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UMA INTRODUÇÃO À TEORIA SOCIAL COGNITIVA DE ALBERT

BANDURA

Caio Fernando de Carvalho1


Lademir Renato Petrich2

Resumo: A Teoria Social Cognitiva (TSC) é uma teoria da personalidade de grande importância na
pesquisa e prática em psicologia ao redor do mundo. Devido à potencial utilidade de suas aplicações na
resolução de problemas do país, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma introdução à TSC.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa na obra de Albert Bandura, criador da teoria, e de outros teóricos
sociocognitivos, a fim de compreender o contexto histórico no qual a TSC se desenvolveu, discutir os
conceitos-chave da teoria e apresentar algumas de suas aplicações. Concluiu-se que, por ter sido construída
através de observações científicas rigorosas, suas hipóteses geralmente recebem confirmação empírica, e
que suas aplicações possuem potencial na resolução de problemas individuais e coletivos.

Palavras-chave: Teoria Social Cognitiva. Albert Bandura. Autoeficácia.

1. Introdução
Desde sua fundação, diferentes escolas de pensamento dominaram a psicologia
moderna ao longo dos anos. Segundo Schultz e Schultz (2014), o behaviorismo
metodológico de John B. Watson, que enfatizava as influências do ambiente no
comportamento observável e negava a introspecção, era a perspectiva hegemônica na
psicologia estadunidense até a década de 1930, quando outras teorias comportamentais
começaram a ser desenvolvidas. Dentre os novos teóricos, o mais notável foi B. F. Skinner
com seu behaviorismo radical, que foi o modelo prevalente até a década de 1960.
No entanto, o crescente interesse no estudo dos processos mentais e da
consciência fez com que o foco de alguns pesquisadores deixasse o paradigma operante
de Skinner, de caráter antimentalista, e se voltasse aos determinantes cognitivos do
comportamento humano (SCHULTZ e SCHULTZ, 2014). Um desses novos teóricos foi
Albert Bandura, que propôs sua Teoria Social Cognitiva (TSC).
A TSC é uma das mais influentes teorias da personalidade. Tendo produzido
volume considerável de pesquisas, essa teoria fez com que Bandura se tornasse o
psicólogo vivo mais citado em obras científicas do mundo, e o quarto no ranking geral,

1 Acadêmico do Curso de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL


2 Doutor em Ciência da Religião. Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL
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atrás apenas de B. F. Skinner, Jean Piaget e Sigmund Freud, respectivamente
(HAGGBLOOM et al., 2002).
Construída através de “(...) especulação inovadora e observação acurada” (FEIST,
FEIST e ROBERTS, 2015, p. 346), a TSC é fruto de trabalho científico rigoroso e tem sido
aplicada nos mais diversos contextos, como na psicologia clínica, na psicologia
educacional, na promoção da saúde e na resolução de problemas macrossociais, como o
analfabetismo.
Tendo em vista as possíveis aplicações da teoria na resolução dos problemas
sociais brasileiros, o presente artigo pretende oferecer uma breve introdução à Teoria
Social Cognitiva de Albert Bandura. O trabalho se iniciará trazendo um panorama histórico
da evolução da teoria. Em seguida, alguns conceitos-chave da obra, como a modelação,
a autoeficácia e o determinismo recíproco serão discutidos. Por fim, uma breve compilação
de aplicações da Teoria Social Cognitiva será apresentada.
O trabalho foi fruto de uma pesquisa bibliográfica sobre a TSC, tendo enfoque na
obra do próprio Bandura, mas também fazendo uso de outros autores de orientação social
cognitiva na contextualização histórica e nas aplicações da teoria.

2. Um pouco de história: o desenvolvimento da Teoria Social Cognitiva


De acordo com Zimmerman e Schunk (2003), Bandura iniciou sua pesquisa, entre
os anos 1950 e 1960, estudando os determinantes sociais e familiares de comportamentos
antissociais em adolescentes. Seu programa de pesquisa indicou que esse tipo de
conduta era influenciado em grande parte pelas atitudes dos pais em relação à
agressividade.
Essa descoberta levou Bandura a iniciar uma investigação sobre os mecanismos
que governavam a aprendizagem observacional, também chamada de aprendizagem
vicariante ou modelação. Em uma série de experimentos conhecidos como Bobo Doll
Experiments (Experimentos do João-Bobo), concluiu-se que a exposição de crianças a
comportamentos agressivos fazia com que se tornasse mais provável que elas repetissem
essas condutas (BANDURA, ROSS, & ROSS, 1961,1963, apud ZIMMERMAN e
SCHUNK, 2002).
As conclusões tiradas dos estudos representaram uma objeção tanto à teoria
Freudiana quanto ao behaviorismo radical. Da primeira derivavam previsões de que a
exposição à violência causaria um processo de catarse, que inibiria a agressão. Quanto
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ao segundo, a aprendizagem de um comportamento exclusivamente através da
observação, sem reforçamento direto, contrariava o modelo do condicionamento operante
proposto por Skinner (ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003).
Como Zimmerman e Schunk (2003) apontam, outra discordância entre a então
Teoria da Aprendizagem Social e o behaviorismo radical se iniciou com o programa
fundado por Bandura para pesquisar as capacidades autorregulatórias dos seres
humanos, ou seja, suas habilidades em influenciar o próprio comportamento. Os analistas
operantes atribuíam o papel de controlar o comportamento ao chamado controle de
estímulos, que seria uma função do ambiente externo (CATANIA, 1975, apud BANDURA,
2008).
Bandura (2004a) relata que a TSC começou a ser desenvolvida em uma época na
qual as ideias psicodinâmicas dominavam o campo da psicologia clínica. Ele foi um dos
primeiros autores a pesquisar aplicações de técnicas comportamentais nesse campo de
atuação. Desenvolveu um programa de domínio orientado para o tratamento de fobias,
que apresentava uma eficácia maior do que até mesmo a da dessensibilização sistemática
(BANDURA, BLANCHARD e RITTER, 1969, apud BANDURA, 2004a).
Entretanto, a extinção do comportamento fóbico acarretava também melhorias em
diversas áreas das vidas dos pacientes. Eles relatavam que perder o medo que os
paralisava produzia um senso de controle sobre as próprias vidas (BANDURA, 2008). Para
entender melhor esse fenômeno, Bandura iniciou um programa de pesquisa para apurar
as características dessas crenças, batizadas por ele de crenças de autoeficácia, que
vieram a se tornar um ponto-chave da sua teoria.
Se empenhando no estudo da autoeficácia e da definição de metas, Bandura
compilou sua pesquisa realizada até então no livro Social Foundations of Thought and
Action: A Social Cognitive Theory, de 1986. A essa altura, decidiu rebatizar sua teoria para
Teoria Social Cognitiva, pois outros corpos teóricos bastante divergentes de sua obra
também se apresentavam como Teoria da Aprendizagem Social, como a TSC era antes
conhecida (ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003).
Na década de 1990, Bandura voltou seu foco ao estudo do desenvolvimento
humano, tendo lançado uma pesquisa longitudinal de larga escala visando compreender
a interação de fatores socioeconômicos, familiares e de autoinfluência no curso do
desenvolvimento (ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003). Também estendeu a Teoria Social
Cognitiva ao estudo de outros campos, como o da psicologia moral. Desde então, a TSC
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tem sido aplicada em diferentes áreas do funcionamento humano, que serão brevemente
apresentadas mais adiante.

3. Conceitos Básicos da Teoria Social Cognitiva


Nos próximos tópicos serão introduzidos os conceitos de aprendizagem
observacional e enativa, agência humana, determinismo recíproco, autorregulação e
autoeficácia. Vale destacar que, embora os temas aqui discutidos sejam primariamente
referentes ao funcionamento individual dos seres humanos, Bandura também escreveu
sobre o funcionamento grupal e social das pessoas, apresentando conceitos como a
agência coletiva, a agência por procuração e a eficácia coletiva.

3.1 A aprendizagem observacional e a aprendizagem enativa.


Bandura (1977a) afirma que existem dois principais meios de adquirir novos
comportamentos: a aprendizagem observacional, também chamada de aprendizagem
vicariante ou modelação, e a aprendizagem enativa.
A modelação é a fonte da maior parte da aprendizagem humana. Segundo Bandura
(1977a), seria extremamente tedioso e até mesmo perigoso adquirir todos os nossos
complexos padrões de comportamento apenas através de tentativa e erro. No entanto, ao
observar as ações dos outros, podemos formar uma ideia de como os comportamentos
são realizados, e então, em outra situação, realizar o mesmo comportamento a partir das
informações obtidas anteriormente.
Bandura (1977a) lista quatro processos necessários para que a modelação
aconteça:
Atenção: o observador precisa prestar atenção aos pontos principais do
comportamento. Essa atenção depende de características relativas ao modelo, como
status e poder; ao comportamento em si, como complexidade e valor atribuído a ele; e ao
observador, como suas capacidades de processar informação, e os elementos aos quais
sua atenção é mais direcionada.
Retenção: é necessário que o observador seja capaz de lembrar-se do
comportamento para repetí-lo, através de um processo de simbolização. Existem duas
formas principais de representação: a criação de imagens mentais, como a de uma fatia
de bolo em um prato quando se menciona o comportamento de comer; e a codificação
verbal, como as instruções para preparar uma receita de bolo.
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Reprodução motora: o observador deve ser capaz de transformar a representação
cognitiva do comportamento em uma execução motora dele. A modelação geralmente
consegue oferecer apenas uma ideia aproximada de como comportamentos motores
complexos são feitos. Os desvios são, então, corrigidos através de tentativa e erro.
Motivação: para que um comportamento aprendido seja executado, é importante
que ele seja valorizado socialmente ou pelo observador, ou que as consequências do
comportamento do modelo sejam consideradas reforçadoras pelo observador.
Embora seja comum a ideia de que a modelação não passe de uma imitação dos
comportamentos de outras pessoas, já se sabe que é possível abstrair regras que
governam comportamentos complexos, aprender habilidades cognitivas através desse
processo, entre diversas outras aplicações (BANDURA, 2008).
Meichenbaum (1984, apud BANDURA, 2008), por exemplo, demonstrou que é
possível aprender novas formas de resolução de problemas através da modelação verbal.
Para tanto, os modelos fazem com que seus comportamentos antes encobertos (isto é,
suas estratégias de raciocínio, seus métodos de avaliação das soluções e seus processos
de automonitoramento e motivação) se tornem públicos, possibilitando a aprendizagem
pelo observador.
A aprendizagem enativa, por sua vez, é aquela em que os comportamentos são
aprendidos e modificados através de suas consequências. De acordo com Bandura
(1977a), há pouca evidência apoiando a ideia de que os reforços e punições operam
automaticamente, intensificando ou enfraquecendo o comportamento. Ao contrário, as
consequências seriam mediadas cognitivamente.
Dessa forma, ele não nega a possibilidade de comportamentos simples serem
aprendidos através do reforçamento por si só, mas afirma que o mesmo não pode ser dito
sobre padrões complexos de conduta. Assim, as consequências do comportamento
serviriam mais a propósitos de informar e motivar o desempenho das respostas mais
adequadas em determinados contextos do que de fortalecer ou aumentar a frequência
dessas respostas.

3.2 Agência Humana e Determinismo Recíproco


Um dos pilares da Teoria Social Cognitiva é o conceito de agência humana, que é
definido como a capacidade das pessoas de influenciarem ativa e intencionalmente o

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próprio comportamento e o curso da própria vida (BANDURA, 1997). Bandura (2001) lista
quatro características fundamentais da agência:
Intencionalidade: podemos nos comportar intencionalmente. Intenções, nesse
contexto, são entendidas como a representação que o sujeito tem de futuras ações, e não
como as expectativas de resultados de uma ação, ou uma simples intuição.
Antecipação: seres humanos são capazes de imaginar e criar expectativas sobre
eventos futuros. Assim, planejam cursos de ação para atingir objetivos desejados, e usam
as representações desses eventos futuros para produzir motivação para comportamentos
presentes.
Autorreatividade: a agência não se limita a fazer escolhas e determinar cursos de
ação, mas também envolve a capacidade de colocar esses cursos de ação em prática e
regular os desempenhos obtidos.
Autorreflexão: as pessoas também podem analisar a própria conduta. Uma das
características básicas da agência humana é a capacidade de examinar e avaliar os
próprios pensamentos e comportamentos.
Apesar de ser um componente essencial do funcionamento humano, a capacidade
de agência não determina o comportamento por si só. Na Teoria Social Cognitiva, a
conduta humana é explicada através do paradigma do determinismo recíproco, também
conhecido com causação recíproca triádica (BANDURA, 1978). Nesse modelo, o
comportamento do indivíduo; fatores pessoais, como a genética, a fisiologia e,
principalmente, a cognição; e fatores ambientais interagem bidirecionalmente para
determinar o funcionamento do sujeito. Em outras palavras, os três fatores do
determinismo recíproco (comportamento, pessoa e ambiente) influenciam uns aos outros
na determinação da conduta.
De acordo com Bandura (1990), diferentes especialidades da psicologia escolhem
diferentes segmentos do determinismo recíproco para dedicar sua atenção. Por exemplo,
a psicologia cognitiva foca na relação entre a cognição, que é uma variável pessoal, e o
comportamento. A psicologia social, por outro lado, enfatiza a relação entre a pessoa e o
ambiente no qual ela está inserida.
Bandura (1978) afirma que modelos explicativos que promovem um determinismo
ambiental unidirecional, isto é, que propõem que o comportamento é totalmente
controlado pelo ambiente, ignoram que os seres humanos conseguem modificar, criar e
rejeitar os ambientes nos quais são inseridos. Contudo, Bandura reitera que modelos
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opostos, que enfatizam os determinantes pessoais do comportamento em detrimento dos
fatores ambientais, tampouco são satisfatórios, e que não encontram apoio significativo
em evidências empíricas.

3.3 Autorregulação e Autoeficácia


Para Bandura (1991), a autorregulação é a ferramenta usada para governarmos
nossos próprios comportamentos, pensamentos e sentimentos. Ele afirma que três
subfunções principais compõem o sistema de autorregulação, a saber: auto-observação,
processos de julgamento e autorreação.
A auto-observação é a fase inicial da autorregulação. É fundamental que as
pessoas prestem atenção às suas condutas, aos contextos em que elas acontecem, e aos
seus resultados imediatos e futuros. Os aspectos do comportamento que recebem
atenção dependem dos significados que o sujeito atribui a eles, e a sistemas de crenças
já existentes do indivíduo.
Após observar o próprio comportamento, o segundo passo da autorregulação é
compará-lo a padrões estabelecidos. Os padrões podem ser pessoais, ou a comparação
pode ser feita em relação ao desempenho de outras pessoas, e a desempenhos passados
do próprio indivíduo.
O último estágio da autorregulação é a autorreação. Nessa etapa, as pessoas
produzem reações ao próprio comportamento, de acordo com os julgamentos realizados
na fase anterior. As pessoas buscam se comportar de formas que produzam autorreações
positivas, e evitam condutas que causem uma autoavaliação negativa. Elas regulam suas
ações através da criação de incentivos para seus comportamentos, ou antecipando as
reações afetivas decorrentes dos processos de julgamento. Os incentivos criados podem
ser tanto tangíveis, como tirar um dia de folga após uma tarefa exaustiva, ou
autoavaliativos, como a sensação de satisfação depois de um trabalho bem feito.
Para Bandura (1991), um fator central da autorregulação é a autoeficácia. Ele a
define como a crença na própria capacidade de seguir certo curso de ação para atingir
determinados resultados (BANDURA, 1977b). Ou seja, a autoeficácia são as noções que
uma pessoa tem sobre sua capacidade de realizar determinadas ações.
Segundo Bandura (1997), a autoeficácia não deve ser entendida como uma
característica global, isto é, como uma propriedade que se estende por todo o
funcionamento do indivíduo. De fato, ela é específica para cada atividade. Por exemplo,
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uma pessoa que tem autoeficácia alta para falar em público pode ter baixa autoeficácia
para dirigir em uma cidade movimentada.
O nível de autoeficácia de um sujeito afeta a forma com que ele define metas; a
atribuição de causalidade dos eventos em sua vida, isto é, se ele acredita que seus
sucessos e falhas são resultado de seu próprio desempenho ou de algum fator imutável;
seus padrões de pensamento; sua resiliência frente a dificuldades na busca da realização
de metas; o estresse experimentado devido a pressões ambientais; e diversos outros
fenômenos (BANDURA, 1991).
Bandura (1977b) apresenta quatro fontes principais de autoeficácia:

Experiências de domínio: ter obtido sucessos ou fracassos na realização de uma


tarefa é a principal fonte de informação para o desenvolvimento da autoeficácia. Atividades
em que o indivíduo tem sucesso mais frequentemente estão associadas à alta
autoeficácia, enquanto fracassos constantes podem enfraquecer essas crenças.
Experiências vicárias: de maneira semelhante, observar modelos obtendo sucesso
em uma atividade tende a aumentar a autoeficácia, enquanto observar um modelo
fracassando tende a enfraquecê-la.
Persuasão verbal: é o método menos efetivo. Convencer uma pessoa de que ela é
capaz de realizar certa tarefa produz uma expectativa de eficácia mais fraca do que
através dos outros meios. Experiências de fracasso fazem com que as expectativas
criadas pela persuasão sejam facilmente revertidas.
Estados emocionais e fisiológicos: situações estressantes geralmente evocam
reações emocionais e fisiológicas, e essa é uma via importante de informação a respeito
da autoeficácia. Dessa forma, reações de ansiedade ou medo podem diminuir a eficácia
pessoal percebida.
A autoeficácia é um dos fatores mais acurados na predição do comportamento, e
seus efeitos já foram documentados em todo o mundo, apesar de sofrerem influências da
cultura (KLASSEN, 2004).

4. Aplicações da Teoria Social Cognitiva


A Teoria Social Cognitiva tem se mostrado muito útil na resolução de problemas
psicossociais de diferentes magnitudes.

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No nível individual, Bandura (1997) revisa uma quantidade significativa de
pesquisas atestando a utilidade da autoeficácia no tratamento de transtornos de
ansiedade, transtornos depressivos, transtornos alimentares, abuso de substâncias, além
de suas aplicações organizacionais, como no desenvolvimento de carreira e da habilidade
de tomar decisões no contexto empresarial.
As aplicações da TSC também invadem a psicologia educacional. Metanálises
feitas por Multon, Brown e Lent (1991, apud ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003) e Kwon,
Park e Kim (2001, apud ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003) mostram que a autoeficácia
contribui fortemente nas realizações escolares e no bem estar dos alunos, em culturas
tanto individualistas quanto coletivistas. Bandura (1997) também mostra que as crenças
de autoeficácia dos professores têm grande influência no aprendizado dos alunos, bem
como na própria vulnerabilidade ao estresse.
Na promoção da saúde, as ideias de Bandura têm sido amplamente utilizadas na
modificação do comportamento. Modelos baseados na autorregulação ajudam a diminuir
riscos de infarto em pacientes com doença arterial coronariana (HASKELL et al., 1994,
apud BANDURA, 2004b) e promovem a mudança de hábitos alimentares (DEBUSK et al.,
1994, apud BANDURA, 2004b).
Outro exemplo de aplicação se dá no contato de crianças com jogos eletrônicos
que ensinam a lidar com doenças crônicas, como o diabetes: elas desenvolvem
estratégias para controlar essas condições, aumentam sua autoeficácia relativa a esse
controle, e diminuem as idas emergenciais ao médico em até 77% (BROWN et al., 1997,
apud BANDURA, 2004b).
Apesar do grande número de aplicações da TSC, que ultrapassam muito os poucos
exemplos aqui discutidos, talvez nenhuma seja tão importante quanto as que buscam
resolver problemas macrossociais. Bandura (2006) apresenta diretrizes para a construção
de modelos de mudança psicossocial usando os princípios da aprendizagem
observacional.
Ele discorre sobre um programa de estudos em grupo, lançado pelo governo do
México, para combater o analfabetismo. A exibição de uma novela, escrita seguindo um
modelo sociocognitivo, e que cuja história girava em torno de um desses grupos de estudo,
aumentou a quantidade de matrículas em quase 10 vezes, e alterou as crenças de
capacidade dos alunos, fazendo que tivessem uma maior autoeficácia sobre a
alfabetização (BANDURA, 2006).
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Ele também cita outra novela (SABIDO, 1981 apud BANDURA, 2006), também no
México, que abordava questões como planejamento familiar e uso de contraceptivos.
Durante a exibição dessa novela, o número de usuários de contraceptivos aumentou em
32%.
Resultados semelhantes foram encontrados em programas que buscavam
promover a prevenção à infecção pelo HIV no Quênia (VAUGHAN et al., 2000, apud
BANDURA, 2006), a desaceleração do crescimento populacional na Tanzânia
(VAUGHAN, 2003, apud BANDURA, 2006), bem como a igualdade de gênero e o acesso
à educação a meninas na Índia (SINGHAL e ROGERS, 1999 apud BANDURA, 2006).
Bandura (2006) conclui que a Teoria Social Cognitiva é útil para promover
mudanças pessoais e sociais, e que os efeitos de suas intervenções se replicam em
diferentes domínios do funcionamento humano, e em diferentes culturas.

5. Considerações Finais
O surgimento da Teoria Social Cognitiva rompeu com os paradigmas das teorias
da aprendizagem do início do século XX. Sua ênfase em processos cognitivos, sua
afirmação da capacidade humana de agência e a descoberta da modelação e da
autoeficácia mudaram a forma de se fazer psicologia a partir da segunda metade do século
passado.
A presente introdução à obra de Bandura discutiu a evolução histórica de suas
pesquisas, os conceitos-chave para a compreensão de suas ideias, e algumas das
aplicações de sua teoria na resolução de problemas de ordem individual e coletiva.
Conclui-se, em concordância com Feist, Feist e Roberts (2015), que a Teoria Social
Cognitiva foi construída seguindo procedimentos científicos rigorosos, e que as hipóteses
decorrentes dela costumam receber grande confirmação empírica. Os estudos
transculturais realizados para atestar a validade da teoria, como exemplificado na revisão
de literatura de Klassen (2004), também indicam que, apesar de ter sido desenvolvida
primariamente na Europa e na América do Norte, a TSC pode ser aplicada em diferentes
povos.
Feita essa observação, é fundamental que mais pesquisas baseadas na Teoria
Social Cognitiva sejam realizadas no Brasil. As ideias da teoria devem ser adaptadas à
realidade brasileira, e podem se mostrar extremamente úteis na resolução dos inúmeros
problemas sociais que assombram o país.
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Por fim, destacamos que toda a riqueza da obra de Bandura jamais poderia ser
condensada em algumas poucas páginas. Por exemplo, seus estudos sobre a agência
moral, sobre o desenvolvimento da identidade de gênero e sobre a aquisição da linguagem
são extremamente bem conduzidos, embora não tenham sido discutidos nesse artigo. De
fato, a teoria é exemplar no que tange ao rigor aplicado no processo de suas descobertas,
fornecendo uma importante perspectiva no estudo do funcionamento humano.

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