familiares acima de qualquer outro, seja
dos relacionamentos amorosos, seja das amizades. Afirmam, ainda, que passaram a desacreditar
da amizade após a prisão, mas que a crença no amor se mantivera antes e depois da reclusão.

A família apresenta-se, nas diversas pesquisas analisadas, como um dos principais fatores
na facilitação da reintegração social dos egressos. Segundo Seron (2009, p. ??) “é na
receptividade e na aceitação incondicional proporcionada pela família que é dada a
condição de pertencimento ao egresso”. Em sua pesquisa, todos os egressos atribuíram às
suas famílias “o principal elemento de contribuição para que tivessem se mantido firme no
propósito de não reincidir” (p.??), sendo o principal ponto de referência quando saem da
reclusão, figurando como primeiro apoio material e afetivo de que dispõem, e a
responsável por estimulá-los a desenhar planos para o futuro. Este entendimento é
corroborado por Cruzes (2010).
O foco da pesquisa de Seron (2009) foi a representação do trabalho para estes indivíduos,
também nisso encontrou relação com os vínculos familiares, pois este “possibilita ao
egresso se manter junto da família, na medida em que viabiliza as condições materiais
mínimas para a convivência do grupo familiar” (p. ??). E conclui:
Um aspecto do trabalho muito discutido pela comunidade científica é sua capacidade de
promover o desenvolvimento e a realização pessoal do trabalhador. No caso deste estudo,
isso parece não se concretizar, uma vez que o que parece ficar evidente é que na sua
totalidade, os entrevistados demonstram que a única finalidade do trabalho, para eles, é
garantir a sua sobrevivência e a da família

Castanho (2019), em sua pesquisa, identifica também o movimento contrário: o


processo de encarceramento é descrito por alguns egressos como disparador de um
movimento de aproximação com a família, e provocando mudanças nessa interação. Os
vínculos familiares figuram como um dos principais elos do individuo com a sociedade,
sendo também fonte de recursos para o egresso, podendo colaborar inclusive em outros
aspectos da reintegração, como a geração de emprego e renda. Explícita por meio de
trechos de algumas entrevistas, que consideramos relevante reproduzir neste trabalho:

[...] quando eu fiquei presa, eu vi que eles eram meu porto seguro, é com quem eu
podia sempre contar e me dava valor realmente pelo que eu era e não pelo que eu
tinha. (E3)
[...] Minha família [...] Sempre foi distante, mas depois que eu fiquei preso todo mundo
se juntou. Hoje está me dando mais atenção. (E4)
O apoio principal foi minha irmã, que me incentivou [...] eu vou te ajudar se você
quiser oportunidade você vai ter, pra você se regenerar, para uma nova jornada, nova
trajetória viver de verdade [...] e foi Deus e depois minha irmã que deu o maior
incentivo [...] (E12)
[...] meu padrinho e eu já sai empregado [...] (E1)
[...] meu tio me ajudou [...] arrumou trabalho pra mim (E2)
Trabalha eu e minha mãe. Nós fazemos encomendas de salgados [...] (E5) (p. ??)
Ressalta-se que o papel da família no processo de reintegração não substitui a necessidade de
assistência do Estado por meio de políticas públicas reparativas, aliadas à organização social na
defesa intransigente dos direitos sociais. Este aspecto da questão traz para a discussão o papel da
psicóloga na transformação da sociedade, preconizado pelo projeto político do compromisso
social da profissão. Cruces (2010)Num segundo plano e levando-se em conta as condições das
prisões, é fundamental que o psicólogo promova discussões e reflexões sobre os males, os
custos e a impossibilidade de que nelas se socialize ou ressocialize. Desse modo, podem-se
buscar penas, não apenas punitivas, mas retributiva \\ Ainda nessa mesma vertente, é de
fundamental importância trabalhar no sentido de abrir e de desvelar o mundo das prisões em
toda a sua realidade, para que a sociedade em geral tome consciência de suas mazelas e de
sua inutilidade

estigma mesmo dos profissionais que cuidam dessas pessoas, como “defensores de bandidos”

REINTEGRACAO SOCIAL

Vasconcellos (2007) ressalta que a reinserção social de um indivíduo só


poderá ocorrer a partir do momento em que ele passar pelo processo de
ressocialização e reeducação.
Falconi (1998) traz conceituações para os termos: “Reeducar” para ele
pressupõe dar educação novamente, o termo possui caráter de
dominação. O sistema é de obediência cega, correspondendo ao estilo militar,
no qual o respeito às regras impõe-se não pela conscientização, mas pela
ameaça, pelo temor que o universo do cárcere transmite, tendo função
pedagógica e correcional.
Ressocialização está no ato de “converter”. Pela execução da pena, a
pessoa é adaptada às normas sociais, compreendendo ter errado
(entronização do senso moral), partindo do pressuposto de que teve uma
conduta desajustada por falta do senso moral (FALCONI, 1998).
A reinserção social acontece quando a reeducação e a ressocialização fizeram-
se presentes no processo do aprisionamentoO termo “ressocialização”, para
Baratta (2011), demonstra uma postura passiva de alguém que precisa ser
(re)adaptado, (re)habilitado, e propõe o termo “reintegração”, que pressupõe
uma postura ativa de interação e comunicação entre o indivíduo e a sociedade.
As políticas nacionais existentes carregam, em sua maioria, a
denominação de “reintegração social”.
egundo Ferreira (2000, p. 1327) reintegrar significa “1- Conduzir novamente para o mesmo
lugar; 2- Restituir a alguém aquilo de que foi privado”. Na realidade da grande maioria de
homens e mulheres que passam pelo sistema prisional reintegrar à sociedade não adquire esta
mesma acepção, pois se trata de sujeitos cuja trajetória de vida foi marcada por múltiplas
violações e exclusões antes mesmo do aprisionamento

A ideia e a prática da ressocialização com encarcerados tiveram suas primeiras manifestações


na década de 1950, e estavam ligadas ao Direito Positivista com a função primordial de corrigir
e educar o delinquente por meio de estratégias que possibilitassem ao cárcere manter o que
restava de humanidade aos detentos.ssim, o caráter ressocializador da 107 pena emergia em
contraposição ao retribucionismo80 e buscava, através principalmente de atividades
laborativas e da educação formal, adequar o delinquente às normas sociais, corrigir seu
comportamento e lhe introjetar noções de ética do trabalho. O alicerce do tratamento
ressocializador era totalmente reformatório e colocava toda responsabilidade de seu sucesso
ou insucesso unicamente no detento. Era necessário que ele saísse da prisão preparado para
ser um subalterno, passivo e eficiente trabalhador, já que essa imagem mostrava-se
inteiramente contrária a de delinquente e, logo, atestava que a prisão havia alcançado seu
objetivo.

O ideal ressocializador é, portanto, construído sobre uma inquebrantável base disciplinar e a


única resposta que espera dos presos é o silêncio ensurdecedor da submissão, sendo o maior
ou menor grau de obediência à hierarquia o fator determinante para divisar o comportamento
normal e o anormal havido no cárcere e, portanto, para determinar a duração das penas dos
encarcerados. Quanto mais dócil, submisso, obediente e objetificado, melhores as chances de
ser reconhecido como “perfeitamente ressocializado” à vida em sociedade – expressão
contraditória por excelência. (PETER FILHO, 2011, p. 83-83).

Não há como aceitar que homens e mulheres, que sofreram os mais diversos tipos de
humilhações, violências e violações de direitos dentro do cárcere, sejam considerados
“ressocializados” pelo simples fato de se sujeitarem a quaisquer condições de vida que lhes
são impostas e não questionarem a dinâmica desigual, injusta e precária em que são inseridos
antes, durante e após o encarceramento.

[...] o sentido que fornece vida à Reintegração Social não está no cárcere, mas sim fora dele:
brota da sociedade, das relações humanas que não se pagam, da centelha de vida que
singulariza os homens e os tornam seres de transcendência. A experiência da Reintegração
Social, portanto, é edificante independentemente do cárcere, pois que sua práxis subsiste e é
maior que ele. (PETER FILHO, 2011, p. 81).

A Reintegração Social, de acordo com Baratta (2004, online) deve ser compreendida a partir de
dois núcleos basilares: o primeiro diz respeito às oportunidades que serão viabilizadas aos
presos após o cumprimento da pena (programas, projetos, benefícios); já o segundo relaciona-
se a ações e estratégias que possibilitem a descarcerização, visando à construção de condições
culturais e políticas que permita à sociedade “livrar-se da necessidade da prisão”, ou seja, não
basta uma prisão melhor, mas sim, uma sociedade com menos cárcere. P Porém, não há outra
maneira de se efetivar as ações propostas nestes dois núcleos do que a participação ativa da
sociedade civil na prisão.
A Reintegração Social pressupõe, desta forma, ultrapassar o mero objetivo de modificação da
conduta do preso, transformando-o em um ser passivo e submisso às demais esferas sociais,
para se adotar, então, a transformação da sociedade, da sua forma de ver o cárcere e os
prisioneiros, de modo que ela assuma para si a corresponsabilidade pelos problemas e
conflitos que se encontram segregados na prisão, mas que foram produzidos antes do
encarceramento.

Tendo a necessidade de se iniciar ainda quando a pena privativa de liberdade está sendo
cumprida, a reintegração social visa o estabelecimento da corresponsabilidade entre
sociedade civil, poder público e egressos sobre os condicionantes sócio-políticos e econômicos
que levam ao aprisionamento de algumas pessoas em detrimento de outras; com isto,
problemáticas de raiz social deixam de ter sua resolutividade no âmbito individual, o que
oportuniza aos egressos participarem efetivamente da sociedade na condição de cidadãos

JÁ ERA DISCRIMINADA ANTES Pode-se constatar que essas pessoas já eram discriminadas
pela sociedade, seja pela classe social a que pertencem, pela sua cor, pelo seu poder
aquisitivo ou por inúmeros outros fatores. Desse modo, nunca foram inteiramente
socializadas. Na verdade, para socializar-se é necessário seguir os padrões previstos pela
classe dominante, com suas ideologias e valores.

PROBLEMATIZA REINTEGRACAO Consideramos que não é possível falar em ressocialização


ou reintegração à sociedade de pessoas presas, quando se trata daqueles que foram
transformados em delinquentes por essa mesma sociedade da qual pode ser que já
estivessem à margem. Na melhor das hipóteses, reintegrá-las seria devolvê-las ao lugar de
onde vieram, e colocá-las na mesma situação em que estavam antes de serem presas, pois
este era seu lugar na sociedade, na margem. Mas nem isso acontece, a pessoa sai em piores
condições emocionais, econômicas e sociais, sem possibilidade de conseguir emprego
formal, inferiorizada, perseguida, com sonhos, mas sem credibilidade e segurança para
concretizá-los, reconhecidamente estigmatizada. Notamos que as visitas e o apoio da
família foram importantes para os entrevistados, no entanto parece que não são suficientes
para a transformação da condição de delinquentes que lhes foi imposta. Parece ser
necessária modificação estrutural na sociedade, com mais justiça e oportunidades para uma
efetiva integração social.

mizade após a liberdade.

TEM QUE ATUAR JÁ NA PRISAO – ATUACAO DO PSICOLOGO Primeiramente é necessário


acompanhar a pessoa durante todo o período de detenção, para que, além de minimizar os
efeitos da prisão e da exclusão a que são submetidas, ela possa se fortalecer e preparar-se
para o enfrentamento das suas condições de vida. Isso pode ser feito trabalhando-se com
seus recursos internos e possibilitando o autoconhecimento; pesquisando-se habilidades e
competências já desenvolvidas ou a serem desenvolvidas; planejando e propondo
atividades que permitam a evolução do raciocínio científico; contribuindo para a melhoria
do nível e da qualidade de escolarização, que permitirá a busca de soluções mais criativas e
eficazes no confronto com o cotidiano; atuando como mediador para que a pessoa se
aproprie de instrumentos e ferramentas diferentes das que já conhece, podendo, com elas,
ressignificar e reavaliar sua vida, sua comunidade e seu papel nela; desenvolvendo
trabalhos que a levem a questionar, refletir e proporcionar recursos que lhe permitam
avaliar criticamente seus comportamentos e os dos demais

REVITIMIZACAO POS RECLUSAO PELA SOCIEDADEpenas privativas de liberdade não pode ser
superior a 30 (trinta) anos.” (BRASIL, 1940, online). Entretanto, notamos na realidade, que o
tempo que o indivíduo fica recluso não é proporcional ao tempo de duração de sua pena, isto
é, a pena não termina quando o egresso deixa a prisão. E isto ocorre porque a pena privativa
de liberdade suprime muito mais que a autonomia de locomoção do indivíduo; ela subtrai sua
dignidade enquanto ser humano, suas relações sociais, seus direitos básicos elementares e, em
muitas situações, ultrapassa a pessoa do condenado tendo reflexos na vida de seus familiares.
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não são vistas como violações de direitos e sim como uma complementação justa da pena de
prisão, isto é, todo infortúnio que homens e mulheres passam dentro do cárcere é tido, por
grande parte da população livre, como uma forma justa de retribuição aos delitos que
cometeram pag 77 numa sociedade como a brasileira, marcada pela desigualdade, pobreza e
violação constante de direitos a grande parcela da população, “[...] é necessário que a situação
da prisão seja muito pior que a situação dos simples desfavorecidos” (TAVARES; MENANDRO,
2004, p. 94).

POPULAÇAO SÓ SE PREOCUPA PRA PREVENIR REINCIDENCIASegundo


o IPEA (2015), uma entre quatro pessoas reincidem no crime após sair da
prisão. Portanto, a reinserção social do egresso, preocupação recente, é um
tema relevant

Gênero como determinante social entre egressos do sistema prisional

insuficiência de dados sobre determinadas realidades desde 2008, quando iniciamos nossos
estudos sobre o sistema carcerário feminino8 negligenciada não apenas por pesquisadores,
mas também pela mídia de forma geral, pois se tratam de pessoas que cometeram crimes e,
no julgo popular, merecem ficar isoladas do mundo livre/

peculiaridade do aprisionamento feminino: o abandono social e familiar. Inúmeras são as


causas que levam ao desamparo das reclusas, dentre os quais, a reprovação pelo crime
cometido e a sobrecarga de responsabilidade no cuidado dos filhos delas (por parte de
familiares e amigos) são as mais recorrentes. Apesar deste rompimento de vínculos entre a
detenta e sua família, outra singularidade observada quando analisamos as consequências do
encarceramento feminino é a transposição para os familiares (principalmente filhos) do
preconceito e rejeição que a sociedade tem pela mulher presa. Assim, não somente ela fica
em situação de vulnerabilidade social, mas também seu núcleo familiar que, já tendo que
responder às carências materiais e financeiras (já que, em sua maioria, advém de camadas
empobrecidas), precisam lidar com a discriminação social. Mediante esta realidade, podemos
então, claramente, delinear o contexto e as circunstâncias que aguardam a mulher após seu
cumprimento de pena privativa de liberdade: incertezas quanto a seu destino; fragilização ou
rompimento total dos vínculos familiares e comunitários; desemprego; ausência de renda;
responsabilidade de reaver os cuidados dos filhos; discriminação social e a necessidade de
atender aos condicionantes impostos pelo Poder Judiciário

Exatamente tudo o que foi negado a estas mulheres lhes é cobrado após conquistarem a
liberdade. Mesmo não tendo recebido subsídios para a construção de uma nova trajetória de
vida, as egressas veemse cobradas a dar respostas às suas demandas de forma individual e,
muitas vezes sem o incentivo familiar, comunitário e estatal.

busca por informações sobre como era trabalhada a condição de egressa com as apenadas e,
mediante contato telefônico 13 com os 18 estabelecimentos penais femininos do estado de
São Paulo, obtivemos a constatação de que, devido à grande demanda de trabalho e a
insuficiência (e até mesmo) a inexistência de profissionais, nenhum trabalho é realizado com
as reclusas visando sua situação de egressa, sendo todas as orientações direcionadas à
procura das CAEF’s quando a liberdade chegar Tal realidade descumpre a legislação específica
sobre apenados e egressos do Sistema Prisional, ou seja, a não oferta de orientações e
condições para a reintegração social, vai contra o que determina a Lei nº 7.210 de 11 de julho
de 1984 – Lei de Execuções Penais (LEP), a qual prevê que: Art. 1º A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado. (BRASIL, 1984, online, grifo
nosso).

ABANDONO DA FAMILIA – EGRESSAS


No cárcere feminino a questão da convivência familiar é ainda mais complexa. Uma das
maiores preocupações da mulher presa é sua família; entretanto, paradoxalmente, ela é quem
sofre maior abandono familiar após adentrar a prisão. Inúmeros são os motivos que levam ao
afastamento e/ou rompimento dos vínculos entre as reclusas e suas famílias, dentre os quais,
destacamos: 1) não aceitação da conduta delitiva da mulher por parte da família e intenção de
afastamento das crianças desta “mãe criminosa” – “Estar presa afigura-se como desonra de tal
ordem que alguns familiares preferem que as crianças acreditem estar a mãe morta”
(LEMGRUBER, 1983, p. 86); 2) sobrecarga financeira e de responsabilidade das pessoas que
ficaram com a guarda dos filhos das reclusas (em sua grande maioria avós) impedindo-as de
custear os gastos com a visita; 3) abandono conjugal, uma vez que, enquanto resultado de um
processo histórico, a mulher posiciona-se como mais companheira que os homens nos
momentos de dificuldades e está mais predisposta a passar pelos constrangimentos de uma
revista ou da visita íntima.

Além do abandono por parte do Estado, com ausência de políticas públicas especificas, estas
mulheres são abandonadas por suas famílias e por seus companheiros. [...] A maioria nunca
recebe visitas. O diretor do Depen, Airton Michels, conta na época em que atuava como
promotor na região metropolitana de Porto Alegre (RS), “quando um homem ia preso, as
mulheres procuravam o Fórum para conseguir um advogado para cuidar dos direitos de seu
companheiro. Quando uma mulher ia presa, o homem procurava o Fórum para que o
advogado realizasse o divorcio. Isso define tudo. A mulher continua parceira. O homem, sua
família e toda a sociedade não aceitam a mulher presa, que acaba pagando pena de forma
bem mais severa que o homem. (MISCIASCI, 2009, online)

QUER POUPAR A FAMÍLIA


4) Por fim, há ainda uma preocupação pessoal da reclusa em poupar sua família,
principalmente seus filhos, da humilhação que é estar dentro do cárcere, mesmo que no papel
de visitante.

A maioria das mulheres encarceradas não recebe visitas ou porque seus parentes vivem em
localidades distantes do presídio ou porque têm vergonha de recebê-los dentro do cárcere.
Interessa-nos destacar que o estigma que normalmente cerca a mulher se origina não só do
exterior, mas igualmente do próprio interior da reclusa, que não aceita a prisão e pretende
proteger os que ama afastando-os, possivelmente para justificar a rejeição que o cárcere
provoca. (ESPINOZA, 2004, p. 152-153).

[...] Para a mulher, ser marginal nunca será uma arte, será sempre uma desonra. O próprio
malandro vai recriminá-la por estar presa, largando os filhos a sua própria sorte. Ele, o
homem, pode. Seja malandro, operário, estudante, o homem sempre pode afastar-se dos filhos
se assim o exigir sua ocupação. A mulher nunca. Essa exigência que conflitua todas as
mulheres, atinge mais ainda aquelas que não podem orgulhar-se de seu meio de vida, mesmo
que o façam para sustento dos filhos. (LEMGRUBER, 1983, p. 86)

EGRESSAS RECONSTRUINDO A VIDA


a saída da prisão requer que elas iniciem a montagem de um “quebra-cabeça”, do qual muitas
peças já não se encaixam mais ou sequer existem. Em muitas situações não existem mais casas
para onde voltar, os filhos estão espalhados entre amigos e conhecidos, o companheiro está
recluso ou já se encontra em outro relacionamento. A saída da prisão é um começar do zero,
cujo ponto de partida é a porta da penitenciária e a chegada não tem destino definido

AUTONOMIA FEMINININA NESTE CONTEXTO


Eleanor Rosevelt (CAEF A) atribuiu à autonomia feminina os motivos para o baixo número de
egressas atendidas, pois, segundo ela, a mulher é muito mais independente na busca de
serviços e atividades que contribuam para a retomada de sua vida em liberdade. Ela já sai da
prisão certa do que precisa e vê no trabalho da CAEF uma complementação para aquilo que já
tem definido como objetivo; ao contrário do homem, que ainda tem posicionamento inseguro
e dependente, tanto de figuras femininas que lhe apoiem (mãe, companheira) como do
próprio trabalho ofertado pela CAEF [pag 89-90]

APOIO FAMILIAR AS EGRESSAS


Com relação às egressas atendidas pelas CAEF’s participantes da pesquisa, a grande maioria –
82% - conta com o apoio de familiares para acolhê-las após a prisão, o que 92 minimiza as
dificuldades que terão que enfrentar durante esta trajetória de readaptação ao mundo liberto.
Entretanto, ter para onde voltar não significa condições de sobrevivência adequadas, nem a
vivência em ambiente livre de conflitos. As egressas, em grande parte, já vivenciavam
configurações familiares permeadas por carências materiais, violências e envolvimento em
práticas consideradas ilícitas e, seu retorno para esta realidade nem sempre é algo
ansiosamente esperado por todos, pois, estando em situação de extrema vulnerabilidade,
estas famílias veem nas egressas um aumento nas despesas; já elas anteveem a possibilidade
de retorno para a prática de delitos, pois regressam para o ambiente onde, muitas vezes,
iniciou sua criminalidade.

Em casa, a vida familiar com conflitos e contradições permanecem. De ambas as partes há


despreparo: por um lado, o egresso que é avisado em questão de horas sobre sua libertação e
sem preparo para encarar o “mundão”, pois a instituição prisional determina outro ritmo,
outra forma de viver; por outro lado, os familiares que ansiosos pela saída não se preparam
para receber um sujeito deteriorado pela prisão, pelo sofrimento estéril. (BARROS, 2011, p. 69).

CARACTERIZACAO
As mulheres egressas atendidas pelas CAEF’s são, em sua maioria, jovens – 73% estão entre 26
e 35 anos –, as quais apresentam baixa escolaridade, uma vez que 59% declararam ter apenas
o ensino fundamental incompleto,

A quase totalidade das CAEF’s participantes – 88% – relatou que as egressas atendidas ainda se
encontram desempregadas e uma pequena parcela – 12% – está desenvolvendo atividades no
mercado informal, sendo nula a porcentagem de mulheres empregadas formalmente.

SITUACAO FAMILIAR - PAPEL DE MAE


Conforme já refletido por nós (Silva, 2014) e também atestado por outros autores – Stella,
2006; Howard, 2006; Varella, 2017 – as mulheres presas são, em sua maioria, as responsáveis
familiares, sendo mães solteiras que precisam, mesmo atrás das grades, dar respaldo,
principalmente financeiro, aos filhos que ficaram circulando 77 entre os demais parentes. Há
casos mais específicos em que a inexistência de familiares ou a impossibilidade deles em se
responsabilizarem pelos cuidados das crianças resultam em processo de acolhimento
institucional e a saída da mulher da prisão representa o início da tentativa de reunião dos
filhos, reconstrução dos laços afetivos e retomada do papel de mãe.
A separação dos filhos é um martírio à parte. Privado da liberdade, resta ao homem o consolo
de que a mãe de seus filhos cuidará deles. Poderão lhes faltar recursos materiais, mas não
serão abandonados. A mulher, ao contrário, sabe que é insubstituível e que a perda do convívio
com as crianças, ainda que temporária, será irreparável, porque se ressentirão da ausência de
cuidados maternos, serão maltratadas por familiares e estranhos, poderão enveredar pelo
caminho das drogas e do crime, e ela não os verá crescer, a dor mais pungente. Mães de
muitos filhos, como é o caso da maioria, são forçadas a aceitar a solução de vê-los espalhados
por casas de parentes ou vizinhos e, na falta de ambos, em instituições públicas sob a
responsabilidade do Conselho Tutelar, condições em que podem passar anos sem vêlos ou até
perdê-los para sempre. (VARELLA, 2017, p. 32).

Das egressas atendidas nas CAEF’s, a totalidade é mães, sendo predominante as que possuem
entre 1 e 2 filhos – 53% e, considerável parcela declarou-se solteira – 44%78, sendo tais
mulheres as responsáveis pela manutenção da casa e da família

CHEFE DA FAMILIA
A preocupação da mulher egressa com os filhos e com a manutenção da casa é destacada na
fala dos assistentes sociais das CAEF’s. Na visão deles, é essa vinculação que faz com que a
mulher se organize melhor após a prisão e que lhe impede, muitas vezes, de reincidir. O

O fato de ser o alicerce da família atribui à egressa uma responsabilidade ainda maior, pois
além de ter que garantir condições concretas de sobrevivência aos filhos, ela tem que retomar
sua autoridade e referência como mãe, papéis estes que, em alguns casos, se desfizeram
mediante o tempo de reclusão79. A mulher é cobrada, então, a abandonar de vez a conduta
delitiva não somente em seu favor, mas, principalmente, em benefício dos filhos, os quais já
sofreram diretamente as consequências do cárcere da mãe através da distância, do
preconceito da sociedade e das inúmeras carências e privações pelas quais passaram.

Observando estas características peculiares da egressa, principalmente a sua responsabilização


perante os filhos, afirmamos que para a mulher, a reintegração social não ocorre de forma
processual; devido às circunstâncias concretas e emergenciais, seu retorno à sociedade ocorre
“às pressas”, pois tem que dar respostas imediatas a demandas que não são só suas, mas de
toda a família.
SILVA 2019

Até aqui – silva file:///C:/Users/Joyce%20Hass/Downloads/Silva_AD_te_fran.pdf

ATÉ AQUI CASTANHO 2019 file:///C:/Users/Joyce


%20Hass/Downloads/ANACAROLINAFERREIRACASTANHO.pdf]

• A situação das prisões no Brasil e o trabalho dos psicólogos nessas instituições: uma análise a
partir de entrevistas com egressos e reincidentes1 The correctional facilities situation in Brazil and
the work of psychologists in these institutions: an analysis of the interviews with egresses and
reincidents Alacir Villa Valle Cruces (Laureada pela Academia)2 Secretária da Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo

CRUCES 2010

file:///C:/Users/Joyce%20Hass/Downloads/94615157010.pdf

SERON, Paulo Cesar. (2009) Nos difíceis caminhos da liberdade: Estudo sobre o papel
do
trabalho na vida de egressos do sistema prisional. Tese (Doutorado) – Instituto de
Psicologia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade de São Paulo.
SERON 2009
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-11122009-
114347/publico/TESE_SERON.pdf

Goffman (2008), ao falar de pessoas em privação de liberdade, levanta a questão de


aceitação de papéis aos quais elas não se identificam, pelas situações às quais estão
expostas, ressaltando perdas profundas e rupturas com os papéis anteriores ao
encarceramento. Os muros das instituições que separam este indivíduo do mundo
assinalam para o autor a mutilação do eu

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