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Princípios de desenvolvimento curricular: Um instrumento de análise


qualitativo para a Educação em Ciência

Conference Paper · July 2014


DOI: 10.13140/2.1.1395.7769

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3 authors:

Margarida Morais Marques Maria João Loureiro


University of Aveiro, Portugal (Universidade de Aveiro) University of Aveiro
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Marques, M., Loureiro, MJoão & Marques, L. (2014). Princípios de desenvolvimento curricular: Um instrumento de
análise qualitativo para a Educação em Ciência. CIAIQ2014, 14-16 de julho, Universidade de Extremadura, Badajoz.

Principles of curricular develpment


A qualitative analysis tool for Science Education

Princípios de desenvolvimento curricular


Um instrumento de análise qualitativo para a Educação em Ciência

Margarida Marques (marg.marq@ua.pt), Maria João Loureiro (mjoao@ua.pt) e Luís Marques (luis@ua.pt)

CIDTFF, Dept de Educação, Universidade de Aveiro

Abstract — Curricular development (CD) is a process of (político, administrativo, pedagógico e didático) e decisão
acknowledged complexity involving several decision levels. This (macro, meso e micro) (Gaspar & Roldão, 2007).
paper reports a review of literature aiming to characterize a set Considerando o DC ao nível micro (do professor ou grupos de
of CD guiding principles, for Science Education at the teacher professores no seio de uma escola), a racionalidade técnica-
level (micro). The emphasized principles encompass: i) linear de Tyler dominou até à década de 70 do século passado
decentralised responsibility, ii) flexibility and differentiation, iii) (Slattery, 2006). Contudo, a mesma tem vindo a ser
reflexive endeavour, iv) contextualisation in Science-Technology- questionada, dada a sua natureza formal, teórica e distante da
Society-Environment approaches, v) integration of different prática dos professores (Pinar, 2006). Deste modo, a literatura
areas, and vi) iterative phases. The study allowed the
na área do desenvolvimento curricular tem-se
development of a qualitative analysis tool to be used in the
reconceptualizado no sentido de perspetivar o currículo como
empirical validation of Science Education lesson plans.
um campo interdisciplinar de estudo da experiência educativa,
Keywords - curricular development; guiding principles; reconhecendo a sua vertente humana e crescentemente
analysis tool; Science Education. internacionalizada (Pacheco, 2012; Pinar, 2006; Slattery,
2006). Esta reconceptualização do currículo e do seu
Resumo — O desenvolvimento curricular (DC) é um processo de desenvolvimento confere-lhes maior complexidade, daí a
reconhecida complexidade, que envolve diversos níveis de relevância do trabalho do professor ser apoiado por orientações
decisão. Este artigo reporta uma sistematização de literatura com da investigação em Educação. Contudo, ao pesquisar estudos
o objetivo de caracterizar um conjunto de princípios orientadores prévios de análise do DC efetuado por professores constatou-se
do DC a ter em conta na Educação em Ciência, ao nível do
que a maior parte da literatura recente relativa ao currículo e
professor (micro). Realça-se que o DC deve ser um processo: i) de
responsabilidade descentralizada, ii) flexível e diferenciado, iii)
seu desenvolvimento é de natureza teórica (por exemplo,
reflexivo, iv) contextualizado em abordagens Ciência-Tecnologia- Gaspar & Roldão, 2007; Priestley, 2011; Slattery, 2006),
Sociedade-Ambiente, v) integrado, e vi) com fases iterativas. Do revelando ‘tensions between curriculum theory and curriculum
estudo, propõe-se um instrumento de análise passível de ser development’ (Pacheco, 2012, p.9).
usado na validação empírica de planificações de ensino na Considerando o acima apresentado, torna-se pertinente não
referida área. só identificar e sintetizar um conjunto de princípios que possam
guiar a prática docente no que diz respeito ao DC, como
Palavras Chave - desenvolvimento curricular; princípios também desenvolver instrumentos de análise que permitam
orientadores; análise qualitativa; Educação em Ciência. reconhecer práticas consonantes com indicadores emergentes
da literatura da especialidade. Deste modo, este estudo visa
I. INTRODUÇÃO responder a esta necessidade, apresentando uma proposta de
O desenvolvimento curricular (DC) pode ter subjacente instrumento de análise de dados empíricos, particularmente de
racionalidades distintas, conforme a perspetiva de Educação módulos curriculares desenvolvidos por docentes de ciências,
perfilhada e os pressupostos assumidos na análise da realidade baseado na literatura da especialidade. Nas secções seguintes
educativa (Kelly, 2009; Pacheco, 2012; Roldão, 1999). Nesse apresenta-se: i) uma síntese de literatura sobre DC que
processo reconhecem-se diferentes níveis de intervenção possibilitou a proposta do instrumento de análise, que é
constituído por um conjunto de categorias de análise de A. Princípio de DC descentralizado
conteúdo (Bardin, 1991) de princípios de DC consonantes com Os indicadores e respetivas descrições referentes ao
perspetivas atuais na literatura; e ii) considerações finais. princípio de DC descentralizado encontram-se na Tab. 1 e,
II. PRINCÍPIOS DE DC EMERGENTES DA LITERATURA como se referiu anteriormente, baseiam-se na literatura.
Posicionando-se a favor da descentralização, Pacheco
Nesta secção apresenta-se uma breve conceptualização de (2005) considera que o DC requer a colaboração e cooperação
currículo, seguida de uma análise da literatura da área dos entre diversos atores com distintos pontos de vista sobre o
estudos curriculares que permitiu fazer emergir seis princípios processo de ensino e aprendizagem e que detêm poderes,
orientadores de DC. Embora reconhecendo que outros explícitos ou implícitos, de decisão curricular. Deste modo,
princípios poderiam também ser apontados, os autores recomenda-se que a responsabilidade pela decisão acerca do
consideram que os que se apresentam neste contributo currículo esteja distribuída entre o poder central e o
constituem uma base de trabalho relevante quer para regional/local (Martins, 2012; Gaspar e Roldão 2007). Akker
investigadores que pretendam explorar, criticar e aperfeiçoar o (2003) refere que os documentos curriculares oriundos do
conjunto de princípios de DC e o instrumento de análise poder central geralmente focam-se na racionalidade
proposto quer para professores que os queiram usar para guiar educacional adotada, finalidades e objectivos educativos a
a sua prática. Por fim, reflete-se sobre a natureza articulada dos atingir, conteúdo a ser estudado e, por vezes, guia de alocações
princípios identificados neste contributo. temporais para as diversas disciplinas. Ás escolas e professores
O tradicional associar do currículo a uma listagem de o autor reconhece a responsabilidade pelas atividades de
disciplinas e/ou conjunto de conhecimentos a ser ensinado é aprendizagem, definição do papel do professor e selecção de
atualmente considerado limitador e desadequado (Kelly, 2009). recursos educativos.
Por exemplo, Roldão (1999) defende que o termo currículo
engloba, por um lado, um conjunto de aprendizagens que se TABELA 1 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO
espera que a Escola promova e garanta a todos os cidadãos, DE DC DESCENTRALIZADO
consideradas socialmente desejáveis e necessárias, num dado DC deve ser um processo de responsabilidade partilhada
contexto espacial, temporal e cultural. Por outro lado, a autora I1 Decisão curricular partilhada pelo poder central e regional/local
destaca que o currículo abrange ainda o modo, o caminho, a (Pacheco, 2005; Martins, 2012; Gaspar e Roldão, 2007)
organização e a metodologia que a Escola/professores, Menciona que as decisões curriculares dos docentes (poder
responsáveis por gerir o currículo, colocam em marcha para a regional/local) e as orientações da tutela (poder central) são
consecução dessas aprendizagens. articuladas.
Da literatura na área da Teoria e Desenvolvimento I2 Decisão curricular partilhada entre professores (Anderson & Rogan,
Curricular consultada (nomeadamente, Akker 2003; Gaspar & 2011; Kelly, 2009; Pacheco, 2005)
Roldão, 2007; Kelly, 2009; Pacheco, 2005) emergiu que o DC, Reconhece que as decisões curriculares são/podem ser efectuadas por
grupos de professores que colaboram entre si.
particularmente ao nível micro, deve privilegiar vários I3 Decisão curricular apoiada por facilitadores externos (Kelly, 2009;
princípios inter-articulados. Assim, realça-se que o DC deve Pacheco, 2005; Akker 2003)
ser um processo: Reconhece que as decisões curriculares são/podem ser apoiadas por
• de responsabilidade descentralizada (Anderson & Rogan, facilitadores externos.
2011; Kelly, 2009), I4 Decisão curricular inclui contributos dos alunos (Pacheco, 2005;
• flexível e diferenciado (Gaspar & Roldão, 2007; Gould, Kelly, 2009)
2012; Trindade et al., 2000), Reconhece que as decisões curriculares podem tomar em consideração
contributos dos alunos envolvidos no projeto curricular em
• requerendo capacidade reflexiva (Cruz, 2010; Ghaye, 2010; desenvolvimento.
Schön, 1983), Decisão curricular inclui contributos dos pais/cuidadores dos alunos
I5
• contextualizado (Gaspar & Roldão, 2007) numa abordagem (Pacheco, 2005; Kelly, 2009)
Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA), no caso Reconhece que as decisões curriculares podem tomar em consideração
da Educação em Ciência (Bennett et al., 2007; Pedretti & sugestões dos pais/cuidadores dos alunos envolvidos.
Nazir, 2011),
• integrado de forma multi, inter ou transdiciplinar (Collin, Numa abordagem que valoriza a decisão ao nível local,
2009; Drake, 2012; Nargund-Joshi & Liu, 2013) e Kelly (2009) recomenda um DC baseado na escola. Este requer
• com fases iterativas de conceção, implementação e agentes de mudança no interior da escola que, por exemplo,
avaliação (Gaspar & Roldão, 2007; McKenney et al., organizem parcerias com agências externas (Kelly, 2009) ou
2006). facilitadores externos (Akker, 2003) para apoiar grupos de
docentes envolvidos em iniciativas específicas de cariz
De seguida, apresenta-se a sistematização da literatura inovador. Como vantagens desta opção Kelly apresenta: i) evita
consultada sobre DC e o instrumento de análise que dela os problemas da disseminação da inovação imposta
resultou. Assim, para cada uma das categorias/princípios de centralmente; ii) atribui liberdade ao professor e aluno,
DC emergentes, apresenta-se um conjunto de sub-categorias ou potenciando a adequação às necessidades de aprendizagem
indicadores que podem permitir identificar a consonância de destes últimos; iii) visão da escola como uma instituição social
módulos curriculares desenvolvidos por professores de ciências humana, que se desenvolve autonomamente.
com orientações da investigação em Educação. Sublinham-se Recentemente, Anderson e Rogan (2011) recomendam que
ideias particularmente pertinentes e que se plasmam no o processo de DC seja realizado em grupo pelos professores de
instrumento de análise (tabelas de 1 a 6). uma instituição ou em comunidades de aprendizagem.
Numa visão do DC que visa o desenvolvimento humano, C. Princípio do desenvolvimento curricular reflexivo
pressupõe-se um papel ativo do aluno. Esta perspectiva O princípio referente à reflexividade não foi aprofundado
‘requires a curriculum which the pupils themselves have a neste contributo, dado ter sido objeto de um estudo anterior
right to comment on and contribute to’ (Kelly, 2009, p.90), (Cruz, 2010) que incidiu sobe o trabalho desenvolvido por uma
possibilitando o seu “individual empowerment”. Kelly (2009) comunidade de professores. Deste modo, decidiu-se adaptar e
apoia ainda o direito à negociação do currículo com os incorporar o trabalho desenvolvido pela autora neste contributo
pais/cuidadores dos alunos envolvidos. (Tab. 3), sendo os referentes da literatura da especialidade
B. Princípio de DC flexível e diferenciado identificados pela autora (ver Tab. 8 em Cruz, 2010, p.89-91).
Este princípio, cujos indicadores e respetivas descrições se TABELA 3 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO
encontram na Tab. 2, requer uma gestão do processo de ensino DE DC REFLEXIVO, ADAPTADO DE CRUZ (2010)
e aprendizagem adequada a cada contexto educativo,
considerando para isso as necessidades do aprendente, a DC deve ser um processo reflexivo
I12 Consciencialização da ação através da sua descrição e interpretação
relevância das aprendizagens para o mesmo e as diferenças de
Expõe os atores, acontecimentos e/ou características chave de
interesse e de perfis de aprendizagem “learning profiles” dos
episódios da prática letiva e apresenta explicações ou justificações.
diferentes alunos (Drake, 2012; Gould, 2012).
I13 Fundamentação da ação na teoria através da leitura de bibliografia,
partilha de informação, sua análise e síntese
TABELA 2 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO Procura fundamentos e soluções para a ação em fontes bibliográficas
DE DC FLEXÍVEL E DIFERENCIADO
de referência. Incita colegas a fazê-lo. Partilha, analisa e sintetiza
DC deve ser um processo flexível e diferenciado fundamentos oriundos das leituras realizadas.
I6 Previsão de avaliação diagnóstica (Gould, 2012) I14 Fundamentação da ação na prática através da partilha de
Identifica a necessidade de ter em conta os níveis e conhecimentos dos experiências letivas e sua valorização
alunos, relacionados com as aprendizagens a realizar. Considera a prática letiva como fonte de fundamentação e procura
fundamentos e soluções para a ação em experiências da prática letiva.
I7 Negociação com os alunos de tarefas/ produtos/ etc. relativos à sua
aprendizagem (Gould, 2012; Guest, 2005) I15 Problematização da ação pelo seu questionamento e avaliação
Permite ao aluno diferentes tarefas/ produtos/ etc., relativos a Expõe dúvidas e/ou procura justificação para aspetos da prática letiva.
determinada aprendizagem. Elabora juízos de valor sobre a prática letiva a partir de referentes.
I8 Previsão de estratégias de ensino e aprendizagem alternativas I16 Reformulação a ação através da sua reequacionação, redefinição de
(Gaspar & Roldão, 2007; Gould, 2012; Trindade et al., 2000) prioridades e indagação de novas soluções
Define ações/ processos de ensino e aprendizagem diferentes para Considera práticas letivas, seus resultados e consequências quando:
alunos com necessidades de aprendizagem/ interesses distintos. - reforça e contrapõe opiniões
- reformula problemas
I9 Respeito pelos ritmos de progressão aos alunos (Gould, 2012) - estabelece novas prioridades e/ou objetivos
Explorar sequências de ensino e aprendizagem que permitem - procura descobrir, construir, criar e/ou propõe novas soluções.
diferentes ritmos de progressão aos alunos.
I10 Previsão de estratégias/produtos de avaliação alternativos (Gould, D. Princípio do desenvolvimento curricular contextualizado
2012; Gaspar & Roldão, 2007)
Define ações/processos/produtos de avaliação diferentes para alunos
Uma forma de concretizar a contextualização no DC, em
com processos de aprendizagem distintos. particular em Educação em Ciência, envolve a adoção de uma
I11 Abertura à reconstrução do projeto curricular inicial (Gaspar & abordagem baseada no contexto ou Ciência-Tecnologia-
Roldão, 2007) Sociedade-Ambiente (CTSA). Os indicadores e respetivos
Altera aspeto(s) do projeto curricular em função da sua realidade descritores referentes a este princípio encontram-se na Tab. 4.
educativa (dificuldades de aprendizagem dos alunos, interesses, Uma revisão sistemática da literatura, realizada por Bennett
prioridades educativas da sua escola, etc.). e colegas (2007), revelou que abordagens de ensino que
enfatizam a utilização de contextos e aplicações da Ciência,
Quanto à flexibilidade curricular (ver, por exemplo, Gould, como ponto de partida para a aprendizagem, melhoram as
2012; Guest, 2005; Trindade et al., 2000), embora esta seja atitudes dos alunos em relação à Ciência e à ciência escolar,
recomendada, não se encontrou trabalhos que a caracterizem e sem prejudicar a aprendizagem da Ciência. Parece assim
que permitam reconhecê-la quando ocorre. Contudo, ao nível desejável que a escola apoie e envolva aprendentes ativos com
da dimensão centrada no aluno, é possível inferir alguns contextos ricos para a aprendizagem de ciência.
aspetos da flexibilidade curricular, como identificar os níveis Recorreu-se às abordagens CTSA propostas na revisão de
de aprendizagem (“levels of student achievement”) dos alunos literatura de Pedretti e Nazir (2011) para a definição dos
para desenvolver o ensino subsequente em linha com os indicadores de análise do princípio de DC contextualizado. Um
conhecimentos prévios dos alunos (Gould, 2012); negociar determinado módulo curricular pode classificar-se como sendo
tarefas/produtos/etc. com os alunos (Gould, 2012; Guest, contextualizado em CTSA quando nesse se identificam
2005); utilizar estratégias educativas alternativas (Drake, 2012; evidências relativas a um dos indicadores. Destaca-se que as
Gaspar & Roldão, 2007; Gould, 2012; Trindade et al., 2000), autoras procuraram identificar e caracterizar seis abordagens
permitir aos alunos progredir através do currículo a diferentes CTSA. Por exemplo, a abordagem “application/design”
ritmos (Gould, 2012), assim como explorar uma grande reconhecida por Pedretti e Nazir (2011) destaca a relação
diversidade de estratégias de avaliação (Gould, 2012). Sociedade-Tecnologia e baseia-se numa situação-problema de
natureza utilitária através do desenvolvimento de uma nova
tecnologia ou da modificação de uma existente. A abordagem
histórica destaca a Ciência como empreendimento humano,
com base na compreensão da vertente histórica e sócio-cultural de que não basta uma lente disciplinar para compreender o
das ideias científicas e do trabalho dos cientistas mundo (Drake, 2012).

TABELA 4 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO TABELA 5 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO
DE DC CONTEXTUALIZADO DE DC INTEGRADO

DC deve ser um processo contextualizado DC deve ser um processo integrado


I17 Questão-problema de natureza científico-tecnológica utilitária I23 Multidisciplinar (Collin, 2009; Drake, 2012; Nargund-Joshi & Liu,
(Bennett, Lubben, & Hogarth, 2007; Pedretti & Nazir, 2011) 2013)
Define/ negoceia com os alunos uma situação-problema que requer Define um projeto curricular que requer a contribuição independente
desenvolver uma nova tecnologia ou modificar uma tecnologia de diferentes disciplinas, com partilha de informação.
existente. I24 Interdisciplinar (Collin, 2009; Drake, 2012; Nargund-Joshi & Liu,
I18 Casos históricos de desenvolvimento de ideias científicas ou sobre o 2013)
trabalho de cientistas específicos (Pedretti & Nazir, 2011) Define um projeto curricular que requer o estabelecimento de pontes
Define uma situação ou problema que envolve a análise do disciplinares, preservando a identidade de cada disciplina participante.
desenvolvimento de ideias científicas ou o trabalho de cientistas I25 Transdisciplinar (Collin, 2009; Drake, 2012; Nargund-Joshi & Liu,
específicos. 2013)
I19 Questão-problema socio-científico-tecnológica controversa (Pedretti Define um projeto curricular que requer o estabelecimento de uma
& Nazir, 2011; Bennett et al., 2007) síntese abrangente e partilhada de teorias, conceitos e métodos.
Define/ negoceia com os alunos uma situação-problema controversa A literatura geralmente reconhece três formas de integração
que requer raciocínio lógico e visa potenciar a compreensão ou
capacidade de tomada de decisão do aluno.
disciplinar: i) multidisciplinaridade, na qual especialistas de
diferentes disciplinas trabalham independentemente em
I20 Questão-problema socio-científico-tecnológica que aborda
explicitamente aspetos éticos (Pedretti & Nazir, 2011) diferentes aspetos de um projeto, não ultrapassando os limites
Define/ negoceia com os alunos uma situação-problema que aborda da suas próprias disciplinas; ii) interdisciplinaridade, na qual os
explicitamente a ética e as questões morais envolvidas na mesma. colaboradores estabelecem conjuntamente pontes entre as suas
I21 Questão-problema socio-científico-tecnológica que aborda disciplinas, preservando a identidade de cada uma; e iii)
explicitamente questões culturais (Pedretti & Nazir, 2011) transdisciplinaridade, na qual a integração das disciplinas é tal
Define/ negoceia com os alunos uma situação-problema que aborda que se estabelece uma síntese abrangente e partilhada de
explicitamente o reconhecimento de outras formas de saber. teorias, conceitos e métodos (Collin, 2009; Drake, 2012;
I22 Questão-problema socio-científico-tecnológica-ambiental para o Nargund-Joshi & Liu, 2013). Uma progressão no sentido da
desenvolvimento de cidadania ativa (Pedretti & Nazir, 2011)
transdisciplinaridade é notoriamente valorizada pelos autores
Define/ negoceia com os alunos uma situação-problema que requer
considerar fatores políticos, económicos e ambientais na sua análise consultados.
crítica e tentativa de resolução.
F. Princípio do desenvolvimento curricular por fases
iterativas
As autoras acima referidas admitem ainda uma abordagem
centrada no valor, que foca o reconhecimento explícito da O princípio de DC com fases iterativas (ver Tab. 6) advoga
vertente ética e moral associada à análise da situação-problema, uma progressão iterativa das fases, contrapondo-se à criticada
destacando a faceta humana do desenvolvimento da Ciência e abordagem rígida e sequencial das questões curriculares
da Tecnologia. Outra abordagem que identificam é a Tyleryanas. A literatura considera que o DC deve ser dinâmico,
sociocultural, que enfatiza a Ciência e Tecnologia como iterativo, prolongado, continuado, aberto e cíclico, sendo
atividades embebidas na cultura das sociedades onde se desenvolvido por um conjunto abrangente de participantes e
desenvolvem e reconhece que a Ciência não é a única forma de influenciado por uma variedade de “stakeholders” (Anderson
conhecimento. Desta forma não se alienam alunos de origens & Rogan, 2011; McKenney et al., 2006).
culturais não ocidentais.
TABELA 6 INDICADORES E DESCRIÇÕES REFERENTES AO PRINCÍPIO
A abordagem de raciocínio lógico relaciona-se com a DE DC POR FASES ITERATIVAS
análise de questões socio-científicas controversas, visando o
potenciar da compreensão científica dos alunos sobre essas DC deve ser um processo com fases iterativas
questões e o apoio à tomada de decisão sobre as mesmas I26 Retomar da fase de conceção durante a fase de implementação
(Pedretti & Nazir, 2011). A última abordagem apresentada (McKenney et al., 2006; Gaspar & Roldão, 2007)
pelas autoras, designada de “socio-eco justice”, coloca o foco Durante a implementação introduz alterações na planificação ou
materiais curriculares.
na análise crítica e resolução de problemas relacionados com o
impacto da Ciência e Tecnologia na Sociedade e Ambiente. I27 Interação entre a fase de implementação e a fase de avaliação
(McKenney et al., 2006; Gaspar & Roldão, 2007)
Requer que os alunos considerem fatores políticos, económicos Durante a implementação recolhe informações: i) dos alunos e/ou do
e ambientais, desenvolvendo competências necessárias à módulo curricular, ii) para avaliar a aprendizagem dos alunos e/ou o
transformação da sociedade e cidadania ativa. próprio módulo curricular.
I28 Interação entre a fase de avaliação e a fase de conceção
E. Princípio do desenvolvimento curricular integrado (McKenney et al., 2006; Gaspar & Roldão, 2007)
Este princípio (ver Tab. 5) contrapõe-se à crescente de Manifesta ter dificuldades na definição da avaliação dos alunos e/ou do
especialização disciplinar da sociedade atual e valoriza a módulo curricular. Usa os resultados da aprendizagem dos alunos e/ou
da avaliação do módulo curricular para introduzir melhorias no
integração de diferentes disciplinas, de forma a permitir lidar mesmo.
com problemas cuja complexidade transcende o conhecimento
disciplinar específico (Collin, 2009). Baseia-se no argumento
McKenney e colegas (2006) consideram que no nacional permite ao professor um baixo nível de reflexividade.
desenvolvimento do currículo iterativo deve ocorrer um ciclo E.g. nessa situação, o professor poderá manifestar apenas uma
de i) análise da coerência entre os currículos intencional, consciencialização da ação, descrevendo-a e interpretando-a
implementado e alcançado, da consistência entre os níveis (Cruz, 2010; Ghaye, 2010), contudo, não lhe será permitido
macro, meso e micro, e do alinhamento com o fundamentar a ação na literatura ou experiência prévia, devido
desenvolvimento profissional do professor e com exames ao facto desta ser fundamentada nos normativos educativos
externos da aprendizagem do aluno; ii) design, que usa as centrais. Nesse caso, também não haverá grande espaço para
diretrizes emergentes da análise numa abordagem de revisão e reformular a ação (Cruz, 2010; Gaspar & Roldão, 2007; Schön,
avaliação sistemáticas de produtos curriculares; e iii) avaliação 1983).
para aumentar a qualidade dos protótipos curriculares. Estes Por outro lado, também se pode identificar uma articulação
autores consideram que ‘each iteration helps to sharpen aims, entre os princípios reflexivo e flexível e diferenciado, dado as
deepen contextual insights and contribute to the three main competências reflexivas poderem ser úteis na adequação do
outputs (e.g. design principles drafted, curricular products projeto curricular definido às necessidades educativas dos
improved, opportunities for professional development created)’ alunos (Drake, 2012; Gaspar & Roldão, 2007; Gould, 2012;
(McKenney et al., 2006, p.124). Trindade et al., 2000). Da mesma forma, o princípio do DC
No contexto educativo Português, Gaspar e Roldão (2007) reflexivo encontra-se em estreita articulação com o das fases
reconhecem no DC três fases: i) conceção, a qual inclui a iterativas, uma vez que as competências reflexivas dos
análise da situação educativa específica sobre a qual se docentes são centrais nesse processo cíclico, de avanços e
pretende atuar, a planificação e a justificação das decisões retrocessos de análise e melhoria de um projeto educativo
tomadas; ii) implementação flexível ou operacionalização1, que específico (McKenney et al., 2006; Gaspar & Roldão, 2007).
inclui o processo complexo de interação dinâmica entre Também em articulação estão o princípio de DC integrado
professor e aluno, sendo o currículo adaptado à realidade e contextualizado em situações problemas de natureza STSE. A
educativa emergente e diferenciado para promover o sucesso literatura recomenda um currículo integrado, que de alguma
educativo; e iii) avaliação e incidir sobre os resultados de forma interliga diversas disciplinas (Drake, 2012),
aprendizagem (avaliação diagnóstica ou analítica, reguladora particularmente através de projetos baseados em questões
prognóstica, reguladora sumativa, reguladora formativa, problemáticas reais, bem como problemas ou experiências
certificativa) e/ou sobre o próprio processo, permitindo pessoais (Nargund-Joshi & Liu, 2013).
potencialmente a melhoria da qualidade do ensino.
G. Articulações entre os princípios de desenvolvimento Descentralizado
curricular realçados (responsabilidade
Com fases distribuída) Flexível/
Diversas articulações entre os diferentes princípios de DC
iterativas diferenciado
podem ser identificadas, conforme ilustra a Fig. 1. E.g., o (concepção, (atendendo as
princípio do DC descentralizado inter-relaciona-se com o da operacionalização necessidades de
flexibilidade e diferenciação. Num extremo, um poder de e avaliação) aprendizagem
Desenvolvimento dos alunos)
decisão curricular centrado no professor ou instituição curricular
educativa possibilita uma elevada flexibilização e diferenciação
curricular, contudo, pode conduzir a oportunidades de acesso a Integrado (trans
ou Reflexivo
aprendizagens muito distintas no seio de uma mesma
interdisciplinar) Contextualizado (crítico)
sociedade. No extremo oposto, um poder de decisão curricular
centrado no poder educativo nacional conduz a um currículo na CTSA
(abordagem baseada
prescrito, inflexível e que limita as oportunidades de adequar o no contexto)
currículo às necessidades dos alunos (Akker, 2003). Num
estado intermédio, a distribuição da responsabilidade permite Figura 1. Síntese esquemática da articulação dos princípios de
uma flexibilidade, guiada por referentes nacionais, na desenvolvimento curricular
construção do projeto curricular em cada situação educativa
específica. III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio do DC descentralizado inter-relaciona-se ainda O estudo desenvolvido visou analisar a literatura com o
com o reflexivo, uma vez que um currículo cuja intuito de a sintetizar e apresentar um instrumento de validação
responsabilidade de decisão curricular se centra a nível empírica de princípios orientadores de DC de módulos
curriculares na área da Educação em Ciência. Os autores
1
Na esteira de Gaspar e Roldão (2007), distingue-se implementação, destacam que não consideram que os princípios da literatura se
associada à aplicação do currículo respeitando determinações esgotem nos seis a que aludem. Consideram ainda que o
prévias, de operationalização, que pressupõe uma adaptação do modesto contributo requer exploração, análise e crítica, de
currículo às condições contextuais. McKenney, Nieveen and Akker forma a validar as dimensões, indicadores e descritores
(2006) distinguem entre adaptação mútua, que pressupõe a enunciados e aperfeiçoar o instrumento analítico.
realização de ajustamentos ao currículo por “curriculum Relativamente à exploração do instrumento proposto e
developers” e aqueles que o usam em contexto de sala de aula, e atendendo ao recomendado na literatura no que concerne à
enactment, que pressupõe a visão do curriculum como a análise de conteúdo (Bardin, 1991),, uma das dificuldades que
experiência educacional criada em conjunto por professores e se prevê reside na inclusão das unidades de codificação apenas
alunos.
numa das categorias que refletem os princípios identificados, [9] T. Ghaye, Teaching and Learning through Reflective Practice: A
dado estes se articularem, como se explicitou anteriormente. Practical Guide for positive action, 2nd ed., New York: Taylor &
Francis. 2010.
Por fim, destaca-se que a síntese da literatura poderá
[10] M. Gould, “How flexible is the national curriculum?”, Primary &
constituir base de trabalho para docentes que visem o seu Middle Years Educator, vol. 10(3), 2012, pp. 11-17.
desenvolvimento profissional na área do DC, em particular no [11] R. Guest, “Will flexible learning raise student achievement?”, Education
que respeita às suas práticas de planificação. Economics, vol. 13(3), 2005, pp. 287-297.
[12] A.V. Kelly, The curriculum: Theory and practice, 6th ed., London:
AGRADECIMENTOS SAGE, 2009.
Os autores agradecem o apoio da fundação para a Ciência e a [13] I. Martins, O currículo das ciências físicas e naturais na perspetiva
tecnologia, nomeadamente através do Projeto Investigação e docente: saberes profissionais e possibilidades de ação. Aveiro: Univ.
Aveiro, 2012.
Práticas em Educação em Ciências (IPEC) (POCI/CED/
[14] S. McKenney, N. Nieveen, and J. Akker, “Design research from the
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