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O Jogo da Corrupção

Uma abordagem matemática para um


fenômeno ético
João Navarro C. Vale

2018

Este projeto propõe um modelo de análise da corrupção baseado em jogos de “caça-e-fuga”


com até quatro jogadores.
O Jogo da Corrupção
Introdução ....................................................................................................................... 4
1. Teoria dos Jogos ...................................................................................................... 5
1.1. Utilitarismo e Escolha Racional ........................................................................ 5
1.2. Conceitos e Tipos de Jogos .................................................................................... 6
1.3. O Dilema do Prisioneiro ........................................................................................ 7
1.4. O Jogo da Propina .................................................................................................. 8
2. Teoria da Corrupção ................................................................................................ 10
2.1. Corrupção Política ............................................................................................... 10
2.2. Controle da Administração Pública ..................................................................... 11
3. A Relação de Caça-e-Fuga ....................................................................................... 13
3.1. Tentação e Risco .................................................................................................. 14
3.2. Um Fenômeno Cíclico Inesgotável...................................................................... 15
3.3. Trade-off entre a Sensação de Impunidade e a Impunidade Real ........................ 18
3.4. O Tabuleiro da Corrupção ................................................................................... 20
4. O Jogo da Corrupção Ativa ..................................................................................... 25
4.1. Matriz e Equilíbrio ............................................................................................... 25
4.2. Vetor (z) ............................................................................................................... 27
4.3. A Curva 𝑰𝑮 .......................................................................................................... 30
5. O Jogo do Controle Externo .................................................................................... 31
5.1. Matriz e Equilíbrio ............................................................................................... 31
5.2. Vetor (z) ............................................................................................................... 34
5.3. A Curva 𝑻𝑨 .......................................................................................................... 35
6. O Jogo da Corrupção Expandido ........................................................................... 36
6.1. A Sociedade Quadrilátera .................................................................................... 38
6.2. A Hipocrisia dos Atores Privados ........................................................................ 41
7. O Quinto Jogador ..................................................................................................... 44
7.1. O Tabuleiro Auxiliar ............................................................................................ 45
7.2. Comparando Sociedades – agentes públicos ....................................................... 46
7.3. Comparando Sociedades – atores privados ......................................................... 48
8. Implicações Éticas .................................................................................................... 51
Referências .................................................................................................................... 54
Anexos: Versões Supra-Expandidas ........................................................................... 55
Jogo 1 – Corrupção perpétua e sistêmica .................................................................... 55
Jogo 2 – Poder de Polícia x Disciplinar ...................................................................... 57
Jogo 3 – O Poder da Mídia ......................................................................................... 58

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Lista de Figuras
Figura 1. O Dilema do Prisioneiro ................................................................................... 7
Figura 2. O Jogo da Propina ............................................................................................. 9
Figura 3. Teoria da Corrupção ........................................................................................ 13
Figura 4. O Jogo-Base da Corrupção (Resultados) ........................................................ 14
Figura 5. O Jogo-Base (payoffs) ..................................................................................... 15
Figura 6. O Jogo-Base (probabilidades) ......................................................................... 16
Figura 7. Corrupção como um Fenômeno Cíclico ......................................................... 17
Figura 8. Representação Gráfica do Jogo da Corrupção ................................................ 20
Figura 9. Ordem de ocorrência dos resultados ............................................................... 21
Figura 10. Fronteira (y = x) ............................................................................................ 21
Figura 11. Fronteira (y = 1 – x) ...................................................................................... 22
Figura 12. O Tabuleiro da Corrupção ............................................................................. 22
Figura 13. Trade-offs e ordens de preferências .............................................................. 23
Figura 14. Áreas preferidas de cada jogador no Tabuleiro............................................. 23
Figura 15. Matriz do Jogo (2) ......................................................................................... 26
Figura 16. Vetor (w) ....................................................................................................... 28
Figura 17. A Curva 𝑰𝑮 no Tabuleiro da Corrupção ....................................................... 30
Figura 18. Transposição da Curva 𝑰𝑮 ............................................................................ 31
Figura 19. Matriz do Jogo (3) ......................................................................................... 32
Figura 20. Vetor (z) ........................................................................................................ 34
Figura 21. A Curva 𝑻𝑨 no Tabuleiro da Corrupção ....................................................... 35
Figura 22. Transposição da Curva 𝑻𝑨 ............................................................................ 36
Figura 23. Regras do Jogo da Corrupção ....................................................................... 37
Figura 24. Matriz do Jogo Expandido ............................................................................ 37
Figura 25. Vértices do quadrilátero ................................................................................ 38
Figura 26. Formatos Notáveis ........................................................................................ 39
Figura 27. Composição da Área ..................................................................................... 40
Figura 28. Interseção das curvas 𝑰𝑮 e 𝑻𝑨 ...................................................................... 42
Figura 29. A Hipocrisia dos Atores Privados ................................................................. 43
Figura 30. Seis Tipos de Sociedade ................................................................................ 45
Figura 31. Tabuleiros Auxiliares .................................................................................... 46
Figura 32. Sociedade Democrática ................................................................................. 47
Figura 33. Sociedade Autocrática ................................................................................... 48
Figura 34. Posição das Sociedades Democrática e Autocrática ..................................... 49
Figura 35. Evolução da Corrupção Comparada: Brasil-China (2012 – 2017) ............... 50
Figura 36. Elementos Associados à Corrupção .............................................................. 55
Figura 37. Matriz do Jogo da Corrupção Perpétua ......................................................... 55
Figura 38. O controlador externo no jogo da corrupção perpétua .................................. 56
Figura 39. Poderes de Polícia e Disciplinar .................................................................... 57
Figura 40. Poder da Mídia .............................................................................................. 58

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Introdução

A corrupção se apresenta como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento


no século XXI. Algumas das principais economias emergentes, como Brasil e China,
têm sido abaladas pela agenda do combate à corrupção nos últimos cinco anos. Trata-se
de um problema ético-moral, com profundas consequências políticas e econômicas. A
corrupção pode ser um entrave ao investimento, à legitimidade e à rigidez institucional.
Contudo, parece ser um fenômeno universal e atemporal, tão humano quanto o desgosto
por ele.
O estudo científico da corrupção esbarra em realidades abstratas, como valores,
crenças e interesses. A ciência política desenvolve métodos para analisar essas
realidades abstratas. Existem diversas instituições renomadas como, por exemplo, a
Transparência Internacional; a Transparência Brasil; o World Justice Project; etc.; que
se dedicam a mensurar, comparar e combater a corrupção política.
Neste projeto, buscar-se-á relacionar um fenômeno eminentemente jurídico, a
corrupção política, que está no limiar entre o Direito Penal e o Direito Administrativo; e
um modelo eminentemente econômico, a Teoria dos Jogos. Será proposta uma
ferramenta de mensuração, comparação e combate à corrupção, baseada em quatro
elementos arquetípicos que compõem o fenômeno.
Como resultado, espera-se obter um modelo que pode ser utilizado para
complementar indicadores existentes, subsidiar políticas públicas de prevenção e
repressão a corrupção e, de maneira geral, contribuir para a redução da criminalidade e
aumento do desenvolvimento humano.
No primeiro capítulo, há uma breve introdução sobre o que é a Teoria dos Jogos,
com a demonstração de dois exemplos que se relacionam diretamente com o tema da
corrupção. No segundo capítulo, haverá uma sucinta descrição do que é a Teoria da
Corrupção, de onde serão extraídos os pressupostos do jogo. O terceiro capítulo
apresenta a relação de caça-e-fuga estabelecida entre os dois jogadores “essenciais”.
Nos capítulos seguintes o jogo será expandido para incluir os dois jogadores
“auxiliares”. No sétimo capítulo, são tratadas formas de analisar o jogo como um
outsider, isto é, como um analista de risco. Por fim, as principais conclusões do modelo
são apresentadas, com suas implicações éticas. As referências estão devidamente
mencionadas ao final.
Não é a intenção deste projeto apresentar uma teoria geral e definitiva para a
corrupção política, mas, sim, contribuir no permanente desafio de confrontar o
problema.

4
1. Teoria dos Jogos

1.1.Utilitarismo e Escolha Racional

Existe um ditado em inglês que diz “é impossível comparar laranjas e maçãs”.


De fato, não se pode falar que uma maçã é uma “boa laranja” ou vice-versa. Em
essência, esse ditado quer dizer que existem realidades e valores incomparáveis em
termos de importância, afeição, ou mesmo rejeição. O Utilitarismo é uma filosofia que
nega esse ditado. Afinal, existem infinitas formas em que se podem comparar uma
laranja e uma maçã.
O conceito basilar do utilitarismo é a utilidade que pode ser explicada como o
valor, ou a “nota” que uma pessoa atribui a um fato. No exemplo em tela, seria possível
perguntar para qualquer indivíduo, em uma escala utilitária onde 0 (zero) significa
“detesto” e 10 (dez) significa “adoro”, qual é a “nota” que eles dão para uma maçã e
uma laranja. Números, ao contrário de frutas, podem ser facilmente comparados. Eles
fornecem parâmetros sobre a intensidade e ordem de preferências. O utilitarismo
influencia fortemente as ciências sociais, particularmente a Economia e a Ciência
Política, e está na raiz metodológica de pesquisas de mercado e sondagens eleitorais,
por exemplo.
Imagine-se que uma pessoa atribua, na escala utilitária exemplificada acima, a
nota 9 (nove) para maçãs e 8 (oito) para laranjas. Isso quer dizer que essa pessoa gosta
muito de maçãs e laranjas, mas ainda prefere as maçãs. Outra pessoa atribui nota 3 (três)
para maçãs e 2 (dois) para laranjas. Essa pessoa não gosta de maçãs tampouco de
laranjas, mas, também, prefere as maçãs. Caso ambas as pessoas tivessem que escolher
uma das frutas, apesar de apresentarem intensidades diferentes, ambas escolheriam a
maçã.
A Teoria da Escolha Racional pressupõe que um indivíduo racional é
maximizador de utilidade. Isso significa que, defronte a uma escolha, ele ou ela
analisará as suas preferências em uma escala de utilidade e escolherá o seu preferido.
Portanto, a ordem das preferências importa muito mais do que a intensidade. Ademais,
a escolha racional pressupõe que indivíduos racionais tenham preferências completas
(isto é, que sejam capazes de atribuir uma nota numérica para cada elemento possível) e
transitivas (isto é, que as preferências tenham uma ordem necessariamente lógica entre
elas).
Para entender o que é uma pessoa racional, podemos imaginar uma pessoa que
não é racional. Suponha-se que um indivíduo tenha que escolher entre três candidatas
(A), (B) e (C). Podemos capturar a transitividade de preferências do indivíduo
perguntando a ele qual candidata ele prefere, dentre cada par de candidatas:
O indivíduo prefere a candidata (A) à candidata (B)  (𝐴 > 𝐵).
O indivíduo prefere a candidata (B) à candidata (C)  (𝐵 > 𝐶).
O indivíduo prefere a candidata (C) à candidata (A)  (𝐶 > 𝐴).

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Podemos observar que inexistem números reais que satisfaçam a condição: (𝐴 >
𝐵 > 𝐶 > 𝐴). Portanto, esse indivíduo não apresenta transitividade entre suas
preferências e não é considerado racional, segundo a Teoria da Escolha. Ele não
consegue escolher uma candidata que lhe forneça máxima utilidade.
Transitividade de preferências não significa necessariamente uma relação de
superioridade/inferioridade. Imagine uma pessoa que, dentre as candidatas acima,
apresenta a seguinte ordem de preferências:(𝐴 = 𝐵 > 𝐶). Isso quer dizer que essa
pessoa está indecisa entre as candidatas (A) e (B), mas não seria considerada racional se
escolhesse a candidata (C).
Portanto, a Teoria da Escolha Racional diz respeito à ação de indivíduos perante
suas próprias preferências. Já a Teoria dos Jogos é a teoria da interação entre indivíduos
racionais em busca da maximização de utilidade. Trata-se de uma racionalidade
“elevada” que é chamada de estratégia. Chama-se situação estratégica (ou jogo)
qualquer situação onde dois ou mais indivíduos racionais (jogadores), munidos de ações
(jogadas), buscam maximizar seus ganhos ou minimizar suas perdas (payoffs), levando
em consideração que a jogada do outro jogador afeta seu resultado (estratégia). Existem
diversos conceitos e tipologias associadas à Teoria dos Jogos, que serão abordadas na
próxima seção.

1.2. Conceitos e Tipos de Jogos

Jogos podem ser sequenciais, quando os jogadores jogam em turnos; ou


simultâneos, quando jogam ao mesmo tempo, ou quando não sabem as jogadas uns dos
outros de antemão. Neste projeto, será tratado exclusivamente de jogos simultâneos, que
são tradicionalmente apresentados por uma matriz, onde todos os possíveis resultados
do jogo estão listados. Uma vez enumerados, estabelece-se a relação de preferências de
cada jogador por todos os resultados e, assim, delineia-se a melhor estratégia para cada
ator. As matrizes de jogos serão mais bem explicadas conforme forem aparecendo.
Ademais, jogos podem ser simétricos, quando os payoffs dos jogadores são
análogos; ou assimétricos. Podem ser estáticos, quando jogados apenas uma vez; ou
iterados no tempo. Além desses aspectos, existe uma classificação de jogos por
“famílias”. Uma “família” de jogos é aquela onde os payoffs obedecem a algumas
condições específicas, tornando-os jogos semelhantes. O “dilema do prisioneiro” é o
exemplo mais clássico de uma família de jogos (de cooperação e defecção). Neste
projeto, a corrupção será analisada como outro tipo de família, que se chama “caça-e-
fuga” (pursuit-evasion) e cujo exemplo principal é o jogo dos “policiais e ladrões”
(cops-and-robbers). Antes, contudo, passaremos à análise do dilema do prisioneiro e do
“Jogo da Propina”, que é uma discussão acerca de como a Teoria dos Jogos tem sido
aplicada no estudo e no combate da corrupção política.
O conceito mais relevante dentro da Teoria dos Jogos é o de Equilíbrio de Nash,
definido, grosso modo, como um resultado de jogo em que nenhum jogador tem
arrependimento, dado a jogada do outro. Esse conceito será explorado na próxima
seção, através de um exemplo.

6
.
1.3. O Dilema do Prisioneiro

Um empresário e um político foram presos pela prática de um crime, para o qual


a pena é dois anos de cadeia. Contudo, eles são, de fato, culpados de um crime maior,
para o qual a pena seria de quatro anos, mas do qual a polícia não tem provas. Uma vez
separados em celas distintas, ambos recorrem ao instituto da “delação premiada” que se
consiste no seguinte: se um prisioneiro delatar e o outro não delatar, então aquele que
delatou tem sua pena reduzida para um ano de cadeia e o outro tem sua pena aumentada
para quatro anos. Se ambos delatarem, ambos têm suas penas aumentadas para três anos
de cadeia. Se nenhum deles delatar, eles ficam presos por dois anos.
O dilema do prisioneiro é um jogo simultâneo e simétrico. Portanto, podemos
representá-lo sob a forma de uma matriz, onde um jogador (político) “controla” as
colunas e o outro (empresário), as linhas. Na matriz apresentada abaixo, os quatro
resultados possíveis foram listados de Q1 a Q4 e, conforme convenção, os payoffs do
jogador das colunas foram representados no canto superior direito de cada cédula, e os
da linha no canto inferior esquerdo. Nessa matriz, os payoffs estão na unidade “anos de
cadeia” e, portanto, foram simbolizados por números negativos, uma vez que
representam “utilidade perdida”.

Figura 1. O Dilema do Prisioneiro


Político
Delatar Não
-3 -4
Delatar Q1 Q2
-3 -1
Empresário
-1 -2
Não Q3 Q4
-4 -2

Para encontrar o Equilíbrio de Nash, cada jogador deve analisar a jogada do


outro “como um dado”. Isso quer dizer que o político vai comparar os casos em que o
empresário supostamente delata (Q1 e Q2), dos quais ele prefere Q1; e os casos em que
o empresário não delata (Q3 e Q4), dos quais ele prefere Q3. Dessa forma, percebe-se
que o político prefere a opção “delatar”, independentemente da jogada do empresário.
Devido à simetria do jogo, o mesmo é válido para o empresário, que irá comparar os
casos Q1 e Q3, dos quais prefere Q1; e os casos Q2 e Q4, dos quais prefere Q2.
Podemos perceber que ambos os jogadores têm fortes incentivos para sempre se
delatarem mutuamente, o que faria o resultado mais provável do jogo ser Q1, onde
ambos pegam três anos de cadeia. É importante ressaltar que isso configura um
equilíbrio em estratégias puras, uma vez que pelo menos um dos jogadores tem uma
estratégia que é sempre dominante. As setas inseridas na matriz representam a
dominância de estratégias, apontando da estratégia dominante para a dominada.

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Isso significa que o político e o empresário, ambos racionais, na busca pela
maximização de sua utilidade, atingirão um resultado que não é ótimo, no sentido de
Pareto. Isto é, existe um resultado possível onde ambos podem ganhar mais (ou, nesse
caso, perder menos) sem que isso acarrete em custos para o outro. Caso nenhum deles
delatasse (Q4), ambos pegariam uma pena mais leve, mas ambos estariam
“arrependidos”, dado a jogada do outro.
O dilema do prisioneiro alterou paradigmas em estudos de Economia, por
comprovar matematicamente que a busca pelo interesse individual nem sempre
promove o bem coletivo. No caso específico do combate à corrupção, é desnecessário
dizer que o dilema do prisioneiro influenciou profundamente a Lei de Organização
Criminosa e o instituto da colaboração premiada, que já foi utilizada por centenas de
políticos e empresários no escopo da Operação Lava-Jato. Contudo, o dilema do
prisioneiro já foi aplicado, também, de maneira mais teórica para explicar a corrupção
como um fenômeno em si, e não para combatê-la. Existem literalmente centenas de
estudos que buscam relacionar corrupção e Teoria dos Jogos, e a maior parte deles
afirma que a corrupção se assemelha muito a um dilema do prisioneiro, pois é uma
situação em que os atores têm incentivos para serem desonestos, ainda que prefiram a
correição.

1.4. O Jogo da Propina

A primeira acadêmica que buscou relacionar corrupção e Teoria dos Jogos foi
Susan Rose-Ackerman, uma renomada professora da Universidade de Yale. Em 1978,
ela publicou Corruption: a study in political economy, em que analisou a relação
entre corruptores ativos e passivos nos Estados Unidos. Em 1999, escreveu Corruption
and Government, onde afirma claramente: “[m]ultinational firms face a [prisoners’]
dilemma when dealing with corrupt regimes. Each firm believes it needs to pay bribes,
but each knows that most of them would be better off if nobody paid.” (Rose-Ackerman,
1999, p. 88)
Seu trabalho também inspirou pesquisadores de todo o globo. Do Reino Unido,
John Macrae (1982) estudou o jogo da propina em países em desenvolvimento e
concluiu que: “a prisoner’s dilemma type of situation emerges with the added
complication that the judge and jailer may be corrupt.” (Macrae, 1982: p. 677).
Da China, os professores Sun Lianju and Peng Luyan (2011) escreveram Game
Theory Analysis of the Bribery Behavior, também analisando a relação entre
corruptores ativos e passivos, onde afirmam: “the game [of corruption] is a ‘prisoners'
dilemma’ apparently. The Pareto optimal solution of the game is not the unique Nash
equilibrium point but the situation ‘(no bribery, no bribery)’”(Lianju e Luyan, 2011, p.
106).
No Brasil, Marcos F. Silva (1999) publicou The political economy of
corruption in Brazil, onde, associando a corrupção diretamente a um dilema do
prisioneiro, afirma que o país: “seems to be a society where the incentive to cheat and to
disrespect the rules is widespread. It is an incentive to corruption the fact that the

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Justice is inefficient as well. The problem here is how to break the vicious circle of an
‘unruly’ society” (Silva, 1999, p. 36).
A matriz apresentada abaixo é uma versão alternativa do jogo da propina,
diferente daquela apresentada por Silva (1999) e tantos outros autores.

Figura 2. O Jogo da Propina

Corruptor Passivo
Não Ser corrupto
0 C–p
Não
Corruptor 0 0
Ativo 0 C
Ser corrupto
C–p C
Fonte: adaptado de Silva (1999)

Esse jogo apresenta duas características semelhantes ao dilema do prisioneiro


apresentado por todos esses autores: i) existe um equilíbrio de Nash em estratégias
puras, que é o caso onde ambos são corruptos; ii) existe um “fator de desconto” de
utilidade quando um jogador decide ser corrupto e o outro, não. Esse fator é comumente
chamado de “fator propina” e é menor do que o “valor do crime” (C > p). Portanto, a
matriz apresentada acima não é um dilema do prisioneiro, pois o resultado de
equilíbrio é o resultado ótimo (no sentido de Pareto). Ao contrário dos jogos propostos
pelos pesquisadores, pressupõe-se, nesse modelo, que ambos são “desonestos”, no
sentido de que eles têm uma tentação para cometerem o crime simplesmente porque
“preferem” assim. No jogo da propina proposto por Silva (1999), que é um dilema do
prisioneiro, os atores são compelidos a serem corruptos apesar de preferirem a situação
onde ninguém é corrupto. Como se percebe, trata-se de uma diferença de cunho ético-
moral: ao contrário do dilema do prisioneiro, o jogo da propina apresentado neste
projeto parte do pressuposto de que corruptores ativos e passivos, na condição de
cúmplices de um crime, têm uma tentação para cometê-lo. Em termos de implicações
práticas, não existe nenhuma diferença, em ambos os jogos existem incentivos para
corrupção de maneira sistêmica e perpétua.
Apesar de apresentar desdobramentos importantes, a análise da relação entre
corruptores ativos e passivos pode ser insuficiente para abarcar o fenômeno da
corrupção em sua completude. Mais recentemente, alguns autores têm buscado trazer o
papel dos controladores para o jogo da corrupção. O professor Dueñez-Gúzman, da
Universidade de Harvard, em seu artigo Power and Corruption (2010) propõe: “a
general game allowing corruption and power asymmetries between punishers and non-
punishers” (Dueñez-Gúzman, 2010). A novidade de sua abordagem é incluir o papel da
punição ao dilema do prisioneiro, que representa um risco tanto para corruptores ativos
quanto para passivos. Em 2012, ele escreveu Evolving Righteousness into a Corrupt
World, onde utilizou um dilema do prisioneiro com quatro jogadores, e concluiu que:
“[c]orruption can be destabilized by making punishments both more egalitarian and

9
harsher. Provided punishments are sufficiently harsh, completely removing power
inequalities eliminates corruption, and cooperative punishment will likely spread”.
(Dueñez-Gúzman, 2012).
Todas essas pesquisas têm diferentes conclusões e resultados, mas têm em
comum o fato de associarem a corrupção a um dilema do prisioneiro. Neste modelo,
será apresentado outro tipo de jogo, que não tem equilíbrio de Nash em estratégias
puras. Antes, porém, devem-se fazer breves considerações a respeito da Teoria da
Corrupção, para delimitar os pressupostos e os conceitos que serão utilizados adiante.

2. Teoria da Corrupção

2.1. Corrupção Política

A palavra corrupção deriva do latim corruptios, que quer dizer “degradação,


apodrecimento”. Como laranjas e maçãs, as instituições parecem fadadas a perderem
seu propósito original com o tempo. Nesses termos, qualquer instituição que seja
idealizada pela sociedade é passível de ser corrompida. Um padre, por exemplo, que
utilizasse o altar para outros fins que não o sacerdócio, estaria pervertendo a sua
finalidade. Entretanto, neste projeto, trata-se exclusivamente de “corrupção política”,
que seria, portanto, a subversão das instituições públicas. Conforme observado
anteriormente, a corrupção é um fenômeno doutrinado pelo Direito Público, em suas
vertentes penal e administrativa.
A definição mais precisa de corrupção política é o desvio (ou abuso) de poder
público para fins privados. Trata-se do conceito utilizado pela Transparência
Internacional, pela Convenção de Mérida e por quase todos os artigos científicos que
tratam do tema. Primeiramente, deve-se ater aos conceitos de “desvio de finalidade”,
que seria uma violação dos princípios de legalidade, moralidade e impessoalidade, e
“abuso de poder”, que se caracteriza pelo excesso na conduta ou violação dos princípios
de proporcionalidade e razoabilidade. Destarte, trata-se de um conceito deveras
abrangente, que inclui as mais diversas práticas ilícitas ou não de desvio de poder.
Algumas são meramente administrativas, outras, severamente criminais.
No Brasil, existe um Título específico do Código Penal intitulado “Crimes
contra a Administração Pública”, que incluem peculato, corrupção passiva, etc.
Ademais, diversos outros pedaços do ordenamento jurídico disciplinam práticas que
podem ser consideradas corrupção, como crimes de responsabilidade, eleitorais,
improbidade administrativa, etc.
É preciso salientar que, para os fins deste projeto, a expressão “poder público” se
confunde com o conceito de “função pública”, em seu sentido mais amplo. Isso quer
dizer que não são apenas os “políticos” (eleitos ou nomeados) que têm a possibilidade
de desviar ou abusar de um poder público, mas qualquer pessoa que dispõe de algum
tipo de poder público, incluindo, portanto, qualquer agente público, seja ele um
burocrata, um servidor temporário ou mesmo um empregado da administração indireta.

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O conceito de agente público pode ser encontrado nos primeiros artigos da Lei de
Improbidade Administrativa (1992):

Reputa-se agente público [...] todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego ou função nas entidades ou órgãos da administração direta,
indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual. (Brasil, 1992)

Onde quer que haja função pública, existe a possibilidade de que ela seja
desviada ou abusada. Saliente-se, portanto, que existe uma importante conclusão a esse
respeito: a corrupção ativa não se enquadra como corrupção, em sentido estrito.
Um ator particular, que não dispõe de função pública, não pode desviá-la. O que se pode
fazer é buscar influenciar um agente público a desviar a sua conduta por meio de
incentivos indevidos, como subornos, propinas, chantagens, etc. Portanto, o capítulo do
Código Penal brasileiro dedicado aos crimes cometidos por particulares contra a
administração configura-se como “corrupção ativa”, que é passível de punição, mas não
se constitui, por si só, como corrupção, que é um fenômeno disciplinado tanto pelo
Direito Penal (crimes cometidos por “funcionários” públicos contra a administração)
quanto pelo Direito Administrativo (disperso na legislação). É a ação do agente público,
e não do ator privado, que determina se a função pública será desviada, ainda que o ator
privado possa ser responsabilizado por buscar influenciar o desvio da função. Existem
crimes e formas de corrupção que um agente público pode praticar “sozinho”, isto é,
sem levar em consideração a presença de um corruptor ativo. O contrário, todavia, não é
válido.
Dessa forma, a análise da relação entre corruptores passivos e ativos pode
explicar vários tipos de crimes, mas não compreende o fenômeno da corrupção como
um todo, que inclui os poderes disciplinar e de polícia da administração pública. Por se
tratar de matéria exclusivamente penal, a corrupção ativa é controlada por meio do
poder de polícia, que é uma prerrogativa do Estado perante a Sociedade. Por ser tanto
penal quanto administrativa, a corrupção ativa pode ser controlada tanto pelo poder de
polícia quanto pelo poder disciplinar, que é uma prerrogativa do Estado para o Estado,
associada à hierarquia, conhecida como autotutela.

2.2. Controle da Administração Pública

Nas palavras do professor Matheus Carvalho:

“Pode-se conceituar controle administrativo como o conjunto


de instrumentos definidos pelo ordenamento jurídico a fim de permitir
a fiscalização da atuação estatal por órgãos e entidades da própria

11
Administração Pública [...], assim como pelo povo diretamente,
compreendendo ainda a possibilidade de orientação e revisão da
atuação administrativa de todas as entidades e agentes públicos, em
todas as esferas de poder [...] com o intuito de garantir uma eficiente
prestação dos serviços e as condutas orientadas para a busca do
interesse público.” (Carvalho, 2017, p. 386).

Se o controle da administração pública é a garantia preventiva ou repressiva de


que as funções públicas não serão desviadas, pode ser definido, por silogismo, como
prevenção e combate a corrupção. Conforme a definição do professor, o controle por ser
interno, quando é exercido pela própria administração pública (portanto, por agentes
públicos); ou externo, quando é exercido pela sociedade civil (portanto, por atores
particulares).
O controle interno relaciona-se diretamente com os poderes de polícia e de
disciplina da administração pública. Portanto, é preciso ressaltar que o controle interno
é, também, uma função pública, que pode ser desviada. Afinal, são os policiais, juízes,
promotores, etc. que efetivamente exercem o controle sobre a corrupção, e eles são,
também, agentes públicos. Ademais, agentes públicos que não são revestidos de poder
de polícia, como o chefe de um departamento (cuja função envolve supervisionar seus
subordinados), também exercem função de controle, quando se revestem de poder
disciplinar.
Por outro lado, o controle externo reflete a permeabilidade de um governo com
relação à sociedade. Manifesta-se através da cidadania, do accountability eleitoral, da
transparência pública, etc. Pode ser exercido por cidadãos comuns, por organizações
não governamentais, pela mídia, pela academia, etc. O aspecto mais relevante do
controle externo para o presente projeto é o seu caráter ambivalente. Quando, por
exemplo, um cidadão se mobiliza contra a corrupção, pode fazê-lo contra agentes
públicos que estão sendo corruptos ou contra os agentes públicos que não estão
exercendo o devido controle (ou, naturalmente, contra os dois).
Toda administração pública do mundo tem agentes públicos que exercem suas
funções (e podem desviá-las) e, dentre esses agentes, alguns cuja função é o próprio
controle. Portanto, em qualquer situação de corrupção, existem as figuras da corrupção
passiva e do controle interno, mas nem sempre estarão presentes o corruptor ativo e o
controlador externo. Ademais, deve-se ressaltar que estamos falando de dois tipos de
atores (público ou privado), cada um em dois tipos de condição (corrupção ou
controle). Suponha-se uma pessoa que trabalhe em uma repartição pública. De manhã,
como agente pública, ela recebe propina de um empresário, na condição de corruptora
passiva. À tarde, também como agente pública, ela supervisiona os estagiários, agindo
na condição de controladora interna. Ao final do expediente, ela suborna um policial
para escapar de uma multa de trânsito. Nesse caso, a pessoa é um ator privado na
condição de corruptora ativa. À noite, ela vai a uma manifestação contra o governante
local, acusado de crimes eleitorais, agindo, portanto, como ator privado, na condição de
controladora externa. Portanto, uma mesma pessoa pode, eventualmente, executar
qualquer um dos quatro papeis relacionados à corrupção.

12
Todos esses pressupostos, esquematizados no diagrama abaixo, serão
“transformados” em um jogo, ou melhor, em quatro jogos possíveis, com quatro
jogadores arquetípicos que representam cada um dos elementos.

Figura 3. Teoria da Corrupção

Corrupção Ativa:
Corrupção em sentido
cometida por
amplo (exc. Penal)
Corrupção política: particulares
desvio de função
pública para fins
privados Corrupção Passiva:
Corrupção em sentido
cometida por agentes
estrito (Penal/Adm)
públicos

Controle Externo:
Possui caráter
exercido por
ambivalente
Controle da particulares
Administração
Pública: prevenção e
combate à corrupção Controle Interno: Relacionado aos
exercido pela poderes disciplinar e
adminsitração pública de polícia

Desses quatro jogadores, conforme pudemos observar, dois (corruptores


passivos e controladores internos) estarão sempre “presentes”, sendo “essenciais” para
configurar uma situação de corrupção. Os outros dois jogadores, que são os atores
privados, podem ou não desempenhar um papel no jogo, e, portanto, foram chamados
de “auxiliares”. Para fins de simplificação, os jogadores serão chamados pelos seus
tipos (adjetivos), e suas ações serão chamadas pelas suas condições. Portanto, podemos
ter um jogo básico, entre os Passivos e os Internos; um jogo entre eles e cada um dos
jogadores auxiliares; e um jogo expandido, com todos os quatro jogadores.

Jogo 1 (Base): Passivo vs. Interno


Jogo 2: Passivo vs. Interno vs. Ativo
Jogo 3: Passivo vs. Interno vs. Externo
Jogo 4 (Expandido): Passivo vs. Interno vs. Ativo vs. Externo

O capítulo seguinte trata apenas do Jogo 1 (Base). No capítulo subsequente,


serão apresentadas as versões expandidas do Jogo.

3. A Relação de Caça-e-Fuga

Existem quatro possíveis resultados no Jogo-Base da Corrupção, enumerados, na


matriz apresentada abaixo, de Q1 a Q4.

13
Figura 4. O Jogo-Base da Corrupção (Resultados)

Corruptor Passivo
Não Corrupção

Controle Q1 Q2
Controlador
Interno
Não Q3 Q4

Deve-se proceder estabelecendo a ordem de preferências de cada jogador entre


cada um dos quarto resultados possíveis.

3.1. Tentação e Risco

Conforme observado anteriormente, argumenta-se neste projeto que a prática de


um crime está associada a uma tentação para os corruptores passivos. Trata-se de
afirmar que, dentre as quatro possibilidades apresentadas acima, a chance de desviar a
função e sair impune é a mais atrativa, em termos de utilidade. Contudo, a possibilidade
de desviar função pública e ser punido por isso representa o risco, isto é, a pior dentre as
quatro situações. A relação entre não ser corrupto e ser investigado, e não ser corrupto e
não ser investigado é completamente irrelevante para as conclusões deste modelo, pois
nunca serão os casos preferido ou menos preferido dos corruptores passivos. Assim,
temos que a ordem de preferências do corruptor passivo entre os resultados do jogo é
(𝑄4 > 𝑄1 ≥≤ 𝑄3 > 𝑄2). Tanto o risco quanto a tentação associam-se a prática da
corrupção, e a jogada do controlador.
Com relação ao controlador interno, devemos assumir que o exercício do
controle apresenta custos (em termos de energia, tempo, recursos, etc.). Portanto,
presume-se que o caso preferido do controlador é (Q3), onde ele não exerce o controle e
o agente público “descontrolado” não pratica a corrupção. Contudo, o caso menos
preferido do controlador é aquele onde ele não exerce o controle e o agente público
“descontrolado” é corrupto, configurando (Q4), onde a corrupção ocorre de fato. A
transitividade entre investigar e encontrar agentes públicos corruptos e investigar e não
encontrá-los é irrelevante para os desdobramentos deste jogo, pois nunca terão os
valores máximos ou mínimos atribuídos a eles. Sua ordem de preferências é (𝑄3 >
𝑄1 ≥≤ 𝑄2 > 𝑄4). Podemos concluir, portanto, que, para o controlador, a tentação e
o risco associam-se ao não exercício do controle.
Na matriz abaixo apresentamos as tentações como valores positivos, pois
representam utilidade ganhada, e os riscos como valores negativos, pois representam
utilidade perdida. Os valores intermediários foram mantidos constantes iguais a 0
(zero). Isso significa que “não ser corrupto” e “exercer o controle” valem, ambos, 0
(zero). No caso Q2, o controlador recebe zero e o corruptor é “punido” (–P), que

14
representa o risco de ser corrupto. No caso Q3, o controlador recebe o valor da
“segurança” (S) de não exercer o controle, que representa sua tentação para não
investigar. No caso Q4, o corruptor recebe o valor positivo do “crime” (C), que
representa sua tentação para ser corrupto e o controlador interno fica “frustrado”,
recebendo o valor negativo (–F), que representa seu risco de não exercer o controle. As
setas indicam as dominâncias de estratégia.

Figura 5. O Jogo-Base (payoffs)

Corruptor Passivo
Não Corrupção
0 –P
Controle Q1 Q2
Controlador 0 0
Interno 0 C
Não Q3 Q4
S –F

Não existe, nesse jogo, equilíbrio em estratégias puras, uma vez que não há
resultado possível em que nenhum dos jogadores não tem arrependimento. No caso Q1,
o controlador se arrepende de exercer o controle, dado que o agente público não foi
corrupto. No caso Q2, o corruptor se arrepende de ter sido corrupto, dado que o
controlador exerceu o controle. No caso Q3, o corruptor passivo arrepende-se de não ter
sido corrupto, dado que o controlador interno não exerceu o controle. No caso Q4, o
controlador interno está arrependido de não ter exercido o controle, dado que o
corruptor passivo foi corrupto. Assim configura-se uma relação de caça-e-fuga entre
dois jogadores. O exemplo clássico, apresentado em 1984 por Aigner e Fromme,
chamava-se “Jogo dos Policiais e Ladrões”, que se trata exatamente do mesmo modelo,
mas o “ladrão” foi substituído pelo “corruptor passivo” e o “policial”, pelo “controlador
interno”. Isso porque a corrupção, enquanto relacionada ao direito penal, pode estar
associada a jogos de criminalidade, mais do que jogos de cooperação-defecção.
O fato de que não existe equilíbrio em estratégias puras no Jogo da Corrupção
nos traz três muito relevantes conclusões a respeito do fenômeno, que podem ser, por
analogia, estendidas à criminalidade em geral. Essas conclusões serão analisadas
detidamente a seguir.

3.2. Um Fenômeno Cíclico Inesgotável

Suponha-se que o Jogo da Corrupção, apresentado acima, seja jogado infinitas


vezes no tempo entre um corruptor passivo e um controlador interno. Imagine-se,
ademais, que o corruptor passivo escolha sempre a estratégia “ser corrupto”. Nesse
caso, a melhor resposta que o controlador tem para maximizar sua utilidade é exercer o
controle sempre. Isso eventualmente faria com que o resultado sempre fosse Q2, onde o

15
corruptor passivo tem arrependimento. Caso contrário, se o corruptor passivo escolhesse
nunca ser corrupto, então a melhor resposta do controlador seria nunca exercer o
controle, o que levaria inevitavelmente ao caso Q3, onde o corruptor passivo também
tem arrependimento. Isso significa duas coisas: 1) sob o ponto de vista do corruptor
passivo, a ação do controlador responde positivamente às suas (se eu for mais corrupto,
ele vai investigar mais; e se eu for menos corrupto, ele vai investigar menos); 2) jogar
uma ação com probabilidade certa (ou seja, uma estratégia pura) sempre trará
arrependimento certo ao corruptor passivo.
Agora, imagine-se que o controlador escolha sempre exercer o controle; então, a
melhor resposta do corruptor passivo é nunca ser corrupto, o que levaria ao caso Q1,
onde o controlador tem arrependimento. Caso o controlador escolhesse nunca exercer o
controle, então a melhor resposta do corruptor passivo seria sempre ser corrupto,
levando a Q4 onde o controlador tem arrependimento. Destarte: 1) sob o ponto de vista
do controlador, a ação do corruptor responde negativamente (se eu investigar mais, ele
será menos corrupto; se eu investigar menos, ele será mais corrupto); e 2) jogar uma
estratégia pura também é inviável para o controlador.
Se juntarmos as conclusões, teremos que: 1) sempre haverá uma
probabilidade de que o corruptor passivo seja corrupto (x) e uma probabilidade de
que o controlador interno exerça o controle (y), e essas probabilidades jamais
chegarão a 0% ou 100% (0 > x; y > 1). Saliente-se de que existem as probabilidades
complementares de que o corruptor não seja corrupto (1 – x) e de que o controlador não
exerça o controle (1 – y).
2) A relação entre as probabilidades de ação dos jogadores (x) e (y) tendem
à matemática caótica (são diretamente proporcionais sob um ponto de vista e
inversamente proporcionais sob outro ponto de vista). Como corolário dessas
conclusões, podemos interpretar que sempre haverá alguma probabilidade de todos
os quatro resultados ocorram. A matriz abaixo demonstra as probabilidades de ação
dos jogadores e de ocorrência dos casos.

Figura 6. O Jogo-Base (probabilidades)

Corruptor Passivo
Não (1 – x) Corrupção (x)
Controle 0 –P
(y) Q1: y – xy Q2: xy
Controlador 0 0
Interno Não 0 C
(1 – y) Q3: 1 – x- y + xy Q4: x – xy
S –F

Existem duas possíveis interpretações dessa conclusão. Uma, mais pessimista,


concentra-se no fato de que é impossível extinguir a corrupção, pelo menos em
termos de probabilidade. Outra, mais otimista, é de que a corrupção é um fenômeno

16
cíclico. Isso porque a relação de caça-e-fuga é a mesma estabelecida entre presas e
predadores no meio ambiente, e, portanto, tende a se comportar como uma onda no
tempo. Para entender essa interpretação, pode-se imaginar o Jogo da Corrupção jogado
em quatro momentos sequenciais, que se repetem ad eternum, conforme demonstrado
pela figura abaixo. No primeiro momento, aumenta-se a probabilidade de que os
corruptores passivos sejam corruptos; no segundo momento, como resposta ao primeiro,
os controladores aumentam a probabilidade de investigação; no terceiro momento, em
resposta ao segundo, os corruptores passivos diminuem a probabilidade de serem
corruptos; no quarto momento, em resposta ao terceiro, os controladores diminuem a
probabilidade de investigação, o que nos leva novamente ao primeiro momento, onde,
em resposta, os controladores aumentam a probabilidade de corrupção.

Figura 7. Corrupção como um Fenômeno Cíclico

Momento Corruptores Passivos... Controladores Internos...


1 ...começam a ser mais corruptos... ↑ (𝑥) -
2 - ...começam a exercer mais controle... ↑ (𝑦)
3 ... começam a ser menos corruptos ... ↓ (𝑥) -
4 - ... começam a exercer menos controle ... ↓ (𝑦)
... ...começam a ser mais corruptos... ↑ (𝑥) ...

Outra conclusão a respeito do jogo de caça-e-fuga se relaciona a duas


características peculiares do exercício do controle no jogo. Conforme foi mencionado,
uma estratégia mista é aleatória, o que significa que a chance de um corruptor passivo
ser investigado deveria ser igual para todos. Na vida real, investigações policiais não se
configuram como estratégias mistas, pois o poder de polícia da administração pública só
pode atuar quando provocado e/ou deve atuar sempre que provocado, o que traria uma
espécie de “certeza” na ação do controlador. Neste projeto, nos referimos a uma
investigação, sempre, randômica, de forma que a probabilidade de controle interno (y)
está em termos aleatórios. Ademais, o controle interno demonstrado neste modelo pode
ser chamado de infalível, uma vez que não foram consideradas as possibilidades de se
punirem pessoas inocentes ou de não se punirem pessoas culpadas. Isso significa que,
nesse jogo, o controle interno sempre leva à “verdade”, isto é, ele sempre consegue
distinguir claramente os inocentes dos culpados. Uma investigação aleatória e infalível é
exatamente uma amostragem estatística da população. Isso quer dizer que, em um jogo
como o apresentado acima, qualquer porcentagem da população de agentes públicos que
for investigada será representativa de todo o conjunto de agentes públicos. Assim,
podemos descobrir a probabilidade de que os investigados tenham sido corruptos (xy) e
a probabilidade, dentre os investigados, de serem inocentes (y – xy). Assim, seria
possível realizar uma extrapolação estatística do crime e descobrir as chances de que
um agente público tenha sido corrupto e não investigado (x – xy). Naturalmente, como
se trata de uma amostragem probabilística, seria necessário estipular um intervalo de
confiança e uma margem de erro. Não se trata de advogar pela investigação

17
desmotivada e aleatória de agentes públicos, apenas ressaltar que, nesse aspecto, o
modelo apresentado se diferencia parcialmente da vida real. Por fim, a última conclusão
da relação de caça-e-fuga é de que, em equilíbrio, a probabilidade de ação de um
jogador está em função dos payoffs do outro jogador. Essa conclusão será analisada
a seguir.

3.3. Trade-off entre a Sensação de Impunidade e a Impunidade Real

Para encontrar o equilíbrio de Nash em um jogo de estratégias mistas, é preciso


voltar-se ao que os utilitaristas chamam de Teoria dos Valores Esperados. Cada ação de
cada jogador tem um valor esperado, que é a soma dos valores dos resultados de uma
ação ponderados (multiplicados) pelas probabilidades de que esses resultados venham a
ocorrer.
Para o controlador, o Valor Esperado de Investigar(𝑉𝐸𝐼 ) é igual ao que ele
ganha investigando e encontrando corruptores passivos (0)(x), somado ao que ele ganha
quando investiga e não encontra corruptores passivos (0)(1 – x). Portando, o valor
esperado de exercer o controle interno é 0 (zero). Via de regra, quando o valor de uma
ação é sempre o mesmo em todos os casos, esse é o valor esperado da ação.
Já o Valor Esperado de Não Investigar (𝑉𝐸𝑁𝐼 )é igual ao que obtém quando não
investiga e o corruptor passivo é corrupto (–F)(x), somado ao que ele obtém quando não
investiga ponderado pela chance de o corruptor não ser corrupto (S) (1 – x).

𝑉𝐸𝑁𝐼 = (−𝐹)(𝑥) + (𝑆)(1 − 𝑥) = 𝑺 − 𝑺𝒙 − 𝑭𝒙

Se o valor esperado de uma ação é maior do que o valor esperado de outra ação,
então a ação de maior valor é mais estratégica. Dizemos que um jogador está em
equilíbrio de estratégias mistas quando a probabilidade de ação do outro jogador é
tal, que o torna indiferente entre suas opções. Ou seja, existe uma probabilidade de
que o corruptor passivo pratique a corrupção (x) que faria, para o controlador, os valores
esperados de investigar e não investigar se igualarem. 𝑉𝐸𝑁𝐼 = 𝑉𝐸𝐼

𝑆 − 𝑆𝑥 − 𝐹𝑥 = 0

𝑆𝑥 + 𝐹𝑥 = 𝑆

𝑆
𝑥=
𝑆+𝐹

Assim, a equação de equilíbrio do controlador nos fornece a probabilidade de


ação de equilíbrio do corruptor passivo. Note-se que a probabilidade de corrupção
passiva (x) é diretamente proporcional à tentação do controlador para não investigar (S),
e inversamente proporcional ao risco do controlador para não investigar (F). Em outras
palavras, o agente público, em equilíbrio, será tanto mais corrupto quanto for a relação

18
𝑆
tentação-risco do controlador para não investigar (𝐹). A mesma lógica se aplica para o
outro jogador, mas dessa vez trazendo uma conclusão ainda mais contra-intuitiva.
Para o corruptor passivo, o Valor Esperado de Ser Corrupto (𝑉𝐸𝐶 ) é o payoff que
ele obtém quando é punido ponderado pela chance de punição (–P)(y), mais o payoff
obtido quando ele comete o crime sai impune, ponderado pela chance de não ser
investigado (C)(1 – y). Já o Valor Esperado de Não Ser Corrupto (𝑉𝐸𝑁𝐶 ): é igual a 0
(zero), pois, nesse jogo, ele não ganha nem perde nada quando não é corrupto. Em
equilíbrio:(𝐸𝑉𝐶 = 𝐸𝑉𝑁𝐶 ).

𝐶 − 𝐶𝑦 − 𝑃𝑦 = 0

𝐶𝑦 + 𝑃𝑦 = 𝐶

𝐶
𝑦=
𝐶+𝑃

A probabilidade de equilíbrio de que o controlador interno exerça o controle é


diretamente proporcional a relação tentação-risco do corruptor passivo, associada a ser
𝐶
corrupto(𝑃). Podemos definir essa relação como sensação de impunidade. Se um
agente público desvia, por exemplo, milhões de reais (um alto valor de C), e pega uma
pena “leve” (um baixo valor de P), então a sensação de impunidade é alta, mas também
o é a probabilidade de que esse corruptor seja investigado (y). Se definirmos a
verdadeira impunidade como a “chance de qualquer agente público não ser
investigado” (1 – y), então temos que ambas são inversamente proporcionais.
Conclui-se, portanto, que, em um jogo de caça-e-fuga, em equilíbrio, as
probabilidades de ação de um jogador estão em função dos payoffs dos outros
jogadores, e também que essas probabilidades de ação jamais chegarão a 0% ou
100%:(0 < 𝑥; 𝑦 < 1). Caso tivéssemos considerado que o controlador interno ganha
uma “recompensa” (R) ao investigar e encontrar corruptos (Q2), então a fórmula de (x)
𝑆
seria: (𝑥 = 𝑆+𝑅+𝐹). Por ouro lado, se déssemos um “bônus” (B) para agentes públicos
honestos que porventura viessem a ser investigados (Q1), teríamos uma probabilidade
𝐶
de (y):(𝑦 = 𝐶+𝑃+𝐵). Assim, uma forma de alterar a probabilidade de ação de um dos
jogadores é alterar os incentivos econômicos do outro.
Nesse sentido, aumentar a punição para a prática de corrupção teria, num
primeiro momento, o efeito de diminuir o valor estratégico de ser corrupto. Contudo,
caeteris paribus, teria também o efeito de diminuir a probabilidade de equilíbrio de que
a corrupção fosse investigada (y) e aumentar as chances de que ela de fato ocorresse (x
– xy). Contudo, diminuir a punição não parece ser uma alternativa razoável de combate
à corrupção, de forma que é preciso encontrar um meio-termo entre elas. Para debater
essa questão, e encontrar uma relação “ideal” entre riscos e tentações, foi elaborada uma

19
forma de visualização gráfica do Jogo aqui apresentado, que foi chamada de Tabuleiro
da Corrupção, analisado em seguida.

3.4. O Tabuleiro da Corrupção

Na figura abaixo, a probabilidade de corrupção passiva (x) foi colocada no eixo


das abscissas e a probabilidade de controle interno (y) foi colocada no eixo das
ordenadas. Como sabemos que os limites dessas probabilidades são 0 (zero) e 1 (um),
1
esses são também os limites do gráfico. Uma linha vertical foi desenhada onde (𝑥 = 2)
1
e uma linha horizontal onde (𝑦 = 2), separando o gráfico em quatro quadrantes. Cada
um desses quadrantes representa as áreas do gráfico onde os respectivos resultados (Q1,
Q2, Q3, Q4) serão os mais prováveis de acontecer. No corpo do gráfico, foi listada a
probabilidade de a corrupção de fato ocorrer (Q4), em porcentagem.

Figura 8. Representação Gráfica do Jogo da Corrupção

A probabilidade de a corrupção de fato ocorrer será tanto maior quanto maior for
(x) e quanto menor for (y), indicando que ela cresce nos sentidos para a direita e para
baixo no gráfico. É digno de nota mencionar que a corrupção ocorre menos nas
extremidades superiores e na inferior esquerda. Contudo, a probabilidade de Q4, por
si só, não é indicativa das probabilidades (x) e (y). Por exemplo: no gráfico acima,
foram listados quatro pontos onde a probabilidade de que a corrupção de fato ocorra é
igual a 18%, duas vezes no quadrante Q2 e duas vezes no quadrante Q3. Qual é a
diferença entre esses quatro pontos? Vejamos.
Imagine-se que cada um desses quatro pontos seja diferentes “sociedades”. Na
primeira, a probabilidade de que os passivos sejam corruptos (x) é de 90% e a
probabilidade de que os controladores investiguem (y) é de 80%. Na segunda, (x =
60%) e (y = 70%). Na terceira, (x = 30%) e (y = 40%). Na quarta (x = 20%) e (y =
10%). Conforme sabemos, em todas, a corrupção de fato (Q4) ocorre com probabilidade
de 18%, mas a probabilidade de que os outros casos (Q1, Q2 e Q3) ocorram é diferente

20
em cada uma delas. Abaixo, eles foram calculados e ordenados, do maior para o menor,
para cada uma das quatro sociedades.

Figura 9. Ordem de ocorrência dos resultados

Sociedade x y Q1 Q2 Q3 Q4 Ordem
I 90% 80% 8% 72% 2% 18% 𝑄2 > 𝑄4 > 𝑄1 > 𝑄3
II 60% 70% 38% 42% 12% 18% 𝑄2 > 𝑄1 > 𝑄4 > 𝑄3
III 30% 40% 28% 12% 42% 18% 𝑄3 > 𝑄1 > 𝑄4 > 𝑄2
IV 20% 10% 8% 2% 72% 18% 𝑄3 > 𝑄4 > 𝑄1 > 𝑄2

A primeira conclusão que podemos extrair desses cálculos é que sempre que Q2
é predominante, Q3 é o menos frequente, e vice-versa. O que se altera entre as
sociedades de um mesmo quadrante é a ordem entre os casos Q1 e Q4. A reta que divide
esse segmento do gráfico é onde (y = x). Nas sociedades (I) e (IV), a probabilidade de
investigação (y) é menor que a probabilidade de corrupção (x) e, portanto, (Q4 > Q1).
Nas sociedades (II) e (III), a probabilidade de investigação (y) é maior do que a
probabilidade de corrupção (x), e (Q4 < Q1).
Uma forma de interpretar essa realidade é abstrair do termo “probabilidade” e
pensar em termos de “possibilidade”. Se o número de corruptos é maior do que o
número de investigados, então não é possível investigar todos que foram corruptos, e
com certeza algum corrupto saiu impune. Se o número de investigados for maior do que
o número de corruptos, então é possível eventualmente investigar todos os corruptos.
Destarte, podemos desenhar uma linha inclinada positivamente, onde (y = x), e que
separa completamente os casos Q1 e Q4. Em qualquer ponto à esquerda dessa linha, (y
> x) e (Q1 > Q4). Qualquer ponto à direita, (y < x) e (Q1 < Q4).

Figura 10. Fronteira (y = x)

A mesma lógica se aplica inversamente. Pode-se observar, pois, uma simetria


também entre os casos Q1 e Q4. Se for desenhada uma linha negativamente inclinada
que separa completamente os casos Q2 e Q3, teremos que, nessa reta (y = 1 – x) e (Q2 =

21
Q3). Em qualquer ponto à direita, (y > 1 – x) e (Q2 > Q3). Qualquer ponto à esquerda,
(y < 1 – x) e (Q2 < Q3).

Figura 11. Fronteira (y = 1 – x)

Portanto, no Jogo da Corrupção, existem dois possíveis trade-offs: Q1 é inverso


a Q4; e Q2 é inverso a Q3. Em outros termos, devemos trocar a probabilidade de
investigar pessoas inocentes pela probabilidade de não investigar pessoas culpadas;
e a probabilidade de não investigar inocentes pela probabilidade de investigar
culpadas. Torna-se uma escolha estranha e complicada, em termos de definição ética.
Se desenharmos as quatro fronteiras no gráfico, vamos separá-lo em oito triângulos
retângulos, cada um com uma ordem diferente de freqüência entre os quatro casos.
Essas oito porções foram enumeradas, em sentido horário, de C1 a C8, no Tabuleiro da
Corrupção, exposto abaixo.

Figura 12. O Tabuleiro da Corrupção

Conforme podemos observar, nenhum dos oito triângulos do tabuleiro satisfaz a


ordem de preferências de nenhum dos jogadores. Contudo, agora que sabemos haver
dois possíveis trade-offs no Jogo da Corrupção, podemos identificar quais são as
preferências dos jogadores relativas a esses trade-offs. Na tabela abaixo, foram listadas

22
as ordem de preferências de cada jogador e suas preferências entre as relações (Q1 –
Q4) e (Q2 – Q3), e a melhor relação entre (x) e (y) para cada um deles.

Figura 13. Trade-offs e ordens de preferências

Jogador Ordem de Preferência (Q1 – Q4) (Q2 – Q3) Melhor relação entre (x) e (y)

Passivo 𝑄4 > 𝑄1 ≥≤ 𝑄3 > 𝑄2 𝑄4 > 𝑄1 𝑄3 > 𝑄2 1−𝑥 ≥ 𝑦 ≥𝑥


Interno 𝑄3 > 𝑄1 ≥≤ 𝑄2 > 𝑄4 𝑄4 < 𝑄1 𝑄3 > 𝑄2 1−𝑥 ≥ 𝑦 ≤𝑥

Destarte, conclui-se que as áreas preferidas do controlador interno no Tabuleiro


são C1 e C8, onde a probabilidade de investigação (y) é menor do que a probabilidade
de que os corruptores não sejam corruptos (1 – x), e maior do que a probabilidade de
que eles sejam corruptos. As áreas C2 e C3 satisfazem apenas uma de suas condições
(Q4 > Q1), e as áreas C6 e C7 satisfazem apenas a condição (Q3 > Q2). Portanto, o
triângulo “preferido” dos controladores está à esquerda da fronteira (1 – x = y) e à
esquerda da fronteira (y = x). Já os casos favoritos do corruptor passivos são C6 e C7,
indicando que eles preferem estar à esquerda da fronteira (1 – x = y) e à direita da
fronteira (y = x). Note-se que ambos têm em comum o fato de preferirem “não
investigar inocentes” a “investigar culpados”, isto é, ambos preferem Q3 a Q2. A figura
abaixo demonstra o triângulo “favorito” da cada jogador: do controlador interno, em cor
clara; e do corruptor passivo, em cor escura. Seus triângulos “menos preferidos” são
aqueles imediatamente opostos, pois não satisfazem a nenhuma de suas preferências.

Figura 14. Áreas preferidas de cada jogador no Tabuleiro

Um aspecto digno de nota é que a área preferida do controlador está inteiramente


1 1
situada onde (𝑥 < 2), e do corruptor onde (𝑦 < 2). Quanto menor o valor de (x), maior
a chance de ele se encontrar no triângulo “bom”. Nesse diapasão, note-se que, se a
chance de investigação (y) for igual a 50%, então qualquer (x) menor que 50%

23
estará no triângulo “bom”. Agora, substituem-se os valores de (x) e (y) pelas suas
formulas de equilíbrio.

1−𝑥 ≥𝑦 ≥𝑥

𝐹 𝐶 𝑆
≥ ≥
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃 𝑆+𝐹

𝐶𝐹 + 𝐹𝑃 ≥ 𝐶𝑆 + 𝐶𝐹

𝑃 𝑆

𝐶 𝐹

𝐶𝑆 + 𝐶𝐹 ≥ 𝐶𝑆 + 𝑃𝑆

𝐶𝐹 + 𝐹𝑃 ≥ 𝐶𝑆 + 𝐶𝐹

𝐹 𝑃

𝑆 𝐶

𝐹 𝑃 𝑆
≥ ≥
𝑆 𝐶 𝐹

Em outras palavras, uma sociedade estará posicionada no triângulo “bom”


𝐹
quando a relação risco-tentação ( 𝑆 ) do controlador para não investigar for maior do que
𝑃
a relação risco-tentação(𝐶 )do corruptor para ser corrupto, que por sua vez deve ser
𝑆
maior que a relação tentação-risco do controlador(𝐹). Para que a probabilidade de
investigação (y) atinja 50%, a tentação e o risco do corruptor passivo devem ter o
mesmo valor, indicando que a punição para a corrupção deve ser proporcional ao valor
desviado pelo crime (C = P). Assim, qualquer risco maior do tentação para os
controladores (F > S) obedecerá às condições acima expostas.
Por fim, façamos uma breve consideração sobre a área total do Tabuleiro.
Conforme sabemos, os valores de (x) e (y) vão de 0 (zero) a 1 (um), exclusive. Podemos
imaginar a área total do tabuleiro valendo 1 (um), ou 100%, e cada um dos oito oitavos
ocupando 12,5% da área total. Essa noção de área será importante quando
acrescentarmos os corruptores ativos e controladores externos, o que será feito adiante,
primeiramente de maneira individualizada e, em seguida, combinados.

24
4. O Jogo da Corrupção Ativa

4.1. Matriz e Equilíbrio

Para adicionar um jogador ao Jogo-Base da Corrupção, partiremos do


pressuposto de que o mesmo controlador interno responsável por investigar o corruptor
passivo é o responsável por investigar e controlar o corruptor ativo. Nesse caso, ele
exerce simultaneamente os poderes disciplinar e de polícia. Também assumiremos que
os jogadores auxiliares também têm tentações e riscos associados a uma de suas ações.
No caso do corruptor ativo, suas tentações e riscos se associam a ser corrupto. Dessa
forma, devemos estabelecer a ordem de preferências do corruptor ativo entre os quatro
resultados do Jogo-Base.
Conforme exposto anteriormente, o corruptor ativo não tem o poder de desviar
função pública “sozinho”, de modo que o seu “ganho pessoal” só pode ser obtido
quando o corruptor passivo “aceita” a vantagem indevida oferecida, isto é, quando ele
pratica a corrupção, e quando o controlador não investiga. Ou seja, sua tentação,
representada pelo valor positivo (G), ocorre em Q4. Também sabemos que o corruptor
ativo será punido toda vez que ele for “investigado”, independentemente de seu suborno
ter sido aceito ou não. Dessa forma, seu risco, representado pela letra (–I) ocorre tanto
no caso Q1 quanto no caso Q2. O resultado obtido em Q3 será o mesmo obtido quando
ele escolhe “não ser corrupto”, que é igual a 0 (zero). Dessa forma, temos que, para o
corruptor ativo, (𝑄4 > 𝑄3 > 𝑄1 = 𝑄2).
Ademais, ao praticar a corrupção ativa, o jogador auxiliar altera os payoffs dos
jogadores originais. Podemos representar essas alterações como fatores de desconto de
utilidade, que podem ser representados como riscos e/ou tentações adicionais.
Poderíamos considerar, por exemplo, que o corruptor passivo ganha uma utilidade extra
quando ele é corrupto e o corruptor ativo também, pois dessa forma eles conseguem
praticar o crime. Porém, neste projeto, todos os fatores de desconto serão
representados por riscos adicionais, pois os resultados matemáticos são os mesmos e
optou-se pela simplificação. Portanto, será considerado que os corruptores passivos
perdem utilidade quando eles estão dispostos a serem corruptos e os ativos, não. Esse
fator de desconto, chamado “fator propina” é o mesmo apresentado no capítulo 1 e será
representado pela letra minúscula (p). Já os controladores internos perdem utilidade
quando deixam de investigar corruptores ativos, representado pela “frustração
adicional” (f). Ressalte-se ainda, que os riscos adicionais (p) e (f) não podem
ultrapassar o valor das tentações originais (C) e (S).
Em um jogo com três jogadores, existem oito resultados possíveis, demonstrados
na matriz abaixo, de 1 a 8. No primeiro bloco de três colunas, estão as ações de cada
jogador em cada caso. No segundo bloco, estão seus payoffs. No terceiro bloco, foi
denotado se o jogador tem ou não arrependimento em cada resultado, a partir da
comparação dos casos onde as jogadas dos outros são “dadas”.

25
Figura 15. Matriz do Jogo (2)

Ações Payoffs Arrependimentos


Caso
Passivo Interno Ativo Passivo Interno Ativo Passivo Interno Ativo
1 Corrup Control Corrup −𝑃 0 −𝐼 Sim Não Sim
2 Corrup Control Não −𝑃 − 𝑝 0 0 Sim Não Não
3 Corrup Não Corrup 𝐶 −𝐹 − 𝑓 𝐺 Não Sim Não
4 Corrup Não Não 𝐶−𝑝 −𝐹 0 Não Sim Sim
5 Não Control Corrup 0 0 −𝐼 Não Sim Sim
6 Não Control Não 0 0 0 Não Sim Não
7 Não Não Corrup 0 𝑆−𝑓 0 Sim Não Não
8 Não Não Não 0 𝑆 0 Sim Não Não

A relação de caça-e-fuga entre os jogadores essenciais é mantida, uma vez que


inexiste resultado em que ambos não têm arrependimentos. Portanto, o corruptor ativo
também deverá randomizar suas jogadas, isto é, com uma probabilidade (w) de
“oferecer propina” e uma probabilidade (1 – w) de não praticar a corrupção ativa. Para
encontrar o equilíbrio de Nash, devemos proceder como antes, encontrando os valores
esperados de cada ação, para cada jogador, em função das probabilidades de ação dos
outros jogadores, e então igualá-los.

Corruptor Passivo:

Valor Esperado de Ser Corrupto:

(−𝑃)(𝑦𝑤) + (−𝑃 − 𝑝)(𝑦 − 𝑦𝑤) + (𝐶)(𝑤 − 𝑦𝑤) + (𝐶 − 𝑝)(1 − 𝑦 − 𝑤 + 𝑦𝑤)

−𝑃𝑦𝑤 − 𝑷𝒚 + 𝑃𝑦𝑤 − 𝑝𝑦 + 𝑝𝑦𝑤 + 𝐶𝑤 − 𝐶𝑦𝑤 + 𝑪 − 𝑪𝒚 − 𝐶𝑤 + 𝐶𝑦𝑤 − 𝒑 + 𝑝𝑦


+ 𝒑𝒘 − 𝑝𝑦𝑤

𝑪 − 𝑪𝒚 − 𝑷𝒚 − 𝒑(𝟏 − 𝒘)

Valor Esperado de Não Ser Corrupto = 0 (zero).

Equilíbrio: 𝐶 − 𝐶𝑦 − 𝑃𝑦 − 𝑝(1 − 𝑤) = 0

𝐶 − 𝑝(1 − 𝑤)
𝑦=
𝐶+𝑃

Controlador Interno:

Valor Esperado de Investigar = 0 (zero).

26
Valor Esperado de Não Investigar:

(−𝐹 − 𝑓)(𝑥𝑤) + (−𝐹)(𝑥 − 𝑥𝑤) + (𝑆 − 𝑓)(𝑤 − 𝑥𝑤) + (𝑆)(1 − 𝑥 − 𝑤 + 𝑥𝑤)

−𝐹𝑥𝑤 − 𝑓𝑥𝑤 − 𝑭𝒙 + 𝐹𝑥𝑤 + 𝑆𝑤 − 𝑆𝑥𝑤 + 𝑺 − 𝑺𝒙 − 𝑆𝑤 + 𝑆𝑥𝑤 − 𝒇𝒘 + 𝑓𝑥𝑤

𝑺 − 𝑺𝒙 − 𝑭𝒙 − 𝒇𝒘

Equilíbrio: 𝑆 − 𝑆𝑥 − 𝐹𝑥 − 𝑓𝑤 = 0

𝑆 − 𝑓𝑤
𝑥=
𝑆+𝐹

Corruptor Ativo:

Valor Esperado de Ser Corrupto:

(−𝐼)(𝑥𝑦) + (𝐺)(𝑥 − 𝑥𝑦) + (−𝐼)(𝑦 − 𝑥𝑦) + (0)(1 − 𝑥 − 𝑦 + 𝑥𝑦)

−𝐼𝑥𝑦 + 𝑮𝒙 − 𝑮𝒙𝒚 − 𝑰𝒚 + 𝐼𝑥𝑦

𝑮𝒙 − 𝑮𝒙𝒚 − 𝑰𝒚

Valor Esperado de Não Ser Corrupto = 0 (zero).

Equilíbrio: 𝐺𝑥 − 𝐺𝑥𝑦 − 𝐼𝑦 = 0

𝐼𝑦
(𝑥)(1 − 𝑦) =
𝐺

4.2. Vetor (z)

Encontramos três equações de equilíbrio, uma para cada jogador, a saber:

𝑆 − 𝑓𝑤
(𝐼) → 𝑥 =
𝑆+𝐹

𝐶 − 𝑝(1 − 𝑤)
(𝐼𝐼) → 𝑦 =
𝐶+𝑃

27
𝐼𝑦
(𝐼𝐼𝐼) → (𝑥)(1 − 𝑦) =
𝐺

As duas primeiras equações de equilíbrio remetem às equações de equilíbrio


originais do Jogo-Base, apenas com a subtração dos fatores de desconto ponderados por
sua respectiva probabilidade. Existem, portanto, valores mínimos e máximos de (x) e
(y) associados a (w). É interessante notar que, como o controlador interno perde
utilidade quando o corruptor ativo é corrupto, (x) é inversamente proporcional a (w), o
que indica que, quanto mais propina eles oferecem, menos elas são aceitas. Como o
corruptor passivo perde utilidade quando o corruptor ativo não é corrupto, então (y) é
diretamente proporcional a (w), indicando que, quanto mais propina eles oferecem,
mais a corrupção é investigada.
Essas premissas indicam a existência, no gráfico, de um vetor (w), que
representa a possível ação do corruptor ativo sobre os jogadores essenciais. Esse vetor
sempre se direcionará para cima e para a esquerda, conforme exposto na figura abaixo.

Figura 16. Vetor (w)

A partir do vetor (w) podemos inferir quatro conclusões importantes, que são:
(1) Ao contrário de (x) e (y), não existem impedimentos matemáticos para que
(w) valha efetivamente 0 (zero) ou 1 (um). Isso significa que, em determinadas
circunstâncias, pode ser estratégico para o corruptor ativo ser corrupto sempre ou
nunca.
(2) O vetor (w) “move a sociedade” na direção Q4  Q1, que é do seu caso
mais preferido a um dos seus casos menos preferidos. Isso poderia significar que o
corruptor ativo “joga contra si mesmo”, pois, quanto mais ele pratica a corrupção ativa,
cateris paribus, menos os corruptores passivos praticam a corrupção e mais os
controladores internos a investigam.
(3) A probabilidade de que o corruptor ativo ofereça suborno (w) é, caeteris
𝑆−𝑓𝑤 𝑆−𝑥(𝑆+𝐹)
paribus, inversamente proporcional ao fator de desconto (f) 𝑥 = 𝑤= ,
𝑆+𝐹 𝑓
𝐶−𝑝(1−𝑤)
e diretamente proporcional ao fator de desconto (p) 𝑦 =  (1 − 𝑤) =
𝐶+𝑃

28
𝐶−𝑦(𝐶+𝑃)
. Isso indica que quanto maior for o “poder de pressão” dos corruptores ativos
𝑝
sobre os controladores internos (f), menor será a probabilidade de que eles pratiquem a
corrupção ativa (w), e quanto maior for o “poder de pressão” sobre os corruptores
passivos (p), maior será a probabilidade (w). Essas conclusões estão assentadas na
relação de caça-e-fuga e sua lógica de probabilidades espelhadas.
(4) Enquanto a direção do vetor (w) é sempre a mesma (para cima e para a
esquerda), seu sentido (inclinação), intensidade (tamanho) e posição no Tabuleiro
podem variar substancialmente. Analisemos cada uma dessas variáveis separadamente.
Podemos definir a inclinação do vetor (w) em termos de elasticidade, que é
relação entre a variação no eixo (x) e a variação no eixo (y). Assim, quanto mais vertical
for o eixo, mais inelástico; e quanto mais horizontal, mais elástico. A fórmula de
elasticidade pode ser obtida da seguinte maneira:
𝑆 𝑆−𝑓 𝑓
(x) máximo menos (x) mínimo: ∆(𝑥) = 𝑆+𝐹 − 𝑆+𝐹 = 𝑆+𝐹
𝐶 𝐶−𝑝 𝑝
(y) máximo menos (y) mínimo: ∆(𝑦) = 𝐶+𝑃 − 𝐶+𝑃 = 𝐶+𝑃
𝑓
∆(𝑥) 𝑆+𝐹 𝑓(𝐶+𝑃)
Elasticidade: (∆(𝑦) = 𝑝 )→ 𝑝(𝑆+𝐹)
𝐶+𝑃

Nos limites extremos, a elasticidade valerá 0 (zero), e será totalmente vertical,


quando (f = 0), ou seja, quando o corruptor ativo não tiver nenhum poder de pressão
sobre os controladores internos. Ela será ∞ (infinita), e totalmente horizontal, quando o
corruptor ativo não tiver poder de pressão algum sobre o corruptor passivo (p = 0). Caso
o corruptor ativo exerça igual poder de pressão relativo sobre ambos os jogadores
essenciais, então a elasticidade será unitária e o vetor (w) terá um ângulo de 45°.
Dependendo de suas posições, esses vetores extremos podem eventualmente coincidir
com três das fronteiras no Tabuleiro da Corrupção, mas jamais poderá coincidir com a
fronteira onde (y = x), pois ela vai à direção oposta
A intensidade do vetor (w) representa o poder total de pressão, ou a influência
do corruptor ativo sobre ambos os jogadores essenciais. Em termos de área, sabemos
que a maior linha possível nessa direção do eixo (w) é a própria fronteira (1 – x = y),
que vale √2, e esse é o limite máximo da intensidade do vetor. Para calcular a
intensidade, naturalmente, usamos o Teorema de Pitágoras, que pode ser utilizado para
decompor um vetor em seus dois eixos e calcular a hipotenusa de um triângulo
retângulo. Esse valor é igual à soma dos quadrados dos catetos, formados pelas
𝑝2 𝑓2
variações em (x) e (y) anteriormente calculadas: √(𝐶+𝑃)2 + (𝑆+𝐹)2 .
Por fim, sabemos que a posição inicial e final do vetor (w) estão ligadas às
relações tentação-risco dos dois jogadores essenciais, conforme observado no capítulo
anterior.
Apenas para fins didáticos, suponhamos que, ao invés de um risco adicional, o
controlador interno recebesse uma tentação adicional (s) para não investigar corruptores
ativos, quando eles de fato fossem inocentes. Nesse caso, a fórmula de equilíbrio do
𝑆+𝑠(1−𝑤)
controlador interno seria (𝑥 = ), o que não altera em nada a conclusão de que
𝑆+𝐹

29
(x) é inversamente proporcional a (w). Portanto, reitere-se que, neste projeto, todos os
fatores de desconto foram considerados como riscos adicionais, apenas para fins de
simplificação.

𝑰
4.3. A Curva (𝑮)

Por fim, façamos uma breve observação sobre a terceira probabilidade de


equilíbrio, do corruptor ativo. Ela nos mostra que a relação risco-tentação do corruptor
𝐼
ativo (𝐺) é diretamente proporcional à probabilidade de corrupção passiva (x) e
quadraticamente inversa à probabilidade de controle interno (y):

(𝑥)(1 − 𝑦) 𝐼
=
𝑦 𝐺

Essa relação reforça a ideia de que o corruptor ativo “joga contra si”. Uma vez
que a menor relação risco-tentação está nos casos a corrupção ocorre menos. Ao evitar
riscos, o corruptor ativo forçosamente se move para uma situação onde as chances de
seu suborno ser aceito são menores e as chances de ser investigado são maiores, ainda
que a punição não seja tão grande, em relação à tentação. Outra forma de se analisar
essa questão é isolar o (y) na equação acima:

𝐺𝑥
𝑦=
𝐺𝑥 + 𝐼

Se imaginássemos que a probabilidade corrupção passiva pudesse chegar a


100%, então a probabilidade de controle interno obedeceria à mesma relação com os
corruptores ativo e passivo. Isso porque ambos jogam, com o controlador interno, uma
relação de caça-e-fuga, ainda que, entre eles, estejam numa situação em que existe
equilíbrio de Nash em estratégias puras.
Colocada no Tabuleiro da Corrupção, essa equação sempre gera uma curva, que
parte do ponto onde (x=y=0) até algum ponto onde (x=1), conforme a figura abaixo:

𝑰
Figura 17. A Curva (𝑮) no Tabuleiro da Corrupção

30
Podemos, assim, separar os corruptores ativos basicamente em três tipos, a partir
da sua relação risco-tentação. Se a tentação para cometer a corrupção ativa for maior
que duas vezes o risco (G > 2I), então a relação risco-tentação é muito baixa e essa
“sociedade” estará nos casos C1, C2, C3, C4 ou C8. Se a tentação para cometer
corrupção ativa for maior que o risco, mas menor que o dobro do risco (2I > G > I),
então a sociedade estará nos casos C5, C6, C7 ou C8. Caso o risco de cometer a
corrupção ativa seja maior do que a tentação (I > G), então a sociedade estará os casos
C7, C5 ou C6.
Pode-se argumentar, portanto, que o jogo da corrupção ativa possui equilíbrios
“mais fortes” que outros, de modo que a chance de ocupar determinados quadrantes é
maior que outros. Há, nesse jogo, forte inclinação para a impunidade. Uma forma de
𝐼
observar essa realidade é fazer uma transposição da curva ( ). Na figura abaixo, a
𝐺
relação risco-tentação foi colocada no eixo das abscissas no Tabuleiro da Corrupção,
indo de 0 (zero) a ∞ (infinito).

𝑰
Figura 18. Transposição da Curva (𝑮)

Conclui-se, portanto, que os equilíbrios mais fortes do jogo da corrupção ativa


são C4, C5, C6, C7 e C8. A mera inserção de um corruptor ativo torna rara a
possibilidade de um jogo resultar nos casos C1 e C3, particularmente. A seguir, vamos
analisar a inserção de um controlador externo ao jogo-base da corrupção.

5. O Jogo do Controle Externo

5.1. Matriz e Equilíbrio

O primeiro procedimento é estabelecer a ordem de preferências do controlador


externo no Tabuleiro da Corrupção. Vamos que o controlador externo também tem uma
tentação e um risco associados a não exercer o controle externo. Dessa forma, podemos
supor que o controlador externo ganhe utilidade, representada pela letra (T), quando ele
não se mobiliza contra a corrupção e ela de fato não ocorre (ou seja, quando corruptores

31
passivos não praticam a corrupção ou quando controladores internos a investigam). Ele
perde utilidade, representada por (–A), quando ele não se mobiliza e a corrupção de fato
ocorre (quando corruptores passivos são corruptos e não são investigados). Destarte,
temos que, para o controlador externo: (𝑄1 = 𝑄2 = 𝑄3 > 𝑄4).
Conforme mencionado no capítulo 2, o controle externo é ambivalente, pois se
direciona tanto aos corruptores passivos quanto aos controladores internos. Podemos
supor que os cidadãos, ou a opinião pública de maneira geral, podem criticar tanto os
“políticos corruptos” quanto os controladores, como a polícia, o Judiciário, etc. Dessa
forma, o fator de desconto é retirado dos corruptores passivos que são corruptos (−𝛼)
quando o controle externo é exercido, e é retirado dos controladores internos que não
investigam (−𝛽) também quando o controle externo é exercido.
A matriz do Jogo (3), apresentada abaixo, segue a mesma disposição da matriz
do Jogo (2), apresentada anteriormente.

Figura 19. Matriz do Jogo (3)

Ações Payoffs Arrependimentos


Caso
Passivo Interno Externo Passivo Interno Externo Passivo Interno Externo
1 Corrup Control Control −𝑃 − 𝛼 0 0 Sim Não Sim
2 Corrup Control Não −𝑃 0 𝑇 Sim Não Não
3 Corrup Não Control 𝐶 − 𝛼 −𝐹 − 𝛽 0 Não Sim Não
4 Corrup Não Não 𝐶 −𝐹 −𝐴 Não Sim Sim
5 Não Control Control 0 0 0 Não Sim Sim
6 Não Control Não 0 0 𝑇 Não Sim Não
7 Não Não Control 0 𝑆−𝛽 0 Sim Não Sim
8 Não Não Não 0 𝑆 𝑇 Sim Não Não

Uma vez que os riscos adicionais não ultrapassam as tentações originais (𝐶 > 𝛼)
e (𝑆 > 𝛽), a relação de caça-e-fuga entre os jogadores essenciais é mantida. Para
encontrar o equilíbrio de Nash, procedemos com a mesma lógica dos valores esperados.
Para tanto, vamos considerar que a probabilidade de que o controlador externo exerça o
controle seja (z), e a probabilidade de que ele não exerça (1 – z).

Corruptor Passivo:

Valor Esperado de Ser Corrupto:

(−𝑃 − 𝛼)(𝑦𝑧) + (−𝑃)(𝑦 − 𝑦𝑧) + (𝐶 − 𝛼)(𝑧 − 𝑦𝑧) + (𝐶)(1 − 𝑦 − 𝑧 + 𝑦𝑧)

−𝑃𝑦𝑧 − 𝛼𝑦𝑧 − 𝑷𝒚 + 𝑃𝑦𝑧 + 𝐶𝑧 − 𝐶𝑦𝑧 − 𝜶𝒛 + 𝛼𝑦𝑧 + 𝑪 − 𝑪𝒚 − 𝐶𝑧 + 𝐶𝑦𝑧

𝑪 − 𝑪𝒚 − 𝑷𝒚 − 𝜶𝒛

32
Valor Esperado de Não Ser Corrupto:

Equilíbrio: 𝐶 − 𝐶𝑦 − 𝑃𝑦 − 𝛼𝑧 = 0

𝐶 − 𝛼𝑧
𝑦=
𝐶+𝑃

Controlador Interno:

Valor Esperado de Investigar = 0 (zero).

Valor Esperado de Não Investigar:

(−𝐹 − 𝛽)(𝑥𝑧) + (−𝐹)(𝑥 − 𝑥𝑧) + (𝑆 − 𝛽)(𝑧 − 𝑥𝑧) + (𝑆)(1 − 𝑥 − 𝑧 + 𝑥𝑧)

−𝐹𝑥𝑧 − 𝛽𝑥𝑧 − 𝑭𝒙 + 𝐹𝑥𝑧 + 𝑆𝑧 − 𝑆𝑥𝑧 − 𝜷𝒛 + 𝛽𝑥𝑧 + 𝑺 − 𝑺𝒙 − 𝑆𝑧 + 𝑆𝑥𝑧

𝑺 − 𝑺𝒙 − 𝑭𝒙 − 𝜷𝒛

Equilíbrio: 𝑆 − 𝑆𝑥 − 𝐹𝑥 − 𝛽𝑧 = 0

𝑆 − 𝛽𝑧
𝑥=
𝑆+𝐹

Controlador Externo:

Valor Esperado de Não Se Mobilizar:

(𝑇)(𝑥𝑦) + (−𝐴)(𝑥 − 𝑥𝑦) + (𝑇)(𝑦 − 𝑥𝑦) + (𝑇)(1 − 𝑥 − 𝑦 + 𝑥𝑦)

𝑇𝑥𝑦 − 𝑨𝒙 + 𝑨𝒙𝒚 + 𝑇𝑦 − 𝑇𝑥𝑦 + 𝑻 − 𝑻𝒙 − 𝑇𝑦 + 𝑻𝒙𝒚

−(𝒙)(𝟏 − 𝒚)(𝑻 + 𝑨) + 𝑻

Valor Esperado de Se Mobilizar = 0 (zero).

Equilíbrio: −(𝑥)(1 − 𝑦)(𝑇 + 𝐴) + 𝑇 = 0

𝑇
(𝑥)(1 − 𝑦) =
𝑇+𝐴

33
5.2. Vetor (z)

Como anteriormente, foram encontradas três equações de equilíbrio, uma para


cada jogador:
𝑆 − 𝛽𝑧
(𝐼) → 𝑥 =
𝑆+𝐹

𝐶 − 𝛼𝑧
(𝐼𝐼) → 𝑦 =
𝐶+𝑃

𝑇
(𝐼𝐼𝐼) → (𝑥)(1 − 𝑦) =
𝑇+𝐴

A inserção do controlador externo afeta as probabilidades de equilíbrio (x) e (y),


sendo inversamente proporcional a ambas. Em um gráfico, essas informações nos
permitem deduzir a existência de um vetor (z), que se move simultaneamente para baixo
e para a esquerda, formando uma reta positivamente inclinada, conforme demonstrado
pela figura abaixo.

Figura 20. Vetor (z)

Ao contrário do vetor (w), que move uma sociedade na direção (Q1  Q4), o
vetor (z) move uma sociedade na direção (Q2  Q3), que é a direção que ambos os
jogadores essenciais consideram “boa”. Não se pode falar aprioristicamente que o
controlador externo “joga contra si mesmo”, uma vez que ele pode “arrastar” uma
sociedade para uma posição em que a corrupção de fato ocorre menos ou para uma
posição onde ela ocorre mais, a depender da sua elasticidade. Assim como o vetor (w), o
vetor (z) também pode valer 0 (zero) ou 1 (um), e apresenta uma elasticidade, uma
intensidade e uma posição, cujos cálculos seguem a mesma lógica.
𝑆 𝑆−𝛽 𝛽
(x) máximo menos (x) mínimo: ∆𝑥 = 𝑆+𝐹 − 𝑆+𝐹 = 𝑆+𝐹
𝐶 𝐶−𝛼 𝛼
(y) máximo menos (y) mínimo: ∆𝑦 = 𝐶+𝑃 − 𝐶+𝑃 = 𝐶+𝑃
𝛽
𝛽(𝐶+𝑃)
Elasticidade: ( 𝑆+𝐹
𝛼 ) →
𝛼(𝑆+𝐹)
𝐶+𝑃

34
𝛼2 𝛽2
Intensidade: √(𝐶+𝑃)2 + (𝑆+𝐹)2
Diferentemente de (w), a probabilidade de que o controlador externo exerça o
controle (z) é inversamente proporcional a ambos os fatores de desconto (𝛼) e (𝛽), o
que significa que, caeteris paribus, quando maior for o “poder de pressão” dos
controladores externos sobre os jogadores essenciais, menos eles irão exercê-lo,
𝑆−𝛽𝑧 𝑆−𝑥(𝑆+𝐹) 𝐶−𝛼𝑧 𝐶−𝑦(𝐶+𝑃)
estranhamente(𝑥 = )(𝑧 = ) e (𝑦 = )(𝑧 = ). Isso
𝑆+𝐹 𝛽 𝐶+𝑃 𝛼
significaria que as sociedades mais permeáveis, abertas e transparentes seriam
aquelas onde provavelmente a população sai menos às ruas para protestar contra
seus políticos. Também é digno de nota que, em seus limites de elasticidade infinita,
zero ou unitária, o vetor (z) pode coincidir com as fronteiras do Tabuleiro, exceto onde
(1 – x = y).
Também é possível encontrar uma função quadrática substituindo os valores de
(x) e (y) e as igualando, ou na terceira equação, indicando que, para determinadas
probabilidades de (x) e (y), pode haver duas probabilidades de equilíbrio (z).

𝑻
5.3. A Curva (𝑨)

Por fim, ressalte-se que a probabilidade de que a corrupção de fato ocorra


(x)(1 – y) é diretamente proporcional à relação tentação-risco do controlador
𝑻
externo (𝑨). Isso se explica pelo fato de ambos os agentes públicos, corruptor e
controlador, estarem em uma relação de caça-e-fuga com o controlador externo, devido
a sua ambivalência, e implica que elas, também, são variáveis “não autônomas”.
Portanto, uma análise apenas dos payoffs dos controladores externos pode ser um ótimo
indicativo das chances de que a corrupção ocorra em uma sociedade, mas não será
indicativo, especificamente, de se a chance de criminalidade (x) é alta ou de
investigação (y) é baixa, apenas do conjunto das duas.
A terceira equação de equilíbrio, no Tabuleiro da Corrupção, também forma uma
curva, que vai de algum ponto onde (x = 0) até algum ponto onde (y = 1). Ao longo de
toda a curva, a probabilidade de que a corrupção de fato ocorra é a mesma.

𝑻
Figura 21. A Curva ( ) no Tabuleiro da Corrupção
𝑨

35
Também é possível dividir os controladores externos em três tipos: se o risco de
não se mobilizar contra a corrupção for maior que três vezes a tentação (A > 3T), então
a sociedade passa pelos casos C1, C2, C3, C4, C7 e C8. Se o risco de não se mobilizar
estiver entre três vezes e o valor da tentação (3T > A > T), então essa sociedade ocupa
os casos C5, C6 ou C7. Caso a tentação para não se mobilizar seja maior que o risco (T
> A), então a sociedade estará nos casos C5 ou C6. Outra forma de analisar essa
realidade é realizar uma transposição da relação tentação-risco, conforme a figura
abaixo, onde ela foi denotada de 0 (zero) a ∞ (infinito), no eixo das ordenadas.

𝑻
Figura 22. Transposição da Curva (𝑨)

Assim, podemos concluir que a inserção de um controlador externo torna mais


fortes os equilíbrios C4, C5, C6 e C7, que estão, todos, à direita da linha da impunidade
(y = x).
Concluímos que adicionar jogadores ao Jogo-Base da Corrupção tem o poder de
alterar as probabilidades de equilíbrio e as chances de que a corrupção de fato ocorra.
Embora ambos os vetores sejam inversos à probabilidade de corrupção passiva (x), têm
diferentes influências sobre a probabilidade de controle interno (y). Portanto, eles se
somam no eixo (x) e se anulam no eixo (y). Na próxima seção, será apresentada a
combinação dos dois vetores, ou seja, a inserção de ambos os jogadores auxiliares do
Jogo da Corrupção.

6. O Jogo da Corrupção Expandido

Em sua derradeira versão, o Jogo Expandido da Corrupção apresenta quatro


jogadores e, portanto, dezesseis casos possíveis. Todas as variáveis contidas nos jogos
anteriores foram introduzidas e todas as relações entre elas permanecem verdadeiras,
conforme resumidas na figura abaixo. Ademais, está apresentada a matriz do jogo,
novamente denotando as ações, os payoffs e os arrependimentos dos jogadores em cada
caso.

36
Figura 23. Regras do Jogo da Corrupção

Jogadores Ações Probabilidades Condições


Corrupção x 𝐶 > 𝛼 + 𝑝 ≥ 0 > −𝑃
Corruptor Passivo
Não 1–x 0<𝑥<1
Essenciais
Controle y 𝑆 > 𝛽 + 𝑓 ≥ 0 > −𝐹
Controlador Interno
Não 1–y 0<𝑦<1
Corrupção w 𝐺 > 0 > −𝐼
Corruptor Ativo
Não 1–w 0≤𝑤≤1
Auxiliares
Controle z 𝑇 > 0 > −𝐴
Controlador Externo
Não 1–z 0≤𝑧≤1

Figura 24. Matriz do Jogo Expandido


Ações Payoffs Arrependimentos
Caso
Pas Int Atv Ext Pas Int Atv Ext Pas Int Atv Ext
1 C C C C −𝑃 − 𝛼 0 −𝐼 0 Sim Não Sim Sim
2 C C C N −𝑃 0 −𝐼 𝑇 Sim Não Sim Não
3 C C N C −𝑃 − 𝛼 − 𝑝 0 0 0 Sim Não Não Sim
4 C C N N −𝑃 − 𝑝 0 0 𝑇 Sim Não Não Não
5 C N C C 𝐶−𝛼 −𝐹 − 𝑓 − 𝛽 𝐺 0 Não Sim Não Não
6 C N C N 𝐶 −𝐹 − 𝑓 𝐺 −𝐴 Não Sim Não Sim
7 C N N C 𝐶−𝛼−𝑝 −𝐹 − 𝛽 0 0 Não Sim Sim Não
8 C N N N 𝐶−𝑝 −𝐹 0 −𝐴 Não Sim Sim Sim
9 N C C C 0 0 −𝐼 0 Não Sim Sim Sim
10 N C C N 0 0 −𝐼 𝑇 Não Sim Sim Não
11 N C N C 0 0 0 0 Não Sim Não Sim
12 N C N N 0 0 0 𝑇 Não Sim Não Não
13 N N C C 0 𝑆−𝑓−𝛽 0 0 Sim Não Não Sim
14 N N C N 0 𝑆−𝑓 0 𝑇 Sim Não Não Não
15 N N N C 0 𝑆−𝛽 0 0 Sim Não Não Sim
16 N N N N 0 𝑆 0 𝑇 Sim Não Não Não

Um aspecto importante de se ressaltar a respeito dessa matriz é que não foram


consideradas relações de payoffs entre os jogadores auxiliares. Mesmo que
pudéssemos considerar a possibilidade de um controlador externo se mobilizar contra
corruptores ativos, tratar-se-ia de uma relação entre dois atores estritamente privados,
que foge ao escopo do nosso objeto de estudo. Realizando-se os cálculos de equilíbrio,
obtêm-se as seguintes equações:

𝑆−𝑓𝑤−𝛽𝑧
(I) – 𝑥 = 𝑆+𝐹

37
𝐶−𝜑(1−𝑤)−𝛼𝑧
(II) – 𝑦 = 𝐶+𝑃

𝐼𝑦
(III) – (𝑥)(1 − 𝑦) = 𝐺

𝑇
(IV) – (𝑥)(1 − 𝑦) = 𝑇+𝐴

Das duas primeiras equações de equilíbrio, teremos uma figura necessariamente


quadrilateral associada aos valores de (w) e (z), que terá um formato, um tamanho e
uma posição.

6.1. A Sociedade Quadrilátera

6.1.1. Formato

Pelas duas primeiras equações, observamos que existem quatro pontos, onde (x)
e (y) são mínimos e máximos. Eles são os vértices de uma figura quadrilátera, conforme
exposto na figura abaixo.

Figura 25. Vértices do quadrilátero

Vértice w z x y
𝑆−𝛽−𝑓 𝐶−𝛼
A 1 1 𝑥= 𝑦=
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃
𝑆−𝑓 𝐶
B 1 0 𝑥= 𝑦=
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃
𝑆−𝛽 𝐶−𝑝−𝛼
C 0 1 𝑥= 𝑦=
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃
𝑆 𝐶−𝑝
D 0 0 𝑥= 𝑦=
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃

No tabuleiro, teremos que o ponto (A) está mais à esquerda (𝑥𝑚𝑖𝑛 ); o ponto (B)
está mais para cima (𝑦𝑚𝑎𝑥 ); o ponto (C) está mais para baixo (𝑦𝑚𝑖𝑛 ); e o ponto (D) está
mais para a direita (𝑥𝑚𝑎𝑥 ). Podemos “desenhar” o quadrilátero a partir do ponto (D),
desenhando o vetor (w), que corresponde à aresta (𝐵𝐷 ̅̅̅̅) e desenhando o vetor (z) que
̅̅̅̅). Depois, invertem-se os vetores unindo os segmentos (𝐴𝐶
corresponde à aresta (𝐶𝐷 ̅̅̅̅ ) e
̅̅̅̅).
(𝐴𝐵
O formato do quadrilátero será, portanto, determinado pela elasticidade dos
vetores (w) e (z). As combinações entre eles nos dão nove “formatos notáveis”, que
podem ser divididos em cinco categorias, conforme a figura abaixo.

38
Figura 26. Formatos Notáveis

O primeiro formato notável representa a possibilidade de ambos os vetores terem


elasticidade unitária, indicando que tanto (w) quanto (z) afetam igualmente, cada um, os
jogadores essenciais. Importante ressaltar que os vetores não necessariamente têm a
mesma intensidade, como no exemplo demonstrado, que é uma figura perfeitamente
simétrica. A característica desse formato é que ambos os vetores, juntos, somam
exatamente 90º, o que faz dele um retângulo perfeito.
O segundo formato notável é quando ambos os vetores (w) e (z) são inelásticos,
ou seja, quando ambos os jogadores auxiliares afetam mais o corruptor passivo do que o
controlador interno. O terceiro formato notável é o oposto do segundo, ambos os
jogadores auxiliares afetam mais os controladores do que os corruptores.
O quarto formato notável é onde (w) tende a ser inelástico e (z) tende a ser
elástico. Isso implica que os corruptores ativos afetam mais os passivos e os
controladores externos afetam mais os internos. Caso um dos vetores seja unitário,
então o ponto (A) estará abaixo do ponto (D) ou o ponto (B) estará à esquerda do ponto
(C). O quinto e ultimo formato notável é o oposto: (w) tende a ser elástico e (z) tende a
ser inelástico. Nesses casos, o corruptor ativo afeta mais o controlador interno e
controlador externo afeta mais o corruptor passivo. Caso um dos vetores tenha
elasticidade unitária, então o ponto (A) estará abaixo do ponto (D) ou o ponto (B) estará
à esquerda do ponto (C).

39
6.1.2. Tamanho

O tamanho do quadrilátero está em função da intensidade dos vetores (w) e (z).


As sociedades também podem ser classificadas segundo tamanho, sendo as mais
“democráticas” aquelas em que ambos os vetores são intensos, pois os atores privados
têm amplo poder de pressão sobre os agentes públicos. A área total do quadrilátero
corresponde aos poderes de influência dos corruptores ativos e dos controladores
externos sobre os agentes públicos. Para calcular a área do quadrilátero, podemos
circunscrevê-lo em um retângulo, formado pela decomposição dos vetores (w) e (z).
Esse retângulo compreende todo o quadrilátero, e mais dois triângulos retângulos
formados por cada um dos vetores. Então, calculamos a área total do retângulo em
volta, e subtraímos a área dos quatro triângulos retângulos adicionais. A figura abaixo
demonstra a composição da área do quadrilátero.

Figura 27. Composição da Área

𝛼+𝑝 𝛽+𝑓 𝛼𝛽 + 𝛼𝑓 + 𝛽𝑝 + 𝑓𝑝
𝐴1 = Á𝑟𝑒𝑎 𝑑𝑜 𝑟𝑒𝑡â𝑛𝑔𝑢𝑙𝑜 𝑒𝑚 𝑣𝑜𝑙𝑡𝑎: ( )( )=
𝐶+𝑃 𝑆+𝐹 (𝑆 + 𝐹)(𝐶 + 𝑃)
𝑓 𝑝
2 (𝑆+𝐹) (𝐶+𝑃)
𝐴2 = Á𝑟𝑒𝑎 𝑑𝑜𝑠 𝑑𝑜𝑖𝑠 𝑡𝑟𝑖â𝑛𝑔𝑢𝑙𝑜𝑠 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑝𝑒𝑙𝑜 𝑣𝑒𝑡𝑜𝑟(𝑤) =
2
𝑓𝑝
=
(𝑆 + 𝐹)(𝐶 + 𝑃)
𝛽 𝛼
2( )( )
𝑆+𝐹 𝐶+𝑃
𝐴3 = Á𝑟𝑒𝑎 𝑑𝑜𝑠 𝑑𝑜𝑖𝑠 𝑡𝑟𝑖â𝑛𝑔𝑢𝑙𝑜𝑠 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑝𝑒𝑙𝑜 𝑣𝑒𝑡𝑜𝑟 (𝑧) =
2
𝛼𝛽
=
(𝑆 + 𝐹)(𝐶 + 𝑃)

𝛼𝛽+𝛼𝑓+𝛽𝑝+𝑓𝑝−𝛼𝛽−𝑓𝑝 𝜶𝒇+𝜷𝒑
Á𝑟𝑒𝑎 𝑑𝑜 𝑄𝑢𝑎𝑑𝑟𝑖𝑙á𝑡𝑒𝑟𝑜 = 𝐴1 − 𝐴2 − 𝐴3 = (𝑆+𝐹)(𝐶+𝑃)
= (𝑺+𝑭)(𝑪+𝑷)

40
6.1.3. Posição

A posição do quadrilátero depende das tentações e riscos dos jogadores


essenciais, conforme observado no capítulo três. Portanto, quanto maior for a relação
𝐶
tentação-risco para o corruptor passivo (𝑃), maior será o (y) máximo, e todo o
quadrilátero estará mais acima. Quanto maior for a relação tentação-risco para o
𝑆
controlador interno (𝐹), maior será (x) máximo, e mais à direita estará o quadrilátero.

6.2. A Hipocrisia dos Atores Privados

É possível encontrar as probabilidades de ação dos jogadores essenciais (x) e (y)


exclusivamente através das tentações e riscos dos jogadores auxiliares, através da
igualdade entre as equações (III) e (IV).

𝐼𝑦 𝑇
(𝑥)(1 − 𝑦) = =
𝐺 𝑇+𝐴

𝑮𝑻
𝒚=
𝑰(𝑻 + 𝑨)

𝐼(𝑇 + 𝐴) − 𝐺𝑇
1−𝑦 =
𝐼(𝑇 + 𝐴)

(𝑥)((𝐼(𝑇 + 𝐴) − 𝐺𝑇)) 𝑇
=
𝐼(𝑇 + 𝐴) (𝑇 + 𝐴)

(𝑥)((𝐼(𝑇 + 𝐴) − 𝐺𝑇))(𝑇 + 𝐴) = (𝐼)(𝑇)(𝑇 + 𝐴)

𝑰𝑻
𝒙=
𝑰(𝑻 + 𝑨) − 𝑮𝑻

Podemos perceber que o ponto exato que uma sociedade ocupa é a interseção, no
𝐼 𝑇 𝐼
tabuleiro, entre as curvas (𝐺) e (𝐴), conforme a figura abaixo, onde a curva (𝐺) está em
𝑇
cor cara e a curva (𝐴), em cor escura.

41
𝑰 𝑻
Figura 28. Interseção das curvas (𝑮) e (𝑨)

Para uma determinada relação risco-tentação para corruptores ativos, quanto


maior for a relação tentação-risco para controladores externos, mais abaixo e à esquerda
será a interseção. Ademais, como sabemos, os valores de (x) e (y) jamais chegarão a 1
(um), portanto podemos extrair limites par os payoffs dos jogadores auxiliares, pelas
equações acima.

𝐺𝑇
𝑦=
𝐼(𝑇 + 𝐴)

𝐺𝑇
1>
𝐼(𝑇 + 𝐴)

𝐼 𝑇
>
𝐺 𝑇+𝐴

𝐼𝑇
𝑥=
𝐼(𝑇 + 𝐴) − 𝐺𝑇

𝐼𝑇
1>
𝐼(𝑇 + 𝐴) − 𝐺𝑇

𝐼𝑇 + 𝐴𝐼 − 𝐺𝑇 > 𝐼𝑇

𝐴𝐼 > 𝐺𝑇

𝐼 𝑇
>
𝐺 𝐴

Encontramos duas regras veladas, que, no entanto são absolutas, isto é, sempre
serão verdadeiras no Jogo da Corrupção. A primeira é de que a relação risco-tentação
𝐼
do corruptor ativo (𝐺) é sempre maior do que a probabilidade que a corrupção de

42
𝑇
fato ocorra (𝑇+𝐴). Essa regra apenas reforça o que já havia sido concluído a partir dos
vetores (w) e (z). Portanto, a relação risco-tentação do corruptor ativo pode ser um bom
indicativo do limite de corrupção de fato em uma sociedade. A segunda regra é que a
𝑰
relação risco-tentação do corruptor ativo (𝑮) é sempre maior do que a relação
𝑻
tentação-risco do controlador externo(𝑨). Isso equivale a dizer que, em qualquer
ponto do Tabuleiro da Corrupção, os riscos para qualquer ator privado associados a
praticar a corrupção ativa, em relação aos ganhos, são maiores do que “os ganhos” de
não exercer o controle externo, em relação às perdas. Em outras palavras, qualquer ator
privado tem mais incentivos para exercer o controle externo do que para cometer a
corrupção ativa, caso contrário, a curvas não se intercederão.
Em outras palavras, para qualquer ator privado, na maior parte do gráfico, a
tentação para cometer corrupção ativa é maior do que o risco (G > I), e, ao mesmo
tempo, o risco de não exercer o controle externo é maior do que a tentação (A > T).
Caso o risco de cometer corrupção ativa seja maior que a tentação (I > G), então pode
ser que os riscos e tentações para não exercer a corrupção sejam iguais, maiores ou
menores que as tentações, mas essa sociedade inevitavelmente estará nas áreas C5, C6,
ou C7 do Tabuleiro, todas fora do “triângulo bom”. Ademais, inexiste a possibilidade de
que a tentação para cometer corrupção ativa seja maior que o risco (G > I) e, ao mesmo
tempo, a tentação para não exercer controle seja maior que o risco (T > A). Assim,
conclui-se que, na maior parte das vezes, os atores privados são “hipócritas” porque
“preferem” cometer a corrupção e se mobilizar contra ela (ou não cometê-la e não se
mobilizar). Caso eles “prefiram” não cometer a corrupção e se mobilizar contra ela,
então com certeza a probabilidade de investigação será menor do que a probabilidade do
crime (y < x), e haverá impunidade certa nessa sociedade.
A transposição de ambas as curvas nos permitem observar a relação entre os
𝐼
atores privados, onde a relação risco-tentação em se cometer corrupção ativa (𝐺) está
𝑇
no eixo das abscissas e a relação tentação-risco de não exercer o controle externo (𝐴),
no eixo das ordenadas. Os casos C1, C2 e C3 são equilíbrios bastante instáveis neste
jogo.

Figura 29. A Hipocrisia dos Atores Privados

43
Em suma, pudemos observar que é possível encontrar os valores exatos de (x) e
(y) apenas através dos payoffs dos atores privados. Cotejados com as probabilidades de
ação (w) e (z), as duas equações nos permitiriam descobrir qual vértice do
quadrilátero está em qual oitavo do tabuleiro. Assim, pode-se saber os níveis de
corrupção em uma sociedade apenas através das tentações, riscos e probabilidades
de ação dos atores privados.
Todas essas informações podem ser especialmente úteis para alguém que não
esteja de fato “jogando” o Jogo da Corrupção, isto é, um observador externo. Podemos
considerar arquetipicamente a existência de um “quinto jogador”, como um investidor
estrangeiro, cuja função é comparar diferentes sociedades para se investir, tendo em
conta apenas o risco de que a corrupção ocorra.

7. O Quinto Jogador

O quinto elemento da corrupção não é exatamente um jogador por definição,


uma vez que ele não tem uma “jogada”. Isso quer dizer que não se trata de alguém com
capacidade para alterar nenhum dos payoffs nem probabilidades (não é, por exemplo,
um flibusteiro). Todavia, o quinto elemento tem uma ordem de preferências entre os
casos no tabuleiro, que é 𝑄1 > 𝑄3 ≥≤ 𝑄2 > 𝑄4. Em termos de trade-offs, ele prefere
qualquer ponto à esquerda da fronteira (y = x). Um aspecto relevante de nota sobre o
investidor estrangeiro é sua única preocupação é probabilidade de que a corrupção
efetivamente ocorra em determinado momento (x)(1 – y). Destarte, ele pode até ligar
para o tamanho e para a posição do quadrilátero, mas não se importa muito com seu
formato. O que mais lhe interessa, no entanto, é o ponto específico do Tabuleiro que
uma sociedade ocupa.
Conforme exposto anteriormente, podemos analisar as sociedades, de maneira
genérica, observando quantas e quais das oito fronteiras do Tabuleiro elas cruzam.
Sempre que um quadrilátero cruzar uma fronteira, ele necessariamente o fará em pontos
onde (w) ou (z) equivalem a 0 (zero) ou 1 (um). Podemos encontrar as combinações das
probabilidades (w) e (z) que “cortam” os quadriláteros e classificar as sociedades em
seis tipos, de acordo com o número de fronteiras que elas cruzam.

𝑆−𝑓𝑤−𝛽𝑧 1 𝑺−𝑭
(x = ½) = 2 → 𝒇𝒘 + 𝜷𝒛 =
𝑆+𝐹 𝟐

𝐶−𝑝+𝑝𝑤−𝛼𝑧 1 𝑷−𝑪+𝟐𝒑
(y = ½) = 2 → 𝒑𝒘 − 𝜶𝒛 =
𝐶+𝑃 𝟐

(y = x) 𝑆−𝑓𝑤−𝛽𝑧
𝑆+𝐹
=
𝐶−𝑝+𝑝𝑤−𝛼𝑧
𝐶+𝑃
→ 𝑷𝑺 − 𝑪𝑭 + 𝒑(𝑺 + 𝑭) = (𝑺 + 𝑭)(𝒑𝒘 − 𝜶𝒛) + (𝑪 + 𝑷)(𝒇𝒘 + 𝜷𝒛)

(y = 1– x) 𝐹+𝑓𝑤+𝛽𝑧
𝑆+𝐹
=
𝐶−𝑝+𝑝𝑤−𝛼𝑧
𝐶+𝑃
→ (𝑪 + 𝑷)(𝒇𝒘 + 𝜷𝒛) + (𝑺 + 𝑭)(𝜶𝒛 − 𝒑𝒘) = 𝑪𝑺 − 𝑭𝑷 − 𝒑(𝑺 + 𝑭)

44
• Tipo 1: cruza nenhuma fronteira.
• Tipo 2: cruza uma fronteira.
• Tipo 3: cruza duas fronteiras.
• Tipo 4: cruza três fronteiras.
• Tipo 5: cruza quatro fronteiras.
• Tipo 6: cruza oito fronteiras.

Uma forma de facilitar a visualização das chances de ocorrência de corrupção


em uma sociedade é desenhar um “tabuleiro auxiliar”, que demonstra as ações dos
jogadores auxiliares.

7.1. O Tabuleiro Auxiliar

No Tabuleiro da Corrupção representado abaixo, foram posicionadas seis


“sociedades”, uma de cada tipo, conforme a classificação acima.

Figura 30. Seis Tipos de Sociedade

Cada sociedade tem um “tabuleiro auxiliar”, onde foram colocadas, no eixo das
abscissas, a probabilidade de corrupção ativa (w) e, no eixo das ordenadas, a
probabilidade de controle externo (z). Todavia, ao invés de colocar essas probabilidades
como 0 (zero) e 1 (um), podemos estendê-las aos limites dos respectivos vetores.
Assim, estaremos “transpondo” a figura quadrilateral, alterando seu formato e sua
disposição. O vértice (A) passaria necessariamente para canto superior direito do
quadrado; o vértice (B) para o canto inferior direito; o (C) para o canto superior
esquerdo; e o (D) para o canto inferior esquerdo. Esse tabuleiro auxiliar facilita a
visualização da área que a sociedade ocupa em cada um dos oitavos do Tabuleiro
Original. Portanto, ele será “repartido” em tantas partes quantas a sociedade ocupar, que
pode ser uma, duas, três, quatro, cinco ou oito das oito. A figura abaixo mostra os
Tabuleiros Auxiliares das seis sociedades.

45
Figura 31. Tabuleiros Auxiliares

Para que uma sociedade não cruze nenhuma fronteira, ela deve ser relativamente
1
“pequena”, isto é, sua área total não pode ultrapassar 8 do total, ou 12,5% do Tabuleiro.
3 5
A sociedade tipo 2 ocupa no máximo ¼; a tipo 3, 8; a tipo 4; ½ e a tipo 5, 8. Note-se
que a sociedade tipo 5 deve necessariamente ter um dos vetores mais intenso que o
outro. A Sociedade Tipo 6 pode ser “pequena” ou “grande”, sua característica principal
é que ela ocupa o ponto (E), que cruza todas as fronteiras, em algum lugar no meio do
seu “tabuleiro auxiliar”. Observe-se, ademais, que os pontos em que as sociedades
cruzam as fronteiras podem coincidir com seus pontos (A, B, C, D) e até mesmo uma
das arestas do quadrilátero pode coincidir com uma das fronteiras do Tabuleiro
Original.
De forma resumida, o Tabuleiro Auxiliar nos permite observar a área e a
posição de um quadrilátero, ignorando o seu formato, isto é, a inclinação dos eixos
(w) e (z). Vamos, agora, dar um exemplo um pouco mais prático de como os resultados
do modelo até agora podem ser utilizados para comparar sociedades, ainda que
tenhamos dados incompletos sobre elas.

7.2. Comparando Sociedades – agentes públicos

Nesta seção, usaremos um exemplo fictício para ilustrar aspectos do Jogo da


Corrupção. Um investidor estrangeiro precisa escolher entre dois países para investir,
considerando apenas a chance de que a corrupção ocorra. Esses dois países apresentam
características distintas na relação entre Sociedade e Estado.
A primeira sociedade será chamada de “democrática”, apenas para fins
exemplificativos. Nela, as grandes decisões são tomadas por políticos eleitos, que atuam
em órgãos abertos à sociedade, e dispõem de foro privilegiado. Já os controladores por
excelência (policias, juízes, promotores, etc.) não são eleitos e atuam com grande
independência e autonomia em relação à sociedade. Portanto, os coruptores passivos
(políticos eleitos) sofrem muito poder de pressão, tanto por parte dos corruptores ativos
(atores privados que frequentam os espaços públicos em busca de contratos
fraudulentos), quanto dos controladores externos (eleitores, mídia, associações privadas,
etc.). Já os controladores não são muito afetados por corruptores ativos (uma vez que

46
seu “papel principal” é investigar os corruptores passivos) e nem pelo controle externo
(uma vez que não são eleitos nem criticados pela população). Portanto, na sociedade
que chamamos “democrática”, ambos os vetores (w) e (z) são muito intensos e
inelásticos. Se retomarmos a classificação que fizemos acerca dos formatos de
sociedades, no capítulo anterior, trata-se de um losango bem fino e “em pé” (formato 2).
A outra sociedade será chamada de “autocrática”, mas apenas porque o formato
se diferencia da “democrática”. Nela, ambos os vetores são muito intensos e elásticos,
indicando que tanto os corruptores ativos quanto os controladores externos afetam
muito os controladores internos e pouco os corruptores passivos. Podemos imaginá-la
como uma sociedade de partido único e sem eleições. Nesse caso, a população não
exerce o papel de controlador externo e, sim, a opinião pública internacional. Quando
eles fazem uma crítica à corrupção, ela é tomada como uma crítica ao regime em si e
por isso afeta negativamente o partido, que é o controlador interno. Ademais, por
inexistirem órgãos permeáveis como um parlamento e o instituto do foro privilegiado,
os dirigentes do partido também estão mais suscetíveis à influência de corruptores
ativos (os quais são investigados por eles) do que outros burocratas. Ressalte-se, mais
uma vez, que os termos “democrática” e “autocrática” foram utilizados meramente com
fins didáticos, pois não se pretende neste projeto definir o que é a democracia.
Apesar de sabermos o tamanho e o formato das duas sociedades, não temos
informações precisas sobre a sua posição. Na sociedade democrática, como ambos os
eixos são verticais e extensos, está implícito que a relação tentação-risco dos
𝐶
corruptores passivos (𝑃) para cometeram corrupção é alta, pois a sociedade ocupa um
grande espaço no eixo (y). Dessa forma, a “sensação de impunidade” dessa sociedade é
necessariamente alta. Contudo, não podemos afirmar nada com certeza sobre a razão
𝑆
tentação-risco do controlador interno (𝐹), de modo que essa sociedade pode apresentar
diferentes posições no eixo (x).
A figura abaixo mostra duas possibilidades extremas de posição da sociedade
democrática, uma delas onde a probabilidade de corrupção (x) é baixa e a outra, alta.
Podemos afirmar com certeza que essa sociedade cruza três das quatro grandes
fronteiras do Tabuleiro e ela pode ou não cruzar a fronteira (x = ½).

Figura 32. Sociedade Democrática

47
Isso significa que essa sociedade pode estar quase inteiramente posicionada no
triângulo “bom” ou completamente fora dele. Portanto, se estiver na posição “certa”, ela
pode ser a melhor sociedade dentre as duas para se “investir”; mas se estiver na posição
“errada”, será a pior delas. Já a sociedade que chamamos “autocrática” é um losango
“deitado”, e não “em pé”.
Essa sociedade também cruza necessariamente pelo menos três fronteiras no
Tabuleiro. Pelo seu formato, está implícito que a tentação dos controladores internos
𝑆
para não investigar a corrupção (𝐹) é muito maior do que o risco, de modo que ela
𝐶
ocupa quase todo o espaço no eixo (x). Portanto, a relação (𝑃) vai determinar a posição
da sociedade no eixo (y), que pode ir de um caso extremo ao outro, conforme
apresentado pela figura abaixo.

Figura 33. Sociedade Autocrática

Ao contrário da sociedade democrática, a autocrática sempre ocupa algum


espaço no triângulo “bom”, mas é um espaço relativamente menor, e só ocorre quando
(w) e (z) são altos. Não se pode afirmar, portanto, que a simples diferença de regime (ou
nesse caso, de elasticidade dos vetores) possa tornar uma sociedade “melhor” ou “pior”,
mas se deve considerar, sim, que as sociedades podem apresentar comportamentos
muito diferentes relacionados ao fenômeno da corrupção devido a seus regimes de
governo e a relação entre seus atores públicos e privados.
Agora, vamos supor que o investidor estrangeiro dispõe de dados sobre os atores
privados nas duas sociedades.

7.3. Comparando Sociedades – atores privados

Suponha-se que as relações tentação-risco dos jogadores auxiliares sejam


exatamente as mesmas nas duas sociedades. Portanto, independentemente de seu
formato e tamanho, elas estão no mesmo ponto específico do tabuleiro, e a corrupção
ocorre com a mesma probabilidade, apesar dos distintos regimes. Imagine-se, ainda,
que, nas duas sociedades, os corruptores ativos tenham uma tentação para serem
corruptos que seja o dobro do risco (G = 2I). Também nas duas sociedades, o risco de
48
não exercer o controle externo é o triplo da tentação de não fazê-lo (A = 3T). Devido à
relação de “risco duplo” e “tentação tripla” dos jogadores auxiliares, com esses valores,
(x = ½) e (y = ½), o que significa que ambas as sociedades se encontram justamente do
ponto (E), que cruza todas as fronteiras.
Suponhamos, ainda, que o investidor estrangeiro sabe que a chance de cada ator
privado das duas sociedades se mobilizar contra a corrupção é de uma em dois e que
uma em cada duas pessoas nos dois países oferece propina. Isso poderia ser interpretado
como (w = ½) e (z = ½), indicando que o ponto (E) também coincidirá com o meio do
Tabuleiro Auxiliar de cada uma das sociedades, o que as posicionaria no meio do
tabuleiro original. A figura abaixo demonstra a posição das duas sociedades no
Tabuleiro da Corrupção e seus respectivos Tabuleiros Auxiliares.

Figura 34. Posição das Sociedades Democrática e Autocrática

Esse exemplo, meramente didático, auxilia a compreender porque países com


diferentes “formatos, tamanhos e posições” no tabuleiro, podem ocupar o mesmo ponto
em determinadas circunstâncias, e também que as sociedades podem responder de
maneira diferente a incentivos econômicos dos atores. No exemplo em tela, embora
estejam no mesmo ponto do Tabuleiro Original, a sociedade autocrática é um ambiente
ocupa uma área maior no triângulo “bom”, mas também ocupa uma área maior no
triângulo “ruim”, e o investidor estrangeiro continua indeciso. Agora, vamos passar a
outro exemplo, que dessa vez não é fictício.
Conforme mencionado anteriormente, Brasil e China, duas das economias que
mais cresciam no começo do século XXI, têm sido recentemente abalados pela agenda
anticorrupção, que teve impactos em seu desenvolvimento econômico. Na China, desde

49
2012, ocorre a maior operação anticorrupção da história do país. Conhecida como a
“Campanha dos Tigres e Moscas”, ela objetiva investigar e punir todas as formas de
corrupção, das de menor às de maior escalão. No Brasil, também ocorre, desde 2014, a
maior operação anticorrupção da história do país, a Lava Jato, que se iniciou como uma
investigação policial e tomou proporções gigantescas na sociedade brasileira. Ambas as
operações têm em comum o fato de que indiciaram, investigaram e efetivamente
puniram dezenas de políticos importantes dos dois países e polarizaram a opinião
pública, que se divide entre elogios e críticas (à parcialidade das investigações e à
desobediência ao devido processo legal, nos dois casos).
Apesar das semelhanças, existem importantes diferenças entre as duas
operações. A Campanha Tigres e Moscas foi lançada pelo próprio presidente Xi
Jinping, está associada a seu marketing pessoal e é encabeçada, desde 2012, por um
órgão diretamente ligado ao Partido Comunista Chinês, podendo ser classificada como
top-down e de caráter político. A sociedade e a mídia chinesas tiveram pouca
participação no processo, e o partido acabou se fortalecendo. No Brasil, a Operação
Lava Jato ganhou impulso com uma ampla mobilização social a partir de 2013, e
tornou-se um dos assuntos mais cobertos pela mídia do país. A investigação é
direcionada especialmente a grandes políticos e esquemas de lavagem de dinheiro, e é
levada a cabo pela força tarefa que envolve a Polícia Federal, o Judiciário e o Ministério
Público, que são instâncias autônomas, no sentido de não responderem diretamente à
população nem ao Governo. Ao contrário da China, o partido que estava no poder no
momento em que a operação se iniciou acabou sendo prejudicado pelos seus
desdobramentos.
É de se pensar que, apesar das diferenças, as operações anticorrupção nos dois
países teriam aumentado as chances de que a corrupção fosse investigada (y) e, com
isso, diminuído as chances de que a corrupção ocorresse. Contudo, se observarmos o
índice de Percepção da Corrupção, publicado anualmente pela Transparência
Internacional para centenas de países, podemos verificar que não foi isso que ocorreu. O
índice relaciona pesquisas de opinião com milhares de agentes públicos e atores
privados e estabelece um ranking anual de países, conforme a percepção da própria
população sobre a corrupção. Desde a década de noventa, quando o ranking teve início,
Brasil e China têm, ambos, se posicionado medianos, embora o Brasil tenha,
historicamente, se posicionado um pouco acima da China (em termos rudimentares,
podemos dizer que, segundo o índice, o Brasil é tradicionalmente um pouco “menos
corrupto” do que a China). Essa situação mudou drasticamente desde 2012, quando as
operações começaram. A figura abaixo demonstra as posições relativas dos dois países
no ranking entre 2012 e 2017.

Figura 35. Evolução da Corrupção Comparada: Brasil-China (2012 – 2017)

50
Como se pode perceber, desde o início das operações anticorrupção, ela
diminuiu na China e aumentou no Brasil. Após o início da Tigres e Moscas, a China
apresentou uma leve queda, mas tem apresentado uma subida estável desde então. Já o
Brasil, mesmo com alguma variação, tem apresentado queda significativa desde as
grandes manifestações de rua de 2013 e operação Lava Jato. Por que duas grandes
operações contra a corrupção podem levar a resultados tão diferentes em dois países? A
explicação, dentro do modelo apresentado neste projeto, é que Brasil e China têm
formatos, tamanhos e posições diferentes no Tabuleiro, relativos à relação entre
Estado e Sociedade nos dois países. Essa explicação não difere em nada de dizer que
são as distinções culturais ou institucionais dos países que explicam os comportamentos
diferentes, mas trata-se de uma forma matemática de abordar o fenômeno. Poderíamos
supor que o Brasil fosse, no exemplo ilustrativo acima, a “sociedade democrática” e a
China, a “sociedade autocrática”, para fins de exemplificação. Dessa forma, a própria
participação da sociedade no processo de combate à corrupção no Brasil pode ser um
fator que tenha contribuído para o aumento da percepção da corrupção no país.
O capítulo seguinte busca compilar os principais desdobramentos éticos do
modelo apresentado neste projeto.

8. Implicações Éticas

As principais conclusões do modelo apresentado aqui são baseadas em uma


simples premissa, a de que existe, em qualquer situação de corrupção política, uma
relação de caça-e-fuga entre o agente público que decide entre desviar ou não a sua
função e o seu eventual controlador. Atores privados, ainda que possam desempenhar
um papel em situações específicas, não são “essenciais” para configurar uma situação
de corrupção política. Essa relação pode ser esquematizada afirmando-se que existe,
para todos os jogadores, uma tentação e um risco, associados a uma de suas ações
(“praticar corrupção” e “não exercer controle”, respectivamente). Essas tentações e
riscos se traduzem na ordem de preferências dos jogadores que terão, sempre, casos
mais e menos preferidos (para o corruptor passivo, Q4 e Q2 e, para o controlador
interno Q3 e Q4, respectivamente). Essas simples afirmações trazem três importantes
desdobramentos éticos.
O primeiro é de que a corrupção é um fenômeno inesgotável, e que, em termos
de probabilidade, ele não pode ser extinto. A política pública deve, portanto, focar na
diminuição de (x) e/ou aumento de (y) e será demagógico perseguir o “fim da
corrupção”. O segundo é de que a corrupção é um fenômeno cíclico, e que, para
combatê-la, é preciso, primeiramente, analisar em qual dos quatro “momentos” do jogo
uma sociedade está. O terceiro é de que, em equilíbrio, as probabilidades de ação de
um jogador estão em função dos payoffs do outro jogador. Isso implica que alterar
os incentivos dos corruptores passivos teria o efeito de alterar a probabilidade de
equilíbrio de que eles sejam investigados e, para influenciar a probabilidade de que eles
ajam, seria necessário alterar os incentivos de seus controladores. Um corolário prático

51
dessa conclusão é de que existe um trade-off entre a sensação de impunidade de a
impunidade real.
Nesse sentido, foi considerado também que inexiste possibilidade das ordens de
preferência dos jogadores serem obtidas no “tabuleiro”, de modo que é preciso fazer um
trade-off entre (Q1 – Q4) e entre (Q2 – Q3). Em outras palavras, significa que, no jogo
da corrupção, deve-se trocar simultaneamente, a probabilidade de investigar
pessoas inocentes pela probabilidade de não investigar pessoas culpadas; e a
probabilidade de investigar pessoas culpadas pela probabilidade de não investigar
pessoas inocentes. Ademais, pela transitividade de preferências dos jogadores, afirma-
se que nenhum deles prefere Q2 a Q3.
Foi chamada de triângulo “bom” do tabuleiro a chance de que (1 – x > y > x).
Ou seja, idealmente, a probabilidade de que um agente público não seja corrupto deve
ser maior do que a probabilidade de ele ser investigado, que deve ser maior que a
probabilidade de ele ser corrupto. Quanto menor o valor de (x), maior a chance de ele
satisfazer essas condições. Ressalte-se que, para (y = ½), qualquer (x < ½) satisfaz as
condições, o que nos permite concluir que a “melhor” sociedade possível é aquela em
que os riscos e tentações para agentes públicos serem corruptos são iguais (C = P),
e os riscos dos controladores para não investigar a corrupção superam as tentações
(F > S).
Em seguida, acrescentamos o primeiro ator privado ao Jogo da Corrupção, que
pode exercer a corrupção ativa ou não. Definimos que ele tem um duplo risco, pois pode
ser punido, caso seja corrupto, sendo o corruptor passivo corrupto ou não. Ademais, ele
retira utilidade do agente público corrupto quando decide não ser corrupto, e retira
utilidade do agente público controlador quando é corrupto. Nesses moldes, forma-se um
vetor (w) em que a prática da corrupção ativa diminui a prática da corrupção
passiva e aumenta o exercício do controle interno. Essa é uma das consequências
éticas mais contra-intuitivas do Jogo, pois vai ao encontro das teorias apresentadas no
capítulo 1, que afirmam haver, na relação dos corruptores ativos, incentivos para
corrupção sistêmica e perpétua. Com o vetor (w) podemos analisar a influência do
ator privado sobre os agentes públicos através de sua elasticidade, intensidade e
posição.
Ademais, a probabilidade de ação do corruptor ativo (w) é inversamente
proporcional ao seu poder de influência sobre os controladores internos; e
diretamente proporcional ao seu poder de influência sobre os corruptores passivos.
A relação entre riscos e tentações dos atores privados, ao contrário de seus vetores, não
são variáveis autônomas, e estão relacionadas a pares de (x) e (y).
Em seguida, analisamos a relação do ator privado na condição de controlador
externo. Nesse caso, ele tem uma tripla tentação para não exercer o controle quando a
corrupção não ocorre. Os agentes públicos, corruptor e controlador, perdem utilidade
quando o controlador externo exerce o seu poder e eles são corruptos ou não
investigam, respectivamente. Nessas condições, existe um eixo (z), que move uma
sociedade na direção (Q2  Q3), ou seja, o controle externo ambivalente diminui as
chances de que os agentes púbicos sejam corruptos, mas também as chances de que

52
eles sejam investigados. Para diminuir a corrupção (x) mais do que o controle (y), seria
necessário que o controle externo afetasse com mais intensidade os controladores
internos do que os corruptores passivos.
A única diferença significativa, além de suas direções, entre os vetores (w) e (z)
é que, ao contrário da probabilidade de ação dos corruptores ativos, a probabilidade de
controle externo (z) é inversamente proporcional ao seu poder de pressão sobre
ambos os jogadores essenciais. Dessa forma, ainda que um vetor (z) seja muito intenso
e tenha um “tamanho” grande no gráfico, a sociedade pode eventualmente permanecer
no ponto onde (z = 0). A união dos dois eixos no gráfico forma uma figura quadrilátera
que representa todas as possibilidades de combinações de probabilidades de ações dos
quatro jogadores. O formato do quadrilátero depende da elasticidade dos vetores, o
tamanho, da intensidade, e a posição, das relações tentação-risco dos jogadores
essenciais.
Outra abordagem é que, para alguém que esteja interessado tão somente na
probabilidade de ocorrência da corrupção, o formato do quadrilátero é
irrelevante. Diferenças de formato e tamanho, por si só, não garantem a ocorrência
mais baixa do fenômeno, de modo que não se pode afirmar, com base nos pressupostos
do jogo, que uma sociedade democrática é menos ou mais corrupta que uma sociedade
não democrática, baseado apenas nessas informações. Para tanto, foi imaginada a figura
de um “quinto jogador”, representado por um investidor estrangeiro, e um tabuleiro
auxiliar, que “deforma” uma sociedade para facilitar a visualização da sua área e
posição.
Por fim, observa-se que, apesar de não se afetarem de maneira direta, existe uma
relação tácita entre os dois atores privados no jogo na corrupção. Dessa relação,
podemos tirar três regras. A primeira é que a probabilidade de que a corrupção de fato
ocorra é diretamente proporcional à relação tentação-risco para controladores externos.
Quanto mais um cidadão “perde” quando a corrupção acontece (risco de não se
mobilizar), menos ela acontece. A segunda é que a relação risco-tentação do corruptor
ativo será sempre maior do que a corrupção. Quanto maior for o risco (“punição”)
para corruptores ativos, maiores serão as chances de corrupção. Destarte, o mesmo
trade-off entre sensação de impunidade e real impunidade pode ser observado nos
jogadores auxiliares.
A terceira conclusão é que existem fortes incentivos para uma espécie de
“hipocrisia natural” dos atores privados, pois na maior parte do tabuleiro eles têm
incentivos ou para praticar ambas as coisas (corrupção ativa e controle externo) ou
nenhuma delas. Os casos que representam exceções a essa regra são necessariamente
casos onde (Q4 > Q1). Uma vez que as relações tentação-risco desses jogadores não são
variáveis autônomas, para qualquer ponto do tabuleiro existe uma única relação entre
esses payoffs e o controlador externo apresenta uma “tentação tripla”, enquanto o
corruptor ativo apresenta um “risco em dobro”.
Após as referências, serão apresentados três anexos que buscam incluir novos
elementos para o Jogo da Corrupção, quais sejam: i) a possibilidade de que os
controladores internos também sejam corruptos; ii) uma sutil diferença entre o poder de

53
disciplina e de polícia da administração pública; e iii) o papel da mídia ao denunciar a
corrupção. Esses anexos não trazem conclusões novas, apenas considerações adicionais
sobre as conclusões principais deste projeto.
Agradeço sinceramente a todos que leram o projeto até o fim.

Referências

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Berlin, Klinigin-Luke-Sk. 24-26, D-1000 Berlin 33.

Brasil, (1992). Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa).

Brasil, (1940) Decreto-Lei n 2.848/40 (Código Penal)

Brasil, (2006). Decreto nº 5.687/06 (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – Mérida).

Carvalho, M. (2017). Manual de Direito Administrativo. 4° edição. Editora JusPodium.

Dixit, A. and Skeath, S. (2004) Games of Strategy. W.W. Norton ISBN 0393924998,
978039324992

Dueñes-Gúzman, E. & Úbeda, F. (2010) Power and Corruption. Disponível em:


https://www.researchgate.net/publication/49622740_Power_and_corruption

Dueñes-Gúzman, E. & Sadelin, S (2012). Evolving Righteousness in a Corrupt World. Disponível


em:
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0044432

Lianju, Sun & Luyan, Peng (2011). Game Theory Analysis of the Bribery Behavior. International
Journal of Business and Social Science Vol. 2 No. 8; May 2011 104

Macrae, J. (1982). Underdevelopment and the Economics of Corruption: a Game Theory


Approach. World Development,Vol. 10, No. 8, pp. 677-687, 1982.

Rose-Ackerman, S. (1978). Corruption: a study in political economy. Boston: Academic Press.

Rose-Ackerman, S. & Palifka, B. J. (1999). Corruption and Government: Causes, Consequences,


and Reform. Cambridge University Press.

Shepsle, Kenneth (2010). Analyzing Politics: rationality, behavior and institutions. Editora
Paperback.

Silva, Marcos F. (1999). The Political Economy of Corruption Brazil. RAE - Revista de
Administração de Empresas • Jul./Set. 1999 São Paulo, v. 39 • n. 3 • p. 26-41.

Transparência Internacional (2018). What is Corruption? Disponível em:


https://www.transparency.org/what-is-corruption

54
Wikipedia. Anti Corruption Campaign Under Xi Jiping. https://en.wikipedia.org/wiki/Anti-
corruption_campaign_under_Xi_Jinping

Wikipedia. Operation Car Wash. https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Car_Wash

Anexos: Versões Supra-Expandidas

Nessa seção, apresentaremos versões supra-expandidas dos Jogos 1, 2 e 3. Para


tanto, vamos, no Jogo 1, considerar que os controladores também podem ser
corruptos, dado que são agentes públicos. No Jogo 2, separar o poder disciplinar e
poder de polícia, criando, assim, dois controladores para o corruptor passivo e um
controlador para o corruptor ativo. No Jogo 3, vamos distinguir duas formas de
controle externo, uma de caráter ativista e outra de caráter denuncista.

Figura 36. Elementos Associados à Corrupção

Poder
Controle Cidadão
Externo Poder da
Sociedade
Corrupção Mídia
Ativa

Corrupção
Passiva Poder
Estado
Controle Dsiciplinar
Interno Poder de
Polícia

Jogo 1 – Corrupção perpétua e sistêmica

O jogo apresentado abaixo é uma versão do Jogo-Base da corrupção onde o


controlador interno tem três opções de jogadas: além de investigar ou não investigar
devidamente, ele pode também desviar a função de controle de que dispõe, adquirindo,
dessa forma, a tentação para cometer o crime (C). Nesse caso, ele age, também, como
corruptor. Caso o controlador esteja disposto a ser corrupto e o corruptor não, então o
controlador perde o fator propina (p) de sua tentação para não investigar (S). O jogo tem
seis resultados possíveis e o controlador compara, sempre, três resultados. Foi
considerado que ele tem arrependimento no pior desses resultados e não tem
arrependimento no melhor, sendo atribuída nota 0 (zero) para o resultado intermediário.

Figura 37. Matriz do Jogo da Corrupção Perpétua


Ações Payoffs Arrependimentos
Caso
Passivo Interno Passivo Interno Passivo Interno

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1 Corrup Control –P 0 Sim 0
2 Corrup Não C –F Não Sim
3 Corrup Corrup C C Não Não
4 Não Control 0 0 Não Sim
5 Não Não 0 S Sim Não
6 Não Corrup 0 S–p Sim 0

Apesar de possuir seis resultados possíveis, nesse jogo há um Equilíbrio de Nash


em estratégias puras, que é o caso 3, onde nenhum dos jogadores tem arrependimento.
Trata-se justamente de uma situação onde há incentivos para a corrupção perpétua, mas,
deve-se ressaltar, não é um dilema do prisioneiro, pois o resultado de equilíbrio é
ótimo para os jogadores. Nesse jogo, volta-se ao dilema proposto por Macrae (1982) e
Silva (1999), expostos no capítulo 1. Como quebrar a relação viciosa, que leva agentes
públicos inescrupulosos a cometerem crimes? Uma possível resposta seria adicionar o
controlador externo, uma vez que ele possui caráter ambivalente e pode afetar
negativamente ambos os agentes públicos corruptos. Na matriz abaixo, foram
acrescentados os pressupostos do controlador externo, incluindo o fator de desconto alfa
também para os controladores corruptos.

Figura 38. O controlador externo no jogo da corrupção perpétua


Ações Payoffs Arrependimentos
Caso
Psv Int Ext Psv Int Ext Psv Int Ext
1 Corr Cont Cont −𝑃 − 𝛼 0 0 Sim 0 Sim
2 Corr Cont Não −𝑃 0 𝑇 Sim 0 Não
3 Corr Não Cont 𝐶 − 𝛼 −𝐹 − 𝛽 0 Não Sim Não
4 Corr Não Não 𝐶 −𝐹 −𝐴 Não Sim Sim
5 Corr Corr Cont 𝐶 − 𝛼 𝐶−𝛼 0 Não Não Não
6 Corr Corr Não 𝐶 𝐶 −𝐴 Não Não Sim
7 Não Cont Cont 0 0 0 Não Sim Sim
8 Não Cont Não 0 0 𝑇 Não Sim Não
9 Não Não Cont 0 𝑆−𝛽 0 Sim Não Sim
10 Não Não Não 0 𝑆 𝑇 Sim Não Não
11 Não Corr Cont 0 𝑆−𝑝−𝛼 0 Sim 0 Sim
12 Não Corr Não 0 𝑆−𝑝 𝑇 Sim 0 Não

Caso os fatores de desconto não ultrapassem as tentações originais (𝛼 < 𝐶),


então o caso 5 é um equilíbrio de Nash em estratégias puras e, neste caso, sim, pode ser
associado a um dilema do prisioneiro, pois o resultado de equilíbrio não é ótimo para
nenhum dos jogadores. Contudo, caso as condições acima sejam falsas, então os
arrependimentos que estão em negrito trocarão de lugar, e não haverá resultado de
equilíbrio em estratégias puras. Podemos concluir, destarte, que o controlador externo
pode quebrar o ciclo vicioso da corrupção perpétua, desde que seu poder de

56
pressão sobre os agentes públicos corruptos (𝜶) ultrapasse a tentação para que
eles sejam corruptos (C).

Jogo 2 – Poder de Polícia x Disciplinar

Nesse jogo, temos os corruptores ativo e passivo, o poder de polícia e o poder


disciplinar. Conforme explicado pela doutrina, o poder de polícia pode investigar e
punir tanto agentes públicos quanto atores privados corruptos, e independentemente das
ações do outro. É, portanto, um poder investigativo maior. Existem, assim, duas
tentações e dois riscos de não exercer o poder de polícia serão chamadas de (T1 e T2) e
(–R1 e –R2), respectivamente, e a probabilidade de exercício desse poder será chamada
de (q). Devemos considerar, ademais, que as penalidades administrativas e penais para
atos de corrupção são diferentes, e que elas podem se somar, caso o agente público seja
condenado nas duas esferas. Portando, o corruptor passivo, nesse jogo, apresenta dois
riscos, o penal, que continuará sendo chamado de (–P), e o administrativo, que
chamaremos de (–A). O fator (f) foi retirado, porque os controladores disciplinares não
têm nenhum poder sobre os corruptores ativos. Nesse jogo, teríamos quatro equações de
equilíbrio, a saber:

Figura 39. Poderes de Polícia e Disciplinar


Ações Payoffs
Caso
Pas Disc Atv Pol Pas Int Atv Pol
1 C C C C −𝐴 − 𝑃 0 −𝐼 0
2 C C C N −𝐴 0 𝐺 −𝑅1 − 𝑅2
3 C C N C −𝐴 − 𝑃 − 𝑝 0 0 0
4 C C N N −𝐴 − 𝑝 0 0 −𝑅1 + 𝑇2
5 C N C C −𝑃 −𝐹 −𝐼 0
6 C N C N 𝐶 −𝐹 𝐺 −𝑅1 − 𝑅2
7 C N N C −𝑃 − 𝑝 −𝐹 0 0
8 C N N N 𝐶−𝑝 −𝐹 0 −𝑅1 + 𝑇2
9 N C C C 0 0 −𝐼 0
10 N C C N 0 0 0 𝑇1 − 𝑅2
11 N C N C 0 0 0 0
12 N C N N 0 0 0 𝑇1 + 𝑇2
13 N N C C 0 𝑆 −𝐼 0
14 N N C N 0 𝑆 0 𝑇1 − 𝑅2
15 N N N C 0 𝑆 0 0
16 N N N N 0 𝑆 0 𝑇1 + 𝑇2

𝑆 𝐼 𝑇1 − 𝑇2 − 𝑤(𝑇2 + 𝑅2)
𝑥= =| |=
𝑆+𝐹 𝐺 𝑇1 + 𝑅1

57
𝑞(𝐶−𝑃)+𝑝(1−𝑤) 𝐶−𝑦(𝐴−𝐶)+𝑝(1−𝑤)
𝑦= 𝑞 =
𝐴+𝐶(1−𝑞) 𝑃+𝐶(1−𝑦)

Dessa forma, percebemos que existe uma relação dupla de caça-e-fuga entre os
corruptores ativos e controladores disciplinares e policiais, e uma relação de caça-e-fuga
simples entre corruptores ativos e controladores policiais. A probabilidade de corrupção
𝑆 𝐼
passiva (x) continuaria sendo diretamente proporcional a (𝐹) e a (𝐺), mas também seria
𝑇1
diretamente proporcional a (𝑅1) e inversamente proporcional a (w) e a ambos (T2 e
R2), concluindo-se que as tentações e riscos adicionais das investigações policiais
podem contribuir para o movimento para a esquerda do vetor (w). Ademais, percebe-se
que tanto a probabilidade de exercício do poder de polícia (q) quanto do poder
disciplinar (y) são influenciadas por (w), ainda que o poder disciplinar não afete os
corruptores ativos. Portanto, o vetor (w) teria efeitos nas investigações disciplinares
e policiais. De maneira geral, as conclusões principais do modelo não se alteram.

Jogo 3 – O Poder da Mídia

A distinção entre os dois controladores externos pode ser exemplificada pela


diferença entre um cidadão comum e um jornalista político. Enquanto o cidadão
obedece à lógica do controlador externo exposta no projeto, isto é, ele tem uma tentação
e um risco associado a não se mobilizar, vamos considerar que o “jornalista” ganha
utilidade quando a corrupção acontece e ele consegue denunciá-la (como um “furo de
reportagem”). Sua tentação será representada por (D). Ele perde utilidade quando a
corrupção acontece e ele não consegue denunciar (–R). Seus riscos e tentações não se
associam a uma de suas próprias jogadas, mas, sim, a uma combinação específica das
jogadas dos outros jogadores. A probabilidade de ação do jornalista será chamada de (p)
e vamos considerar que a mídia também provoca fatores de desconto adicionais,
comparáveis a alfa e beta. Nesse caso, teríamos as equações de equilíbrio:

Figura 40. Poder da Mídia


Ações Payoffs
Caso
Passivo Interno Mídia Passivo Interno Mídia
1 Corrup Control Control −𝑃 − 𝛼 0 0
2 Corrup Control Não −𝑃 0 0
3 Corrup Não Control 𝐶 − 𝛼 −𝐹 − 𝛽 𝐷
4 Corrup Não Não 𝐶 −𝐹 −𝑅
5 Não Control Control 0 0 0
6 Não Control Não 0 0 0
7 Não Não Control 0 𝑆−𝛽 0
8 Não Não Não 0 𝑆 0

58
𝑆 − 𝛽𝑝
𝑥=
𝑆+𝐹

𝐶 − 𝛼𝑝
𝑦=
𝐶+𝑃

𝑅
𝑝= (> 1)
𝑅−𝐷

O vetor (p) tem a mesma direção que o vetor (z). Porém, nesse caso, o jornalista
não estabelece relação de caça-e-fuga com nenhum jogador, e sua probabilidade de ação
(p) é maior que 1 (um), indicando que ele está em equilíbrio em estratégia pura. Assim,
o controlador externo que obedece a essa ordem de preferências sempre terá incentivos
para denunciá-la, independentemente dos riscos e tentações. Contudo, uma vez que o
jogo está em relação de caça-e-fuga, a equação acima mostra que podemos relacionar a
probabilidade de ação da mídia aos próprios payoffs. Se a sua tentação para denunciar a
corrupção (D) for maior do que seus riscos, a “probabilidade de equilíbrio” de que ele
denuncie “aumentará”, e vice-versa. Destarte, com menos riscos para exercer o controle
externo, uma mídia mais livre para denunciar e criticar agentes públicos
intensificaria o vetor (z), analisado no modelo.

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