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Análise Psicológica (1994), 1 (XII): 15-30

Mudança Organizacional: Mudar a


Cultura ou Mudar de Estratégia?

A. DUARTE GOMES (*)

i. INTRODUÇÃO com estabilidade e não mudança? Mudar o quê?


Mudar toda a cultura organizacional ou tudo o
As relações entre estratégia e cultura, no con- que nela é incluído? Quais as dimensões da
texto da mudança organizacional, constituirão os cultura organizacional que são passíveis de ser
eixos principais da reflexão contida neste artigo. mudadas e geridas? Quais os momentos e as
Neste sentido, será dada particular atenção a condições mais favoráveis a mudança e a sua
quatro modos distintos de lidar com a cultura e gestão? Dos riscos inerentes a mudança, quais os
de a relacionar com a estratégia: a) ignorar a cul- que são geríveis? Como facilitar o processo de
tura, b) gerir a cultura, c) mudar a cultura, d) mudança?
mudar de estratégia. De igual modo, são de sa- Neste contexto, a nossa reflexão incidirá sobre
lientar duas ideias centrais que percorrerão o algumas das condições a ter em conta para que
texto: a primeira diz respeito a compatibilidade dos esforços que se propõem levar a cabo a
entre estratégia e cultura organizacional, a se- mudança desejada resultem os efeitos esperados.
gunda refere-se a congruência entre cultura orga- Para que a referida mudança seja facilitada e
nizacional e cultura envolvente. para que os projectos que a têm em vista sejam
Uma outra questão que ocupará um lugar exequíveis e bem sucedidos, importa igualmente
central no presente trabalho tem que ver com a reflectir sobre as potencialidades e limites de al-
problemática da mudança organizacional. Para gumas intervenções que visam induzir e instituir
tal contribui o facto de ela constituir o ponto de novos comportamentos organizacionais.
partida e de chegada do percurso a efectuar. Al- Subjacente a exposição que será efectuada
gumas das questões para as quais procuraremos estará uma concepção de cultura organizacional,
uma resposta podem, desde já, ser enunciadas a que faremos uma breve referência. Não nos
nos seguintes termos: Como articular mudança alongaremos sobre esta questão, embora a
consideremos fundamental, para não repetir o
que, em diferentes ocasiões, ao longo dos últi-
mos anos, temos vindo a afirmar (Gomes, 1988,
(*) Professor da Faculdade de Psicologia e de 1989, 1990, 1993). Neste momento, apenas sa-
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. lientaremos alguns aspectos que consideramos
Coordenador do Núcleo de Estudo e Formação em
Organização e Gestão (NEFOG) da Faculdade de Psi-
importantes para entender e situar a perspectiva
cologia e Ciências da Educação da Universidade de que defendemos sobre cultura organizacional.
Coimbra. Em primeiro lugar, a perspectiva cultural vem

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permitir lançar um novo olhar sobre as organiza- que a organização pode ser entendida como uma
ções e sobre o acto de organizar. Enquanto cul- cultura, destacando o potencial explicativo da
tura, a organização dispõe de meios para se re- metáfora cultura: uma metáfora fundadora de um
presentar e apresentar: uma história, uma lingua- novo olhar sobre a realidade organizacional,
gem própria, ritos (de entrada, de saída e de que poderá ser considerada como paradigmática.
manutenção), um saber acumulado (como apro- Na perspectiva de cultura organizacional que
veitar oportunidades, superar crises, vence1 defendemos, a mesma não é redutível a mais
ameaças, etc.), comportamentos desejáveis e uma variável a acrescentar i lista das tradicio-
indesejáveis (heróis e vilões) que estipula e re- nalmente consideradas no contexto organizacio-
compensa ou sanciona. É através destes e de nal, antes é vista como representando uma
outros processos comunicativos que a organi- inflexão significativa no pensamento organiza-
zação se constrói e constrói a sua identidade; que cional e considerada como uma metáfora paradi-
se dota de meios para gerir o processo de emer- gmática, emergente no domínio organizacional
gência, as manifestações e os efeitos da cultura (Gomes, 1993). No entanto, as duas perspe-
que a identifica. Neste contexto, a cultura emer- ctivas, se bem que distintas, não são contra-
ge não como um elemento decorativo ou substi- ditórias nem incompatíveis. Com efeito, se cada
tutivo da organização, mas como uma realidade organização tem uma cultura, isto é, uma história
constitutiva e insubstituível da mesma. Esta pos. e um percurso que a distingue e a identifica, a
tura distancia-se de uma outra que inclui sob esta um outro nível, toda e qualquer organização é
designação tudo o que não pode ser contido no:, uma cultura, ou seja, uma realidade simbolica-
modelos tradicionais de organização; que tende s mente constituída, socialmente construída, inter-
ver a cultura como um «excedente» (Gummes. activamente mantida, comunicativamente efe-
son, 1993)' não contabilizável ou como o «res- ctuada. E porque é uma cultura, é que não é fácil
to». Numa linguagem figurativa, toda a divisão mudar. Há limites a considerar na intervenção
deixa um «resto». No entanto, estamos habitua- tendente a facilitar a mudança. Se o objectivo da
dos a pensar e a falar da operação aritmética de intervenção for promover a mudança e se por
divisão como se o resto não existisse ou como se mudança entendermos a transição da cultura vi-
fosse irrelevante. gente para uma outra considerada desejável, há
Basicamente, no seio d a literatura dedicada L~ q u e atender às possibilidades e aos constrangi-
esta problemática, estão em confronto duas mentos inerentes a este processo: a organização
perspectivas, cuja diferença a mudança de verbo muda de cultura e muda na cultura que a identi-
permite captar: a organização tem uma cultum fica.
e/ou a organização é uma cultura. A primeiw Em segundo lugar, falar nos termos em que o
concebe a cultura como mais uma variável orga- fizemos de cultura organizacional, formular
nizacional que pode e deve ser controlada e ge- assim a questão, é chamar a atenção para o pro-
rida, tendo em vista o empenhamento e motiva- cesso, não reduzir ou restringir a sua abordagem
ção dos membros da organização, de que resul- a conteúdos. Este contraste é tanto mais impor-
tará uma acrescida eficácia. A segunda sugere tante quanto a maior parte dos modelos e defí-
nições se restringem ou se centram primordial-
mente sobre o conteúdo. Noutros termos, especi-
I Através desta expressão, o autor citado refere-se a ficam o que é a cultura organizacional, não o que
um elemento da produção cuja produtividade não faz e como se faz. Enfatizar o processo é dar re-
pode ser aumentada ou uma parcela do trabalho que
não pode ser substituída. Assim, por contraste com a levo i actividade comunicativa: é na e pela
máquina de lavar que veio substituir o trabalho comunicação que a cultura se estabelece. Cultura
manual de uma empregada ou de uma dona de casa - e atribuição de sentido estão intimamente liga-
aumentando a produtividade -, há serviços cuja
produtividade não foi aumentada, e que, por isso dos. Weick (1985) sugere mesmo que cultura e
mesmo, permanecem serviços. E o caso de um sentido possam ser considerados como equiva-
professor que não pode (((ainda não))?) ser substituído lentes. Por um lado, a actividade comunicativa é
por uma máquina ou de uma enfermeira que não
p o d e s e r substituída por sedativos, embora a central no processo de criação e manutenção da
experiência j á tenha sido tentada, mas com resultados cultura, por outro, é a cultura que fornece o
contrários aos esperados. quadro no interior do qual é possível atribuir

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sentido a realidade organizacional, isto é, comu- a sua descrição; o segundo diz respeito a gestão
nicar. É ela que delimita problemas pertinentes e e aos modelos de intervenção na referida cultura;
soluções legítimas, explica sucessos e insuces- o terceiro incide sobre a natureza do próprio con-
sos, define ameaças e oportunidades, justifica ceito de cultura organizacional, as questões
zonas de incerteza controladas, legitima decisões teóricas e epistemológicas que suscita. Trata-se,
tomadas, racionaliza estruturas e práticas vi- mais uma vez e por outras palavras, de enfatizar
gentes. É ela que permite argumentar, negociar e a existência de diferentes objectivos que a inves-
fazer ou atribuir sentido (sense-making), tor- tigação comporta e visa, bem como de salientar a
nando o quotidiano das e nas organizações si- importância e interesse em distinguir um nível
gnificativo. descritivo, explicativo ou interventivo no estudo
O ((modelo de homem» subjacente A pers- da cultura organizacional. Será do nível inter-
pectiva aqui defendida é o do homem simbólico ventivo que o presente artigo predominantemen-
e político ou do homem comunicacional e estra- te se ocupará.
tégico.
Se por cultura entendermos um sistema com-
plexo e interdependente de representações que 2. GESTÃO E MUDANÇA DA CULTURA
possibilita aos diferentes actores interpretar e ORGANIZACIONAL
agir na situação em que se encontram, dar so-
lução aos problemas com que se confrontam, Os padrões de comportamento nas e das orga-
orientar e dar sentido aos comportamentos na e nizações são reconhecidamente difíceis de
da organização; que funda o modo habitual e re- mudar, ainda que a necessidade de os mudar seja
corrente de pensar, sentir, agir e reagir, carac- manifesta e insistentemente reclamada. Não bas-
terístico de uma dada organização, num dado ta querer a mudança para que a mesma ocorra,
momento, e que, por isso, adquire, para ela e nem exortar as pessoas a mudar para que elas o
para os seus participantes, um valor estratégico; façam. Mudar comportamentos, melhor, facilitar
compreender-se-á melhor o sentido que quise- a sua mudança, não é fácil. Parte da dificuldade
mos dar i noção de representações estratégicas, pode ser formulada sob a forma de pergunta:
utilizada para definir cultura organizacional. como mudar algo ou alguém que não pediu para
Trata-se apenas de uma definição e, como sa- ser mudado? E parte da resposta poderá parecer
lienta Tajfei (1 982), as definições, sendo neces- que está contida na receita: impondo a mudança.
sárias, são sempre controversas e pouco úteis. O facto de existir a percepção e afirmação da
Em terceiro lugar, e em ligação com o que necessidade de mudança não significa que novos
acabamos de expor, o conceito de cultura organi- modelos, métodos e procedimentos, vão obter
zacional é objecto de diferentes definições e uma receptividade imediata e que os seus desti-
conceptualizações, e no seio da literatura que natários os vão pôr em prática com zelo e
dela se ocupa coexistem múltiplas abordagens dedicação. Esperá-lo é partir de uma crença ra-
que se distinguem pelo nível de análise a que se cional, mas os comportamentos individuais e
situam, bem como pelo «focus», «locus» e «ní- colectivos estão enraizados em valores, crenças e
vel» de cultura que adoptam (Gomes, 1990, normas culturais e, por isso, só parcial e muito
1991). Uma forma de nos situarmos perante a limitadamente são racionais, ou não o são. Partir
vasta literatura existente neste domínio e que de uma visão racionalista e normativa poderá
julgamos ter efeitos clarificadores sobre ela e conduzir a tentativa ou tentação de querer cor-
conferir-lhe intelegibiiidade é a que consiste em rigir ((enviezamentos)) e outras ((irracionalida-
distinguir os estudos que se ocupam da descri- des», em vez de os ter em conta ao intervir.
ção, da explicação e da intervenção relativas a Intervir numa organização é intervir num sis-
cultura organizacional. A este propósito, Louis tema e confrontar-se com aquilo a que podemos
(1 985) considera importante distinguir na abor- chamar uma cultura. O alcance limitado e os re-
dagem da cultura organizacional três níveis, que sultados pouco animadores de iniciativas e pro-
designa por natural, finalizado e reflexivo. O pri- jectos que visam alterar a cultura dominante
meiro ocupa-se das origens, manifestações e nas organizações económicas, com vista a obter,
efeitos da cultura organizacional e tem em vista por exemplo, ganhos de produtividade ou me-
lhorias de qualidade, esbarram contra hábitos t: titivo e sujeito a um ritmo de mudança crescente;
costumes, contra formas de agir e pensar, contra se a empresa é medíocre ou péssima; se a empre-
valores e pressupostos, em suma contra umri sa se quer aproximar e situar ao nível das gran-
cultura. E porque se trata de uma cultura, é que des empresas; se a empresa é pequena, mas em
não é fácil mudar, como já referimos. A mu- rápido crescimento.
dança, ou seja, a transição da cultura vigente Se nenhuma destas condições se verificar, os
para uma outra considerada desejável nem sem- autores referidos defendem que nenhum esforço
pre é exequível e, quando o é, implica um longo de mudança deverá ser empreendido, visto exigir
processo. muito tempo, dinheiro e energias e o seu êxito
ser improvável.
As questões relativas a gestão e mudança da Pelo que acabámos de expor e como acima
cultura organizacional são, no contexto da inves- afirmámos, a pergunta «é possível gerir a cultu-
tigação sobre esta temática, questões ((quentes)) ra?» recebe várias e distintas respostas, algumas
(Mirvis, 1985) e controversas. A maior parte de- delas não isentas de ambiguidade. A diferença
las foram enunciadas no segundo parágrafo da entre elas radica, em boa parte, nas diferentes
Introdução e têm que ver com a clarificação do:; conceptualizações e definições de cultura organi-
risco inerentes 2 mudança e a especificação do:< zacional em confronto. Por outras palavras, ser
que são geríveis, assim como com a atitude face fácil, difícil ou impossível de gerir a cultura or-
a mudança (que pode ser encarada como ameaçii ganizacional depende da definição de cultura e
ou como oportunidade): promovê-la ou preveni - de organização de que se parte (Martin, 1985),
-1a. assim como do quadro teórico de referência
A perspectiva cultural acrescentará algo ao:< adoptado.
conhecimentos existentes sobre mudança e ges- Diferentes autores trabalham a partir de dife-
tão da mudança organizacional? A resposta a es- rentes definições de cultura organizacional e
ta pergunta é parte essencial da tarefa que no;; enfatizam diferentes dimensões da mesma.
propomos realizar. Assim, se, por exemplo, utilizarmos os níveis de
Uma primeira questão é a que Nord (1985); cultura especificados por Schein (1 985) - arte-
coloca explicitamente: pode a cultura organiza- factos, valores e pressupostos de base - podemos
cional ser gerida? A questão levantada está longe afirmar que enquanto alguns chamam a atenção
de ser pacífica, recebendo várias e distintas res- para a origem inconsciente da cultura, situando-
postas (Martin, 1985; Siehl, 1985; Nord, 1985; -a a um nível «profundo», outros focalizam as
Schwartz & Davies, 1986; Tliévenet, 1986; suas manifestações ((superficiais)). Para aqueles
Barley et a1.,1988; Hofstede et al., 1990; que optam por uma definição «superficial» e que
Hampden-Turner, 1993). se propõem na sua intervenção atingir objectivos
A resposta mais simples a pergunta formulada relativamente limitados, a resposta aquela ques-
é: mim, mas é difícil.)) tão irá no sentido de que a cultura é gerível; para
Uma vez dada esta resposta, outra pergunta si: aqueles que definem a cultura em sentido lato, a
lhe segue: «deve ser gerida?)) Schwartz e Davies situam a nível «profundo» e visam uma mudança
(1 986) sugerem várias respostas alternativas: global, para esses, as tentativas de controlar a
ignorar a cultura, gerir a cultura, mudar a cul- trajectória evolutiva da cultura duma organiza-
tura, mudar a estratégia. ção aparecem como excessivamente ambiciosas
Outra solução é a que consiste em analisar a e pouco credíveis.
cultura vigente e manter o que dela é adequado I:
performante, ao mesmo tempo que os seus as- Um primeiro passo na clarificação das res-
pectos negativos ou contraproducentes são postas 5 pergunta acima formulada consiste em
objecto de um projecto de mudança. reconhecer que, no seio da literatura referente a
Deal e Kennedy (1982) sustentam que a mu- esta temática, coexistem preocupações de ordem
dança só se justifica em casos muito particulares, técnico-económica e científica, as quais estão na
como: se a empresa tem uma cultura «forte» qui: origem de duas orientações distintas: uma mais
não se ajusta a um meio em mudança; se o «prática» e outra mais «teórica». A diferença en-
sector industrial em que se situa é muito compe- tre uma e outra remete para o debate sobre ser ou
ter cultura, o qual, por sua vez, está ligado a autores que adoptam esta orientação interessam-
predominância de uma ou de outra das -se pelo desenvolvimento de técnicas condu-
preocupações referidas. Basicamente, as respos- centes a previsibilidade e controlo organizacio-
tas a pergunta «a cultura é gerível?)) variam nal. O seu objectivo é o estabelecimento de
consoante se trate de «teóricos» ou «práticos» relações contingentes susceptíveis de aplicação
(Barley et al., 1988), de «puristas» ou «pra- ao nível da gestão das organizações. Os esforços
gmáticos)) (Martin, 1985), de «académicos» ou que envidam vão no sentido de compreender
«consultores» (Siehl, 1985). como ocorre este processo e como controlá-lo.
A orientação em que predominam as preo- Na medida em que a cultura pode constituir um
cupações económicas concebe a cultura organi- potencial obstáculo ao planeamento, a gestão
zacional como uma variável susceptível de ser racional deve torná-la objecto de estudo e
manipulada e, centrando-se sobre as práticas de previsão. Como sublinha Smircich (1983, 1989,
gestão, salienta a importância da gestão da mes- a mensagem subjacente a esta orientação é que o
ma, tendo em vista o controlo e eficácia organi- gestor racional deve ter em conta a cultura. Esta
zacionais. Por contraste com esta, a outra orien- é, assim, um meio importante que permite ex-
tação mencionada, perspectivando as organiza- pandir a racionalidade gestionária ao domínio
ções como construções simbólicas e acentuando interpessoal.
a importância da gestão do sentido, vê a cultura Por contraste com a posição dos pragmáticos,
organizacional como estando na origem de um para os puristas, na opinião de Martin, não faz
paradigma alternativo, isto é, como represen- sentido falar de gestão da cultura. A cultura não
tando um novo modelo explicativo no contexto pode ser gerida; os gestores não são criadores de
das Ciências da Organização. cultura, participam no processo da sua emergên-
Segundo Martin (op. cit.), os pragmáticos en- cia. Na medida em que ela é a expressão profun-
caram a cultura como a chave da produtividade e da de necessidades e um meio de dar sentido A
empenhamento, argumentando que a cultura não experiência, não pode nem deve ser gerida. Esta
só pode ser gerida como o tem sido e deve sê-lo. posição, alheia a preocupações económicas ou
Para o «provar» apresentam casos e afirmam es- gestionárias, vai ao ponto de considerar que,
tar de posse da «tecnologia» apropriada para o caso a cultura pudesse ser gerida, não o deveria
fazer. Admitem que a tarefa de mudar a cultura ser, sobretudo quando isso significasse ganhos
poderá ser mais ou menos difícil, dependendo de produtividade ou lucros acrescidos. Smircich
dos passos que para tal seja necessário dar, mas (1985, p. 5 6 ) exprime de forma exemplar esta
que a cultura é transformável e gerível é, para ideia quando, a este propósito, afirma: «If it was
eles, um dado pacífico e adquirido. De acordo the meaning of life in the workplace - yes. If it
com a autora, para os defensores desta pers- was improving organizational effectiveness -
pectiva, duvidar desta possibilidade ou colocar o no.»
problema sob forma interrogativa é visto como Se a orientação anterior coloca a ênfase prin-
despropositado ou, até, como revelador de cipal no controle, aqueles que Martin designa
arrogiincia ou de obscurantismo. por puristas não só chamam a atenção para as
Esta posição é maioritariamente partilhada questões éticas que a intervenção na cultura
por consultores e gestores, os quais tendem a in- pode implicar, como denunciam a gestão da cul-
tervir no pressuposto de que a cultura organiza- tura como um poderoso meio de controlo implí-
cional pode ser mudada e gerida, sendo possível cito. Para esta orientação, em que, como disse-
alterá-la de forma planeada (Lundberg, 1985). mos, as preocupações científicas e éticas preva-
Este ponto de vista é claramente assumido, por lecem sobre as produtivistas ou gestionárias, as
exemplo, pelo Desenvolvimento Organizacional. questões consideradas relevantes e para as quais
Assim, Burke (1982, p.10) define-o como «a se procura resposta situam-se a nível epistemo-
planned process of change in an organization’s lógico e metodológico. Nesse sentido, para além
culture through the utilization of behavioral da ênfase que coloca na cultura organizacional
science technology, research and theory.)) enquanto modelo alternativo, face aos modelos
Partindo da expectativa, senão mesmo da explicativos tradicionais, dedica particular
crença, de que a cultura é passível de gestão, os atenção A metodologia de investigação, alertando
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para alguns dos limites a ter em conta ao nível da as «práticas» de pessoas que eram portadoras
intervenção e para a j á referida delicadeza das dos mesmos valores. Este resultado ficar-se-ia a
questões éticas que esse processo envolve. dever ao facto de a aprendizagem de valores e
práticas ocorrerem em contextos bem diferen-
Em vez de, como até aqui, procurar dar uma ciados. Os valores seriam adquiridos através do
resposta, em termos de sim ou não, a pergunta «a processo de socialização realizado durante a
cultura é gerível?)), uma outra forma de colocar infância e juventude, no seio da família e na
o problema é a que consiste em perguntar: escola. Quanto iis práticas seriam aprendidas ao
((quais os aspectes ou dimensões da cultura que longo do processo de socialização organizacio-
podem ser objecto de gestão?» nal, o qual acontece no local de trabalho, j á nu-
Esta via, que se afigura como mais proveitosa ma fase adulta. Por isso, entendem que a possi-
e prometedora do que a anterior, é a seguida pela bilidade ou capacidade de, através do processo
maior parte dos autores que se situa entre as de socialização organizacional, influenciar os
posições «extremas» perfilhadas por «puristas» e valores j á estabelecidos seria muito limitada.
((pragmáticos)).Para esses - cujo interesse prin- Assim sendo, os valores organizacionais esca-
cipal gira em torno da mudança cultural e da sua pariam, em grande medida, ao controlo da lide-
gestão -, o esforço científico mais relevante rança organizacional e estariam, portanto, fora
passa pela distinção entre o que na cultura é ou do alcance da sua capacidade de gestão. A lide-
não gerível; pela identificação dos momentos em rança só de forma limitada e indirecta poderia
que a intervenção na cultura é exequível e tem afectar os valores vigentes na organização. O
maiores probabilidades de êxito; pela especifi- modo como o poderia fazer diria respeito
cação das condições susceptíveis de, no processo introdução de novas práticas, ou seja, através da
de gestão d a cultura, facilitar a mudança e definição de novas regras do jogo, no interior
aprendizagem organizacionais (Lundberg, 1985; das quais a socialização organizacional se pro-
Nord, 1985; Hofstede et a1.,1990; Scliwartz &
cessa. A criação, difusão e aceitação de novos
Davies 1986). Neste sentido, estes autores apre-
símbolos, heróis e rituais constituiria uma forma
sentam um contributo importante ao distin-
de incorporar os valores que os líderes conside-
guirem o que na cultura organizacional é passí-
vel de gestão, em que medida o é, e como o pode
ram desejáveis para a organização e de, mediante
a sua gestão, obter a sua estabilização. Uma ou-
ser.
tra forma seria a utilização dos sistemas de
Assim, para a construção do que designam
selecção, de recompensas e de promoções, para
como ((modelo multidimensional da cultura
admitir, recompensar e promover as pessoas
organizacionab, Hofstede et al. (1 990) começam
por classificar as manifestações de cultura em portadoras dos valores pretendidos ou as pessoas
quatro categorias: símbolos, heróis, rituais e va- que, por razões de idade, de educação ou outras,
lores. De entre as quatro, estabelecem uma clara mais se aproximam desses valores. Neste con-
distinção entre as três primeiras (a que chamam texto, seria a gestão simbólica (a gestão de sím-
((práticas)))e a última - os valores. Contrariando bolos, heróis e rituais) que permitiria diferenciar
a literatura mais divulgada - que enfatiza a im- e identificar as organizações. Dito de outro mo-
portância dos valores comuns e os apresenta do, a gestão da identidade organizacional remete,
como constituindo o núcleo da cultura orgaiii- antes de mais, para a capacidade de gestão do
zacional -, os autores deslocam o acento dos va- simbolismo organizacional.
lores para as «práticas» ou ((convenções)) (sím- Este modelo de Hofstede, Neuijen, Ohayv e
bolos, heróis e rituais) utilizadas no dia-a-dia da Sanders representa um avanço na clarificação do
organização. São estas - ou seja, o simbolismo que na cultura pode ser objecto de gestão e como
organizacional - que permitem comparar e dis- o pode ser. Contudo, a distinção aí introduzida
tinguir as organizações entre si e não os valores entre valores e práticas, se bem que clarifica-
que elas declaram ou de que se dizem portado- dora, parece ignorar que as declarações de valo-
ras. res podem, também elas, constituir um acto
N o estudo empírico realizado, estes autores simbólico integrado na gestão da imagem ou
verificaram existir diferenças significativas entre identidade organizacional, como o evidencia,

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por exemplo, o Projecto de Empresa (Boyer & dispersão de recursos. Estas condições existentes
Équilbey, 1986). no seu meio pertinente, no mercado em que es-
No que diz respeito a identificação dos mo- colhe intervir, são mais ou menos favoráveis A
mentos e das condições mais favoráveis ao mudança. Da sua combinação resultará a maior
processo de gestão da cultura, Lundberg (1985) ou menor ameaça que a organização enfrenta,
apresenta um modelo de intervenção que se nos por parte dos seus competidores mais directos.
afigura como particularmente relevante. Nele Daí que a existência de um domínio favorável
articula cultura, mudança e aprendizagem orga- seja considerada como possibilitadora da
nizacionais, bem como explicita as condições de mudança.
exequibilidade da intervenção cultural no con- A segunda condição diz respeito ao grau de
texto organizacional. congruência existente entre a organização e o seu
Segundo o autor, para que possa ocorrer e ter domínio (((degree of organization-domain con-
probabilidades de êxito, a mudança cultural de- gruence))). No caso de a congruência cultural
verá operar-se sob determinadas condições, de- entre uma e outro ser demasiado grande ou de-
signadamente: masiado pequena, a transição de cultura apare-
A) Condições externas possibilitadoras; cerá ou como excessivamente arriscada ou como
B) Condições internas permissoras; totalmente desnecessária. Caso seja moderada,
C) Pressões precipitantes; então, o desafio que representa a diferença será
D) Eventos desencadeantes; percepcionado, muito provavelmente, como
E) «Visão». vantajoso ou proveitoso.
Estas condições, sendo necessárias, serão in-
suficientes, já que uma nova «visão» requer o B) Condições internas que permitam a mu-
desenvolvimento duma estratégia de mudança, a dança
qual poderá comportar os seguintes passos: in- A primeira destas condições (((interna1
dução, gestão e estabilização da mudança cul- permitting conditions))) tem que ver com a exis-
tural. Do preenchimento destas condições e do tência de um excedente de recursos, susceptível
fecho deste ciclo de aprendizagem organizacio- de ser afectado a mudança. Este excedente tra-
na1 resultaria a reformulação da cultura existente duz-se em disponibilidades de tempo, de energia
e a estabilização da nova cultura. e de dinheiro que, porque não necessárias ao
Vejamos, mais em pormenor, cada uma das normal funcionamento da organização, serão
condições mencionadas. utilizáveis para implementar a referida mudança.
Trata-se de um excedente ou de uma redundân-
A) Condições externas que possibilitem a cia que, sendo dispensável para o cumprimento
mudança de prazos e objectivos mais imediatos da orga-
Estas condições («externa1 enabling condi- nização, poderá ser afectado a esse fim.
tions))) remetem para o «domínio» da organiza- A segunda condição é a vontade e capacidade
ção e dizem respeito ao grau de dificuldade que do sistema para mudar (((system readinesw).
uma organização enfrenta quando se propõe Para que a transição cultural seja possível e viá-
operar a transição da cultura actual para a cultura vel, será necessário que exista, por parte da
desejável. São definidas como possibilitadoras maioria dos membros da organização ou de uma
na medida em que, a existirem, seriam indica- «coligação» importante nela formada, a wonta-
tivas de que a organização dispõe de apoio junto de política)) para mudar e a capacidade para su-
do meio envolvente (do «seu» meio ambiente ou portar a ansiedade gerada pela incerteza que
((domínio))),aumentando, assim, as probabilida- acompanha o processo de mudança.
des de a mudança poder ocorrer e ser bem suce- A terceira condição é referente a existência de
dida. um mínimo de interdependência interna do
A primeira destas condições é a existência sistema. A mudança cultural exige um nível sufi-
dum domínio favorável (((domain forgiveness))). ciente de informação organizada, uma ((acopla-
Uma organização está confrontada com condi- gem mínima)) («minimal coupling))) do sistema,
ções de escassez ou de abundância, de estabi- ou seja, um certo grau de articulação intra-
lidade ou de instabilidade, de concentração ou de organizacional. Não existindo essa interdepen-

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dência, a mudança aparecerá como excessiva- complexidade estrutural com que tem de lidar, as
mente difícil, pois obrigará a criação de órgãos quais poderão originar disfunções e insatisfação,
de coordenação e de integração adicionais. as quais serão vividas como pressões que a
A quarta condição diz respeito ao poder e li- organização tem que suportar.
derança. Para viabilizar a mudança cultural é Uma quarta e última pressão precipitante diz
necessário haver, por parte da liderança formal e respeito às crises, reais ou percepcionadas, a que
informal, implicação e empenhamento no uma organização pode ser submetida: incerteza
sentido proposto; existir estabilidade a nível da do meio, imprevisibilidade dos competidores e
direcção, isto é, que a ((coligação na poder)) alteração nas preferências e gostos do consu-
disponha de uma razoável capacidade estra- midor, assim como o excesso ou a insuficiência
tégica. Os gestores e interventores terão que de recursos disponíveis.
dispor de uma ((margem de liberdade)) que lhes
permita perspectivar futuros desejáveis D) Eventos desencadeantes
alternativos para a organização. Do mesmo mo- Normalmente, a mudança ocorre como res-
do, terão que ser ((bons comunicadores)), isto é, posta a um ou mais eventos desencadeantes
utilizadores inteligentes de estratégias argumen- (((triggering events))). Estes representam um de-
tativas eficazes. safio que, não podendo ser ignorado, desen-
cadeia uma reacção por parte da organização. O
C) Pressões precipitantes autor distingue cinco classes de eventos desenca-
As organizações estão sujeitas a pressões de deantes: a) ameaças e b) oportunidades ambien-
vária ordem, algumas das quais as impelem a tais, c) revoluções internas e d) externas, e) cri-
mudar de forma significativa. O autor a que nos ses de direcção.
vimos referindo distingue quatro tipos de pres- As ameaças originadas no meio ambiente (re-
sões precipitantes (((precipitating pressures))): cessão económica, desastres naturais, inovações
Uma primeira diz respeito ao que designa que revolucionam produtos ou serviços, por
por ((solicitações atípicas de performance)) (((aty- exemplo) podem causar sérios danos a organi-
pica1 performance demandsv). Quando sujeita a zação e, por isso, não poderão ser ignoradas.
grandes variações na ((performance)) que dela é As oportunidades (uma inovação tecnológica,
esperada, a organização, sobretudo se não estiver a descoberta de um «nicho» no mercado, uma
preparada para elas ou se elas surgirem de forma oportunidade financeira disponível, etc.) terão
inesperada, reagirá a essas solicitações interpre- sobre a organização um efeito similar ao desen-
tando-as como pressões. cadeado pelas ameaças.
Uma segunda refere-se as pressões exercidas Uma revolução a nível externo, ao mudar, por
sobre o sistema pelas diferentes partes nele inte- exemplo, o quadro legal no interior do qual se
ressadas (((stakeholders pressures))): accionistas: move a organização, poderá criar-lhe sérios em-
fornecedores, clientes, etc. Nesta categoria po- baraços e originar interferências políticas na sua
dem ser incluídos todos aqueles que, podendo vida interna.
estar localizados no interior ou no exterior da Igual efeito terá uma revolução interna, como
organização, nela têm interesses (podendo esses por exemplo, a ((tomada de poder)) por um grupo
interesses ser ou não explícitos e declarados). de ((jovens turcos)).
Trata-se de todos aqueles de quem, de uma Por último, uma crise a nível da direcção, que
forma ou doutra, a organização está dependente poderá ser provocada, por exemplo, por uma de-
para sobreviver, de quem necessita para obter cisão estratégica que venha a revelar-se desas-
recursos e atingir os seus objectivos, e que, por' trosa ou por um investimento errado. Daqui po-
isso, podem influenciar o seu comportamento, derá advir uma situação com efeitos similares A
condicionando as suas estratégias ou impondo anterior.
constrangimentos as suas opções.
Uma terceira fonte de pressões tem que ver E) «Visão»
com a fase de crescimento ou de declínio que a Quando os eventos desencadeantes consti-
organização atravessa, com o grau de heteroge- tuem uma ((surpresa)) e são percepcionados co-
neidade dos actores que nela participam, com a mo constituindo um repto para a liderança, esta

22
reage através daquilo que Lundberg designa por a organização para a passagem a um novo equi-
((cultural visioning)): reavalia as perspectivas, líbrio, assim como um meio de mobilizar as pes-
valores e pressupostos em que assenta a cultura soas para a nova realidade que se deseja ver im-
vigente na organização. Procurando «imaginar» plantada.
um futuro atractivo para a organização e ante- Dependendo do nível de cultura a que se situa
cipar as condições em que ela deverá operar, os a intervenção, Lundberg aponta uma vasta gama
líderes estão confrontados com a tarefa de criar de instrumentos de análise disponíveis e
uma nova «visão» para a organização, ou, se se utilizáveis, com vista A indução da mudança:
preferir, de conceber um ((projecto de empresa)). reconstituição da história da organização, análise
Ter uma «visão» ou um «projecto» para a or- de metáforas, rituais e histórias (ou seja, análise
ganização poderá significar construir um novo do simbolismo organizacional), um trabalho de
sistema que dê sentido e torne significativa a consultoria, planeado a médio prazo, que permita
vida organizacional, ou seja, dar forma a uma a reformulação da missão ou vocação da empre-
nova cultura organizacional. sa, etc. Estes ou outros instrumentos susceptíveis
A necessidade de reformular a própria cultura, de serem utilizados para o fim em vista têm
a sua tomada de consciência, poderá conduzir a como objectivo possibilitar um diagnóstico ou
um trabalho de explicitação da cultura operante auditoria da cultura e uma avaliação das discre-
na organizaçãó e a elaboração de uma outra pâncias (da distância a percorrer) entre a cultura
considerada preferível ou desejável. Mas, ter actual e a cultura desejável, em termos de futuro.
uma nova ((visão)) ou conceber um «projecto» A gestão da mudança tem em vista a refor-
que dê vida a uma nova cultura, sendo, como já mulação da cultura, a qual só poderá ser obtida
dissemos, uma condição necessária, não é sufi- na medida em que a estratégia de gestão deli-
ciente. A partir do momento em que essa nova neada for capaz de suscitar a participação e
visão existe, resta delinear uma estratégia de envolvimento dos membros da organização
gestão que permita e facilite a transição da nesse processo, ou seja, de permitir e facilitar a
cultura vigente para a cultura desejável e que redefinição da situação vivida pelos próprios.
conduza a posterior estabilização da nova Várias têm sido as técnicas referidas como
cultura. Nesta fase e com vista a este fim, é que a podendo contribuir para gestão da mudança
intervenção poderá ser oportuna e pertinente. cultural. Entre as mais utilizadas para esse fim
incluem-se as seguintes: introdução de novos
F) Intervenção «slogans» e «logotipos», mudanças na arquitec-
Segundo Lundberg, a intervenção na cultura tura física e simbólica da organização (na gestão
organizacional, concebida como facilitação da do espaço, na decoração, na linguagem utilizada,
mudança transaccional, não é fácil de operar. etc.), uma nova liderança, adopção de uma nova
Primeiro que tudo, porque não há receitas de filosofia ou «projecto de empresa)) (entendido
sucesso garantido a aplicar. como uma nova ((declaração de princípios)) ou
Reproduzindo, de algum forma, os três mo- explicitação de valores nucleares e comporta-
mentos relativos a mudança enunciados por K. mentos desejáveis). A escolha e utilização de
Lewin - mnfreezing, moving, refreezing)) -, o uma ou outra das técnicas mencionadas tem que
autor sugere três fases na implementação da ver com o nível mais ou menos «profundo» ou
mudança cultural: indução, gestão e estabiliza- «superficial» a que se pretende intervir, sendo
ção. que, na opinião de Lundberg, faltam critérios de-
Para a indução da mudança, a sensibilização finidos e consensualmente aceites, quando se tra-
dos membros da organização para a necessidade ta de intervir aos níveis mais «profundos».
de reformular a cultura presente será um meio a A estabilização visa a institucionalização da
utilizar, tendo em vista a redução das resistências mudança cultural. Neste contexto, a intervenção
a mudança proposta. A explicitação dos pontos tem como objectivo obter a persistência e consa-
fracos e fortes actuais poderá contribuir para a gração da nova cultura, confirmar a sua exis-
tomada de consciência das condições em que o tência, conseguir que ela seja encarada como
equilíbrio anterior era obtido e que deixaram de uma realidade inquestionável, considerada e
satisfazer. Seria, ainda, uma maneira de preparar aceite como um novo facto.

23
Para a estabilização da mudança cultural, po- 3 . MUDAR DE CULTURA OU MUDAR DE
dem ser utilizados os sistemas de recrutamento e ESTRATÉGIA?
de selecção, de promoção, de recompensa, de
punição, e outros sistemas de controle. Através Como acabámos de ver, em resposta a per-
destes meios, é possível especificar compor- gunta «a cultura é gerível?~,Lundberg sustenta
tamentos de entrada e de saída no sistema, que há momentos e condições mais ou menos
promover os mais adequados a sua manutenção, favoráveis a mudança e gestão da cultura organi-
zacional. Schwartz e Davies (1986), como já
afectando, assim, a sua trajectória evolutiva. A
referimos anteriormente, acrescentam que, em
ritualização desses comportamentos (ritos de
certas circunstâncias, a cultura organizacional
entrada, de manutenção e de saída), assim como
não deve ser mudada. Ou seja, preocupam-se não
a gestão do simbolismo organizacional (sagas:
apenas em saber se pode ser gerida, mas também
heróis, etc.), permite, senão controlar, pelo me- se o deve ser. A sua resposta é não, nos casos em
nos influenciar significativamente a cultura e fa- que a mudança envolveria riscos inaceitáveis pa-
cilitar a estabilização da sua mudança. ra a gestão.
O modelo que apresentam relaciona cultura e
Lundberg conclui salientando que o êxito dz estratégia, procurando avaliar o grau de compa-
intervenção está associado a esforços consis- tibilidade entre uma e outra. Porque uma baixa
tentes e redundantes, isto é, exige, de forma re- compatibilidade reduz a capacidade de imple-
petida, contínua e multiplicativa, acções ten- mentar a estratégia desejável, salientam a impor-
dentes A estabilização dos parâmetros conside-. tância de clarificar os riscos - que classificam
rados críticos no processo de mudança. em inaceitáveis, negligenciáveis e geríveis -,
A gestão da cultura organizacional não só não tendo como objectivo situá-los numa zona
é fácil como, muitas vezes, é improvável, senão gerível e aumentar, assim, as probabilidades de
mesmo impossível. Isto porque, para além da êxito. A avaliação dos riscos assenta num dia-
dificuldade em projectar e sequencialmente gerir gnóstico da cultura organizacional, centrado
as múltiplas fases que a intervenção comporta, íi sobre relações e tarefas. A articulação entre o
mudança é condicionada por vários factores, grau de compatibilidade cultural e o grau de im-
alguns dos quais escapam ao controlo portância para a estratégia, efectuada através de
organizacional e não são passíveis de gestão. uma grelha, onde constam as características da
Recapitulando, a exequibilidade da mudança cultura diagnosticada, deverá conduzir a ignorar
depende, em particular, do preenchimento da:; os riscos que são neglicenciáveis, afastar os que
seguintes condições: a) caso a ((favorabilidade)) são inaceitáveis e optar pelos que são geríveis.
do domínio não exista e a congruência organiza- Schwartz e Davies especificam quatro modos
ção-meio não seja ((moderada)), as probabili- distintos de lidar com a cultura e de a relacionar
com a estratégia:
dades de a mudança ter êxito são diminutas 011
nulas; b) sem uma ou mais pressões precipi-
A) Ignorar a cultura;
tantes, a energia e motivação disponíveis para a
B) Gerir a cultura;
mudança são reduzidas ou inexistentes; c) para C) Mudar a cultura para a ajustar a estratégia;
que a mudança seja viável, é necessário que
D) Mudar a estratégia para a ajustar a cultura.
existam condições internas que a permitam. Es-
tas três condicionantes contextuais reduzem As quatro opções não se excluem. Em situa-
significativamente as probabilidades de ocor- ções complexas e em momentos de perturbação
rência de mudança em muitas organizações ou cultural, uma actuação bem sucedida poderá
comprometem o seu êxito. No entanto, a mudan- recorrer a uma combinação das opções mencio-
ça acontece todos os dias e a ritmo crescente, nadas. Por exemplo: gerir a cultura, mudar a cul-
convidando a um esforço teórico que contribua tura e mudar de estratégia. O recurso a diferentes
para uma melhor compreensão da sua dinâmica e modos de actuação, em diferentes momentos, te-
para a explicitação das condições em que a sua rá como objectivo eliminar ou reduzir os riscos
gestão é exequível. inaceitáveis e escolher os geríveis.

24
Porque a especificação destas quatro opções é, Grande parte do que os autores afirmam rela-
a vários títulos, clarificadora, vejamos, mais em tivamente a este modo de actuação já foi ante-
pormenor, cada uma delas. riormente exposto, designadamente quando ex-
plicitámos a abordagem de Lundberg. Assim,
consideram fulcral o envolvimento e empenha-
A) Ignorar a cultura mento do topo da organização no processo de
Trata-se de manter o que está e a forma habi- mudança, a pressão que pode exercer para mudar
tual de o fazer. Esta opção significa a manuten- e o comportamento modelisante que deve ter.
ção do ((status que». A cultura pode igualmente Além disso, consideram que só é esperável que
ser ignorada ou não ser tida em conta na imple- os gestores mudem o seu modo de desempenhar
mentação da estratégia definida, quando ao fazê- tarefas e de definir relações se souberem quais os
10 os riscos que se correm são neglicenciáveis. comportamentos requeridos para funcionar em
Tratar-se-ia, neste caso, de uma decisão funda- consonância com a nova cultura. De igual modo,
mentada. devem saber como actuar correctamente e ser
recompensados por isso. Para o êxito do
processo de mudança será ainda decisivo fixar
B) Gerir a cultura prioridades: definir elementos da cultura
Em certas circunstâncias, esta poderá ser a importantes para o sucesso e sobrevivência da
opção mais indicada. Será o caso, por exemplo, organização. Neste contexto, será relevante não
quando perante um plano de reestruturação e querer mudar toda a cultura ou mudar tudo na
após uma análise dos riscos, a alternativa pro- cultura, mas apenas as dimensões que repre-
posta é incompatível com a cultura operante no sentam elevado risco e que, por isso, urge mudar.
sistema ou nenhuma das abordagens (correctas))
se revela compatível com a mesma.
Face a uma tal situação, torna-se imprescin- D) Mudar a estratégia para formas cultu-
dível encontrar novas soluções, em vez de per- ralmente compatíveis
sistir na resposta «correcta»; encontrar alterna- Quando a baixa compatibilidade cultural re-
tivas que sejam compatíveis com a cultura da duz a capacidade para implementar a estratégia
empresa e permitam alcançar os mesmos fins. desejável, é preferível mudar de estratégia, em
Ou seja, mais do que a solução «correcta», im- vez de mudar a cultura. Um exemplo deste modo
porta a solução apropriada. Esta postura pres- de actuação é o que ocorre quando duas ou mais
supõe uma atitude mais centrada nos resultados empresas, caracterizadas por culturas diferentes,
do que nos meios utilizados para os atingir (rí- entram num processo de fusão. As empresa po-
gido quanto aos fins, flexível quanto aos meios). dem fusionar, as culturas não fusionam. São
A maior parte das vezes, há mais alternativas do muitos os casos de empresas que enveredaram
que aquelas que estamos habituados a pensar ou por este processo na expectativa de comple-
queremos admitir. Há sempre mais do que uma mentaridades e sinergias, e que, passados vários
forma de implementar a estratégia definida. anos, ainda continuam A espera dos resultados
previstos.

C) Mudar a cultura para a ajustar a estra- O modelo de Schwartz & Davies, que
tégia sumariamente acabámos de apresentar, tem a
Mudar a cultura é difícil, mas pode mudar-se. vantagem de, por comparação com outros,
Trata-se de um processo lento e que exige recur- comportar várias alternativas e de permitir lançar
sos. Para que a mudança possa ser bem sucedida, um outro olhar sobre a mudança: não aponta
os autores consideram três pré-requisitos: a) a como única meta da intervenção na cultura orga-
estratégia deve ser claramente formulada e expli- nizacional a sua mudança e especifica algumas
citada; b) a cultura vigente deve ser diagnos- situações em que a cultura, mesmo podendo ser
ticada, analisada e tornada visível; c) a estratégia mudada, não o deve ser. Este aspecto da questão
deve ser revista em função da cultura, com vista merece que sobre ele nos detenhamos mais de-
a uma avaliação dos riscos. moradamente.

25
4. MUDAR DE CULTURA OU GERIR A em evolução. A primeira pode ser qualificada
CULTURA? como mhange-oriented)) e a segunda como «std-
bility-oriented)).
Gerir a cultura é, não raras vezes, sinónimo de
As diferenças de orientação traduzem-se em
mudar a cultura. Porém, como salienta Sielil
diferentes estratégias de gestão da cultura. Rela-
(1985), tão importante como saber gerir a mu-
tivamente a esta questão, Nord (op. cit.) dis-
dança, poderá ser saber gerir a não-mudança.
tingue os autores que se preocupam em promo-
Aliás, a mudança apenas é inteligível por con-
ver a mudança daqueles que a procuram pre-
traste com a não-mudança, ou seja, apenas é pos- venir. Estes Últimos, entre os quais se inclui, sa-
sível pensar e falar em mudança, por referência i
lientam que, como acima referimos, a gestão da
não-mudança. cultura requer habilidade, quer para introduzir
Do ponto de vista da viabilidade e eficácia
uma mudança quer para manter a estabilidade.
dum dado sistema, a gestão dos períodos de tran- De um ponto de vista sistémico, gerir a cultura
sição como dos períodos de estabilidade é igual- implica, por um lado, ser capaz de induzir uma
mente relevante. Neste contexto, o desafio que mudança e, por outro, compreender as condições
se coloca ao investigador ou consultor interes- em que essa mesma mudança poderá ser contra-
sado na gestão da cultura é o de, simultanea- balançada pelo sistema. Noutros termos, gerir 6
mente, atender a mudança e a estabilidade, não intervir num sistema complexo, podendo a inter-
as opondo, mas articulando-as, já que da gestão venção originar a ampliação ou a redução dum
da não-mudança se podem retirar conhecimentos desvio (((feedback))positivo ou negativo).
úteis para a compreensão da gestão da mudança. Partindo desta perspectiva, o autor acabado de
Trata-se de um diálogo de contrários e de uma citar reinterpreta algumas das ilustrações de cul-
relação de contraste, não de uma oposição. tura apresentadas na obra In Search of Excel-
Apesar de a mudança constituir um tema re- Zence (Peters & Waterman, 1982). Alguns dos
corrente e de corresponder a um interesse par- efeitos mais significativos evidenciados por Pe-
tilhado pela maioria dos estudiosos da cultura ters e Waterman são eficazes porque reduzem as
organizacional, entre eles coexistem diferenças probabilidades de ampliação do desvio, no caso
significativas quanto ao modo de a perspectivar de este ocorrer. Mais do que as técnicas suscep-
e quanto às estratégias mais adequadas de a gerir tíveis de contribuir para a criação de cultura, é a
(Beer & Walton, 1990; Offermann & Gowing, utilização que as organizações bem sucedidas
1990). Assim, enquanto, por exemplo, Krefting e fazem da cultura que as caracteriza e os esforços
Frost (1985) se preocupam com a mudança e a que empreendem no sentido da sua manutenção
sua promoção, Nord (1 985) considera que a mu- que são realçados; mais do que a promoção de
dança deliberadamente evitada é tão importante uma nova cultura, é o saber utilizar e gerir a
como a mudança planeada. Lundberg (op. cit.), cultura vigente que é salientado. Os valores co-
por sua vez, ainda que, como vimos, fundamen- muns, assim como a gestão do simbolismo orga-
talmente interessado na mudança, articula mu- nizacional são, antes de mais, utilizados para
dança e estabilidade, ao salientar a importância assegurar a viabilidade do sistema, a sua flexi-
da estabilização da mudança, isto é, da não-mu- bilidade e adaptabilidade. A tolerância ao insu-
dança subsequente a mudança. cesso, a abertura, o interesse pelas «pessoas», a
No seio da literatura dedicada a esta proble- visibilidade dos objectivos, podem ser vistos
mática, é habitual opor mudança a estabilidade, como constituindo modalidades de regulação de
privilegiando a primeira em relação a segunda mudanças delimitadas e como meios adequados
(equiparando estável a estático ou confundindo- a redução das probabilidades de ampliação de
-o com estagnação e wtatus quo»). As constan- desvios indesejáveis. A cultura das organizações
tes referências a chamada ((resistência a mudan- «excelentes», ainda que possa originar desvios, é
ça» são disso um indício. Basicamente, estão em primordialmente utilizada e gerida com vista a
confronto duas orientações: uma mais preocu- obtenção da flexibilidade desejável. Neste sen-
pada em mudar a cultura (processo activo de tido, não é o carácter mais ou menos «forte» da
criação e desenvolvimento de cultura) e outra cultura que é fulcral, como não o é a possibili-
mais interessada em gerir a cultura emergente e dade de homogeneizar ou de controlar que ela

26
pode conferir, mas, insistimos, a flexibilidade não é impeditiva da mudança, antes a pressupõe.
que pode proporcionar ao sistema. Existindo num meio e estando este submetido a
Esta reinterpretação que Nord efectua de mudanças, para sobreviver, o sistema não tem
alguns dos dados contidos em In Search of outra alternativa senão mudar. Como observa
Excellence vem enriquecer e complexificar os Bateson (1979), a viabilidade dum sistema de-
conhecimentos sobre a mudança. A sua gestão pende da sua contínua mudança, da contínua
será melhor entendida se, em vez de, como é detecção e correcção de erros, do mútuo ajusta-
habitual, atender apenas ao que muda ou ao que mento entre este e o meio em que vive. Neste
acontece, der igual atenção ao que não muda ou sentido, a mudança, podendo ser escolhida ou
não acontece (Weick, 1979; Barel, 1979, 1984; imposta - o sistema muda e é mudado -, mesmo
Touraine, 1984). que não desejada ou desagradável, é inevitável.
Se a orientação dominante neste domínio co- Daí que seja importante aceitá-la e aproveitá-la;
loca a ênfase principal ou exclusiva sobre a mu- aprender a lidar com ela, retirando dela benefí-
dança e, de forma estática e linear, a opõe a esta- cios.
bilidade, numa perspectiva sistémica, que dina- As organizações, de forma planeada ou não,
micamente incorpore a dimensão temporal, a mudam continuamente. Num outro sentido, po-
estabilidade deixa de ser o oposto da mudança. rém, se atendermos a que, para além de ter uma
Uma e outra são igualmente necessárias a viabi- cultura, a organização é uma cultura, faz sentido
lidade do sistema e a sua gestão. afirmar que uma organização não muda de
Afirmar este ponto de vista poderá parecer cultura, muda na cultura que a identifica, ou mu-
contraditório ou paradoxal, mas a ambiguidade e da para preservar a sua identidade. Sendo assim,
os paradoxos são inerentes A vida dos humanos embora podendo parecer paradoxal, ganha
em sociedade e particularmente salientes na sentido a afirmação de que uma cultura não pode
construção da vida organizacional. Não podendo ser mudada, quando muito, poderá ser facilitado
ser eliminados ou domados, são, contudo, viví- o desenvolvimento da sua identidade.
veis e geríveis. A mudança planeada e desejável ocorre quan-
Van de Ven (1983), ao comentar In Search of do uma organização adopta um Projecto ii
Excellence, realça a importância do paradoxo, medida das suas ambições e da sua vocação e se
afirmando que os gestores das organizações «ex- dota de meios para o realizar, bem como quando
celentes)) são excelentes gestores de paradoxos. empreende um esforço no sentido da sua revita-
As teorias tradicionais, ao procurarem ser inter- lização ou decide envolver-se num processo de
namente consistentes, eliminam contradições e Desenvolvimento Organizacional, tendo em vista
paradoxos, deixando, assim, de lado a parte da assegurar um futuro atractivo para si. O mesmo
realidade que contradiz aquilo que a teoria poderá ocorrer quando a cultura nela operante
procura explicar. Uma teoria dinâmica, aberta a não é compatível com a estratégia por ela ou
complexidade, terá que ter em conta, quer a para ela delineada. A reduzida ou nula compa-
mudança quer a sua estabilização, e considerar a tibilidade entre uma e outra poderá dar origem a
conflitualidade, a tensão, a ambiguidade e opa- um processo de reformulação da cultura vigente.
cidade, como inerentes aos sistemas humanos Focalizada sobre a sua missão estratégica ou
organizados. propondo-se alcançar a Excelência ou elevados
No contexto organizacional, mudar de cultura padrões de Qualidade, a organização poderá
- se com isso se pretender dizer que uma orga- planear e optar por envolver-se num longo e nem
nização pode ser caracterizada por uma nova e sempre fácil processo de mudança que assegure
diferente cultura - pode ser visto como o pro- a transição da sua cultura actual para uma outra
cesso através do qual a referida organização considerada desejável.
transita de uma estabilidade existente para uma
nova estabilidade. O que fica dito não constitui um elogio da
De um ponto de vista sistémico, se algum não-mudança ou da estabilidade, mas antes um
objectivo pode ser atribuído a uma organização distanciamento face a modelos de suposta vali-
esse objectivo é a sua sobrevivência ou viabili- dade universal e receitas infalíveis de sucesso,
dade (Boisvert, 1980). A manutenção do sistema assim como face a discursos voluntaristas, exor-

27
tações ou apelos i mudança que se apoiam eni dagem que possibilita de áreas ou dimensões que
visões redutoras e estratégias lineares. Na se- de outro modo permanecem incompreensíveis; o
quência do que anteriormente afirmámos, desi-. âmbito de intervenção mais alargado e sistémico
gnadamente a propósito de Scliwartz e Davies, (I que sugere; a especificação de algumas das con-
que aqui se sublinha é a necessidade de a cultura dições que tornam, ou não, a mudança exequível
conferir às organizações e a quem nelas vive e as e aumentam ou reduzem as suas probabilidades
faz viver uma identidade positiva; de, em vez de de sucesso.
(antes de) tentar criar ou mudar a cultura, sabei- Conceber as organizações como sendo uma
diagnosticar, utilizar e gerir a cultura operante na cultura e o acto de organizar como um acto co-
organização. Noutros termos, importa saber ex- municativo tem implicações práticas. Assim,
plorar e potenciar as forças nela existentes, asse- intervenções que perspectivem os seus alvos ou
gurando a sua viabilidade e a manutenção da sua destinatários como ((tábuas rasas)) (desprovidos
identidade. Fundamental, neste contexto, é dia- de cultura) esbarrarão contra resistências ((irra-
gnosticar o grau de compatibilidade existente cionais)), que reduzirão o seu alcance e limitarão
entre a cultura e a estratégia da organização, as- os seus efeitos.
sim como a congruência entre a cultura orgaiii- A ilusão de criar uma cultura onde ela j á
zacional e a cultura envolvente. existe e é actuante, os esforços para mudar o que
Numa linguagem figurativa, que tem como se desconhece, a tentativa ou tentação de imple-
referência um d o s actuais «modelos» de mentar uma estratégia como se a cultura não
«excelência» empresarial, diremos que não foi existisse, tem custos, paga-se caro. O que a
preciso aos japoneses abandonar a ((cultura do intervenção pode visar é a substituição de uma
arroz» para serem competitivos e eficazes no cultura por outra, a facilitação da transição da
contexto internacional. Esse factor não foi impe- cultura operante no sistema para uma outra que
ditivo do seu sucesso, antes parece ter contri- seja viável e considerada desejável.
buído para ele. Não se trata de um «modelo» a O que, deste modo, é acentuado é a impor-
imitar. Trata-se de, em vez de subestimar ou des- tância de eleger alvos atingíveis, canalizando
valorizar o que é «próprio» (((nosso))),em vez de energias e recursos para metas exequíveis, dis-
perder tempo e energias a negá-lo ou mudá-lo, tinguindo o que é, ou não, passível de mudança.
apoiar-se nele, ou no que ele tem de positivo, De entre os limites e riscos inerentes a esta
para fazer algo de similar ao que «eles» fizeram. abordagem, salientaremos um possível efeito
Se, porventura, tivesse que ser uma cópia, seria não desejado mas previsível: ao realçar os aspe-
desejável que fosse a sua negação: uma «cópia ctos simbólicos e comunicacionais, outros igual-
criativa)). Fundamental é saber distinguir o que e mente importantes poderão ser obscurecidos.
«mudável», gerível e controlável, do que o não Numa visão redutora desta abordagem, a cultura
é. tenderá a ficar confinada ao imaterial.
O oposto da imagem de sucesso projectada
sobre o Japão - o modelo - aparece simbolizado
pelo continente africano - o anti-modelo. Este BIBLIOGRAFIA
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I-Iills: Sage Publications. constituem os eixos principais da reflexão contida
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(P.J. Frost, F.L. Moore, M.R. Louis, C.C. relacionar com a estratégia: a) ignorar a cultura, b)
Lundberg & J. Martin, Eds.), pp. 201 -221, Beverly gerir a cultura, c) mudar a cultura, d) mudar de
Hills: Sage Publications. estratkgia. De igual modo, são salientadas duas ideias

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centrais que percorrem o texto: a primeira diz respeitl3 relations between strategy and organizational culture
a compatibilidade entre estratégia e cultura organiza- in the context of organizational change. The emphasis
cional, a segunda refere-se i congruência entre cultura is placed on four different ways of dealing with culture
organizacional e cultura envolvente. and relating it with strategy: ignore the culture,
manage round it, change the culture and change the
strategy. In this sense, through the text, two ideas are
ABSTRACT underlined: the compatibility between strategy and or-
ganizational culture; the congruence between organi-
The central issue dealt with in this paper are the zational and environmental cultures.

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