BANDURA
Resumo: A Teoria Social Cognitiva (TSC) é uma teoria da personalidade de grande importância na
pesquisa e prática em psicologia ao redor do mundo. Devido à potencial utilidade de suas aplicações na
resolução de problemas do país, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma introdução à TSC.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa na obra de Albert Bandura, criador da teoria, e de outros teóricos
sociocognitivos, a fim de compreender o contexto histórico no qual a TSC se desenvolveu, discutir os
conceitos-chave da teoria e apresentar algumas de suas aplicações. Concluiu-se que, por ter sido construída
através de observações científicas rigorosas, suas hipóteses geralmente recebem confirmação empírica, e
que suas aplicações possuem potencial na resolução de problemas individuais e coletivos.
1. Introdução
Desde sua fundação, diferentes escolas de pensamento dominaram a psicologia
moderna ao longo dos anos. Segundo Schultz e Schultz (2014), o behaviorismo
metodológico de John B. Watson, que enfatizava as influências do ambiente no
comportamento observável e negava a introspecção, era a perspectiva hegemônica na
psicologia estadunidense até a década de 1930, quando outras teorias comportamentais
começaram a ser desenvolvidas. Dentre os novos teóricos, o mais notável foi B. F. Skinner
com seu behaviorismo radical, que foi o modelo prevalente até a década de 1960.
No entanto, o crescente interesse no estudo dos processos mentais e da
consciência fez com que o foco de alguns pesquisadores deixasse o paradigma operante
de Skinner, de caráter antimentalista, e se voltasse aos determinantes cognitivos do
comportamento humano (SCHULTZ e SCHULTZ, 2014). Um desses novos teóricos foi
Albert Bandura, que propôs sua Teoria Social Cognitiva (TSC).
A TSC é uma das mais influentes teorias da personalidade. Tendo produzido
volume considerável de pesquisas, essa teoria fez com que Bandura se tornasse o
psicólogo vivo mais citado em obras científicas do mundo, e o quarto no ranking geral,
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próprio comportamento e o curso da própria vida (BANDURA, 1997). Bandura (2001) lista
quatro características fundamentais da agência:
Intencionalidade: podemos nos comportar intencionalmente. Intenções, nesse
contexto, são entendidas como a representação que o sujeito tem de futuras ações, e não
como as expectativas de resultados de uma ação, ou uma simples intuição.
Antecipação: seres humanos são capazes de imaginar e criar expectativas sobre
eventos futuros. Assim, planejam cursos de ação para atingir objetivos desejados, e usam
as representações desses eventos futuros para produzir motivação para comportamentos
presentes.
Autorreatividade: a agência não se limita a fazer escolhas e determinar cursos de
ação, mas também envolve a capacidade de colocar esses cursos de ação em prática e
regular os desempenhos obtidos.
Autorreflexão: as pessoas também podem analisar a própria conduta. Uma das
características básicas da agência humana é a capacidade de examinar e avaliar os
próprios pensamentos e comportamentos.
Apesar de ser um componente essencial do funcionamento humano, a capacidade
de agência não determina o comportamento por si só. Na Teoria Social Cognitiva, a
conduta humana é explicada através do paradigma do determinismo recíproco, também
conhecido com causação recíproca triádica (BANDURA, 1978). Nesse modelo, o
comportamento do indivíduo; fatores pessoais, como a genética, a fisiologia e,
principalmente, a cognição; e fatores ambientais interagem bidirecionalmente para
determinar o funcionamento do sujeito. Em outras palavras, os três fatores do
determinismo recíproco (comportamento, pessoa e ambiente) influenciam uns aos outros
na determinação da conduta.
De acordo com Bandura (1990), diferentes especialidades da psicologia escolhem
diferentes segmentos do determinismo recíproco para dedicar sua atenção. Por exemplo,
a psicologia cognitiva foca na relação entre a cognição, que é uma variável pessoal, e o
comportamento. A psicologia social, por outro lado, enfatiza a relação entre a pessoa e o
ambiente no qual ela está inserida.
Bandura (1978) afirma que modelos explicativos que promovem um determinismo
ambiental unidirecional, isto é, que propõem que o comportamento é totalmente
controlado pelo ambiente, ignoram que os seres humanos conseguem modificar, criar e
rejeitar os ambientes nos quais são inseridos. Contudo, Bandura reitera que modelos
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opostos, que enfatizam os determinantes pessoais do comportamento em detrimento dos
fatores ambientais, tampouco são satisfatórios, e que não encontram apoio significativo
em evidências empíricas.
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No nível individual, Bandura (1997) revisa uma quantidade significativa de
pesquisas atestando a utilidade da autoeficácia no tratamento de transtornos de
ansiedade, transtornos depressivos, transtornos alimentares, abuso de substâncias, além
de suas aplicações organizacionais, como no desenvolvimento de carreira e da habilidade
de tomar decisões no contexto empresarial.
As aplicações da TSC também invadem a psicologia educacional. Metanálises
feitas por Multon, Brown e Lent (1991, apud ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003) e Kwon,
Park e Kim (2001, apud ZIMMERMAN e SCHUNK, 2003) mostram que a autoeficácia
contribui fortemente nas realizações escolares e no bem estar dos alunos, em culturas
tanto individualistas quanto coletivistas. Bandura (1997) também mostra que as crenças
de autoeficácia dos professores têm grande influência no aprendizado dos alunos, bem
como na própria vulnerabilidade ao estresse.
Na promoção da saúde, as ideias de Bandura têm sido amplamente utilizadas na
modificação do comportamento. Modelos baseados na autorregulação ajudam a diminuir
riscos de infarto em pacientes com doença arterial coronariana (HASKELL et al., 1994,
apud BANDURA, 2004b) e promovem a mudança de hábitos alimentares (DEBUSK et al.,
1994, apud BANDURA, 2004b).
Outro exemplo de aplicação se dá no contato de crianças com jogos eletrônicos
que ensinam a lidar com doenças crônicas, como o diabetes: elas desenvolvem
estratégias para controlar essas condições, aumentam sua autoeficácia relativa a esse
controle, e diminuem as idas emergenciais ao médico em até 77% (BROWN et al., 1997,
apud BANDURA, 2004b).
Apesar do grande número de aplicações da TSC, que ultrapassam muito os poucos
exemplos aqui discutidos, talvez nenhuma seja tão importante quanto as que buscam
resolver problemas macrossociais. Bandura (2006) apresenta diretrizes para a construção
de modelos de mudança psicossocial usando os princípios da aprendizagem
observacional.
Ele discorre sobre um programa de estudos em grupo, lançado pelo governo do
México, para combater o analfabetismo. A exibição de uma novela, escrita seguindo um
modelo sociocognitivo, e que cuja história girava em torno de um desses grupos de estudo,
aumentou a quantidade de matrículas em quase 10 vezes, e alterou as crenças de
capacidade dos alunos, fazendo que tivessem uma maior autoeficácia sobre a
alfabetização (BANDURA, 2006).
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Ele também cita outra novela (SABIDO, 1981 apud BANDURA, 2006), também no
México, que abordava questões como planejamento familiar e uso de contraceptivos.
Durante a exibição dessa novela, o número de usuários de contraceptivos aumentou em
32%.
Resultados semelhantes foram encontrados em programas que buscavam
promover a prevenção à infecção pelo HIV no Quênia (VAUGHAN et al., 2000, apud
BANDURA, 2006), a desaceleração do crescimento populacional na Tanzânia
(VAUGHAN, 2003, apud BANDURA, 2006), bem como a igualdade de gênero e o acesso
à educação a meninas na Índia (SINGHAL e ROGERS, 1999 apud BANDURA, 2006).
Bandura (2006) conclui que a Teoria Social Cognitiva é útil para promover
mudanças pessoais e sociais, e que os efeitos de suas intervenções se replicam em
diferentes domínios do funcionamento humano, e em diferentes culturas.
5. Considerações Finais
O surgimento da Teoria Social Cognitiva rompeu com os paradigmas das teorias
da aprendizagem do início do século XX. Sua ênfase em processos cognitivos, sua
afirmação da capacidade humana de agência e a descoberta da modelação e da
autoeficácia mudaram a forma de se fazer psicologia a partir da segunda metade do século
passado.
A presente introdução à obra de Bandura discutiu a evolução histórica de suas
pesquisas, os conceitos-chave para a compreensão de suas ideias, e algumas das
aplicações de sua teoria na resolução de problemas de ordem individual e coletiva.
Conclui-se, em concordância com Feist, Feist e Roberts (2015), que a Teoria Social
Cognitiva foi construída seguindo procedimentos científicos rigorosos, e que as hipóteses
decorrentes dela costumam receber grande confirmação empírica. Os estudos
transculturais realizados para atestar a validade da teoria, como exemplificado na revisão
de literatura de Klassen (2004), também indicam que, apesar de ter sido desenvolvida
primariamente na Europa e na América do Norte, a TSC pode ser aplicada em diferentes
povos.
Feita essa observação, é fundamental que mais pesquisas baseadas na Teoria
Social Cognitiva sejam realizadas no Brasil. As ideias da teoria devem ser adaptadas à
realidade brasileira, e podem se mostrar extremamente úteis na resolução dos inúmeros
problemas sociais que assombram o país.
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Por fim, destacamos que toda a riqueza da obra de Bandura jamais poderia ser
condensada em algumas poucas páginas. Por exemplo, seus estudos sobre a agência
moral, sobre o desenvolvimento da identidade de gênero e sobre a aquisição da linguagem
são extremamente bem conduzidos, embora não tenham sido discutidos nesse artigo. De
fato, a teoria é exemplar no que tange ao rigor aplicado no processo de suas descobertas,
fornecendo uma importante perspectiva no estudo do funcionamento humano.
REFERÊNCIAS
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