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DESENVOLVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS DA

RESPONSABILIDADE CIVIL
Fernando Noronha*

A responsabilidade civil e seus de negocial e de responsabili-dade ci-


princípios fundamentais vil em sentido estrito, ou geral.
Conforme lição contida em ve-
A responsabilidade civil, se en- lhas máximas latinas, res perit do-
tendida numa acepção muito ampla, mino, ou casum sentit dominus (a coi-
de obrigação de reparar quaisquer da- sa perece para o dono, o dono suporta
nos antijuridicamente causados a ou- o evento imprevisto): em princípio, o
trem, compreende duas modalidades: dano resultante da perda de uma coi-
a) a obrigação de reparar danos resul- sa é suportado pelo dono respectivo.
tantes do inadimplemento, da má exe- O proprietário só não arcará com o
cução ou do atraso no cumprimento prejuízo quando tiver uma razão jurí-
de obrigações negociais (isto é, nas- dica que possibilite a responsabi-
cidas de contratos e de negócios jurí- lização de outra pessoa. Por isso, toda
dicos unilaterais); b) a obrigação de a problemática da responsabilidade
reparar danos resultantes da violação civil, em especial daquela que desig-
de outros direitos alheios, sejam ab- namos de geral, ou em sentido estrito,
solutos (como os direitos da persona- pode ser reconduzida à indagação dos
lidade, os reais e os sobre bens casos em que as pessoas lesadas po-
imateriais) sejam simples direitos de dem exigir de outrem a reparação dos
crédito constituídos entre outras pes- danos sofridos.
soas, sejam até outras situações dig- A resposta a essa indagação de-
nas de tutela jurídica. pende do peso que se der a dois prin-
Desde o século XIX essas mo- cípios ético-jurídicos em larga medi-
dalidades são chamadas respectiva- da antagónicos, o princípio da culpa e
mente de responsabilidade “contratual” o do risco.
e “extracontratual”, embora fosse mais De acordo com o princípio da
correto designá-las de responsabilida- culpa, só deveria haver obrigação de
reparar danos verificados na pessoa ou

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em bens alheios quando o agente cau- conduz à responsabilidade subjetiva.
sador tivesse procedido de forma cen- A do segundo leva à responsabilida-
surável, isto é, quando fosse exigível de objetiva, que será comum quando
dele um comportamento diverso. Por se exigir nexo de causalidade, e será
outras palavras, ele só deveria ser obri- agravada quando se prescindir dele,
gado a indenizar quando tivesse pro- como ainda referiremos adiante 1 .
cedido com culpa ou dolo.
De acordo com o princípio do ris- Evolução da responsabilidade
co, ninguém poderia ser obrigado a su- até o código civil
portar danos causados por outrem, de-
vendo ser o lesante a pessoa a arcar com Para bem se compreenderem os
o prejuízo, mesmo quando não tivesse rumos da responsabilidade civil de
procedido com dolo nem culpa. A ên- hoje, é conveniente saber como se
fase, aqui, é posta na causação: quem chegou até aqui.
causa dano deve reparar, porque (e esta Evidentemente que a responsa-
é a justificativa) se o ordenamento re- bilidade civil evoluiu sempre, acom-
conhece ou atribui às pessoas determi- panhando os muitos milénios de his-
nados direitos, sobre ela mesma ou so- tória do homem na Terra. E dessa his-
bre bens externos, não devem ser tole- tória passada, são dois os momentos
radas violações deles, mesmo quando o que aqui devem ser destacados.
causador tenha procedido com todos os O primeiro é a introdução da
cuidados exigíveis. E ainda conforme ideia de culpa, como fundamento da
este princípio do risco, em casos espe- obrigação de indenizar, do qual é mar-
ciais até deveria haver responsabilida- co, no sistema romano-ocidental, a lex
de por danos não causados pela pessoa Aquilia de damno (século III a. C).
responsabilizada nem por alguém dela Todavia, a respeito dessa famosa lei,
dependente, desde que eles aconte- é preciso enfatizar que no direito ro-
cessem no desenvolvimento de uma ati- mano a responsabilidade por culpa
vidade desenvolvida por essa pessoa, ou, nunca chegou a constituir um princí-
como também se diz, que ainda tives- pio geral, ficando a sua aplicação res-
sem conexão com tal atividade. trita a hipóteses limitadas. Isso, ape-
A preocupação essencial do pri- sar de uma evolução de quase oito
meiro princípio é com a posição do séculos até ao Corpus Júris Civilis,
lesante (é justo que este repare os da- assinalada por magníficos desenvol-
nos que causou, se poderia tê-los evi- vimentos dados pelos pretores, que
tado), o segundo olha basicamente o foram os verdadeiros criadores desse
lesado (é justo que este veja repara- monumento constituído pelo Direito
dos os danos que outrem lhe causou). Romano.
A aplicação do primeiro princípio

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Consolidado o direito romano pelo durante muito tempo quase que pas-
Corpus Júris Civilis, somente na cha- saram despercebidos. É o que acon-
mada Idade Moderna se registrou o tece no art. 1.529, respeitante à obri-
segundo momento, que agora impor- gação de indenizar do morador de casa
ta destacar. Ele é representado pela donde caiam ou tenham sido lançadas
formulação do princípio geral da “não coisas, mesmo que neste caso ainda
responsabilidade sem culpa”, que se seja possível sustentar (como com fre-
deve essencialmente aos juristas da quência se faz) que também aqui existe
escola de direito natural dos séculos uma presunção de culpa. Outros
XVII e XVIII, a dita “escola jusra- casos claramente alheios a qualquer
cionalista", porque se empenhava em ideia de culpa são aqueles em que, no
construir um direito fundado na razão. exercício da legítima defesa ou na prá-
tica de atos em estado de necessida-
Foi a concepção cristalizada
de, são causados danos a pessoa di-
nesse princípio geral da não res-
versa do agressor ou do criador do
ponsabilidade sem culpa que passou
estado de perigo (arts. 1.540 e
para os códigos civis modernos, in-
1.519-1.520).
cluindo o nosso. Daí a ideia, onipre-
Mas se o Código Civil conden-
sente neste, de que a responsabilidade sou uma evolução multimilenar, con-
deve ter como fundamento último a sagrando soluções que ao tempo eram
culpa, conforme se consignou no art. consideradas as mais perfeitas, a ver-
159. O máximo que se consente na dade é que elas atualmente já não aten-
direção de uma responsabilidade in- dem às necessidades sociais. As con-
dependente de culpa é a criação de cepções novecentistas estão sendo
diversas presunções desta: é o que se atropeladas pelo processo histórico. A
faz quando se responsabiliza o dono sociedade humana passa por transfor-
do edifício pelos danos que resultarem mações nunca antes experimentadas,
da sua ruína, mas repare-se, se esta for que progressivamente fazem anacrô-
proveniente da falta de reparos, “cuja nico o regime jurídico instituído em
necessidade fosse manifesta” (art. 1916. Nestas circunstâncias, não ad-
1.528); é ainda o que se faz quando se mira que as soluções consagradas pelo
declara que o dono do animal ressar- Código estejam sendo ultrapassadas,
cirá o dano por este causado, mas res- quer por dispositivos de diversas leis
salvando-se que ele poderá provar que avulsas, quer pelas “interpretações”
o “guardava e vigiava com o cuidado atualizadoras que a jurisprudência
preciso” (art. 1.527). vem fazendo e que verdadeiramente
Contudo, mesmo na sistemáti- são criadoras de direito novo.
ca acolhida em 1916 permaneceram Ainda dentro do mesmo
alguns casos que se mantiveram alhei- circunstancialismo, compreende-se
os a qualquer ideia de culpa e que que atualmente já seja lugar comum a

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afirmativa de que a responsabilidade velmente muito superior a cem mil
civil é, dentro do Direito Civil, o insti- anos, passou pôr apenas duas revo-
tuto com desenvolvimento mais luções fundamentais: a primeira foi a
espetacular, nos últimos cem anos. E neolítica (ou agrícola, se preferir-
se a asserção é verdadeira, é-o es- mos), a segunda é a industrial, que,
pecialmente com relação à res- na nossa opinião, ainda está em
ponsabilidade civil em sentido estrito. desenvolvimento.
Importa saber quais são as causas, as A revolução neolítica, iniciada
man i f e s t a ç õ e s e o s r u m o s d a há cerca de dez mil anos, trouxe a
contemporânea evolução da responsa- domesticação de plantas e animais,
bilidade civil. permitiu o abandono da vida errante e
a fixação à terra - e assim fez com
que o homem, durante os últimos mi-
A Revolução Industrial, cau-
lênios, fosse essencialmente rural,
sa dos desenvolvimentos con- vivendo da terra e para a terra. Foi a re-
temporâneos da responsabili- volução neolítica que criou as primei-
dade civil ras cidades, sem nada de comum com
as megalópoles de hoje, que gerou a
As causas da contemporânea escrita e que desenvolveu toda uma
evolução da responsabilidade civil cultura essencialmente rural, assente
prendem-se essencialmente com a re- nos valores da família patriarcal, ou
volução industrial, iniciada na In- família extensa - e que era ainda a
glaterra do século XVIII. Mesmo cultura dominante ao tempo do nasci-
aqueles países que ainda hoje perma- mento de nossos pais.
necem não industrializados, não fica- A revolução industrial consistiu
ram imunes às consequências, na mai- na domesticação da energia motriz.
oria benéficas, mas algumas maléfi- Quanto a ela ainda não há perspectiva
cas, dessa revolução. histórica, para se ter uma visão de con-
É de importância fundamental junto das suas consequências para as
para a história da humanidade o fe- sociedades humanas, mas já temos al-
nômeno da industrialização. Mesmo guns indicadores: a explosão popula-
cional (pelo menos numa primeira
que se considere apenas o homo sa-
fase), a migração para as cidades, a
piens (e não outros seres já humanos
destruição da família patriarcal (subs-
que o antecederam ou chegaram a ser
tituída pela família restrita), a concen-
seus contemporâneos, como o homo
tração capitalista e o assalariamento
neanderthalensis, possivelmente ex-
da quase totalidade das pessoas eco-
terminado pelos nossos antepassados), nomicamente ativas, a alfabetização
estamos convictos de que a humani- (e cada vez maior escolarização) das
dade, em toda a sua história, prova- massas, em tempos mais próximos a

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emancipação da mulher e o seu ingres- responsável, ele tinha de se orientar,
so no mercado de trabalho, a força dos como afirma Jourdain, na direção do
meios de comunicação... Só para evi- “objeto da responsabilidade civil: a
denciar a importância da “mídia”, já reparação dos danos”.
chamada de “quarto poder político”, Foi assim que a revolução in-
recordemos o dito, profundamente dustrial operou profunda transfor-
verdadeiro, de que a publicidade mação da sociedade. No âmbito do
comercial, gerando em todos, in- direito da responsabilidade civil, ela
clusive nos deserdados, o desejo de está na origem do crescimento da que
participar das benesses da sociedade designamos de responsabilidade civil
de consumo, é bem mais “subversi- em sentido estrito. Este acontece na
va” do que qualquer propaganda do medida em que a economia agrícola é
tempo da “ameaça” do velho comu- progressivamente substituída pela in-
nismo soviético2 . dústria e no mesmo passo em que a
No que interessa à respon- população deixa o campo, para criar
sabilidade civil, a revolução industrial as grandes concentrações urbanas da
agravou enormemente os riscos a que atualidade, e desenvolve-se nos ter-
as pessoas antigamente estavam su- mos que se analisam a seguir.
jeitas, fazendo crescer as demandas no
sentido de eficaz reparação deles. Por
outro lado, ao proporcionar melhores Expansão dos danos suscetí-
condições médias de vida e de cultu- veis de reparação, objetivação
ra, aquela pela disponibilidade maior da responsabilidade e sua
de bens, esta graças essencialmente ao
coletivização
estabelecimento de escolas postas ao
alcance das grandes massas, impulsi- O triplo fenômeno
onou a valorização do ser humano,
fazendo com que este, como observa O crescimento da responsabili-
Jourdain3 , passasse a aceitar ainda dade civil, devido à revolução in-
menos os golpes do destino, recusan- dustrial, manifesta-se através de um
do a desgraça e exigindo a reparação triplo fenómeno, que poderá ser de-
de todo o dano sofrido. A exigência nominado de expansão dos danos sus-
de uma conduta culposa como pres- cetíveis de reparação, objetivação da
suposto da responsabilidade, não se responsabilidade e sua coletivização.
coaduna com a aspiração social no O fenómeno da ampliação dos
sentido da reparação de todos os da- danos suscetíveis de reparação tra-
nos causados por outrem. O direito duz-se na extensão da obrigação de
tinha de deixar de preocupar-se só indenizar aos danos extrapatrimoniais,
com o comportamento da pessoa ou morais, e na tutela dos danos

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transindividuais, correspondendo os ainda é aspecto menor, se posto em
dois aspectos à aspiração da socieda- confronto com os fenómenos da
de atual no sentido de que a repara- objetivação e da coletivização. Estes
ção proporcionada às pessoas seja a são os dois aspectos de maior relevân-
mais abrangente que for possível. O cia na transformação da responsabili-
fenómeno da objetivação, talvez a dade civil contemporânea, mesmo que
principal conseqüência da revolução não abarquem a totalidade da evolu-
industrial no âmbito da responsabili- ção e ainda que os três fenômenos es-
dade civil, consiste no progressivo tejam interligados: afinal, a objeti-
distanciamento desta com relação ao vação e a coletivização também não
princípio segundo o qual não poderia deixam de tutelar a necessidade sen-
haver responsabilidade sem culpa. O tida pela sociedade de não deixar dano
fenômeno da coletivização traduz o nenhum sem reparação.
declínio da responsabilidade indivi- São exemplos do fenômeno da
dual, perante o desenvolvimento de objetivação a responsabilidade por
processos comunitários para inde- acidentes de trânsito e a por acidentes
nização de diversos danos, especial- de consumo. Exemplos da cole-
mente os que atingem a integridade tivização são a responsabilidade por
física ou psíquica das pessoas; tais danos corpóreos em acidentes de trân-
danos são postos a cargo de todo um sito, posta a cargo de todos os
grupo social, ou mesmo de toda a so- proprietários de veículos automóveis,
ciedade. através do seguro obrigatório, e a res-
É devido a esses três fatores que ponsabilidade por acidentes de traba-
atualmente a responsabilidade civil lho, posta a cargo de toda a socieda-
geral não cessa de se avolumar, tanto de, através da seguridade social.
em termos absolutos quanto com re- Foram a objetivação e a coletivi-
lação à responsabilidade negocial. Há zação que inverteram o sentido da
necessidade de tutelar adequadamen- milenar evolução, que vinha desde a
te as vítimas de acidentes (os quais são lex Aquilia, no sentido, do lado dos
cada vez mais numerosos e ao mes- lesantes, da exigência de culpa destes
mo tempo mais graves no trabalho, na e de sua responsabilidade exclusiva-
rua e até em casa, repleta de apare- mente individual e, do lado dos lesa-
lhos e utensílios potencialmente peri- dos, da reparação apenas dos danos
gosos), é também forte a pressão so- individuais.
cial no sentido da reparação de todo e Evidentemente que a velha res-
qualquer dano, ainda que não patri- ponsabilidade contratual também evo-
monial. luiu, paralelamente à responsabilida-
Se a expansão dos danos susce- de civil em sentido estrito. Como esta,
tíveis de reparação é importante, ela aquela também se objetivou e se am-

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pliou a danos extrapatrimoniais, mas do interesse da generalidade das pes-
sem dúvida foi no âmbito da civil ge- soas que integram uma comunidade,
ral que se processou verdadeira revo- destacando-se, dentre eles, os prejuí-
lução. zos causados ao meio-ambiente, ao
Vejamos as características bási- consumidor e a bens ou direitos da
cas dos três fatores das mudanças coletividade4 .
verificadas. Expressivo exemplo de danos
transindividuais é a poluição de ma-
A expansão dos danos suscetíveis nanciais, que pode afetar a população
Em tempos ainda recentes, os de toda uma grande cidade.
danos suscetíveis de reparação eram
quase que somente os patrimoniais e A objetivação da responsabilidade
individuais. A necessidade sentida A objetivação é fenômeno por
pela sociedade de não deixar dano demais conhecido e comentado. Por
nenhum sem reparação é que mudou isso não nos deteremos nele. Lembra-
as coisas. remos apenas que são três os riscos
Em primeiro lugar, gerou um que fundamentam a responsabilidade
avassalador movimento em prol da re- objetiva e que esta, em hipóteses es-
paração dos danos extrapatrimoniais peciais, já vai prescindindo da exigên-
(ou morais), isto é, daqueles que atin- cia de um nexo de causalidade entre o
gem somente valores de ordem cor- fato do responsável e o dano (respon-
poral, espiritual ou moral, por sabilidade objetiva agravada).
contraposição aos danos que acarre- São três os riscos que funda-
tam prejuízo econômico. No Brasil, mentam a responsabilidade objetiva,
esse movimento só se completou de- todos relacionados com determinadas
pois que a Constituição Federal de atividades: o risco de empresa, o ris-
1988 fez duas ou três referências ex- co administrativo e o risco-perigo. Es-
pressas a tais danos. ses riscos podem ser sintetizados di-
Em segundo lugar, conduziu ao zendo-se que quem exerce profissio-
reconhecimento da necessidade de nalmente uma atividade econômica,
tutelar também os danos transindi- organizada para a produção ou a cir-
viduais (também chamados de supra- culação de bens ou serviços, deve ar-
individuais ou metaindividuais), que car com todos os ónus resultantes de
são os que resultam da violação dos qualquer evento danoso inerente ao
chamados interesses difusos e coleti- processo produtivo ou distributivo;
vos, definidos pelo Código de Defesa que a pessoa jurídica pública res-
do Consumidor (Lei n° 8.078/90), art. ponsável, na prossecução do bem co-
81, parágrafo único, incs. I e II. Trata- mum, por uma certa atividade, deve
se de danos que dizem respeito a bens assumir a obrigação de indenizar par-

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ticulares que porventura venham a ser fossem causados a outrem. Foi por isso
lesados, para que os danos sofridos por que se construiu a teoria da responsa-
estes sejam redistribuídos pela bilidade objetiva. Agora estamos en-
coletividade beneficiada; que quem se trando num segundo momento, em que
beneficia com uma atividade po- se verifica haver hipóteses especiais em
tencialmente perigosa (para outras que se prescinde também de nexo de
pessoas ou para o meio-ambiente), causalidade, para se passar a exigir
deve arcar com eventuais conseqüên- unicamente que o dano acontecido pos-
cias danosas. sa ser considerado risco próprio da ati-
Exemplos típicos de cada um vidade em causa.
desses riscos, são respectivamente: a Por isso, acreditamos que atu-
responsabilidade por acidentes de con- almente se impõe distinguir, dentro da
sumo, denominada no Código de De- responsabilidade objetiva, uma co-
fesa do Consumidor de responsabili- mum e outra agravada. Na comum
dade pelo fato do produto e do servi- prescinde-se de culpa, mas exige-se
ço (arts. 12 e segs.); a a responsabili- que o dano seja resultante de ação ou
dade civil pública (da União, Estados, omissão do responsável, ainda que
Municípios, suas autarquia e funda- não culposa, ou de ação ou omissão
ções e ainda das entidades de direito de pessoa a ele ligada, ou ainda de fato
privado prestadoras de serviços públi- de coisas de que ele seja detentor. Na
cos), prevista no art. 37, § 6o da agravada, que diz respeito unicamen-
Constituição Federal; a responsabili- te a certas e determinadas atividades,
dade por acidentes de trânsito, essen- vai-se mais longe e a pessoa fica obri-
cialmente de criação jurisprudencial, gada a reparar danos não causados
mas fundada também no velho Decre- pelo responsável, nem por pessoa ou
to legislativo n. 2.681, de 7-12-1912, coisa a ele ligadas; trata-se de danos
relativo às estradas de ferro. simplesmente acontecidos durante a
A responsabilidade objetiva atividade que a pessoa responsável
agravada insere-se no final de uma evo- desenvolve, embora se exija que se
lução que começou quando, num pri- trate de danos que estejam de tal modo
meiro momento, se reconheceu que o ligados a essa atividade que possam
requisito culpa não sempre imprescin- ser considerados riscos próprios, típi-
dível para o surgimento da obrigação cos dela.
de indenizar: o exercício de determi- Se a responsabilidade objetiva
nadas atividades, suscetíveis de causar comum já é excepcional, a agravada
danos a terceiros, implicava, como será excepcionalíssima. Responder
contrapartida dos benefícios que elas por danos não causados, significa di-
proporcionavam ao agente, o ônus de zer que a pessoa é obrigada a reparar
suportar os danos que eventualmente danos causados por outrem (fatos de

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terceiro), por casos fortuitos ou de exercem uma mesma atividade, ge-
força maior e até por fatos do próprio radora do mesmo risco, e que são
lesado. Para só ficarmos com dois quem paga os prêmios relativos ao
exemplos, diremos que é isso que seguro respectivo.
acontece quando se obriga a empresa A coletivização, neste aspecto
transportadora a indenizar mesmo por ligado ao seguro de responsabilidade
danos que sejam resultantes de aciden- civil, como se vê, começa sendo con-
te de trânsito causado por outro veí- seqüência da objetivação, para num
culo, ou se obriga o Estado a reparar segundo momento realimentar o mo-
o dano causado por criminoso evadi- vimento em direção a cada vez maior
do da prisão, mesmo que muitas ve- objetivação: ao garantir a reparação
zes se procure esconder essa realida- dos danos sofridos, ela potência a evo-
de atrás de construções jurídicas até lução da responsabilidade no sentido
bem arquitetadas. Aliás, o que está da progressiva objetivação. A respon-
acontecendo é similar ao que se veri- sabilidade civil fica cada vez mais
ficou com a própria responsabilidade dependente da possibilidade de o res-
objetiva comum, que começou sendo ponsável fazer ou não seguro7 .
admitida através do recurso a “presun- Um segundo sentido em que a
ções de culpa”, mas sem se permitir coletivização se manifesta, é no de-
prova em contrário 5 . senvolvimento da seguridade social.
Esta tem um objetivo que vai além do
A coletivização da responsabilidade da previdência social: visa garantir a
A coletivização, cuja noção já reparação, a cargo da própria socieda-
foi dada, é fenômeno que tem sido me- de, dos principais danos corpóreos que
nos estudado que o da objetivação. A as pessoas podem sofrer, como a mor-
seu respeito, importa ressaltar que ele te e a incapacidade para o trabalho.
se processa em diversos sentidos. Do lado dos lesantes, a
A coletivização começa por se coletivização produziu também o que
manifestar no desenvolvimento do se designa de responsabilidade
seguro de responsabilidade civil, o grupal, ou seja, da responsabilidade
qual se torna tanto mais necessário de todos os integrantes de um grupo
quanto mais avança a responsabilida- por danos causados por um seu mem-
de independente de culpa (ou objeti- bro não identificado.
va)6 . O seguro de responsabilidade Do lado dos lesados, finalmen-
passa a garantir melhor a reparação do te, ela ainda deu força ao movimento
dano sofrido pelo lesado, ao mesmo em prol da reparação dos danos
tempo que alivia o ônus incidente so- transindividuais. Na verdade, a tutela
bre o responsável: este fica transferido dos interesses transindividuais não
para a coletividade das pessoas que deixa de ser uma forma de coletivi-

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zação da responsabilidade, só que en- Por outro lado, enquanto a res-
carada pelo lado dos lesados. No en- ponsabilidade civil novecentista era
tanto, verdadeiramente só se está pe- individual, a contemporânea tende a
rante uma coletivização da responsa- ser coletiva, incidindo sobre grandes
bilidade quando esta é encarada do grupos, ou melhor, sobre as pessoas
ponto de vista das pessoas obrigadas integrantes desses grupos, assim reali-
a indenizar. zando uma socialização de riscos.
Portanto, atualmente estão em
A responsabilidade civil neste declínio tanto a responsabilidade in-
final de milênio dividual como a subjetiva. O que cada
vez se firma mais é uma nova respon-
Responsabilidade subjetiva e obje- sabilidade, de tendência objetiva e
tiva; responsabilidade individual e coletiva. Evidentemente que isto não
coletiva significa que, ao término da evolução,
Ampliação dos danos suscetí- a responsabilidade subjetiva vá desa-
veis de reparação, objetivação e co- parecer e que o mesmo aconteça com
letivização da responsabilidade: em a responsabilidade individual. Largos
conseqüência dos três fenômenos, mas domínios devem permanecer sob a
em especial da objetivação e da alçada da responsabilidade subjetiva.
coletivização, a responsabilidade ci- E mesmo naqueles que estão passan-
vil neste momento passa por verda- do para a responsabilidade objetiva, a
deira revolução. São nítidos os regra continuará sendo certamente a
contrastes com a responsabilidade ci- de responsabilidade individual.
vil que herdamos do século XIX.
Assim, enquanto a responsabi- Funções reparatória, sancionatória
lidade civil novecentista era subjetiva, e preventiva da responsabilidade
tendo como fundamento a culpa, a civil
nova está em marcha acelerada no sen- A respeito dos desenvolvimen-
tido da responsabilidade objetiva, ten- tos contemporâneos da responsabili-
do como fundamento o risco criado. dade civil, um outro aspecto que me-
A nova responsabilidade visa sobre- rece ser destacado é o das finalidades
tudo a reparação de danos resultantes prosseguidas por ela.
de atividades perigosas e nos nossos As obrigações de responsabili-
dias já se estende a danos ocasiona- dade civil têm essencialmente, mas
dos por acidentes de consumo (res- não exclusivamente, uma finalidade
ponsabilidade pelo fato do produto ou estática, de proteção da esfera jurídi-
do serviço) e a danos resultantes da ca de cada pessoa, através da re-
poluição ambiental. paração dos danos por outrem causa-
dos. Elas tutelam um interesse do le-

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sado que se pode chamar de expecta- Na reparação por danos
tiva na preservação da situação atual extrapatrimoniais (ou morais) é paten-
(ou de manutenção do status quo). te, mesmo que com relevo secundá-
Esta finalidade, dita função rio, a finalidade de punição do lesante,
reparatória, ressarcitória ou indeni- sobretudo se agiu com forte culpa.
zatória, é a primacial: a responsabi- Aliás danos extrapatrimoniais pro-
lidade civil visa apagar o prejuízo eco- priamente não se indenizam, apenas
nômico causado (indenização do dano se compensam pecuniariamente. Tam-
patrimonial) ou minorar o sofrimento bém em muitos casos de responsabili-
infligido (satisfação compensatória do dade sem culpa, e mesmo com culpa,
dano moral). Sobretudo em matéria de a natureza indenizatória da res-
danos patrimoniais, em princípio nem ponsabilidade civil não é obstáculo a
a maior ou menor censurabilidade da que com freqüência legislativamente
conduta do responsável, nem a sua se fixem limites máximos de inde-
maior ou menor riqueza, nem a con- nização, como por exemplo se faz no
dição social ou econômica do lesado Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei
terão reflexo na determinação do mon- n° 7.565/86, arts. arts. 257 e 260). A
tante indenizatório. natureza indenizatória igualmente não
Essa, todavia, não é a única fun- impede que se sustente, de jure
ção reconhecida à responsabilidade condendo, a legitimidade da redução
civil. Atualmente reconhece-se que, a equitativa da indenização, quando fo-
par dela, a responsabilidade civil de- rem enormes os danos causados e re-
sempenha outras importantes funções, duzida a culpa do responsável, como
uma sancionatória (ou punitiva) e se propõe no Projeto de Código Civil,
outra preventiva (ou dissuasora). art. 946. Por último, existem casos em
Quando se fala numa função que a idéia penal de punição é associ-
sancionatória, faz-se evidente aproxi- ada à finalidade civil de reparação,
mação com a finalidade retributiva da para dobrar a vontade do devedor e
responsabilidade penal. A maior ou coagi-lo a efetivar a reparação do dano
menor censurabilidade da conduta do causado, como é o caso das multas
responsável tem alguns reflexos na cominatórias, também chamadas de
obrigação de reparar os danos causa- "penas pecuniárias" pelo Código de
dos, aproximando muitas vezes a “in- Processo Civil (art. 287).
denização” de uma “pena privada”. A função preventiva da respon-
Algumas vezes faz acrescer o mon- sabilidade civil também é similar a
tante a ser pago, que reverte em bene- igual função da pena criminal. A res-
fício do ofendido, e outras vezes fá-lo ponsabilidade civil também visa dis-
reduzir, representando agora um me- suadir outras pessoas e ainda o pró-
nor sacrifício para o lesante. prio lesante da prática de atos preju-

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diciais a outrem. Obrigando o lesante Por isso, um último aspecto do desen-
a reparar o dano causado, contribui- volvimento contemporâneo da res-
se para coibir a prática de outros de ponsabilidade civil, e também de alto
atos danosos, tanto pela mesma pes- relevo (dele se poderá dizer, aqui, que
soa (prevenção especial), como por é last, but not least), é o relativo às
quaisquer outras (prevenção geral). hipóteses de concurso das responsa-
Isto é importante sobretudo no que se bilidades civil e negocial. São situa-
refere a danos que podem ser evita- ções em que uma pessoa sofre danos
dos (danos culposos). Na multa em conseqüência de fatos ao mesmo
cominatória, há pouco referida, esta tempo representativos do inadimple-
finalidade assume especial relevo: mento de contratos ou negócios jurídi-
coagir a devedor a reparar prontamen- cos unilaterais e constitutivos de res-
te o dano causado é também evitar que ponsabilidade civil geral. São hipóte-
os danos se vão agravando. Esta é ses em que ocorre um dano no decur-
mesmo uma das razões que explicam so de relação negocial, mas em cir-
o "crescimento" dessa sanção. cunstâncias tais que os fatos ocorri-
dos sempre seriam suficientes para
Direito comum (ou geral) da originar uma obrigação de indenizar,
responsabilidade civil e direitos es- mesmo se abstraíssemos do contrato
peciais (ou do negócio unilateral).
Com o crescimento da respon- Esta relação concursual é espe-
sabilidade civil (a geral, ou em sen- cialmente importante para respon-
tido estrito), devido ao tripo fenôme- sabilidades como as do médico, do
no da expansão dos danos suscetíveis transportador, do construtor, do for-
de reparação, da objetivação da necedor de produtos e serviços e, em
responsabilidade e de sua co- geral, para as demais que podem ser
letivização, ficou evidenciado não ser chamadas de profissionais. Por exem-
correto o lugar subalterno que lhe era plo, em matéria de responsabilidade
atribuído na dicotomia "responsabili- de transportadores e de médicos po-
dade contratual" e "responsabilidade dem estar presentes os pressupostos
extracontratual". Ela assumiu o papel das duas responsabilidades, como
que realmente lhe compete, de direito quando o médico, contratado para fa-
comum (ou geral) da responsabilida- zer uma operação cirúrgica, age com
de civil e, em conseqüência, há neces- negligência e causa lesões maiores, ou
sidade de repensar as relações entre quando o condutor do ônibus passa
ela e a responsabilidade negocial (e um sinal vermelho e causa um aciden-
porventura também outros direitos te, no qual ficam feridos alguns
especiais que ainda caibam dentro da passageiros, que ele tinha a obrigação,
figura geral da responsabilidade civil). por muitos considerada apenas

32
"contratual" (cf. Súmula 187 do STF), relação contratual, mas que fiquem
de transportar sãos e salvos ao seu fora do âmbito da autonomia privada
destino. (hipótese que se poderia chamar de
Tradicionalmente essas situa- responsabilidade supra-contratual).
ções de concurso de responsabilida- Na prática, o problema do con-
des são resolvidas pelo enquadra- curso entre as duas responsabilidades
mento ou numa, ou noutra, como se vai traduzir-se especialmente na ques-
elas fossem antagónicas, ou pelo me- tão de saber quais são os limites da
nos como se uma excluísse a outra. A liberdade dos interessados interve-
verdade, porém, é que a responsabili- nientes em negócios jurídicos na pré-
dade civil (em sentido estrito) apre- fixação de causas de limitação ou de
senta-se como o direito comum (ou exclusão da responsabilidade, porque
geral) da reparação de danos, perante para além desses limites terão de
o qual a obrigação relativa a danos incidir as regras gerais da responsabi-
oriundos de obrigações negociais é lidade civil. A respeito das cláusulas
mero direito especial. Isto é importan- de exclusão da responsabilidade, ou
te porque um direito especial, qual- simplesmente dela limitativas, a res-
quer que seja, não contém princípios posta geralmente dada é no sentido de
jurídicos conflitantes com os do direi- que no âmbito das obrigações nasci-
to geral respectivo e, por outro lado, das de contratos e demais negócios
as regras deste devem ser aplicadas jurídicos elas em regra são válidas.
sempre que o direito especial não con- Porém, no âmbito da responsabilida-
tiver norma específica. de civil em sentido estrito sustenta-se
Ora, se as responsabilidades ci- geralmente a sua não validade8 .
vil e negocial não são compartimentos A este propósito, o critério ge-
estanques e se a segunda é mero di- ral a seguir parece ser o de que, quan-
reito especial, tendo como fundamen- do estiverem em causa bens indispo-
to a autonomia deixada às partes, en- níveis, como na hipótese de danos
tão o regime desta será aplicável ape- corpóreos, haverá incidência exclusi-
nas no âmbito que couber na esfera va das regras da responsabilidade ci-
dessa autonomia. Por isso é que será vil em sentido estrito9 .
a responsabilidade civil geral que vai Às vezes é o próprio ordena-
regular os danos acontecidos na fase mento jurídico que, perante situações
das negociações preliminares (respon- onde a autonomia privada e os princí-
sabilidade pré-contratual), mais os que pios maiores da responsabilidade ci-
possam acontecer após integral cum- vil geral se apresentam fortemente en-
primento das obrigações assumidas trelaçados, procura estabelecer uma
(responsabilidade pós-contratual), e regulamentação de tal forma ampla
ainda aqueles acontecidos durante a que nela fiquem amalgamadas as re-

33
gras da responsabilidade contratual e reparação, da objetivação e da
as da responsabilidade civil. Quando coletivização, a responsabilidade ci-
isto acontece, estão criados o que se vil (geral, ou em sentido estrito) de-
poderia chamar de sistemas únicos de senvolveu-se extraordinariamente,
responsabilidade. Também a este res- deixando o lugar subalterno que lhe
peito as responsabilidades profissio- cabia na dualidade novecentista da
nais revelam-se especialmente responsabilidade "contratual" e
esclarecedoras. A responsabilidade do "extracontratual".
transportador parece ser um dos exem- Quando agora se fala em res-
plos mais perfeitos desses sistemas ponsabilidade civil, sem acrescentar
únicos, que já vem do Decreto algum qualificativo (como contratual,
legislativo n. 2.681, de 7-12-1912 e ou outro), em regra tem-se em conta
se prolonga com o Código Brasileiro apenas aquela que temos designado de
responsabilidade civil geral, ou em
da Aeronáutica (Lei n° 7.565/86).
sentido estrito; ela não engloba a res-
Outros bons exemplos são, no âmbito
ponsabilidade contratual (ou como se
das relações de consumo, tanto a res-
dirá melhor, negocial).
ponsabilidade relativa a fato como
Mas se a responsabilidade civil
aquela respeitante a vício de produto
geral não abrange a contratual, por
ou serviço (Código de Defesa do Con- outro lado também não coincide com
sumidor, respectivamente arts. 12 a 17 a responsabilidade por atos ilícitos, ou
e 18 a 25). aquiliana, dos clássicos. Ela ampliou-
Se entendermos que responsabi- se, desdobrando-se numa responsabi-
lidade civil e negocial não são compar- lidade subjetiva e noutra objetiva. E o
timentos estanques e que a civil em sen- domínio da responsabilidade pelo ris-
tido estrito é o regime-regra, em rela- co está em expansão contínua.
ção ao qual a responsabilidade A responsabilidade civil am-
contratual é apenas direito especial, en- pliou-se ainda, quando passou a tute-
tão, quando se instituírem sistemas úni- lar os danos extrapatrimoniais. E am-
cos de responsabilidade, apenas se es- pliou-se mais ainda, quando ultra-
tarão criando outros direitos especiais, passou a barreira dos interesses indi-
para além da responsabilidade negocial. viduais, para abarcar também a viola-
E todos esses direitos especiais terão de ção dos interesses difusos e coletivos,
atender aos princípios basilares da res- que o Código de Defesa do Consumi-
ponsabilidade civil geral. dor engloba sob a designação de di-
reitos transindividuais.
Conclusão Por último, com a correia colo-
cação da responsabilidade civil no lu-
Como se viu, em conseqüência gar que lhe compete, que é o de direi-
da expansão dos danos suscetíveis de to comum da reparação de danos, fica

34
claro ser ela fonte complementar da as componentes de grupos, por atos de mem-
bro não identificado e com a obrigação de re-
regulamentação jurídica tanto da res- parar os danos transindividuais, tudo como se
ponsabilidade negocial como dos re- verá melhor no texto; no processo civil, com as
gimes especiais que começam surgin- ações coletivas, visando a tutela de interesses
transindividuais e ainda dos chamados interes-
do, a exemplo da responsabilidade do ses individuais homogêneos (cf. Lei n° 7.347/
transportador e das responsabilidades 85, art. Io e Código de Defesa do Consumidor,
arts. 81, 91 e 103); nas relações contratuais,
do âmbito das relações de consumo,
com os contratos padronizados e de adesão, im-
por fato e por vício do produto ou do postos pelos empresários aos consumidores e
serviço. até pelas grandes empresas às menores; mes-
mo no âmbito das relações de consumo já são
possíveis convenções coletivas, previstas no
1 Neste texto, que se pretende seja sucinto, refe-
Código de Defesa do Consumidor (art. 107)!
rem-se diversas noções que são desenvolvidas
3 Patrice Jourdain, Les príncipes de la
numa obra neste momento em curso de reda-
responsabilité civile, Paris, Dalloz, 1992, p. 10
ção, com o título de Direito das obrigações e
e segs.
que comportará dois ou três volumes. Os ca-
4 Foi para pôr fim às doutas controvérsias que os
pítulos já prontos estão disponíveis na U.F.S.C,
interesses difusos e coletivos vinham susci-
onde podem ser fotocopiados. A matéria que
tando, que o Código procurou conceituá-los:
aqui interessa é tratada no vol. 1, caps 7 e segs.
difusos são "os interesses ou direitos (...)
Voltaremos à distinção entre responsabilidade
transindividuais, de natureza indivisível, de que
objetiva comum e agravada adiante, item 4.3.
sejam titulares pessoas indeterminadas e liga-
2 Das transformações ligadas à revolução indus-
das por circunstâncias de fato"; coletivos são
trial, merecem destaque aqui, pelas suas reper-
os "os interesses ou direitos (...) transindivi-
cussões jurídicas, os fenômenos, aliás interli-
duais de natureza indivisível de que seja titular
gados, da urbanização, da concentração capita-
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
lista e da massificação da sociedade.
entre si ou com a parte contrária por uma rela-
A urbanização é conseqüência do crescimento
ção jurídica base".
exponencial da população, da migração do cam-
A par dos interesses difusos e dos coletivos,
po para as cidades, das melhores condições de
cuja violação gera os danos transindividuais, o
vida que o desenvolvimento econômico (de
Código de Defesa do Consumidor refere ainda
base industrial) propicia. A progressiva con-
uma terceira categoria, também nova no direi-
centração capitalista é essencialmente conse-
to brasileiro, de direitos suscetíveis de tutela
qüência da concorrência econômica — e da
coletiva, os chamados interesses individuais ho-
luta, por esta engendrada, pela competitividade,
mogêneos, "assim entendidos os de origem co-
pela racionalização, por melhores condições de
mum" (art. 81, parágrafo único, inc. III). Estes,
produção e distribuição. A massificação da so-
todavia, ainda têm natureza individual, só se
ciedade é a grande resultante da urbanização e
aproximando daqueles por também poderem ser
da concentração capitalista.
tutelados coletivamente.
Realmente, se existe uma palavra que possa sin-
5 A responsabilidade objetiva agravada está pre
tetizar tudo o que aconteceu, e ainda esclarecer
sente mesmo na obrigação de indenizar resul-
o sentido das tão profundas transformações
tante do inadimplemento de contratos e de ne-
havidas, tanto políticas como jurídicas, tal pa-
gócios jurídicos unilaterais obrigacionais, que
lavra é massificação: massificação nas cidades,
é impropriamente designada de responsabili-
transformadas em gigantescas colméias; nas fá-
dade contratual (mais correta seria a designa-
bricas, com a produção em série; nas comu-
ção de responsabilidade negocial). Nela tam-
nicações, com os jornais, a rádio e a televisão;
bém teremos uma responsabilidade subjetiva
nas relações de trabalho, com as convenções
(em que o lesante só é obrigado a indenizar se
coletivas; na responsabilidade civil, com a di-
tiver procedido com culpa), uma responsabili-
fusão dos seguros de responsabilidade civil,
dade objetiva (em que a obrigação surge inde-
com a obrigação de indenizar imposta a pesso-
pendentemente de culpa, mas cessa se de-

35
monstrada a inexistência de nexo causal) e uma tural diligência a que obrigaria as pessoas. Se
responsabilidade agravada (em que a pessoa res- quem tem de pagar é a companhia seguradora,
ponde por certos danos resultantes de fato de as pessoas serão menos cuidadosas, multipli-
terceiro, do próprio lesado ou de caso fortuito cando os acidentes. Por outro lado, como o se
e força maior). guro de responsabilidade civil, sobretudo aque-
A cada uma dessas modalidades corresponde le obrigatório, não tem condições de dosar os
um tipo diferente de obrigação: obrigações de prêmios de acordo com o risco representado
meios, de resultado e de garantia. Se a obriga- por cada segurado, considerado nas suas ca-
ção for de meios, a responsabilidade do deve- raterísticas individuais, os mais cuidadosos aca-
dor será subjetiva; se for de resultado, passará barão pagando para cobrir os danos causados
a ser objetiva; se for de garantia, passará a ob- pelos irresponsáveis. Até o próprio fato de a
jetiva agravada. Nós acreditamos mesmo que, responsabilidade civil ficar cada vez mais de-
apesar de uma imensa literatura em contrário, pendente da possibilidade de o responsável fa-
a responsabilidade do devedor de obrigações zer ou não seguro, é considerado por muitos
negociais em princípio é objetiva: para ele se como um fator perturbador: a reparação inte-
isentar de responsabilidade, em regra terá de gral dos danos, via indenização securitária, tem
provar que o inadimplemento se ficou deven- um custo econômico, implicando na elevação
do a caso fortuito ou de força maior, fato de dos prêmios a valores que podem ser
terceiro ou até do próprio credor (cf. arts. 1.058 incomportáveis para muitos.
e 965, in fine). Para alguns desenvolvimentos 8 Contra a admissibilidade de cláusulas de isen-
a este respeito, v. o estudo "Responsabilidade ção da responsabilidade civil, ou mesmo de clá-
civil: uma tentativa de ressistematização", na usulas simplesmente dela limitativas, argumen-
Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário ta-se também com a própria natureza dessa
e Empresarial, n. 64:12-47 (ano 17, abr.-jun. responsabilidade: a responsabilidade civil se
1993. Ed. Revista dos Tribunais). ria regida por princípios de ordem pública, que
6. Ao tempo em que prevalecia a ideia de que toda os particulares nunca poderiam derrogar. So-
responsabilidade deveria ser fundada na culpa, mente após a ocorrência do fato gerador da res-
a possibilidade de o lesante transferir para uma ponsabilidade, o lesado poderia entrar em acor-
companhia seguradora a obrigação de indeni- do com o lesante e excluir a responsabilidade
zar era considerada imoral. Foi a necessidade deste; antes desse momento, qualquer cláusula
de garantir ao lesado a mais ampla reparação excludente ou limitativa de responsabilidade
que falou mais alto. E com a multiplicação das seria ilícita ou impossível.
hipóteses de responsabilidade independente de Parece, porém, ser necessário distinguir três si-
atuação culposa do obrigado, passou-se a afir- tuações, no âmbito da responsabilidade civil
mar o dever (aliás ônus) deste de fazer o respec- geral:
tivo seguro. a) Se a responsabilidade civil é subjetiva (fun-
7. Deve ser esclarecido que o seguro de respon- dada na culpa) e diz respeito à violação de di-
sabilidade civil não tem somente efeitos bené- reitos de natureza pessoal, como a vida e a in-
ficos. Dentre os efeitos perversos que têm sido tegridade física, que são sem dúvida tutelados
detectados, o mais importante é ainda o que a por princípios superiores, de ordem pública, a
francesa Geneviève Viney (Les obligations. La obrigação de indenizaçâo não pode ser preven-
responsabilité: conditions. Paris, LGDJ, 1982, tivamente excluída ou limitada, através de cláu-
p. 31. V. 4 do Traité de droit civil, dir. de Jacques sulas de não indenizar;
Ghestin) chama de "apagamento do responsá- b) Se a responsabilidade civil é subjetiva, mas
vel por detrás do segurador". O papel principal diz respeito a interesses puramente
passa a ser o do segurador, que é quem, no fi- patrimoniais, parece ser possível o estabeleci-
nal, vai desembolsar a indenização. O denomi- mento de cláusulas de não indenizar, desde, po-
nado responsável só nominalmente terá essa rém, que fique preservada a responsabilização
condição: o verdadeiro obrigado passa a ser o em caso de dolo ou de culpa grave, em relação
segurador. E como o causador do dano passa a aos quais prevalecem princípios de ordem pú-
ser mero responsável nominal, a responsabi- blica;
lidade civil deixa de exercer uma sua impor- c) Se a responsabilidade civil é objetiva (ou pelo
tante função: a de prevenção de danos, pela na risco), parece não haver nada que impeça o

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estabelecimento de uma regulamentação pre no acórdão de 9-10-1991, REsp. 1.604-SP, na
ventiva privada, diversa da legal — salvo RSTJ, 27:267 e 33:515, e vem confirmada em
quando, conforme os princípios gerais, haja diversos outros, como o acórdão de 7-11 -1994,
norma proibitiva expressa, ou haja ofensa da REsp. 38.725-SP, na JSTJ e TFR, Lex-70:166,
ordem pública. que cita diversos precedentes no mesmo senti-
9 A matéria relativa ao concurso entre as respon- do. A mesma linha de raciocínio levaria a con-
sabilidades civil e negocial pode refletir-se em cluir que, em caso de acidente ferroviário em
conseqüências práticas importantes. Neste mo que fossem feridos dois passageiros, um com
mento, para termos uma idéia delas, fiquemos bilhete de passagem e o outro clandestino, os
com uma concretização. Se uma pessoa que era juros da indenização para um e outro seriam
transportada em composição ferroviária cair e, contados de forma diversa.
por isso, vier a falecer, o caso deverá ser resol- Em nossa opinião, a solução ficará mais clara
vido com base nas regras da responsabilidade se admitirmos que a responsabilidade do trans-
negocial, ou da civil em sentido estrito? portador, no caso de danos corpóreos, nunca
Quem sustentar que a responsabilidade, no poderá ser considerada contratual, por estarem
caso, é exclusivamente contratual, terá de con- em causa bens indisponíveis.
cluir que os juros de mora devem fluir apenas a
contar da citação dos responsáveis, na ação pro-
posta contra eles, de acordo com o art. 1.536, §
2o e da Súmula 163 do Supremo Tribunal Fe-
deral, editada em 1963 ("... sendo a obrigação
ilíquida, contam-se os juros moratórios desde
a citação inicial para a ação"). Porém, quem
defender a aplicação das regras gerais relativas
à responsabilidade civil geral, dirá que os juros
moratórios devem ser contados desde o evento
danoso, nos termos do art. 962 e também da
Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça (“Os
juros moratórios fluem a partir do evento da
noso, em caso de responsabilidade extracontra-
tual”).
E quem defender que a responsabilidade, no
caso, poderá ser contratual ou civil em sentido
estrito, conforme a pessoa acidentada seja ou
não um passageiro com contrato de transporte,
poderá chegar a conclusões absurdas, dando tra-
tamento jurídico diverso a casos similares. As-
sim, dentro do próprio Superior Tribunal de Jus-
tiça, a quem atualmente cabe a tarefa de uni-
formização a nível nacional da jurisprudência,
em casos de atropelamento de pedestres por
composições ferroviárias, ou de abalroamento
de veículos por composições, tem sido en-
tendido que a responsabilidade é extracontratual
e, assim, que se aplica aquela sua Súmula 54,
com fluência dos juros a partir do evento dano-
so. Se, porém, é um passageiro que cai de trem
superlotado, aquela Corteja entende que a res-
ponsabilidade será contratual, correndo os ju-
ros desde a citação.
No seio do Superior Tribunal de Justiça, essa
distinção é feita expressamente, por exemplo,

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