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FICHA TÉCNICA

TÍTULO: Pátria
AUTORIA: R. A. Salvatore
EDITOR: Luís Corte Real
Esta edição © 2015 Ediçõe s Saída de Emergê ncia
Título srcinal Book One of the Dark Elf Trilogy © 1990 TSR, Inc.
Publicado srcinalmente nos EUA por TSR, Inc., 1990
TRADUÇÃO: Mário Matos
REVISÃO: Sofia Dias
DESIGN DA CAPA: Saída de Emergência
ILUSTRAÇÃO DA CAPA: Todd Lockwood
DATA DE EDIÇÃOE-BOOK: Março, 2015
ISBN: 978-989-637-753-3
EDIÇÕES SAÍDA DE EMERGÊNCIA
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INTRODUÇÃO

Por Ed Greenwood

Ah, os drow. Dedos esguios fechando-se em volta de um cálice de cristal fino, encerrando um vinho
brilhante em dedos tão escuros como as trevas a toda a volta.… Lábios cruéis e mentes
mortiferamente ágeis, com que não se deve brincar.…
Os jogadores mais experientes lembram-se bem da pequena surpresa do final dos módulos dos
Gigantes, do elo que fazia deles apenas a primeira parte daquilo que viria a ser a primeira aventura
épica publicada para o jogo avançado de Dungeons & Dragons. Essas aventuras levaram intrépidos
aventureiros a ficar cara a cara (e espada contra espada), pela primeira vez, contra os sinistros e
letais drow.
Os elfos negros com pele de obsidiana, magros, belos e cruéis, estavam entre as mais fascinantes
criações de Gary Gygax. Quase todo o jogador ouDungeon Master que jogasse ou espreitasse um
ogo dos módulos «D» queria mais: mais sobre o estranho mundo doUnderdark — do Subescuro —
com os seus fungos e as suas estranhas irradiações, as suas caravanas de lagartos. Por toda a parte
havia os drow, com as setas lançadas pelos pequenos arcos de mão avançando à sua frente, com os
pesados dardos dos seus atlatals seguindo-se depois, e com as suas cruéis sacerdotisas de chicotes
nas mãos, guinchando ordens na escuridão de veludo.
O Cofre dos Drow foi a nossa primeira cidade subterrânea, e os jogadores ficaram francament
fascinados pelos seus clãs em guerra e pelas Casas drow. Reconhecíamos um vilão verdadeiro e
letal quando o víamos — e acima de todos, a sinistra Deusa Aranha, Lolth (ou, se preferirem, Lloth)
com o seu domínio em forma de teia e os seus portais para outros planos ou mundos, e as suas
ochlol. Mortífera, e no entanto fascinante.
Um dos que responderam ao seu suave e sinistro apelo foi Bob Salvatore. Mais do que qualque
outro escritor, trouxe os drow à vida na página impressa, dando-nos o heroísmo de Zaknafein
Do’Urden e do seu famoso filho, Drizzt. Se pusermos de parte as deusas aranhas, Drizzt é clarament
o mais conhecido e mais influente elfo negro, não apenas entre as gentes de superfície do mundo de
Forgotten Realms, mas em todos os jogos de fantasia. Tal como as aventuras que apresentaram os
drow eram clássicos, Drizzt é uma personagem clássica; nobre e mortífero, torturado e no entanto
triunfante — e que pode bem sobreviver-nos a todos.
Foi minha orgulhosa tarefa dar aos jogadores regras e descrições dos elfos negros, por mais de
uma vez — mas foi Bob quem nos deu Menzoberranzan com toda a sua decadência, intriga
selvagens e negro esplendor, no grande romancePátria. Foi Bob quem nos mostrou um elfo negro
erguer-se dessa cidade sinistra para coisas maiores, mais brilhantes. Nessas sagas, os leitores
encontraram inspiração, e é meu prazer apresentar as obras clássicas que estão nestas páginas mais
uma vez. Enquanto me recosto na cadeira, com a sombra de Elminster acenando em concordância po
detrás das minhas costas, invejo aqueles que conhecerão Drizzt pela primeira vez aqui: a excitação
está à espera dessa gente afortunada. Pela minha parte, fico muito contente por Bob ter trazido Drizz
para o meu mundo, para os Realms que todos agora partilhamos, e digo de novo, como um amigo
diria para outro: Tecedor de Lendas, eu te saúdo!
P REFÁCIO

Por R. A. Salvatore

Queriam Drizzt.
Os leitores da trilogia Icewind Dale queriam Drizzt; o pessoal da TSR queria Drizzt; e — bem
para ser honesto quanto a isso — eu também o queria. Queria descobrir de onde tinha ele vindo, e
por que razão tinha agido daquela forma durante as três histórias de Icewind Dale1: semi-louco, a
maior parte do tempo com boa disposição, mas com um lado negro. Sei que isso soa estranho;
estamos aqui a falar de uma personagem de ficção, e de uma personagem que eu criei; por isso, não
deveria o passado dele ter uma importância mínima, ou ser talvez completamente irrelevante? Não
poderia eu fazer dele aquilo que desejasse?
Numa só palavra: não.
É isso que é interessante nas personagens de ficção: têm tendência para se tornar reais — e não
apenas reais para as pessoas que as lêem, mas surpreendentemente tridimensionais também para o
autor. Acabo sempre por amar, odiar, admirar ou desprezar as personagens que crio nos meus livros.
Para que isso aconteça, cada uma delas tem de agir de forma consistente no âmbito das suas
experiências, quer esses acontecimentos apareçam ou não no livro.
Assim, quando a minha editora da TSR me telefonou, em finais de 1989 ou inícios de 1990, pouc
tempo antes da publicação de The Halfling’s Gem, e me propôs que fizesse mais uma trilogia, sendo
esta a pormenorizar o passado de Drizzt Do’Urden, isso quase não me surpreendeu. Os livros d
cewind Dale tinham sido bastante bem sucedidos. Sabia, pelas muitas cartas que tinha recebido e
pelas
razão, muitas pessoas
se destacava dascom quem
outras tinha falado em sessões de autógrafos, que Drizzt, por qualquer
personagens.
Nessa altura, recebia em média dez cartas de leitores por semana, e pelo menos oito de entre essas
dez afirmavam que Drizzt era a personagem favorita. Perguntavam-me repetidamente como tinha ele
chegado aonde estava e como se tornara aquilo que era. O pessoal da TSR, evidentemente, també
andava a ouvir as mesmas perguntas.
Assim, pediram-me uma trilogia que antecedesse a anterior e, como tenho três filhos para
sustentar, e porque estava nessa altura a planear deixar o meu emprego de dia ainda nesse ano (o que
acabei por fazer em Junho de 1990), e acima de tudo porque também eu queria esclarecer o mistério
por detrás desta personagem, aceitei de bom grado.
Sabia onde Drizzt fora concebido, evidentemente; no meu gabinete, no meu emprego de dia.
sabia quando ele tinha nascido: Julho de 1987, logo a seguir a ter sido aceite a minha proposta de
escrever The Crystal Shard, e mesmo antes de ter começado realmente a escrever o livro.
Foi um dos mais estranhos episódios da minha carreira de escritor. Na altura em que comecei a
escrever o que me tinha sido proposto, o cenário de Forgotten Realms não era mais do que um
protótipo e um único romance, o excelente Darkwalker on Moonshae, de Doug Niles. Quando a TS
me pediu que escrevesse um livro para os Realms, mandou-me tudo o que tinham, e que consistia
em… Darkwalker on Moonshae. Assim, acabei por acreditar que as Ilhas Moonshae eram o cenário
de Dark Realms.
Bom, as Moonshae não são um sítio assim tão grande. Qualquer narrativa épica a ter lugar ness
região, nessa altura, teria de, pelo menos, mencionar o enredo e personagens do excelente livro de
Doug. Fiquei encantado com a ideia de trabalhar com Douglas Niles, mas não queria roubar-lhe a
personagens. Cheguei a uma solução de compromisso que implicava usar Daryth, do livro de Doug
para apresentar o herói do meu livro: Wulfgar, filho de Beornegar, das tribos bárbaras de Icewind
Dale.
Quando mais tarde descobri o verdadeiro tamanho e amplitude dosRealms e me foi dito que a
TSR não queria partilhar personagens (como tinham feito na saga Dragonlance), fiquei
verdadeiramente aliviado, e a coisa ficou por aí — por algum tempo.
Depois, a proposta foi aceite e, quando Mary Kirchoff, então editora sénior do departament
editorial da TSR, me disse que eu iria escrever o segundo livro dos Forgotten Realms, lembrou-me
que agora que tínhamos colocado o cenário do livro a milhares de quilómetros do território de Doug,
precisava de uma personagem complementar para Wulfgar. Garanti-lhe que iria pegar nisso de
imediato e voltaria com alguma ideia na semana seguinte.
— Não, Bob — respondeu-me, usando palavras que pareço ouvir com bastante frequência da parte
dos meus editores. — Não está a perceber. Vou agora mesmo para uma reunião, para vender esta
proposta. Preciso de uma personagem complementar.
— Agora? — respondi eu, com a ingenuidade de quem nunca estivera no mundo da edição.
— Agora mesmo — respondeu-me, com uma certa malícia.
E foi então que aconteceu. Não sei como. Não sei porquê. Simplesmente respondi:
— Um drow.
Houve uma pausa, seguida das palavras, num tom vagamente hesitante:
— Um elfo negro?
— Pois — respondi, ganhando mais confiança, à medida que a personagem começava a ganhar
uma forma mais definida na minha cabeça. — Um ranger drow.
A pausa foi mais longa, desta vez. Depois, quase num sussurro, com o receio de ter de ir contar
isto aos chefes evidente no tom de voz, perguntou-me:
— E como se chama ele?
— Drizzt Do’Urden, de Daermon N’a’shezbaernon, Nona Casa de Menzoberranzan.
— Ah… — outra pausa. — Podes soletrar-me isso?
— Nem por sombras.
— Um ranger drow?
— Pois.
— Drisst? — perguntou.
— Drizzt — corrigi eu, pela primeira de 7,3 milhões de vezes.
— Muito bem — concordou a confundida editora, provavelmente pensando que poderia fazer-me
mudar de ideias mais tarde.
Mas não conseguiu, claro. Isto é uma homenagem a Mary Kirchoff: deixava a pessoa criativa qu
contratava tratar das coisas criativas e depois esperava para ver os resultados, antes de puxar pelo
machado (o que nunca chegava a acontecer).
Assim nasceu Drizzt. Alguma vez o fiz correr num jogo? Não. Há alguém em quem o tenh
baseado? Não. Simplesmente apareceu, inesperadamente, com muito pouca conjectura prévia. Er
para ser uma personagem complementar, afinal de contas; uma peça curiosa com um ligeiro desvio.
Sabem como é: como Robin está para Batman, ou Kato para A Vespa Verde.
Não foi assim que acabou por acontecer. No primeiro capítulo de The Crystal Shard, Drizzt corria
pela tundra e era emboscado por um iéti. Na página três eu já sabia.
Drizzt seria a estrela de tudo aquilo.
Estava agora, pois, pronto para me sentar e escrever a trilogia, para contar a história deste ranger
drow, de como tinha acabado por ser a personagem que conhecêramos na trilogiaIcewind Dale.
Queria fazer qualquer coisa diferente, algo mais intenso e mais pessoal. Dado que adoro descreve
acção, e especialmente cenas de batalha, não queria escrever os livros de um ponto de vista de
primeira pessoa. Tive a ideia dos ensaios que Drizzt escreve para prefaciar cada secção dos livros,
e penso que terei recebido mais cartas sobre esses ensaios do que alguma vez recebi sobre qualquer
outra coisa que tenha escrito.
À medida que a trilogia de Drizzt começava a ganhar forma, surgiram algumas inconsistências.
Isso já era de esperar. A forma como tinha adquirido a pantera, ou mesmo a sua idade, tal como tinha
sido descrito na trilogia Icewind Dale, não parecia adequado à existência anterior dele. Decidi que a
trilogia Elfo Negro não deveria ser limitada por aquilo que tinha sido dito antes, e por isso, se o
leitor olhar com atenção, verá que alguns pormenores mudaram em edições subsequentes deThe
Crystal Shard.
Suponho que isso seja apropriado, dado que esta história — que em breve contará com onze
livros, quatro contos, e que ainda está a crescer — parece ter uma vida própria. É uma coisa e
crescimento e em mutação e nem sempre avança nas direcções que previra. Pensei que estava morta
e, pasme-se, está a respirar de novo, tão forte como antes. Vou ter de cortar aqui e ali, porque, no
fim, quero que toda a história seja coerente e crível dentro do contexto do género de fantasia.
A verdade, pura e simples, é que escrevi esta história por apenas uma razão: queria contá-la.
Queria que as pessoas a apreciassem.
Espero que o leitor aprecie.
Icewind Dale constituída pelos livrosThe
1 Nota de tradutor: A personagem de Drizzt do’Urden surgiu pela primeira vez na trilogia
Crystal Shard , Streams of Silver e The Halfling’s Gem (que a Saída de Emergência publicará brevemente). A Trilogia do Elfo Negr
consiste numa prequela escrita posteriormente que revela as srcens de Drizzt.
MAPA MENZOBERRANZAN
P RELÚDIO

Nunca uma estrela agracia esta terra com a luz tremeluzente de mistérios de um poeta, nem o Sol
manda para aqui os seus raios de calor e de vida. Isto é o Subescuro, o mundo secreto por debaixo da
palpitante superfície dos Reinos Esquecidos, cujo céu é um tecto de pedra sem coração e cuja
paredes mostram o cru cinzento da morte à luz dos archotes dos loucos habitantes da superfície que
tenham a infelicidade de aqui cair. Este não é o mundo deles, não é o mundo da luz. A maioria dos
que aqui vêm sem ter sido convidados já não regressa.
Aqueles que conseguem escapar e regressar à segurança dos seus lares da superfície, esses
regressam alterados. Os seus olhos viram as trevas e o sombrio agoiro do Subescuro.
Escuros corredores serpenteiam pelo reino do negrume, por percursos sinuosos que liga
cavernas grandes e pequenas, com tectos altos ou baixos. Picos de pedra tão afiados como os dentes
de um dragão adormecido apontam para baixo numa ameaça muda, ou erguem-se para bloquear o
caminho dos intrusos.
Há aqui um silêncio profundo e aziago, o sussurro de um predador contido, prestes a saltar.
Demasiadas vezes, o único som, a única coisa que relembra aos viajantes do Subescuro que não
perderam por completo o sentido da audição, é o eco de um distante pingar de água, batendo como o
coração de uma fera, correndo por entre as pedras escorregadias até aos profundos lagos de água
gelada do Subescuro. O que haverá para lá da superfície, imóvel como ónix, desses lagos, apenas se
pode tentar adivinhar. Que segredos esperam os bravos, que horrores aguardam os tolos, apenas a
imaginação pode revelar — até que a imobilidade seja perturbada.
Isto é o Subescuro.

Há aqui bolsas de vida; cidades tão grandes como as da superfície. Dobrada alguma das incontávei
esquinas e curvas da pedra cinzenta, um viajante poderia subitamente dar consigo no perímetro de
uma dessas cidades, em contraste total com o vazio dos corredores. Estes sítios não são, porém,
portos de abrigo; só o viajante mais insensato o poderia presumir. São o lar das mais malignas raças
de todos os Reinos e, entre elas, das mais notórias: os duergar, os kuo-toa e os drow.
Numa dessas cavernas, com três quilómetros de largura e trezentos metros de altura, ergue-se
Menzoberranzan, um monumento à graça do outro mundo, derradeiramente mortífera, que caracteriza
a raça dos elfos drow. Menzoberranzan não é uma grande cidade, pelos padrões drow: apenas vinte
mil elfos negros aqui vivem. Onde, em eras passadas, houve uma caverna vazia com estalactites e
estalagmites toscamente formadas, ergue-se agora o engenho artístico, com fila após fila de castelos
esculpidos na pedra, pairando numa aura de magia. A cidade é perfeição de formas, em que nem uma
pedra foi deixada na sua aparência srcinal. Este sentido de ordem e de controlo, porém, não passa
de uma cruel fachada, de uma ilusão enganadora que esconde o caos e a maldade que regulam os
corações dos elfos negros. Tal como as suas cidades, são um povo belo, elegante e delicado, com
feições angulosas e ameaçadoras. Contudo, os drow são os senhores deste mundo sem regras, os
mais fatais de entre os mortíferos, e todas as outras raças tomam cautelosa atenção à sua passagem. A
própria beleza empalidece diante da ponta da espada de um elfo negro. Os drow são os
sobreviventes, e isto é o Subescuro, o vale da morte — a terra dos pesadelos sem nome.
Estatuto: em todo o mundo dos drow, não há palavra mais importante do que esta. É o
chamamento da sua — da nossa — religião, o incessante apelo das esfaimadas fibras do
coração. A ambição domina o bom senso e diante dela a compaixão é deitada fora, e tudo
em nome de Lolth, a Rainha Aranha.
A ascensão ao poder na sociedade drow é um simples processo de assassinato. A Rainha
Aranha é uma deidade do caos, e ela e as suas altas sacerdotisas, as verdadeiras
governadoras
carregam do mundo
punhais drow, não vêem com maus olhos os indivíduos ambiciosos que
envenenados.
Evidentemente, há regras de comportamento; toda a sociedade tem de fazer gala de as
ter. Cometer assassinato abertamente ou fazer a guerra é chamar a si o simulacro da
justiça, e as penas aplicadas em nome da justiça drow são impiedosas. Cravar um punhal
nas costas de um rival durante o caos de uma batalha maior, ou nas sossegadas sombras de
uma viela, contudo, é algo de muito aceitável — até mesmo aplaudido. A investigação não é
o forte da justiça drow. Ninguém se rala o suficiente para que alguém se dê ao trabalho de
o fazer.
Estatuto é o caminho de Lolth, a ambição que ela alimenta para manter o caos, para
manter os seus «filhos» drow no rumo desejado de auto-cativeiro. Filhos? Peões, mais
correctamente; marionetas da Rainha Aranha, bonecos presos pelos fios imperceptíveis,
mas inquebráveis, da sua teia. Todos sobem as escadas da Rainha Aranha; todos caçam
para seu prazer; e todos caem presas dos que andam à caça do seu prazer.
Estatuto é o paradoxo do mundo da minha gente, a limitação do nosso poder dentro da
nossa fome de poder. É ganho por meio de traição e convida à traição contra aqueles que a
ganham. Os mais poderosos de entre os de Menzoberranzan passam os seus dias
espreitando por cima do ombro, à cata dos punhais que poderão encontrar a caminho das
suas costas. Geralmente, as suas mortes ocorrem pela frente.
— Drizzt Do’Urden
A um habitante da superfície poderia passar imperceptível, mesmo estando apenas a vinte
centímetros de distância. Os pés almofadados do lagarto que lhe servia de montada eram demasiado
suaves para serem ouvidos, e a armadura flexível e perfeitamente manufacturada que tanto ele como a
montada envergavam dobrava-se e encolhia-se com os movimentos de ambos, tão bem como um fato
que tivesse crescido colado às suas peles.
O lagarto de Dinin trotava num passo leve, mas rápido, flutuando por cima do solo irregular, pelas

paredes,
pegajosose eatémacios
correndo pelodedos,
de três tecto do longo
eram túnel. Os
a montada de lagartos
eleição, subterrâneos,
simplesmente com
por os seusdesta
causa pés
capacidade para escalarem as pedras com tanta facilidade como uma aranha. Atravessar terreno
sólido não deixava rastos no mundo iluminado da superfície, mas quase todas as criaturas do
Subescuro possuíam infravisão, a capacidade para ver no espectro infra-vermelho. As pegadas
deixavam um resíduo de calor que podia ser facilmente detectado, se seguissem um rumo previsível
ao longo do chão de um corredor.
Dinin firmou-se com força à sela, enquanto o lagarto corria por uma parte do tecto e depois se
lançava numa descida em ziguezague até um ponto mais adiante da parede. Dinin não queria ser
seguido.
Não tinha luz que o guiasse, mas também não precisava de nenhuma. Era um elfo negro, um drow,
um primo de pele de ébano daquelas gentes silvânias que dançavam debaixo das estrelas na
superfície do mundo. Para os olhos superiores de Dinin, que traduziam subtis variações de calor po
imagens vívidas e coloridas, o Subescuro estava longe de ser um lugar sem luz. As cores de todo o
espectro deslizavam diante dele na pedra das paredes e do chão, aquecidas por alguma fissura
distante ou alguma corrente de ar quente. O calor das coisas vivas era o mais discernível, o que
permitia ao elfo negro ver os seus inimigos em pormenores tão intricados como os que qualquer
habitante da superfície poderia ver à luz plena do dia.
Normalmente, Dinin não deixaria a cidade sozinho; o mundo do Subescuro era demasiado perigoso
para passeios solitários, até mesmo para um elfo drow. Este dia, porém, era diferente. Dinin tinha de
ter a certeza de que nenhum olhar drow inimigo dava pela sua passagem.
Um suave fulgor mágico azul, tremeluzindo por detrás de uma arcada trabalhada, disse ao drow
que estava perto da entrada da cidade, e por isso fez abrandar o passo do lagarto. Poucos usava
este estreito túnel, que dava para Tier Breche, secção norte de Menzoberranzan, dedicada
Academia; e ninguém, a não ser as mestras e mestres, instrutores da Academia, podia passar por aqui
sem atrair as suspeitas.
Dinin ficava sempre nervoso quando chegava a este ponto. Das centenas de túneis que davam par
a caverna principal de Menzoberranzan, este era o melhor guardado. Para lá da arcada, estátua
gémeas de gigantescas aranhas montavam uma sentinela silenciosa. Se um inimigo passasse, as
aranhas animavam-se e atacavam, e soavam alarmes por toda a Academia.
Dinin desmontou, deixando o lagarto confortavelmente alapado a uma parede, à altura do seu
peito. Enfiou a mão por baixo do colarinho do piwafwi, a capa mágica de protecção, e retirou a bolsa
de trazer ao pescoço. Daí tirou a insígnia da Casa Do’Urden, uma aranha segurando várias armas e
cada uma das oito patas, e gravada com as letras «DN», de Daermon N’a’shezbaernon, designaçã
antiga e formal da Casa Do’Urden.
— Esperarás aqui pelo meu regresso — sussurrou Dinin para o lagarto, enquanto lhe mostrava
insígnia. Como acontecia com todas as casas drow, a insígnia da Casa Do’Urden continha vário
encantamentos mágicos, um dos quais dava aos membros da família um controlo absoluto sobre os
animais da casa. O lagarto obedecer-lhe-ia infalivelmente, mantendo a sua posição como se estivesse
enraizado na pedra, e mesmo que um gordo rato, seu petisco favorito, dormitasse a poucos
centímetros das suas mandíbulas.
Dinin respirou fundo e avançou com desenvoltura até à arcada. Podia ver as aranhas observando-o
de cima, da sua altura de três metros. Era um drow da cidade, não um inimigo, e podia passar por
qualquer outro túnel sem preocupações, mas a Academia era um lugar imprevisível; Dinin já ouvira
dizer que as aranhas muitas vezes recusavam a entrada — ferozmente — até mesmo a drow, se não
tivessem sido convidados.
Não podia ser atrasado por receios e possibilidades, lembrou a si próprio. O seu assunto era d
máxima importância para os planos de batalha da família. Olhando em frente, e para longe das
aranhas ameaçadoras, passou por elas e chegou ao solo da Tier Breche.
Desviou-se para um lado e esperou, primeiro para se assegurar de que não havia ninguém à
espreita por perto, e depois para admirar a vista arrebatadora de Menzoberranzan. Ninguém, fosse
drow ou não, jamais olhara a partir deste local sem uma sensação de maravilhamento perante a
cidade drow. Tier Breche era o ponto mais elevado do chão da caverna de três quilómetros,
permitindo uma vista panorâmica do resto de Menzoberranzan. O recinto da Academia era estreito,
contendo apenas três estruturas que compunham a escola drow: Arach-Tinilith, a escola em forma de
aranha de Lolth; Sorcere, a torre graciosamente recurvada e espiralada da feitiçaria; e Melee
Magthere, a estrutura piramidal um pouco feia onde os guerreiros masculinos aprendiam o seu ofício.
Para lá de Tier Breche, através das colunas de estalagmites ornamentadas que marcavam a entrad
para a Academia, a caverna descia rapidamente na distância e abria-se largamente, indo até bem para
lá da linha de visão de Dinin, a ambos os lados, e mais longe do que os seus olhos podiam ver. As
cores de Menzoberranzan eram triplamente fortes para os sensíveis olhos do drow. Os padrões de
calor de várias fissuras e fontes quentes rodopiavam por toda a caverna. Púrpuras e vermelhos,
amarelos vivos e azuis subtis, todas as cores se cruzavam e mesclavam, corriam pelas paredes e
pelas estalagmites, ou deslizavam singularmente em linhas entrecruzadas contra o fundo de pedra
cinzenta e pálida. Mais restritas do que esta graduação natural e generalizada de cores do espectro
infravermelho eram as regiões de magia intensa, como as aranhas por que Dinin acabara de passar, e
que brilhavam virtualmente de energia. Por fim, havia as verdadeiras luzes da cidade, fogo feérico e
esculturas iluminadas das casas. Os drow tinham orgulho na beleza dos seus desenhos, e colunas
especialmente ornamentadas ou gárgulas perfeitamente esculpidas estavam quase sempre banhadas
em luz mágica permanente.
Mesmo desta distância, Dinin conseguia divisar a Casa Baenre, Primeira Casa d
Menzoberranzan. Contava com vinte pilares de estalagmite e metade desse número em estalactite
gigantescas. A Casa Baenre existira durante cinco mil anos, desde a fundação de Menzoberranzan, e
durante todo esse tempo os trabalhos de aperfeiçoamento da arte da casa nunca tinham parado.
Praticamente cada centímetro da imensa estrutura brilhava de fogo feérico, azul nas torres mais
avançadas e púrpura brilhante na enorme cúpula central.
A luz crua de velas, estranhas ao Subescuro, tremeluzia por detrás de algumas janelas das casas
mais distantes. Só as sacerdotisas ou os magos podiam acender esses fogos — como Dinin bem sabi
—, que eram uma pena necessária no seu mundo de pergaminhos e rolos.
Isto era Menzoberranzan, a cidade dos drow. Vinte mil elfos negros viviam aqui; vinte mil
soldados do exército do mal.
Um sorriso perverso passou pelos lábios finos de Dinin quando pensou em alguns dos soldado
que haveriam de morrer nessa noite.
Dinin estudou Narbondel, o enorme pilar central que servia de relógio de Menzoberranzan
Narbondel era a única maneira que os drow tinham de marcar a passagem do tempo, num mundo que,
a não ser assim, não conhecia a passagem de dias ou estações. Ao fim de cada dia, o Arquimago
nomeado pela cidade lançava os seus fogos mágicos para a base deste pilar de pedra. O feitiço aí
permanecia ao longo de todo o ciclo — um dia completo, à superfície — e espalhava gradualmente o
calor pela estrutura de Narbondel, até que toda ela rebrilhasse a vermelho no espectro infravermelho.
O pilar estava agora completamente escuro, arrefecido desde que os fogos do mágico tinha
expirado. Outro mago estaria agora precisamente junto à base do pilar, calculou Dinin, pronto para
reiniciar o ciclo.
Era meia-noite, a hora combinada.
Dinin afastou-se das aranhas e da saída do túnel e avançou cautelosamente por um lado de Tier
Breche, procurando as «sombras», ou padrões de calor da parede, que esconderiam eficazmente o
contorno das temperaturas do seu próprio corpo. Chegou por fim a Sorcere, a escola de feitiçaria, e
deslizou pela estreita viela entre a base curva da torre e a parede exterior de Tier Breche.
— Estudante ou mestre? — chegou-lhe o já esperado sussurro.
— Só um mestre pode caminhar no exterior de Tier Breche, durante a morte negra de Narbonde
— respondeu Dinin.
Uma figura pesadamente envolta numa capa contornou o arco da estrutura para se colocar à frente
de Dinin. O estranho ficou na posição habitual de um mestre da Academia drow, com os braços à
frente e dobrados pelos cotovelos, as mãos unidas, uma em cima da outra, diante do peito.
Essa pose era a única coisa que parecia normal a Dinin neste mestre.
— Saudações, ó Sem Rosto — disse Dinin, por sinais, no código gestual e silencioso d
linguagem drow, tão pormenorizada como a palavra falada. O tremor nas suas mãos traía porém a
calma aparente do rosto, pois a visão deste feiticeiro deixava-o mais perto do limite dos nervos do
que alguma vez estivera.
— Segundo Rapaz Do’Urde — respondeu o feiticeiro no código gestual. — Tens o me
pagamento?
— Serás recompensado — gesticulou Dinin secamente, recuperando a compostura das primeira
manifestações do seu temperamento. — Atreves-te a duvidar das promessas de Malice Do’Urden
Matrona Mãe de Daermon N’a’shezbaernon, Décima Casa de Menzoberranzan?
O Sem Rosto recuou, sabendo que tinha errado.
— As minhas desculpas, Segundo Rapaz Do’Urden — respondeu, caindo sobre um joelho num
atitude de rendição. Desde que alinhara com esta conspiração, o feiticeiro receara que a sua
impaciência lhe custasse a vida. Fora apanhado pelos violentos efeitos de uma das suas próprias
experiências mágicas, tendo-lhe essa tragédia derretido todos os traços faciais e deixado apenas um
ponto em branco de massa viscosa e esverdeada. A Matrona Malice Do’Urden, reputadamente mai
hábil do que qualquer outro habitante da cidade na mistura de poções e mezinhas, oferecera-lhe uma
réstia de esperança de que não podia prescindir.
Nenhuma piedade encontrou caminho até ao coração empedernido de Dinin, mas a Casa Do’Urde
precisava do feiticeiro.
— Terás a tua mezinha — prometeu Dinin calmamente. — Assim que Alton DeVir esteja morto.
— Com certeza — concordou o feiticeiro. — Esta noite?
Dinin cruzou os braços e ponderou a questão. A Matrona Malice dera-lhe instruções de que Alto
DeVir deveria morrer assim que a batalha entre as famílias começasse. Esse cenário parecia agor
demasiado limpo, demasiado fácil a Dinin. O Sem Rosto não deixou de perceber a faísca qu
subitamente iluminou a aura púrpura dos olhos sensíveis ao calor do jovem Do’Urden.
— Espera até que a luz de Narbondel se aproxime do zénite — respondeu Dinin, com as mão
afadigando-se excitadamente nos sinais, e com o esgar assemelhando-se cada vez mais a um sorriso
retorcido.
— Deverá o rapaz condenado saber do destino da sua Casa antes de morrer? — perguntou o
feiticeiro, adivinhando as maliciosas intenções por detrás das instruções de Dinin.
— Quando o golpe fatal estiver para se abater sobre ele — respondeu Dinin —, que Alton DeVi
morra sem esperança.
Dinin regressou à sua montada e galopou pelos corredores vazios, encontrando um caminho de
intersecção que o levaria por outra entrada até à cidade. Entrou pelo lado leste da grande caverna, a
secção de produção alimentar de Menzoberranzan, onde nenhuma família de Menzoberranzan veri
que tinha estado fora dos limites de cidade e onde apenas alguns pilares de estalagmite se erguiam
acima da pedra lisa. Dinin esporeou a montada ao longo das margens do Donigarten, o pequeno lago
da cidade, com a sua pequena ilha coberta de musgos que albergava uma manada de tamanho
razoável de criaturas semelhantes a gado chamadas rothe. Uma centena de duendes e de orcs desviou
o olhar dos seus deveres de pastar e pescar para seguir a passagem veloz do drow. Sabendo das suas
restrições enquanto escravos, tomaram o cuidado de não olhar Dinin nos olhos.
Dinin não lhes teria prestado qualquer atenção, de qualquer forma. Estava demasiado assoberbado
pela urgência do momento. Esporeou o lagarto para uma velocidade ainda maior, quando já se
encontrava de novo nas planas e sinuosas avenidas entre os castelos brilhantes dos drow. Dirigiu-se
para a região centro-sul da cidade, para o jardim de cogumelos gigantes que delimitava a secção das
melhores casas de Menzoberranzan.
Ao sair de uma curva apertada, quase atropelou um grupo de quatro bugbears errantes. As
gigantescas e peludas criaturas-duendes pararam por um momento, para observar o drow, e depois
desviaram-se de forma ostensivamente lenta do seu caminho.
Os bugbears tinham-no reconhecido como membro da Casa Do’Urden, como Dinin percebeu. Er
um nobre, um filho de uma alta sacerdotisa, e o seu apelido, Do’Urden, era o nome da sua casa. Do
vinte mil elfos negros de Menzoberranzan, só cerca de mil eram nobres, sendo na verdade filhos das
sessenta e sete famílias reconhecidas da cidade. Os restantes eram soldados comuns.
Os bugbears não eram criaturas estúpidas. Distinguiam um nobre de um comum, e ainda que o
elfos drow não usassem as insígnias de família à vista, o corte em bico e bem arranjado dos seus
cabelos brancos e o padrão distinto de linhas vermelhas e púrpura do seu piwafwi preto disse-lhes o
suficiente para saberem quem ele era.
A urgência da missão pressionava Dinin, mas não poderia ignorar o gesto dos bugbears. A que
velocidade teriam dispersado, se fosse membro da Casa Baenre ou de uma das sete casa
governantes? — interrogou-se.
— Já vão aprender a respeitar a Casa Do’Urden! — sussurrou o elfo negro, enquanto fazia
lagarto dar a volta e carregar sobre os bugbears. Estes começaram a correr, entrando por uma viela
pejada de pedras e lixo.
Dinin ficou satisfeito ao invocar os poderes inatos da sua raça. Convocou um globo de escuridão
— impenetrável tanto para a visão normal, como para a visão infravermelha — e lançou-o no
caminho das criaturas em fuga. Calculou que fosse pouco sensato chamar dessa forma as atenções
para si próprio, mas um momento depois, quando ouviu os trambolhões e as imprecações surdas dos
bugbears a tropeçarem às cegas nas pedras, sentiu que tinha valido a pena correr esse risco.
Com a ira saciada, pôs-se de novo a caminho, seguindo um percurso mais cauteloso pelas sombras
de calor. Como membro da décima casa da cidade, Dinin podia andar por onde quisesse na enorme
caverna, sem que ninguém o questionasse, mas a Matrona Malice tinha deixado bem claro que
ninguém ligado à Casa Do’Urden deveria ser apanhado perto do jardim dos cogumelos.
Não era aconselhável zangar a Matrona Malice, mãe de Dinin; mas, afinal de contas, tratava-s
apenas de uma regra. Em Menzoberranzan, havia uma regra que se sobrepunha a todas as outras, que
eram menores: não ser apanhado.
No extremo sul do jardim dos cogumelos, o impetuoso drow encontrou aquilo que procurava: u
grupo de cinco enormes pilares que iam do chão até ao tecto e que tinham sido escavados
interiormente, transformando-se num labirinto de câmaras; estavam ligados por parapeitos de pedra e
metal e por pontes. Gárgulas que brilhavam a vermelho, e que eram o padrão da casa, olhava
fixamente para baixo, instaladas numa centena de nichos, como sentinelas silenciosas. Esta era a
Casa DeVir, Quarta Casa de Menzoberranzan.
Um aglomerado de cogumelos altos pejava este local, sendo um em cada cinco deles um uivante,
um fungo senciente, assim chamado (e preferido como guardião) devido aos agudos gritos de alarme
que emitia sempre que um ser vivo passava por ele. Dinin manteve uma distância cautelosa, não
querendo despertar um dos uivantes, e sabendo também que outros e mais mortíferos guardas
protegiam a fortaleza. A Matrona Malice trataria desses.
Um murmúrio expectante pairava no ar desta secção da cidade. Era do conhecimento de todos e
Menzoberranzan que a Matrona Ginafae, da Casa DeVir, já não estava nas boas graças de Lolth,
Rainha Aranha, deidade de todos os drow e verdadeira fonte de força de todas as Casas. Tais
circunstâncias nunca eram discutidas abertamente entre os drow, mas toda a gente que sabia disto
estava à espera que alguma família mais baixa na hierarquia da cidade em breve haveria de atacar a
debilitada Casa DeVir.
A Matrona Ginafae e a sua família tinham sido os últimos a saber do desagrado da Rainha Aranh
— pois esses eram os modos de sempre de Lolth — e Dinin conseguiu perceber, apenas por sondar o
exterior da Casa DeVir, que esta família condenada não tivera muito tempo para erguer defesas de
monta. DeVir contava com quase quatrocentos soldados, muitos deles femininos, mas todos os que
Dinin agora conseguia ver nos seus postos ao longo dos parapeitos pareciam nervosos e inseguros.
O sorriso de Dinin rasgou-se ainda mais quando pensou na sua própria casa, cujo poder crescia de
dia para dia sob a orientação astuta da Matrona Malice. Com as suas três irmãs a aproximarem-s
rapidamente do estatuto de altas sacerdotisas, com o irmão já feiticeiro com provas dadas e com o
seu tio Zaknafein, melhor mestre de armas de toda a Menzoberranzan, atarefado a treinar os trezento
soldados, a Casa Do’Urden era uma força preparada. E a Matrona Malice, ao contrário de Ginafae
contava com a total confiança da Rainha Aranha.
— Daermon N’a’shezbaernon — murmurou Dinin, usando a ancestral e formal referência à Cas
Do’Urden. — Nona Casa de Menzoberranzan.
Gostou de como isto soava.
Do outro lado da cidade, logo depois da varanda brilhando como prata e da entrada em arco que
subia a seis metros de altura na parede ocidental da caverna, estavam os principais da Casa
Do’Urden, reunidos para delinear os planos finais do trabalho dessa noite. Na cadeira elevada a
fundo da sua pequena sala de audiências estava sentada a Matrona Malice, com a barrig
protuberante e nas suas horas finais de gravidez. Ladeando-a nos lugares de honra estavam as três
filhas, Maya, Vierna e Briza — a mais velha, recentemente ordenada alta sacerdotisa de Lolth. May
e Vierna pareciam versões mais novas da mãe — magras e enganadoramente pequenas, muito embora
possuidoras de grande força. Briza, porém, quase não trazia em si semelhanças de família. Er
grande — enorme, para os padrões drow — e arredondada nos ombros e nas ancas. Os que
conheciam Briza calculavam que o seu tamanho era meramente uma circunstância decorrente do
temperamento; um corpo mais pequeno simplesmente não conseguiria conter a ira e os acessos de
brutalidade da nova alta sacerdotisa da Casa Do’Urden.
— Dinin deve estar a regressar, por esta altura — notou Rizzen, actual patrono da família —, para
nos informar se este é o momento certo para atacar.
— Partiremos antes que Narbondel encontre o seu brilho matinal! — respondeu-lhe bruscamente
Briza, na sua voz profunda, mas cortante como uma lâmina. Depois dirigiu um sorriso malévolo
mãe, procurando obter dela a aprovação por ter posto o macho no seu lugar.
— A criança chega esta noite — explicou a Matrona Malice ao ansioso marido. — Partiremos,
sejam quais forem as notícias que Dinin trouxer.
— Será um rapaz — resmungou Briza, sem fazer nenhum esforço por ocultar o se
desapontamento. — O terceiro filho vivo da Casa Do’Urden.
— Para ser sacrificado a Lolth — acrescentou Zaknafein, antigo patrono da sua casa, que agor
mantinha a importante posição de mestre de armas. O destro combatente drow parecia bastante
agradado com o pensamento do sacrifício, tal como Nalfein, o filho mais velho da família, que estava
ao lado de Zak. Nalfein era o primogénito, e não precisava de mais concorrência para além de Dini
dentro das fileiras da Casa Do’Urden.
— De acordo com os costumes — regozijou-se Briza, enquanto o vermelho dos seus olho
rebrilhava — e para ajudar à nossa vitória.
Rizzen remexeu-se desconfortavelmente.
— Matrona Malice — atreveu-se a dizer —, conheces bem as dificuldades do parto. Não poderá
dor distrair-te…
— Como te atreves a questionar a Matrona Mãe? — disparou imediatamente Briza, deitando
mão ao chicote com cabeças de serpente tão confortavelmente enrolado — e contorcendo-se — no
seu cinto.
A Matrona Malice fê-la parar, estendendo uma mão.
— Aprecia o combate — disse a Matrona a Rizzen. — E deixa que as fêmeas da casa tratem do
aspectos importantes da batalha.
Rizzen mudou de posição e baixou os olhos.

Dininpequenas
duas chegou à torres
vedaçãodemagicamente erguida
estalagmite da Casa que ligava a ebarbacã
Do’Urden, da paredeoocidental
que formavam pátio do da cidade a
edifício.
vedação era de adamantite, o metal mais forte do mundo, e a adorná-la havia cem gravações de
aranhas armadas, cada uma delas enfeitiçada com glifos e encantamentos mortais. O imponente
portão da Casa Do’Urden era a inveja de muitas casas drow, mas vendo-a logo depois das casa
espectaculares junto ao jardim dos cogumelos, Dinin só conseguiu sentir desapontamento quando
olhou para a sua própria morada. O complexo era feio e de certo modo despido, tal como a secção
de parede, com a notável excepção da varanda de admantite e mihtral que corria ao longo do segundo
nível, junto à entrada em arco reservada à nobreza da família. Cada balaustrada dessa varanda exibia
mil gravações, todas mescladas numa única peça de arte.
A Casa Do’Urden, ao contrário da grande maioria das casas de Menzoberranzan, não estav
erguida isolada entre grupos de estalagmites e estalactites. O grosso da estrutura ficava dentro de
uma gruta, e embora essa disposição fosse sem dúvida defensável, Dinin deu consigo a desejar que a
família pudesse mostrar um pouco mais de grandeza.
Um soldado excitado correu a abrir o portão ao Segundo Rapaz que regressava. Dinin passou po
ele rapidamente, sem sequer uma palavra de saudação, e atravessou o pátio, consciente dos mais de
cem olhares curiosos que o seguiam. Os soldados e os escravos sabiam que a missão dele nessa noite
tinha algo a ver com a batalha que se esperava.
Nenhuma escadaria levava à varanda prateada do segundo nível da Casa Do’Urden. Também iss
era uma medida de precaução concebida para segregar os chefes da casa dos escravos e da populaça.
Os nobres drow não precisavam de escadas; outra manifestação das suas capacidades mágicas inatas
conferia-lhes o poder da levitação. Sem praticamente nenhuma consciência desse acto, Dini
deslizou rapidamente pelo ar e pousou na varanda.
Apressou-se pelas arcadas e até ao corredor principal da casa, que estava fracamente iluminado
pelas tonalidades suaves de fogo feérico, permitindo a visão no espectro normal de luz, mas não
suficientemente fortes para impedir o uso da visão de infravermelhos. A porta metálica ornamentada
ao fim do corredor marcava o destino do Segundo Rapaz, e fez uma pausa diante dela para permiti
aos seus olhos regressarem ao espectro infravermelho. Ao contrário do corredor, a sala do outro
lado dessa porta não tinha nenhuma iluminação. Era a sala de audiências das altas sacerdotisas, a
antecâmara da grande capela da Casa Do’Urden. As salas sacerdotais drow, de acordo com os rito
negros da Rainha Aranha, não eram locais de luz.
Quando sentiu que estava preparado, Dinin empurrou a porta e entrou, passando entre as dua
guardas sem hesitação e avançando ousadamente até ficar de pé diante da mãe. Todas as três filhas
da família semicerraram os olhos quando viram o seu impetuoso e convencido irmão. Entrar se
permissão! Dinin sabia que era isso que estavam a pensar. Se ao menos fosse ele quem iria ser
sacrificado nesta noite!
Por muito que gostasse de esticar a corda das limitações do seu estatuto inferior de macho, Dini
não podia ignorar as danças ameaçadoras de Vierna, Maya e Briza. Sendo fêmeas, eram maiores
mais fortes do que ele, e todas as suas vidas tinham treinado o uso dos maléficos poderes sacerdotais
drow. Dinin observou as extensões encantadas das sacerdotisas, os temidos chicotes com cabeças de
serpente: presos às cinturas das suas irmãs, começavam a contorcer-se em antecipação dos castigos
que poderiam aplicar. Os punhos eram de adamantite e bastante vulgares, mas a extensão dos
chicotes e as múltiplas cabeças eram serpentes vivas. O chicote de Briza, em especial, u
dispositivo maligno de seis cabeças, dançava e contorcia-se, enrolando-se em nós em volta do cinto
que o segurava. Briza era sempre a mais rápida a castigar.
A Matrona Malice, no entanto, parecia agradada pela entrada de Dinin. O Segundo Rapaz sabi
bastante bem qual era o seu lugar, na sua opinião, e seguia as ordens sem medo e sem questionar.
Dinin reconfortou-se com a calma do rosto da mãe, bem oposta aos rostos aquecidos até ao branco
brilhante das três irmãs.
— Está tudo pronto — disse-lhe. — A Casa DeVir está concentrada dentro dos seus aposentos,
excepto Alton, evidentemente, que está a fazer os seus estudos em Sorcere.

—A Encontraste-te com omuito


Academia estava Sem sossegada
Rosto? — esta
perguntou a Matrona
noite — Malice.
respondeu Dinin. — O nosso encontro correu
na perfeição.
— Concordou com o nosso contrato?
— Alton DeVir será tratado como deve ser — riu-se Dinin. Depois, lembrou-se da ligeir
alteração que fizera aos planos de Matrona Malice, retardando a execução de Alton para seu próprio
prazer e para uma crueldade ainda maior. Esse pensamento evocou outra lembrança: as altas
sacerdotisas de Lolth tinham um enervante talento para ler as mentes. — Alton morrerá esta noite —
completou rapidamente a resposta, tranquilizando as outras, antes que o sondassem em busca de mais
pormenores.
— Excelente — rosnou Briza.
Dinin respirou um pouco mais facilmente.
— Para o antro — comandou a Matrona Malice.
Os quatro machos drow ajoelharam-se diante da Matrona e das suas filhas: Rizzen perante Malice
Zaknafein perante Briza, Nalfein perante Maya e Dinin perante Vierna. As sacerdotisas cantaram e
uníssono, colocando uma mão delicadamente sobre a testa do seu respectivo soldado, sintonizando-
se com a paixão deles.
— Conhecem os vossos lugares — disse a Matrona Malice quando a cerimónia terminou. Depois
fez um esgar devido à dor de mais uma contracção. — Que o nosso trabalho comece.
Menos de uma hora mais tarde, Zaknafein e Briza estavam juntos na varanda, lá fora, por cima d
entrada superior para a Casa Do’Urden. Por baixo deles, no chão da caverna, a segunda e a terceir
brigadas do exército da família, as de Rizzen e de Nalfein, afadigavam-se a equipar-se com correia
de couro e placas de metal — camuflagem contra uma forma distinguível de elfos para olhos drow
sensíveis ao calor. O grupo de Dinin, a força de ataque inicial que incluía uma centena de duendes
escravos, já tinha partido havia muito.
— Seremos conhecidos depois desta noite — disse Briza. — Ninguém suspeitaria de que um
décima casa se atrevesse a ir contra outra tão poderosa como a Casa DeVir. Quando os rumores se
espalharem após o serviço sangrento desta noite, até Baenre terá em conta Daermo
N’a’shezbaernon!
Inclinou-se na varanda para ver as duas brigadas a formar fileiras e a começar a avançar, em
silêncio, por caminhos separados que as levariam através da sinuosa cidade até ao jardim dos
cogumelos e à estrutura de cinco pilares da Casa DeVir.
Zaknafein olhou para as costas da filha mais velha da Matrona Malice, nada desejando mais d
que enfiar nelas um punhal. Como sempre, porém, o bom senso de Zak manteve as suas bem treinada
mãos no lugar.
— Tens os artigos? — inquiriu Briza, mostrando para com Zak bastante mais respeito do que
quando a Matrona Malice estava protectoramente sentada ao seu lado. Zak era apenas um macho, u
comum a quem fora permitido usar o nome da família como seu, porque por vezes servira a Matrona
Malice em modos maritais e em tempos fora patrono da casa. Mesmo assim, Briza receava zangá-lo
Zak era o mestre de armas da Casa Do’Urden, um macho alto e musculado, mais forte do que
maioria das fêmeas, e aqueles que já tinham visto a sua ira em combate consideravam que estava
entre os melhores guerreiros de qualquer dos sexos em toda a Menzoberranzan. Para além de Briza
da sua mãe, ambas altas sacerdotisas da Rainha Aranha, Zaknafein, com a sua destreza sem rival no
uso da espada, era um trunfo da Casa Do’Urden.
Zak pôs para trás o capuz negro e abriu a pequena bolsa do cinto, mostrando várias pequenas
esferas cerâmicas.
Briza sorriu com maldade e esfregou as mãos esguias.
— A Matrona Ginafae não ficará nada contente — murmurou.
Zak devolveu-lhe o sorriso e virou-se, para ver os soldados que partiam. Nada dava ao mestre de
armas maior prazer do que matar elfos drow, e especialmente sacerdotisas de Lolth.
— Prepara-te — disse Briza, daí a uns minutos.
Zak sacudiu os cabelos espessos da cara e ficou rígido, com os olhos firmemente fechados. Briz
moveu uma mão lentamente, iniciando o cântico que activaria o dispositivo. Tocou num ombro de
Zak, depois no outro, e depois manteve a varinha imóvel sobre a cabeça dele.
Zak sentiu os borrifos gélidos caindo sobre ele, penetrando-lhe as roupas e a armadura, e até
mesmo a pele, até que ele e tudo o que tinha consigo arrefeceu a uma temperatura e tom uniformes.
Zak odiava o arrefecimento mágico — dava uma sensação que imaginava que seria como a de estar
morto —, mas sabia que, sob a influência daquele borrifo da varinha, ficava indetectável aos olhos
sensíveis ao calor das criaturas do Subescuro, tão cinzento como a pedra comum, e impossível de ser
notado.
Zak abriu os olhos e estremeceu, mexendo os dedos para se assegurar de que ainda podia
desempenhar a sua arte ao máximo. Olhou de novo para Briza, que já estava a meio do segundo
encantamento, que era a convocação. Este demoraria um pouco, e por isso Zak encostou-se à parede
e voltou a reflectir sobre a tarefa agradável, embora perigosa, que tinha por diante. Que amável da
parte da Matrona Malice deixar todas as sacerdotisas da Casa DeVir para ele!
— Está feito — anunciou Briza ao fim de alguns minutos. Guiou o olhar de Zak para a escuridã
abaixo do tecto invisível da imensa caverna.
Zak avistou logo o trabalho de Briza: uma corrente de ar que se aproximava, tingida de amarelo e
mais quente do que o ar normal da caverna. Uma corrente de ar vivo.
A criatura, uma conjuração de um plano elementar, rodopiou até pairar logo abaixo da borda da
varanda, esperando obedientemente as ordens da convocadora.
Zak não hesitou. Saltou para o meio do torvelinho, deixando que este o mantivesse suspenso acim
do chão.
Briza deu-lhe uma saudação final e mandou-o embora.
— Boa luta — disse para Zak, embora este já estivesse invisível no ar por cima dela.
Zak riu-se perante a ironia das palavras de Briza, enquanto a cidade de Menzoberranzan rodopiava
por baixo dele. Briza queria certamente as sacerdotisas da Casa DeVir tão mortas quanto ele, ma
por razões muito diferentes. Pondo de parte todas as complicações, Zak mataria também alegremente
todas as sacerdotisas da Casa Do’Urden.

O mestre
criada de armas afiada.
e incrivelmente pegou numa das suas espadas de adamantite, uma arma drow magicamente
— Sim, boa luta… — murmurou.
Se ao menos Briza soubesse como seria boa…
Dinin notou com satisfação que todos os bugbears vagabundos, ou quaisquer outros elementos das
várias raças que compunham Menzoberranzan, incluindo drow, agora se apressavam a fugir do seu
caminho. Desta vez, o Segundo-Rapaz da Casa Do’Urden não estava só. Quase sessenta soldados d
Casa marchavam em fileiras cerradas atrás dele. Depois deles, igualmente ordenados, embora co
muito menos entusiasmo, vinha uma centena de escravos ou raças menores armados — duendes, orcs

e bugbears.
Não podia haver dúvidas, para quem os via: uma casa drow avançava para a guerra. Isto não er
um acontecimento de todos os dias em Menzoberranzan, mas também não era nada de inesperado.
Pelo menos uma vez em cada década, uma Casa decidia que a sua posição na hierarquia da cidade
podia ser melhorada através da eliminação de outra casa. Era um empreendimento arriscado, porque
todos os nobres da casa «vítima» tinham de ser eliminados e rápida e discretamente. Bastava que u
deles sobrevivesse para fazer uma acusação contra o perpetrador, e a casa atacante seria erradicada
pelo sistema de «justiça» impiedoso de Menzoberranzan.
Se o ataque fosse executado com perfeição, porém, não haveria repercussões. Toda a cidade,
incluindo o Conselho Governante das oito mães principais, aplaudiria secretamente os atacantes pel
sua coragem e inteligência, e nem mais uma palavra seria dita sobre o incidente.
Dinin tomou um atalho, não querendo seguir o caminho mais curto entre a Casa Do’Urden e a Cas
DeVir. Meia hora mais tarde, pela segunda vez nessa noite, esgueirou-se pelo extremo sul do jardi
dos cogumelos, até ao grupo de estalagmites que sustentava a Casa DeVir. Os seus soldados seguia
em fila atrás dele, ansiosos, preparando as armas e avaliando bem a estrutura que tinham à frente.
Os escravos eram mais lentos nos seus movimentos. Muitos deles olhavam em redor, em busca de
uma via de fuga, pois sabiam, no fundo, que estavam condenados nesta batalha. No entanto, receava
mais a ira dos elfos negros do que a própria morte, e não tentariam fugir. Como todas as saídas de
Menzoberranzan estavam protegidas por perversa magia drow, para onde haveriam de ir? Todos eles
tinham testemunhado os castigos brutais que os elfos drow impunham aos escravos recapturados. A
uma ordem de Dinin, saltaram para as suas posições em volta da cerca de cogumelos.
Dinin meteu a mão na grande bolsa e retirou de lá uma folha de metal aquecida. Fez o objecto
brilhar por três vezes atrás de si, faiscante no espectro infravermelho, para assinalar a aproximação
das brigadas de Nalfein e de Rizzen. Depois, com o habitual exibicionismo, fê-lo girar no a
rapidamente, apanhou-o e voltou a colocá-lo no segredo da bolsa que escondia o calor. Respondendo
ao sinal, a brigada drow de Dinin posicionou os dardos encantados nos seus pequenos arcos e
apontou aos alvos designados.
Um em cada cinco cogumelos era um uivante, e cada dardo continha um encantamento mágico
capaz de calar o rugido de um dragão.
— Dois,… Três… — contou Dinin, com a mão a assinalar o ritmo, uma vez que nenhuma palavr
poderia ser ouvida dentro da esfera de silêncio mágico em que as suas tropas estavam encerradas.
Imaginou o «clique» da corda esticada do pequeno arco ao ser libertada, lançando o dardo para o
cogumelo uivante mais próximo. E assim aconteceu a toda a volta da Casa DeVir, com a primeir
linha de alarme sistematicamente silenciada por três dúzias de dardos encantados.
Entretanto, no outro lado de Menzoberranzan, a Matrona Malice, as suas filhas e quatro da
sacerdotisas comuns da casa estavam reunidas no malévolo círculo de oito de Lolth. Oravam a u
ídolo da sua malvada divindade, um baixo-relevo de uma aranha com rosto de drow numa pedra
preciosa, e pediam a Lolth que as ajudasse nas suas lutas.
Malice estava sentada à cabeceira, numa cadeira preparada para o parto. Briza e Viern
ladeavam-na, com Briza a segurar-lhe uma mão.
O grupo selecto cantava em uníssono, combinando as energias num único feitiço ofensivo. U
momento mais tarde, quando Vierna, mentalmente ligada a Dinin, percebeu que o primeiro grupo de
ataque estava em posição, o círculo de oito da Casa Do’Urden enviou as primeiras ondas de energi
mental intrusivas para a casa rival.
A Matrona Ginafae, as suas duas filhas e as cinco principais sacerdotisas das tropas comuns d
Casa DeVir reuniram-se na antecâmara escura da capela principal da casa das cinco estalagmites.
Tinham-se reunido ali numa prece solene todas as noites desde que a Matrona Ginafae soubera que
tinha caído em desgraça junto de Lolth. Ginafae compreendia o quanto a sua casa estava desprotegid
até poder encontrar maneira de apaziguar a Rainha Aranha. Havia mais sessenta e oito casas e
Menzoberranzan, das quais vinte poderiam atrever-se a atacar a Casa DeVir quando esta s

encontrava em que
alguma forma, tão óbvia desvantagem.
esta noite seria cheiaAs
deoito sacerdotisas estavam agora ansiosas, suspeitando, de
acontecimentos.
Ginafae sentira-o primeiro, como um sopro gelado de confusas percepções que a levaram a
gaguejar durante a sua prece de pedido de perdão. As outras sacerdotisas da Casa DeVir olhara
nervosamente para ela perante o invulgar atabalhoar das palavras da Matrona, procurando
confirmação.
— Estamos sob ataque — sussurrou-lhes Ginafae, com a cabeça já a doer-lhe surdamente sob o
ataque crescente das poderosas sacerdotisas da Casa Do’Urden.
Um segundo sinal de Dinin pôs as tropas escravas em movimento. Continuando a usar a camuflage
como aliada, correram silenciosamente para a cerca de cogumelos e abriram caminho por ela com as
espadas de gume largo. O Segundo-Rapaz da Casa Do’Urden observava e apreciava enquanto o páti
da Casa DeVir era assim facilmente invadido.
— Uma guarda não muito bem preparada… — murmurou num sarcasmo silencioso perante as
gárgulas que brilhavam a vermelho nos muros altos. As estátuas tinham parecido uma guarda tão
aterradora antes, nessa noite… Agora, limitavam-se a olhar, impotentes.
Dinin percebeu a expectativa crescente, mas comedida, dos soldados que o rodeavam; a sua sede
de combate drow mal se conseguia conter. De vez em quando, havia um sinal de uma morte, quando
um dos escravos tropeçava num glifo de vigia, mas o Segundo-Rapaz e os outros drow apenas se
riam perante esse espectáculo. As raças menores eram apenas a carne para canhão do exército da
Casa Do’Urden. A única razão para trazer os goblinóides até à Casa DeVir era para activarem a
armadilhas mortais e as defesas ao longo do perímetro, abrindo o caminho para os elfos drow, que
eram os verdadeiros soldados.
A cerca estava agora aberta e o secretismo foi posto de parte. Os soldados da Casa DeVi
depararam com os escravos invasores, enfrentando-os no recinto. Dinin mal tinha erguido a mão para
dar ordem para o ataque quando os seus ansiosos sessenta guerreiros drow saltaram e carregaram,
com os rostos contorcidos por uma aura de malvadez, brandindo ameaçadoramente as armas.
Porém, sustiveram o assalto no momento certo, lembrando-se de que tinham uma última tarefa
atribuída. Todos os drow, nobres ou comuns, possuíam certas capacidades mágicas. Convocar uma
orbe de escuridão, como Dinin fizera com os bugbears na rua, pouco antes nessa noite, era coisa que
até o mais vulgar dos elfos drow conseguia fazer facilmente. E assim acontecia agora, com sessenta
soldados da Casa Do’Urden escurecendo o perímetro da cerca da Casa DeVir com orbe após orbe de
escuridão.
Apesar de todas as precauções e medidas furtivas, a Casa Do’Urden sabia que muitos olho
estavam a observar o ataque. As testemunhas não eram grande problema; não poderiam identificar,
nem se dariam a esse incómodo, a casa atacante. Mas os costumes e as regras exigiam que certas
tentativas de manter o secretismo fossem seguidas, de acordo com a etiqueta drow de fazer a guerra.
No piscar de um olho vermelho faiscante de drow, a Casa DeVir tornou-se, para o resto da cidade,
uma mancha negra na paisagem de Menzoberranzan.
Rizzen aproximou-se por trás do filho mais novo.
— Está a correr bem — gesticulou na intricada linguagem de dedos dos drow. — Nalfein já entrou
pelas traseiras.
— Uma vitória fácil — gesticulou em resposta o arrogante Dinin. — Desde que a Matrona Ginafa
e as suas sacerdotisas sejam mantidas à distância.
— Confia na Matrona Malice — foi a resposta de Rizzen. Bateu no ombro do filho e seguiu a
suas tropas através da cerca de cogumelos arrombada.
Muito acima do núcleo da Casa DeVir, Zaknafein pairava confortavelmente nos braços de ar d
servo aéreo de Briza, observando enquanto o drama se desenrolava. Desse ponto privilegiado de
observação, Zak conseguia observar o interior do anel de escuridão e conseguia ouvir no interior do
anel de silêncio mágico. As tropas de Dinin, que eram as primeiras tropas drow a entrar, tinham
encontrado resistência atrás de cada porta e estavam a ser fortemente batidas.
Nalfein e a sua brigada, as tropas da Casa Do’Urden mais experientes em práticas de magia
entraram pela cerca das traseiras do complexo. Relâmpagos e bolas mágicas de ácido abateram-se
no pátio, na base das estruturas da Casa DeVir, abatendo simultaneamente os escravos da Cas
Do’Urden e as suas próprias defesas.
Na parte da frente do pátio, Rizzen e Dinin comandavam os melhores guerreiros da Cas
Do’Urden. As bênçãos de Lolth estavam com a sua casa, pôde Zak perceber quando a batalh
começou em força, pois os golpes dos soldados da Casa Do’Urden eram mais rápidos do que os do
seus inimigos, e a sua pontaria mostrava-se mais certeira. Em minutos, a batalha já estava a ser
travada no interior de todos os cinco pilares.
Zak estendeu o incessante vento para fora dos braços e pôs o servo aéreo em acção. Mergulhou n
sua cama de ar e depois deixou-se cair livremente nos últimos metros para o terraço por cima dos
aposentos principais do pilar central. De imediato, dois guardas, um deles uma fêmea, se apressara
a vir ao seu encontro.
No entanto, hesitaram, confusos, tentando perceber a verdadeira forma daquele borrão cinzento —
e demoraram demasiado.
Nunca tinham ouvido falar de Zaknafein Do’Urden. Não sabiam que a morte se estava a abate
sobre eles.
O chicote de Zak disparou como um raio, enrolando-se na garganta da fêmea, enquanto a outra mão
conduzia a espada numa série de golpes e defesas com mestria, que deixaram o macho
desequilibrado. Zak acabou com ambos num único movimento, atirando a fêmea enrolada no chicote
para fora do terraço com um golpe do punho, e desferindo ao mesmo tempo um golpe na cara do
macho que o deixou prostrado no chão da caverna.
Zak entrou então, e outro guarda foi ao seu encontro mas caiu aos seus pés.
Zak deslizou pela parede da torre de estalactite, com o seu corpo arrefecido a misturar-se
perfeitamente com a pedra. Soldados da Casa DeVir corriam por todo o lado, à sua volta, tentand
descortinar alguma defesa contra a legião de intrusos que já tinha conquistado os níveis mais baixos
de toda a estrutura e que já tinha tomado por completo dois dos pilares.
Zak não estava preocupado com eles. Calou o tilintar das armas de adamantite, os gritos de orden
e os uivos de morte, concentrando-se, em vez disso, num único som que o levaria até ao seu destino:
um cântico frenético, em uníssono.
Descobriu um corredor vazio coberto de relevos de aranhas e que corria até ao centro do pilar.
Tal como na Casa Do’Urden, este corredor terminava num grande conjunto de portas dupla
ornamentadas, com as decorações dominadas por formas aracnídeas.
— Deve ser aqui — murmurou Zak, ajustando o capuz sobre a cabeça.
Uma aranha gigante correu para fora do seu esconderijo e aproximou-se de lado.
Zak caiu para a frente e começou a pontapear aquela coisa, rolando até conseguir enfiar a espada
profundamente no corpo bulboso do monstro. Fluidos pegajosos escorreram para o mestre de armas e
a aranha estremeceu, num rápido estertor de morte.
— Pois… — murmurou Zak, limpando os líquidos da aranha da cara. — Deve ser mesmo aqui.
Empurrou o monstro morto de novo para dentro do esconderijo e enfiou-se também lá dentro,
esperançado de que ninguém tivesse dado pela luta.
Pelo som do retinir das armas, Zak conseguia perceber que os combates já quase tinham chegado
àquele andar. A Casa DeVir parecia agora, porém, ter as suas defesas em posição, e estava
finalmente a resistir.
— Agora, Malice — sussurrou, esperando que Briza, sintonizada com ele, sentisse a su
ansiedade. — Não nos atrasemos!
Na antecâmara sacerdotal da Casa Do’Urden, Malice e as suas subordinadas continuavam o bruta
ataque mental contra as sacerdotisas da Casa DeVir. Lolth ouvia as suas preces mais fortes do que a
das suas adversárias, dando às sacerdotisas da Casa Do’Urden os encantos mais poderosos ness
combate mental. Já tinham conseguido facilmente colocar as suas inimigas numa posição defensiva.
Uma das sacerdotisas menores do círculo de oito da Casa DeVir tinha sido esmagada pela
insinuações mentais de Briza e jazia morta no chão, a poucos centímetros dos pés da Matron
Ginafae.
Mas o ímpeto tinha abrandado subitamente e a batalha parecia estar a regressar a um nível mais
equilibrado. A Matrona Malice, debatendo-se com o parto que estava a chegar, não se conseguia
concentrar e, sem a sua voz, os encantamentos do malévolo círculo enfraqueciam.
Ao lado da mãe, a poderosa Briza agarrava-lhe a mão com tanta força que o sangue desaparecera,
deixando-a fria — o único ponto frio da fêmea em trabalho de parto — aos olhos das restantes. Briza
estudou as contracções e observou a coroa de cabelo branco da criança que estava a nascer,
calculando o momento para o parto. Esta técnica de traduzir a dor do parto num encantamento de
ataque ofensivo nunca tinha sido usada antes, a não ser nas lendas, e Briza sabia que o momento certo
seria o factor crítico.
Sussurrou ao ouvido da mãe, vertendo as palavras de um encantamento mortal.
A Matrona Malice repetiu como um eco o início do encantamento, combatendo o impulso de
arquejar e transformando a sua raiva agonizante num poder ofensivo.
— Dinnen douward ma brechen tol — implorava Briza.
— Dinnen douward… maaa… brechen tol! — uivou Malice, tão determinada a concentrar-se,
apesar da dor, que rasgou um lábio com os dentes cerrados.
A cabeça do bebé apareceu, desta vez mais completamente, e desta vez para ficar.
Briza estremeceu e ela própria mal se conseguia lembrar do encantamento. Sussurrou a runa final
ao ouvido da Matrona, quase receando as consequências.
Malice recuperou o fôlego e a coragem. Conseguia sentir o formigueiro do encantamento quase tão
bem como as dores do parto. Para as suas filhas, de pé em redor do ídolo, olhando-a incrédulas,
parecia um borrão vermelho de fúria escaldante, escorrendo linhas de suor que brilhavam tão
fortemente como o calor de água a ferver.
— Abec — começou a Matrona, sentindo a pressão a crescer cada vez mais. — Abec.
Sentiu o calor da pele que se rasgava, o abrupto escorregar do bebé enquanto a cabeça saia, o
súbito êxtase do parto.
— Abec di’n’a BREG DOUWARD!— gritou Malice, empurrando para longe toda a agonia numa

explosão final de poder mágico que abalou até as sacerdotisas da sua própria casa.
Levado pelo impulso de exultação da Matrona Malice, o encantamento abateu-se como um trovão n
capela da Casa DeVir, estilhaçou o ídolo de pedra de Lolth, escancarou as portas duplas deixando-a
uma pilha de metal retorcido, e atirou com a Matrona Ginafae e as suas subordinadas ao chão.
Zak abanou a cabeça, incrédulo, quando as portas da capela se abateram à sua frente.
— Belo coice, Malice — riu-se Zak enquanto entrava para a capela. Usando a sua infravisão, de
uma olhadela rápida e contou as sete ocupantes vivas da sala escura, todas debatendo-se, a tentar
pôr-se de pé, com as vestes em farrapos. Sacudindo de novo a cabeça perante o poder brutal da
Matrona Malice, Zak puxou o capuz para cobrir a cara.
Um estalar de chicote foi a única explicação que deu enquanto fazia partir-se um pequeno globo de
cerâmica debaixo dos pés. A esfera estilhaçou-se, deixando sair uma pepita que Briza tinha
encantado apenas para ocasiões como esta; uma pepita que brilhava com o fulgor da luz do dia.
Para olhos habituados à escuridão, sintonizados para emanações de calor, a intrusão desta
radiação aparecia como um relâmpago de agonia. Os gritos de dor das sacerdotisas apenas
auxiliaram Zak na sua sistemática caminhada pela sala, e sorria prazenteiramente por baixo do capuz
cada vez que sentia a espada morder carne drow.
Ouviu o início de um encantamento a meio do caminho e percebeu que uma das DeVir tinh
recuperado o suficiente do ataque para se tornar perigosa. O mestre de armas, porém, não precisava
dos olhos para fazer pontaria, e o estalido do chicote arrancou a língua da Matrona Ginafae para for
da boca.
Briza colocou o recém-nascido sobre o dorso do ídolo aranha e ergueu o punhal cerimonial, fazendo
uma pausa para admirar a sua cruel construção. O punhal era um corpo de aranha com oito pernas,
eriçado de farpas para imitar pelos, mas com estas voltadas para baixo, para servirem de lâminas.
Briza ergueu o instrumento acima do peito do bebé.
— Dá o nome à criança — pediu à mãe. — A Rainha Aranha não aceitará o sacrifício enquanto a
criança não tiver nome!
A Matrona Malice abanou a cabeça, tentando perceber o que queria dizer a filha. A matrona
investira tudo no momento do encantamento e no parto, e estava quase incoerente.
— Dá nome à criança! — mandou Briza, ansiosa por alimentar a sua faminta deusa.
— Está perto do final — disse Dinin para o irmão, quando se encontraram num átrio inferior de u
dos pilares menos importantes da Casa DeVir.
— Rizzen está a vencer tudo até ao topo, e crê-se que o negro trabalho de Zaknafein já estar
acabado.
— Duas brigadas de soldados da Casa DeVir já juraram fidelidade ao nosso lado — responde
Nalfein.
— Já viram o final — riu-se Dinin. — Uma casa serve-lhes tão bem como outra qualquer, e ao
olhos dos comuns nenhuma casa vale o sacrifício da morte. A nossa tarefa estará concluída em breve.
— Demasiado depressa para que alguém pudesse dar por isso. — disse Nalfein. — Agora,
Do’Urden, Daermon N’a’shezbaernon, é a Nona Casa de Menzoberranzan e a Casa DeVir que s
dane!
— Atenção! — gritou subitamente Dinin, com os olhos muito abertos num horror simulado,
enquanto olhava por cima do ombro do irmão.
Nalfein reagiu imediatamente, girando para enfrentar o perigo atrás de si, mas virando as costas
para o verdadeiro perigo. Porque mesmo no momento em que Nalfein percebeu o logro, a espada de
Dinin enterrou-se-lhe na espinha. Dinin encostou a cabeça ao ombro do irmão e pressionou a su
cara contra a dele, observando o fulgor vermelho dos seus olhos a abandoná-lo.
— Demasiado depressa para que alguém desse por isso — gracejou Dinin, fazendo eco da
palavras do irmão.
Deixou a massa sem vida cair aos seus pés.
— Agora, Dinin é o Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden, e Nalfein que se dane.
— Drizzt — sussurrou a Matrona Malice. — O nome do rapaz é Drizzt!
Briza segurou com mais força o punhal e começou o ritual.
— Rainha das Aranhas, recebe este infante — começou. Ergueu o punhal, para desferir o golpe.
Drizzt Do’Urden, oferecemos-te como pagamento pela nossa gloriosa vit……
— Espera! — gritou Maya, do outro lado da sala. A sua ligação com o irmão Nalfein tinh
subitamente cessado. — Nalfein está morto — declarou. — Esse bebé já não é o terceiro filho vivo.
Vierna olhou intrigada para a irmã. No mesmo momento em que Maya sentira a morte de Nalfein
Vierna, ligada a Dinin, sentira um forte pico emocional. Satisfação? Vierna levou um dedo esguio aos
lábios cerrados, interrogando-se se Dinin teria sido o autor desse assassinato.
Briza ainda mantinha o punhal em forma de aranha por cima do peito do bebé, querendo entregá-lo
a Lolth.
— Prometemos à Rainha Aranha o terceiro filho vivo — avisou Maya. — E esse já foi dado.
— Mas não em sacrifício — argumentou Briza.
Vierna encolheu os ombros, intrigada.
— Se Lolth aceitou Nalfein, então foi oferecido. Oferecer mais um poderia suscitar a ira d
Rainha Aranha.


— Mas
Então,não lhe oferecer
acaba com issoo—quedisse
foi prometido
Maya. seria ainda pior! — insistiu Briza.
Briza segurou o punhal com força e começou de novo o ritual.
— Detém-te! — mandou a Matrona Malice, erguendo-se na cadeira. — Lolth está satisfeita;
nossa vitória está ganha. Dá, pois, as boas vindas ao teu irmão, mais recente membro da Cas
Do’Urden.
— É apenas um macho — comentou Briza, com óbvio desprezo, afastando-se do ídolo e d
criança.
— Para a próxima faremos melhor — riu-se a Matrona Malice, embora interrogando-se se haveri
uma próxima vez. Estava a aproximar-se do quinto século de vida, e os elfos drow, mesmo os mais
ovens, não eram uma espécie especialmente fértil. Briza nascera de Malice na jovem idade de ce
anos, mas nos quase quatro séculos desde então, Malice apenas produzira mais cinco filhos. Mesmo
este bebé, Drizzt, surgira como uma surpresa, e Malice já nem esperava voltar a conceber.
— Basta de cogitações — murmurou Malice para si mesma, exausta. — Haverá muito tempo……
Deixou-se cair de novo na cadeira e mergulhou em sonhos conturbados, embora terrivelmente
agradáveis, de poder acrescido.
Zaknafein caminhou pelo pilar central do complexo DeVir, com o capuz na mão e o chicote e a
espada de novo solidamente colocados no cinturão. De vez em quando, soava um alarme de batalha,
mas terminava rapidamente. A Casa Do’Urden tinha avançado rapidamente para a vitória, a décim
Casa tinha tomado a quarta Casa, e agora tudo o que restava por fazer era eliminar vestígios e
testemunhas. Um grupo de sacerdotisas menores passou por ele, tratando dos feridos Do’Urden
animando os cadáveres daqueles que estavam para além das suas capacidades, de forma a que os
corpos pudessem afastar-se da cena do crime. No complexo Do’Urden, os que não estivessem par
além de qualquer recuperação seriam ressuscitados e postos de novo ao serviço.
Zak virou costas com um arrepio visível enquanto as sacerdotisas avançavam de sala em sala, co
o exército de zombies Do’Urden marchando, cada vez mais numeroso, atrás delas.
Por muito desagradável que Zaknafein considerasse este grupo, aquele que se seguia era aind
pior. Duas sacerdotisas Do’Urden lideravam um contingente de soldados pela estrutura, usando
magias de detecção para descobrir os esconderijos dos DeVir sobreviventes. Uma delas parou no
átrio a apenas alguns passos de Zak, e os seus olhos reviraram-se enquanto sentia as emanações do
feitiço. Manteve os dedos esticados à sua frente, desenhando uma linha, lentamente, como uma
macabra varinha, em direcção a carne drow.
— Ali dentro! — declarou, apontando para um painel na base da parede. Os soldados saltara
para o local como uma alcateia de lobos raivosos e rasgaram a porta secreta. Dentro de um pequeno
compartimento estavam aninhadas as crianças da Casa DeVir. Estas eram nobres, e não comuns, e
não podiam ser levadas dali vivas.
Zak apressou os passos para se afastar daquela cena, mas ouviu ainda vividamente os gritos das
crianças indefesas enquanto os soldados Do’Urden esfaimados terminavam o seu trabalho. Agora,
estava quase a correr. Saiu do átrio virando uma esquina apressadamente e quase deitou abaixo Dinin
e Rizzen.
— Nalfein está morto — declarou impassivelmente Rizzen.
Zak lançou imediatamente um olhar de suspeita para o filho Do’Urden mais novo.
— Matei o soldado DeVir que cometeu esse acto — assegurou Dinin, sem sequer esconder
sorriso manhoso.
Zak já andava por ali havia quase quatro séculos, e claro que não ignorava os modos desta raça
ambiciosa. Os príncipes irmãos tinham vindo, defensivamente, no final das fileiras, com uma
multidão de soldados Do’Urden entre eles e o inimigo. Quando, e se, encontrassem um drow que nã
fosse da sua própria Casa, a maioria dos soldados DeVir sobreviventes já teriam mudado de lado,
tornando-se fiéis à Casa Do’Urden. Zak duvidava de que qualquer dos irmãos Do’Urden tivess
entrado em acção contra um DeVir.
— A descrição da carnificina na sala de oração espalhou-se pelas fileiras — disse Rizzen ao
mestre de armas. — Desempenhaste as tuas funções com a tua habitual perícia, tal como nos
habituámos a esperar.
Zak lançou um olhar de desdém ao patrono e seguiu caminho, pelas portas principais da estrutura,
lá para fora, para lá da escuridão e do silêncio mágicos, para o escuro amanhecer de
Menzoberranzan. Rizzen era o actual parceiro da Matrona Malice, mais um numa longa sucessão d
parceiros, e nada mais do que isso. Quando Malice se fartasse dele, relegá-lo-ia de novo para a
fileiras dos soldados comuns, retirando-lhe o nome Do’Urden, ou eliminá-lo-ia. Zak não lhe devia
pois, qualquer respeito.
Zak afastou-se por entre os cogumelos até ao ponto de observação mais elevado que conseguiu
encontrar, e depois deitou-se no chão. Observou, espantado, quando, uns momentos mais tarde, o
cortejo do exército Do’Urden, o seu patrono e o filho, os soldados e as sacerdotisas, bem como
lenta fila de duas dúzias de zombies, retomavam o caminho para casa. Tinham perdido, e deixado
para trás, quase toda a sua carne para canhão escrava, mas a fila que agora saía da Casa DeVir er
mais longa do que a fila que viera no sentido oposto nessa noite. Os escravos tinham sido
substituídos em dobro pelos escravos DeVir capturados e por mais de cinquenta tropas comuns
DeVir, que, demonstrando a típica lealdade drow, se tinham juntado voluntariamente aos atacantes.
Esses drow traiçoeiros seriam interrogados — magicamente interrogados — pelas sacerdotisas
Do’Urden, para se assegurarem da sua sinceridade.
Todos passariam o teste sem falhas, e Zak sabia disso. Os elfos drow eram criaturas de
sobrevivência, e não de princípios. Os soldados receberiam novas identidades e seriam mantidos
dentro da privacidade do complexo Do’Urden durante alguns meses, até a queda da Casa DeVir s
tornar uma história velha e esquecida.
Zak não os seguiu imediatamente. Em vez disso, cortou caminho por entre as fileiras de cogumelo
e entrou um recanto discreto, onde se aninhou numa faixa de musgo e ergueu os olhos para a eterna
escuridão do tecto da caverna — e para a eterna escuridão da sua própria existência.
Teria sido mais prudente manter-se em silêncio, nessa altura; era um invasor na secção mais
poderosa da vasta cidade. Pensou nas potenciais testemunhas das suas palavras, nos mesmos elfos
negros que tinham estado a observar a queda da Casa DeVir, e que tinham apreciado profundamente
esse espectáculo. Perante este comportamento e uma carnificina como a que esta noite tinha visto,
Zak não pôde conter as emoções. O lamento saiu-lhe como uma prece a um deus qualquer que estav
para além da sua experiência.
— Que sítio é este que é o meu mundo? Que negro novelo tem o meu coração aprisionado?
sussurrou Zak, no pedido de perdão que sempre fora parte dele. — À luz, vejo a minha pele negra; n
escuridão, brilha ofuscante com o calor desta raiva que não consigo evitar. Quem me dera ter a
coragem para partir, deste sítio ou desta vida, ou para me opor abertamente à maldade destes que são
a minha família. Procurar uma existência que não vá contra aquilo em que acredito, aquilo que
considero com fidelidade ser a verdade. Zaknafein Do’Urden, esse é o meu nome, mas não sou u
drow, nem por escolha, nem por actos. Que descubram este ser que sou, pois. Que descarreguem a
sua ira sobre estes velhos ombros já tão carregados pelo desespero de Menzoberranzan.
Ignorando as consequências, o mestre de armas pôs-se de pé e gritou:
— Menzoberranzan, que inferno és tu?
Um momento mais tarde, e quando nenhuma resposta ecoou da cidade silenciosa, Zak sacudiu o
que restava do frio da magia de Briza dos músculos cansados. Encontrou algum conforto quando
sentiu o chicote no cinturão — esse instrumento que tinha arrancado a língua de uma matrona.
Masoj, o jovem aprendiz — coisa que, neste ponto da sua carreira de utilização de magia, significava
que não era mais do que um criado de limpezas — inclinou-se sobre a vassoura e observou Alton
DeVir a entrar pela porta que dava para o quarto mais alto da espiral. Masoj quase sentiu simpati
pelo estudante, que tinha de entrar e enfrentar o Sem Rosto.
Porém, Masoj sentiu também excitação, sabendo que o fogo-de-artifício que se seguiria entre
Alton e o mestre sem rosto valeria bem a pena ser visto. Dedicou-se de novo a varrer, usando a
vassoura como desculpa para avançar mais pela sala, até junto da porta.
— Pediste a minha presença, Mestre Sem Rosto — disse de novo Alton DeVir, mantendo uma mã
diante da cara e semicerrando os olhos, devido ao brilho ofuscante das três velas acesas da sala.
Alton avançou desconfortavelmente, pé ante pé, pela porta da sala.
Inclinado, a meio do caminho, o Sem Rosto estava de costas para o jovem DeVir. Era melho
despachar este assunto rapidamente, lembrou o mestre a si mesmo. Sabia, porém, que o encantamento
que estava agora a preparar mataria Alton antes que este pudesse saber o destino da sua família,
antes que o Sem Rosto pudesse cumprir completamente as instruções finais de Dinin Do’Urden
Havia demasiado em jogo. Era melhor despachar isto rapidamente.
— O senhor… — começou Alton, de novo; mas, prudentemente, calou as suas palavras e tentou
perceber a situação com que se deparava. Era muito invulgar ser chamado aos aposentos privados de

umQuando
mestre recebera
da Academia, antes mesmo
a convocatória, de as
Alton liçõesque
receara do tivesse,
dia teremporcomeçado.
qualquer motivo, faltado a alguma
das aulas. Isso podia ser um erro fatal em Sorcere. Alton estava perto de concluir os estudos, mas o
desprezo de um dos mestres era o suficiente para pôr um fim a isso.
Tinha-se saído bastante bem nas aulas com o Sem Rosto, e acreditara até que o seu misterioso
mestre o tinha por favorito. Poderia tratar-se simplesmente de uma cortesia, de uma felicitação pelo
seu terminar dos estudos? Não era provável, concluiu Alton, contra as suas esperanças. Os mestre
da academia drow não felicitavam os estudantes frequentemente.
Alton ouviu então o cântico em surdina e reparou que o mestre estava a meio de um encantamento.
Agora, algo lhe gritava que havia alguma coisa muito errada; havia algo nesta situação que não se
enquadrava de forma alguma nos modos e usos estritos da Academia. Alton firmou os pés no chão e
contraiu os músculos, seguindo o conselho do lema que era martelado na cabeça de todos os
estudantes da Academia, o preceito que mantinha os elfos drow vivos numa sociedade tão devotada
ao caos: manter-se alerta.
As portas explodiram à sua frente, varrendo a sala com lascas de pedra e atirando Masoj de encontro
à parede. Este achou que o espectáculo valia bem essas inconveniências e as equimoses nos ombros,
quando Alton DeVir saiu cambaleando da sala. As costas e o braço esquerdo do estudante deixava
para trás plumas de fumo, e havia a mais invulgar das expressões de terror e de dor que Masoj
amais vira cravada no rosto do nobre DeVir.
Alton caiu no chão e enrolou-se, desesperado por ganhar algum terreno entre ele e o seu mestre
assassino. Conseguiu deslizar e descer pelo chão encurvado da sala e passar pela porta que dava
para a sala seguinte, mais abaixo, no preciso momento em que o Sem Rosto apareceu à porta destruí-
da da primeira sala.
O mestre parou para cuspir uma maldição à sua própria falha e para considerar qual seria a melhor
maneira de substituir aquela porta.
— Limpa-me isto! — disparou para Masoj, que estava de novo encostado descontraidamente
vassoura, com o queixo repousando sobre as mãos.
Masoj baixou obedientemente a cabeça e começou a varrer as lascas de pedra. Mas levantou o
olhos enquanto o Sem Rosto passava por ele e, cautelosamente, começou a segui-lo.
Alton não tinha hipótese de escapar, e esse espectáculo seria bom demais para perder.
A terceira sala, que era a biblioteca privada do Sem Rosto, era a mais iluminada das quatro dentro
da espiral, com dúzias de velas acesas em cada parede.
— Raios partam esta luz! — praguejou Alton, avançando aos tropeções pelo meio daquela luz
estonteante até à porta que dava para o átrio dos aposentos do Mestre Sem Rosto e que era a sal
mais baixa. Se conseguisse descer da espiral e sair da torre para o pátio da Academia, talvez
conseguisse ganhar vantagem sobre o mestre.
O mundo de Alton continuava a ser a escuridão de Menzoberranzan, mas o Sem Rosto, que passar
muitas décadas à luz das velas de Sorcere, acostumara os olhos a verem graus de luz, e não de calor.
O átrio estava apinhado de cadeiras e arcas, mas apenas uma vela ali ardia, e Alton conseguia
agora ver suficientemente bem para evitar obstáculos ou saltar por cima deles. Correu para a porta e
girou a pesada aldraba. Esta girou com bastante facilidade, mas, quando Alton tentou empurrar a
porta com o ombro, esta não se mexeu e um relâmpago de energia azul e faiscante atirou-o ao chão.
— Amaldiçoado lugar! — rugiu Alton. O portal estava magicamente selado. Conhecia um feitiço
para abrir portas seladas magicamente, como esta, mas duvidou de que a sua magia fosse
suficientemente forte para contrariar os feitiços de um mestre. Com a pressa e o medo, as palavras do
encantamento correram pela mente de Alton num murmúrio indecifrável.
— Não fujas, DeVir — veio a voz do Sem Rosto desde a sala anterior. — Apenas prolongarás
teu tormento!
— Que a maldição caia sobre ti também! — respondeu Alton, ofegante. Alton esqueceu o estúpido
feitiço; nunca lhe viria à mente a tempo. Percorreu a sala com os olhos, à procura de outra opção.
Os olhos de Alton encontraram algo invulgar a meio de uma das paredes, numa abertura entre dois
grandes armários. Recuou alguns passos, para ver de um ângulo melhor, mas viu-se apanhado dentro
do raio de iluminação de uma das velas, dentro do campo enganador onde os seus olhos captavam
tanto a luz como o calor.
Apenas conseguia discernir que esta secção da parede mostrava um brilho uniforme no espectro de
calor e que a tonalidade era subtilmente diferente da pedra das paredes. Outra passagem? Apenas
podia esperar que a sua suspeita fosse verdadeira. Correu de novo para o centro da sala, ficou de
frente para o objecto e forçou os olhos a afastarem o espectro infravermelho, concentrando-se
completamente na luz visível.
Enquanto os seus olhos se adaptavam, aquilo que viu espantou e confundiu o jovem DeVir. Não
viu nenhuma porta, nem nenhuma abertura que desse para outra sala. Aquilo para que estava a olhar
era um reflexo de si próprio, e de uma parte da sala onde se encontrava. Alton, nos seus cinquenta e
cinco anos de idade, nunca vira tal espectáculo, mas já ouvira os mestres de Sorcere falar destes
aparelhos. Era um espelho.
Um movimento na porta superior da sala lembrou a Alton que o Sem Rosto estava quase a apanhá
lo. Não podia hesitar enquanto ponderava nas suas opções. Baixou a cabeça e atirou-se contra o
espelho.
Talvez fosse um portal de teletransporte para outra secção da cidade, ou talvez uma simples porta
para outra sala. Ou talvez, atreveu-se Alton a imaginar nesses poucos segundos de desespero, aquilo
fosse um portal interplanar que o levasse para outro plano estranho e desconhecido de existência.
Sentiu o formigueiro da excitação e da aventura a empurrá-lo enquanto se aproximava daquela
coisa maravilhosa — depois, apenas sentiu o impacto, o vidro a partir-se e a parede de pedra
inamovível atrás dele.
Afinal, talvez fosse apenas um espelho.
— Olha para os olhos dele — murmurou Vierna para Maya enquanto examinavam o mais recente
membro da Casa Do’Urden.
Os olhos do bebé eram verdadeiramente notáveis. Embora a criança estivesse fora do útero havi
apenas uma hora, as pupilas das suas orbes disparavam para um lado e para o outro,
inquisidoramente. Embora mostrassem o esperado brilho irradiante de olhos que viam no espectro
infravermelho, a vermelhidão familiar era tingida por uma sombra de azul, dando-lhes uma
tonalidade violeta.
— Cego? — interrogou-se Maya. — Talvez este, afinal, ainda venha a ser oferecido à Rainh
Aranha.
Briza olhou para elas, ansiosa. Os elfos negros não admitiam que crianças que mostrasse
deficiências físicas vivessem.
— Não é cego — respondeu Vierna, passando a mão por cima da criança e lançando um olhar
irado para ambas as suas irmãs. — Segue os meus dedos com os olhos.
Maya viu que Vierna estava a dizer a verdade. Inclinou-se mais para perto do bebé, estudando-lhe
o rosto e os estranhos olhos.
— Que vês tu, Drizzt Do’Urden? — perguntou suavemente, não num gesto de carinho para com
bebé, mas para não perturbar a mãe, que descansava na cadeira junto à cabeça do ídolo da aranha. —
Que vês tu que nós não conseguimos ver?
Os vidros estilhaçaram-se debaixo do peso de Alton, abrindo feridas profundas enquanto mudava de
posição, num esforço por se pôr de pé. «Que diferença fará isso?», pensava.
— O meu espelho! — ouviu o Sem Rosto dizer, enquanto olhava para cima, para ver o mestre que
se lançava sobre ele.
Como parecia enorme a Alton! Tão grande e poderoso, bloqueando completamente a luz das vela
naquela pequena alcova entre dois armários, com a sua forma aumentada dez vezes aos olhos da sua
indefesa vítima pela simples insinuação da sua presença.
Alton sentiu então uma substância pegajosa descendo sobre ele, uma teia que encontrava pontos de
fixação peganhentos nos armários, na parede, no próprio Alton. O jovem DeVir tentou pôr-se de pé
num salto e fugir, mas o feitiço do Sem Rosto já o tinha bem preso, aprisionando-o como uma reles
mosca teria sido aprisionada na teia de uma aranha.
— Primeiro, a minha porta! — rosnou o Sem Rosto. — E agora isto! O meu espelho! Tens ideia d
quanto me custou adquirir uma coisa tão rara?
Alton abanou a cabeça, não como resposta, mas para libertar a cara da substância pegajosa.
— Porque não ficaste quietinho e não deixaste o acto ser consumado rapidamente? — resmungou o
Sem Rosto, profundamente enojado.
— Porquê? — gaguejou Alton, cuspindo alguma da substância dos lábios. — Porque hás-de querer
matar-me?
— Porque me partiste o espelho! — disparou o Sem Rosto em resposta.
Isto não fazia qualquer sentido, claro; o espelho só fora partido depois do ataque inicial. Mas par
o mestre, pensou Alton, nada disto tinha de fazer sentido. Alton sabia que a sua causa estava perdida,
mas prosseguiu os esforços para dissuadir o oponente.
— Conheces a minha Casa, a Casa DeVir — disse Alton, indignado. — A quarta Casa da cidade
A Matrona Ginafae não ficará satisfeita. Uma alta sacerdotisa tem sempre meios para descobrir
verdade em tais situações!
— A Casa DeVir? — riu-se o Sem Rosto. Talvez os tormentos que Dinin Do’Urden pedira nã
estivessem afinal fora de questão. Alton tinha-lhe partido o espelho!
— A Quarta Casa! — cuspiu Alton.
— Jovem tonto… — riu-se o Sem Rosto. — A Casa DeVir já não existe. Já não é quarta, ne
quadragésima quarta, nada.…
Alton deixou-se abater, embora a teia que o envolvia fizesse o seu melhor para lhe manter o corpo
erecto. Do que estaria o mestre a falar?
— Estão todos mortos — provocou-o o Sem Rosto. — A Matrona Ginafae já vê Lolth mai
claramente, hoje — a expressão de horror na cara de Alton agradou ao mestre desfigurado. — Todos
mortos — voltou a rir-se. — Excepto o pobre Alton, que continua vivo para saber as notícias da
queda da sua família. Mas esse deslize será agora remediado!

O
—Sem Rosto
Quem? — ergueu as mãos
gritou Alton. para lançar
O Sem um feitiço.
Rosto parou e pareceu não compreender. — Que Casa fez isto
— esclareceu o estudante condenado. — Ou que conspiração de Casas trouxe a queda da Cas
DeVir?
— Ah, tens de saber isso — respondeu o Sem Rosto, apreciando obviamente a situação.
Suponho que seja teu direito saberes isso antes de te reunires aos teus no reino da morte — u
sorriso abriu-se no local onde em tempos tinha havido lábios. — Mas partiste o meu espelho! —
rosnou o mestre. — Morre, rapaz estúpido! Descobre tu próprio as respostas!
O peito do Sem Rosto sacudiu-se subitamente e foi abalado por convulsões, vociferando praga
numa língua que estava muito para além da compreensão do aterrorizado estudante. Que vil
encantamento tinha aquele cruel mestre preparado para ele, tão arrasador que o seu cântico soava
numa língua arcana desconhecida aos ouvidos do culto Alton, tão inominavelmente maligno que a sua
semântica quase escapava ao controlo do próprio mestre? O Sem Rosto caiu depois para a frente
morreu.
Atordoado, Alton seguiu a linha do capuz do mestre ao longo das costas — até encontrar a ponta
de um dardo. Alton viu como aquele objecto envenenado estremecia ainda devido ao impacto com o
corpo, e depois sondou o centro da sala, onde estava o jovem ajudante de limpezas, calmamente de
pé.
— Bela arma, ó Sem Rosto! — vangloriou-se Masoj, fazendo rodar um arco nas mãos. Lançou u
sorriso malicioso a Alton e ajustou um novo dardo.
A Matrona Malice içou-se da cadeira e obrigou-se a ficar de pé.
— Saiam da frente! — ordenou às filhas.
Maya e Vierna afastaram-se rapidamente do ídolo da aranha e do bebé.
— Vê os olhos dele, Matrona Mãe — atreveu-se Vierna a sugerir. — São tão invulgares!
A Matrona Malice estudou a criança. Parecia ter tudo no lugar, e ainda bem que assim era, já que
Nalfein, o rapaz mais velho da Casa Do’Urden, estava morto, e este rapaz, Drizzt, teria pela frente
difícil tarefa de substituir o valioso filho.
— Os olhos dele — disse Vierna de novo.
A Matrona lançou-lhe um olhar venenoso, mas inclinou-se para ver a que se devia toda aquela
agitação.
— Púrpura? — disse a Matrona Malice, espantada. Nunca tinha ouvido falar de tal coisa.
— Não é cego — apressou-se a esclarecer Maya, vendo o desdém a alastrar pelo rosto da mãe.
— Tragam-me uma vela — mandou a Matrona Malice. — Vejamos como são estes olhos perante o
mundo da luz.
Maya e Vierna dirigiram-se imediatamente para o gabinete sagrado, mas Briza impediu-as.
— Só uma alta sacerdotisa pode tocar nas coisas sagradas — lembrou-lhes, num tom de voz que
trazia em si o peso de uma ameaça. Virou costas pesadamente, dirigiu-se ao gabinete e voltou de lá
com uma única vela vermelha consumida até meio. As sacerdotisas esconderam os olhos e a Matrona
Malice pôs uma mão cautelosa sobre o rosto do bebé enquanto Briza acendia uma pequena chama
que, a olhos drow, parecia uma intrusão flamejante.
— Traz-ma — disse a Matrona Malice ao fim de um momento para ajustar os olhos.
Briza trouxe a vela até perto dos olhos de Drizzt, e Malice afastou lentamente a mão.
— Não chora — notou Briza, espantada por o bebé aceitar calmamente uma luz tão cegante.
— Púrpura de novo — sussurrou a Matrona, sem prestar nenhuma atenção aos murmúrios da filha.
— Em ambos os mundos, os olhos desta criança são púrpura.
Vierna abafou visivelmente um pequeno grito, quando voltou a olhar para o seu pequeno irmão e
para as suas órbitas cor de alfazema.
— É teu irmão — lembrou-lhe a Matrona Malice, vendo aquele grito abafado como um sinal d
que aí viria. — Quando crescer e estes olhos te penetrarem, lembra-te, na tua vida, que é teu irmão.
Vierna virou costas, quase deixando escapar uma resposta que depois se arrependeria de ter dado.
As façanhas da Matrona Malice com quase todos os soldados da Casa Do’Urden — e muitos outro
que a sedutora Matrona conseguira afastar de outras Casas — eram quase lendárias e
Menzoberranzan. Quem era ela para estar agora a lançar sermões sobre comportamentos próprios o
impróprios? Vierna mordeu o lábio e esperou que nem Briza, nem Malice estivessem a ler-lhe o
pensamentos nesse momento.
Em Menzoberranzan, pensar tais coisas acerca de uma alta sacerdotisa, fossem ou não verdade,
levava a uma dolorosa execução.
Os olhos da mãe de Vierna semicerraram-se, e pensou que tinha sido descoberta.
— Cabe-te a ti prepará-lo — disse-lhe a Matrona Malice.
— Maya é mais jovem — atreveu-se Vierna a protestar. — Eu poderia chegar ao nível de alta
sacerdotisa em apenas alguns anos, se pudesse manter os meus estudos.
— Ou nunca — lembrou-lhe severamente a Matrona. — Leva a criança para a capela, como dev
ser. Ensina-lhe as palavras e ensina-lhe tudo o que terá de saber para servir adequadamente como
príncipe mais novo da Casa Do’Urden.
— Tratarei dele — ofereceu-se Briza, com uma mão, inconscientemente, a deslizar para o seu
chicote de cabeças de serpente. — Tenho tanto gosto em ensinar aos machos o seu devido lugar no
mundo.
Malice olhou-a fixamente.
— És uma alta sacerdotisa. Tens outros deveres mais importantes do que ensinar um varão a falar
— depois, disse para Vierna: — O bebé é teu; não me desiludas com isto! As lições que ensinares a
Drizzt reforçarão o teu próprio entendimento dos nossos usos. Este exercício de «maternidade»
ajudará o teu caminho para vires a ser Alta Sacerdotisa — permitiu a Vierna um momento para
considerar a tarefa de um ponto de vista mais positivo, e depois o seu tom tornou-se de novo
claramente ameaçador: — Poderá ajudar-te, mas também poderá muito seguramente destruir-te!
Vierna suspirou, mas manteve os seus pensamentos em segredo. A tarefa doméstica que a Matrona
Malice acabara de despejar-lhe em cima consumiria a maior parte do seu tempo por pelo menos dez
anos. Essa perspectiva não agradava a Vierna: ela e a criança de olhos violeta juntos durante dez
longos anos. A alternativa, porém — que era a ira da Matrona Malice Do’Urden — parecia de long
algo pior.

Alton cuspiu mais um bocado de teia da boca.


— És apenas um criado, um aprendiz — gaguejou. — Por que razão…
— O matei? — terminou Masoj. — Não para te salvar, se era essa a tua esperança — cuspiu no
corpo do Sem Rosto. — Olha para mim: um príncipe da Sexta Casa e estou aqui feito criado d
limpezas deste desgraçado.…
— Hun’ett — interrompeu Alton. — A sexta Casa é Hun’ett.
O jovem drow levou um dedo aos lábios cerrados.
— Espera… — notou com um sorriso rasgado, um sorriso malicioso e sarcástico — Agora somos
a quinta Casa, calculo, se a Casa DeVir foi extinta.
— Ainda não! — rosnou Alton.
— Mas daqui a nada… — assegurou-lhe Masoj, passando os dedos pela corda do arco.
Alton deixou-se cair ainda mais no seio da teia. Ser morto por um mestre já era mau, mas
indignidade de ser morto por um rapaz…
— Calculo que deva agradecer-te — disse Masoj. — Andava a planear matá-lo há muita
semanas.
— Porquê? — questionou Alton. — Porque havias de te atrever a matar um mestre de Sorcere
simplesmente porque a tua família te colocou ao serviço dele?
— Porque ele era arrogante comigo! — gritou Masoj. — Durante quatro anos, fui escravo dele
desse miserável pedaço de animal. Limpava-lhe as botas. Preparava as mezinhas para aquel
horrenda cara! Mas alguma vez isso era o suficiente? Não para esse aí — cuspiu de novo para o
corpo e prosseguiu, falando mais para si próprio do que para o estudante aprisionado. — Nobres que
aspirem à feitiçaria têm a vantagem de ser treinados como aprendizes antes de chegarem à idade
adequada para entrarem para Sorcere.
— Claro — respondeu Alton. — Eu próprio fui aprendiz de……
— Mas este queria manter-me fora de Sorcere! — resmungou Masoj, ignorando completament
Alton: — Ter-me-ia mandado à força para Melee-Magthere, para a escola dos guerreiros. Escola d
guerreiros! O meu vigésimo quinto aniversário é já daqui a duas semanas — Masoj levantou os olho
subitamente, como se de repente se tivesse apercebido de que não estava sozinho na sala. — Sabia
que teria de matá-lo — prosseguiu, falando agora directamente para Alton. — E depois apareceste tu
e tornaste tudo muito mais simples. Um estudante e um mestre que se matam um ao outro numa luta?
Já aconteceu antes. Quem poria isso em dúvida? Por isso, suponho que te devo agradecer, Alto
DeVir de Casa Nenhuma que Valha a Pena Mencionar — brincou Masoj com uma grande e ostensiv
vénia. — Isto, antes de te matar, claro.
— Espera! — gritou Alton. — Que ganhas com isso?
— Um álibi.
— Mas já tens o teu álibi e podemos torná-lo ainda melhor!
— Explica-te — disse Masoj, que, aparentemente, não estava particularmente apressado. Até
porque o Sem Rosto era um feiticeiro de alto nível; as teias não cederiam tão depressa.
— Liberta-me — disse Alton, com simplicidade.

— Seráaguentou
Alton que és mesmo tãocom
o insulto estúpido como o—Sem
estoicismo até Rosto
porquedizia que éeras?
o rapaz que tinha o arco.…
— Liberta-me, para que eu assuma a identidade do Sem Rosto — explicou. — A morte de u
mestre levanta suspeitas, mas se ninguém souber que ele está morto…
— Então e isto? — perguntou Masoj, dando um pontapé no corpo.
— Queima-se — disse Alton, com o seu plano desesperado a tornar-se cada vez mais claro. —
Que seja Alton DeVir. Já não há Casa DeVir, logo não haverá retaliações, nem perguntas.
Masoj parecia céptico.
— O Sem Rosto era praticamente um eremita — prosseguiu Alton. — E eu estou quase licenciado
decerto poderei lidar com as tarefas simples do ensino básico, ao fim de trinta anos de estudos.
— E o que ganho eu com isso?
Alton riu-se alto, quase ficando soterrado em teias, como se a resposta fosse óbvia.
— Um mestre em Sorcere a quem poderás chamar mentor. Alguém que pode aligeirar-te os anos
de estudo.
— E alguém que poderá desfazer-se de uma testemunha assim que lhe der jeito — acrescentou
Masoj, matreiro.
— Mas então o que ganharia eu com isso? — disparou Alton. — Incorrer na ira da Casa Hun’ett
Quinta Casa da cidade? Logo eu, sem família atrás de mim para me proteger? Não, meu jove
Masoj, não sou tão estúpido como o Sem Rosto dizia que eu era.
Masoj bateu com uma unha longa e espessa contra os dentes e considerou as possibilidades. U
aliado entre os mestres de Sorcere? Isso tinha potencial.
Outro pensamento surgiu na mente de Masoj, e foi abrir o armário ao lado de Alton, começando
remexer no conteúdo. Alton estremeceu quando ouviu alguns contentores de cerâmica e de vidro a
partirem-se, pensando nos componentes, e até possivelmente nas poções já preparadas, que se
poderiam perder devido ao descuido do aprendiz. Talvez Melee-Magthere tivesse sido de facto
melhor escolha para este rapaz, pensou Alton.
Pouco depois, porém, o jovem drow reapareceu e Alton lembrou-se de que não estava em posição
para fazer tais juízos.
— Isto é meu — exigiu Masoj, mostrando a Alton um pequeno objecto preto; era uma pequena e
incrivelmente detalhada figura de uma pantera em ónix. — Foi um presente de um miserável dos
planos inferiores, por uma ajuda que lhe dei.
— Ajudaste uma tal criatura? — teve Alton de perguntar, achando difícil de acreditar que um mero
aprendiz tivesse os recursos necessários para sequer sobreviver ao encontro com um adversário tão
imprevisível e tão poderoso.
— O Sem Rosto — e Masoj pontapeou de novo o cadáver — ficou com o crédito e com
estatueta, mas são ambos meus! Tudo o mais que aqui há ficará contigo, claro. Conheço os
encantamentos de quase tudo o que aqui há, e mostrar-te-ei o que é o quê.
Ganhando alma com a esperança de que conseguiria afinal sobreviver a este dia horrendo, Alton
pouco se importou com a estatueta, de momento. A única coisa que queria era ver-se livre das teias,
para poder saber a verdade acerca do destino da sua Casa. Depois, Masoj, como sempre um jove

drow imprevisível,
— Onde vais? —virou-se deAlton.
perguntou repente e afastou-se.
— Buscar o ácido.
— Ácido? — Alton disfarçou bem o pavor, muito embora tivesse a terrível sensação de ter
compreendido o que Masoj pretendia fazer.
— Vamos querer que o disfarce pareça autêntico — explicou Masoj, como se não fosse nada. —
Caso contrário, não seria grande disfarce. Temos de aproveitar a vantagem da teia enquanto esta
durar. A teia segurar-te-á.
— Não — Alton começou a protestar, mas Masoj passou por ele sem ligar, com um sorriso
malicioso bem escancarado no rosto.
— Parece que dói um bom bocado, e que não será coisa fácil de aguentar, realmente — admitiu
Masoj. — Não tens família e não encontrarás aliados em Sorcere, porque o Sem Rosto er
desprezado pelos outros mestres — ergueu o arco, apontou-o ao nível dos olhos de Alton e aprontou
outro dardo envenenado. — Talvez prefiras a morte.
— Traz o ácido — gritou Alton.
— Para quê? — troçou Masoj, sacudindo o arco. — Que tens tu para viver, Alton DeVir de Cas
Nenhuma que Valha a Pena Mencionar?
— Vingança — murmurou Alton, com a ira do seu tom a levar o confiante Masoj a ficar e
sentido. — Ainda não aprendeste isso, mas vais aprender, meu jovem pupilo… Nada na vida dá mais
alento do que a sede de vingança!
Masoj baixou o arco e olhou para o drow aprisionado com respeito, quase com medo. Mesmo
assim, o aprendiz Hun’ett não pôde avaliar a gravidade da afirmação de Alton até este insistir, desta
vez com um sorriso ávido no rosto:
— Traz o ácido.
Quatro ciclos de Narbondel — quatro dias — mais tarde, um disco brilhante azul pairou sobre o
caminho de pedra ladeado de cogumelos que levava até ao portão coberto de aranhas da Casa
Do’Urden. Os sentinelas viram-no das janelas das duas torres mais exteriores do complexo, enquant
este pairava pacientemente a um metro do chão. As notícias chegaram à família reinante apenas
alguns segundos mais tarde.
— Que poderá ser? — perguntou Briza a Zaknafein, quando ela, o mestre de armas, Dinin e May
se reuniram na varanda do nível superior.
— Uma convocação? — perguntou Zak, quase respondendo ao mesmo tempo. — Não saberemo
enquanto não investigarmos.
Subiu para o varandim e saiu para o vazio, levitando depois até ao chão do complexo. Briza fe
sinal a Maya e a mais jovem das irmãs Do’Urden seguiu Zak.
— Tem o emblema da Casa Baenre — disse Zak para cima, depois de se ter aproximado mais. El
e Maya abriram os grandes portões e o disco deslizou para dentro, não mostrando quaisquer
movimentos hostis.
— Baenre — repetiu Briza por cima do ombro, para o fundo do corredor, onde a Matrona Malic
e Rizzen esperavam.
— Parece que te pedem uma audiência, Matrona Mãe — interveio Dinin, nervosamente.
Malice avançou até à varanda e o marido seguiu-a obedientemente.
— Sabem do nosso ataque? — perguntou Briza no código silencioso. E todos os membros da Cas
Do’Urden, nobres e comuns, partilhavam desse mesmo pensamento desagradável.
A Casa DeVir fora eliminada apenas uns dias antes e um cartão-de-visita da Primeira Matron
Mãe de Menzoberranzan dificilmente poderia ser visto como apenas uma coincidência.
— Todas as casas sabem — respondeu Malice em voz alta, não crendo que o silêncio fosse uma
precaução necessária dentro dos limites do seu próprio complexo. — Serão as provas contra nós tão
esmagadoras que o Conselho Governante seja forçado a entrar em acção? — olhou fixamente par
Briza, com os seus olhos escuros alternando entre o brilho vermelho da infravisão e o verde
profundo da aura da luz normal. — Essa é que é a pergunta que temos de fazer.
Malice avançou até à varanda, mas Briza agarrou a parte de trás do seu pesado vestido negro, par
a deter.
— Não vais
O olhar mesmo em
de Malice, comresposta,
essa coisa? — perguntou.
mostrou ainda mais espanto.
— Mas é claro que sim — respondeu. — A Matrona Baenre não me convidaria abertamente se me
quisesse fazer mal. Nem mesmo os poderes dela são tão grandes que possa ignorar os governantes da
cidade.
— Tens a certeza de que ficas em segurança? — perguntou Rizzen, verdadeiramente preocupado.
Se Malice fosse morta, Briza tomaria o controlo da Casa, e Rizzen duvidava que a filha mais velh
quisesse qualquer macho a seu lado. Mesmo que a maliciosa fêmea desejasse um patrono, Rizzen não
quereria estar nessa posição. Não era pai de Briza, nem sequer era tão velho como ela. Era evident
que o actual patrono da casa tinha muito em jogo com a continuação da boa saúde da matrona Malice.
— A tua preocupação comove-me — respondeu Malice, sabendo bem quais os verdadeiros
receios do marido. Sacudiu-se das mãos de Briza e saiu do varandim, ajeitando o vestido enquanto
descia lentamente.
Briza abanou a cabeça desdenhosamente e fez sinal a Rizzen para a seguir de volta para dentro,
considerando que não seria sensato deixar a maior parte da família assim exposta a olhares inimigos.
— Queres uma escolta? — perguntou Zak, assim que Malice se sentou no disco.
— Tenho a certeza de que encontrarei uma escolta à minha espera assim que sair do perímetro do
nosso complexo — respondeu Malice. — A Matrona Baenre não se arriscará a expor-me a qualque
perigo enquanto estiver ao cuidado da sua Casa.
— De acordo — disse Zak. — Mas queres uma escolta da Casa Do’Urden?
— Se uma tal escolta fosse desejada, teriam chegado dois discos — disse Malice, com um tom de
quem encerra o assunto.
A Matrona começava a considerar asfixiantes as preocupações dos que a rodeavam. Afinal, ela
era a Matrona Mãe; a mais forte, a mais velha e a mais sábia, e não apreciava que outros tivesse
segundas opiniões. Voltando-se para o disco, disse:
— Executa a tua tarefa e despachemos isto!
Zak quase deu uma risada perante a escolha de palavras da Matrona.
— Matrona Malice Do’Urden — disse a voz mágica vinda do disco. — A Matrona Baenr
apresenta as suas saudações. Há demasiado tempo que vós duas não vos sentais em audiência.
— Nunca… — gesticulou Malice para Zak. — Então leva-me à Casa Baenre! — exigiu Malice. —
Não desejo desperdiçar o meu tempo a conversar com uma boca mágica!
Aparentemente, a Matrona Baenre tinha antevisto a impaciência de Malice, porque, sem mais um
palavra, o disco saiu disparado do complexo Do’Urden.
Zak fechou o portão assim que a Matrona saiu, e depois fez sinal aos soldados para se porem e
marcha. Malice não queria qualquer companhia abertamente, mas a rede de espionagem Do’Urde
seguiria ocultamente todos os passos do veículo Baenre, até aos portões do grande complexo da Casa
governante.
A suposição de Malice quanto a uma escolta provou estar correcta. Assim que o disco deslizou do
caminho de entrada da Casa Do’Urden, vinte soldados da Casa Baenre, todos femininos, saíram do
seus esconderijos ao longo da alameda. Formaram um diamante defensivo em volta da Matrona Mã
convidada. Os guardas em cada extremo da formação usavam vestes negras ornamentadas nas costas
com um grande desenho, violeta e vermelho, de uma aranha — eram as vestes de altas sacerdotisas.
— As próprias filhas de Baenre — pensou Malice divertida, pois só as filhas de uma nobre
podiam chegar a tal posto. Que cuidadosa que a Primeira Matrona Mãe tinha sido para se assegura
de que Malice estaria em segurança durante a sua viagem!
Escravos e drow comuns tropeçavam uns nos outros num esforço frenético para se afastarem do
caminho do grupo que se aproximava, enquanto abria caminho pelas ruas sinuosas até ao jardim dos
cogumelos. Os soldados da Casa Baenre exibiam as suas insígnias abertamente, e ninguém queri
concitar a ira da Matrona Baenre, fosse porque fosse.
Malice arregalava os olhos, em descrença, e esperou que um dia pudesse ter tal poder, antes de
morrer.
Uns minutos mais tarde, arregalou de novo os olhos quando o grupo se aproximou da Cas
governante. A Casa Baenre tinha vinte altas e majestosas estalagmites, todas interligadas por pontes e
parapeitos graciosamente arqueados. Fogos mágicos e feéricos brilhavam de milhares de esculturas,
e uma centena de guardas em uniformes sumptuosos circulava por toda a parte em perfeita formação.
Ainda mais cativantes eram as estruturas inversas, as trinta estalactites mais pequenas da Cas
Baenre. Desciam do tecto da caverna, com as raízes perdidas na escuridão. Algumas delas estava
ligadas, nas pontas, às estalagmites, enquanto outras pairavam apenas como lanças apontadas. As
varandas, encurvando-se como um parafuso, tinham sido construídas ao longo de todas elas,
brilhando com uma superabundância de desenhos mágicos iluminados.
Mágica era também a vedação que ligava as bases das estalagmites exteriores, fechando todo o
complexo. Era uma teia gigante, prateada, em contraste com o resto do complexo exterior. Havia
quem dissesse que tinha sido um presente da própria Lolth, com fios fortes como aço, tão grossos
como um braço de um elfo drow. Qualquer coisa que tocasse na vedação de Baenre, mesmo que
fosse a mais afiada das armas drow, simplesmente ficaria ali firmemente presa até que a Matrona
Mãe acedesse a deixá-la partir.
Malice e a sua escolta avançaram directamente para uma secção circular e simétrica da vedação,
entre as torres mais altas e mais exteriores. Enquanto se aproximavam, o portão fez um movimento
em espiral e rolou para dentro, deixando uma abertura suficientemente grande para a entrada da
caravana.
Malice manteve-se sentada em silêncio, tentando não parecer muito impressionada.
Centenas de soldados curiosos observaram o cortejo enquanto este avançava até à estrutura central
da Casa Baenre, com a sua grande cúpula violeta. Os soldados comuns abandonaram o cortejo
deixando apenas as quatro sacerdotisas para escoltarem a Matrona até ao interior.
A visão para lá das grandes portas da capela não desapontou Malice. Um altar central dominava o
local, com uma fila de bancos que se alongava em espiral por várias voltas ao longo do perímetro da
grande sala. Podiam sentar-se ali dois mil drow, e ainda sobrava espaço. Estátuas e ídolos
demasiado numerosos para se poderem contar estavam acima do local, rebrilhando numa luz negra e
serena. No ar, bem acima do altar, pairava uma gigantesca imagem brilhante, uma ilusão óptica em
vermelho e preto que, lenta e continuamente, mudava entre as formas de uma aranha e de uma bela
fêmea drow.
— Um trabalho de Gomph, meu principal feiticeiro — explicou a Matrona Baenre do seu tron
acima do altar, adivinhando que Malice, tal como todos os que alguma vez tinham visitado a capela,
estaria espantada com aquela visão. — Até os feiticeiros têm o seu lugar.
— Desde que saibam que lugar é esse — respondeu Malice, deslizando para fora do disco.
— Concordo — disse a Matrona Baenre. — Os machos conseguem ser tão presunçosos, por vezes.
… Especialmente os feiticeiros! Mesmo assim, gostava de ter Gomph ao meu lado mai
frequentemente, hoje em dia. Foi nomeado Arquimago de Menzoberranzan, sabes? E parece esta
sempre a trabalhar em Narbondel, ou noutras tarefas dessas.
Malice limitou-se a acenar com a cabeça e manteve-se calada. Claro que sabia que o filho de
Baenre era o feiticeiro principal da cidade. Toda a gente sabia disso. Toda a gente sabia, também,
que a filha de Baenre, Triel, era a Matrona Mestra da Academia, uma posição de honra e
Menzoberranzan que só ficava atrás do título de Matrona Mãe de qualquer família. Malice tinh
poucas dúvidas de que a Matrona Baenre acabaria por arranjar maneira de mencionar isso a meio d
conversa, e que não demoraria muito a fazê-lo.
Antes que Malice desse um passo em direcção aos degraus do altar, o mais recente elemento da
sua escolta saiu das trevas. Malice estremeceu visivelmente quando viu a coisa, uma criatura
conhecida por ilithid, um leitor de mentes. Estava de pé, tinha quase um metro de altura, e uns bons
trinta centímetros mais do que Malice, sendo que a maior parte dessa diferença se devia à enorme
cabeça da criatura. Brilhando de lodo verde, a cabeça parecia a de um polvo, com olhos brancos
como leite e sem pupilas.
Malice recompôs-se rapidamente. Os leitores de mentes não eram desconhecidos e
Menzoberranzan, e havia rumores de que um deles era amigo da Matrona Baenre. Estas criaturas
porém, mais inteligentes e mais malignas do que até mesmo os drow, inspiravam quase sempre
arrepios de r epulsa.
— Podes chamar-lhe Methil — explicou a Matrona Baenre. — O verdadeiro nome dele escapa at
à minha capacidade de pronunciação. É um amigo.
Antes que a Matrona Malice pudesse responder, Baenre acrescentou:
— Sim, é claro que Methil me dá uma vantagem nas nossas discussões, e não estás acostumada
ilithids.
Depois, enquanto a boca de Malice se abria em espanto, a Matrona Baenre mandou embora
ilithid.
— Leste os meus pensamentos — protestou Malice.
Poucos se conseguiriam insinuar por entre as barreiras mentais de uma alta sacerdotisa
suficientemente bem para lhe lerem os pensamentos, e essa prática constituía um crime da maior
gravidade na sociedade drow.
— Não! — explicou a Matrona Baenre, imediatamente na defensiva. — Com o teu perdão
Matrona Malice, Methil lê pensamentos, até mesmo os pensamentos de uma alta sacerdotisa como tu
tão facilmente como eu ou tu ouvimos palavras. Comunica telepaticamente. Dou-te a minha palavr
de que nem sequer me tinha apercebido de que não tinhas expressado os teus pensamentos por
palavras.
Malice esperou enquanto via a criatura sair da grande sala, e depois subiu os degraus para o altar.
Apesar dos seus esforços contra essa acção, não conseguia evitar olhar de vez em quando para a
imagem em transformação entre aranha e drow.
— Como está a Casa Do’Urden? — perguntou a Matrona Baenre, simulando delicadeza.
— Bastante bem — respondeu Malice, mais interessada nesse momento em estudar a su
interlocutora do que em conversar. Estavam sozinhas no topo do altar, muito embora uma dúzia de
sacerdotisas andassem decerto por ali nas sombras da grande sala, mantendo um olhar vigilante
sobre a situação.
Malice já consumira tudo o que podia para esconder o seu desprezo pela Matrona Baenre. Malic
era velha, tinha quase quinhentos anos, mas a Matrona Baenre era uma anciã. Os seus olhos tinha
visto a ascensão e a queda de um milénio, segundo alguns relatos, muito embora os drow raramente
vivessem para além dos setecentos anos, e muito menos para além dos oitocentos. Embora os drow
normalmente não demonstrassem a idade — e Malice era ainda tão bela e vibrante agora como fora
no seu centésimo aniversário — a Matrona Baenre estava pálida e enrugada. As rugas em volta d
boca assemelhavam-se a uma teia de aranha, e mal conseguia manter as pálpebras erguidas. A
Matrona Baenre já devia estar morta, notou Malice, mas continuava a viver.
A Matrona Baenre, ainda que parecendo estar tão para além do seu tempo de vida, estava grávida,
e o parto seria daí a uma ou duas semanas.
Também nesse aspecto, a Matrona Baenre desafiava a norma dos elfos negros. Gerara filhos vinte
vezes, o dobro do que era normal para todas as outras em Menzoberranzan, e desses, quinze tinha
sido fêmeas, e todas elas altas sacerdotisas! Dez dos filhos de Baenre eram mais velhos do que
Malice.
— Quantos soldados tens agora às tuas ordens? — perguntou a Matrona Baenre, aproximando-s
mais, para mostrar interesse.
— Trezentos — respondeu Malice.
— Ah — riu-se a velha drow, levando um dedo aos lábios. — Tinha ouvido dizer que eram
trezentos e cinquenta.
Malice fez uma careta, apesar de tentar escondê-la. Baenre estava a provocá-la, referindo-se ao
soldados que a Casa Do’Urden tinha adicionado depois do seu raide à Casa DeVir.
— Trezentos — repetiu Malice.
— Com certeza — replicou Baenre, recostando-se de novo.
— E a Casa Baenre tem mil? — perguntou Malice, sem outra razão que não fosse a de se mante
em pé de igualdade na conversa.
— Esse é o nosso número desde há muitos anos.
Malice interrogou-se de novo sobre por que razão estaria aquela velha coisa decrépita ainda viva.
Decerto mais do que uma das filhas de Baenre aspirava ao lugar da mãe. Porque não teriam ela
conspirado para acabar com a Matrona Baenre? E porque não tinha nenhuma delas, e algumas já na
fases finais da vida, saído para formar a sua própria Casa, tal como era a norma para as filhas nobres
quando ultrapassavam o quinto século? Enquanto vivessem sob o ceptro da Matrona Baenre, os seu
filhos nem sequer seriam considerados nobres, antes sendo relegados para as fileiras dos comuns.
— Já ouviste o destino que teve a Casa DeVir? — perguntou a Matrona Baenre directamente
começando a ficar tão cansada da conversa de circunstância como a sua interlocutora.
— Que Casa? — perguntou Malice interessada. Nesse momento, já não havia Casa DeVir e
Menzoberranzan. Para os drow, essa casa já não existia; nunca tinha existido.
A Matrona Baenre deu uma gargalhada.
— Claro — respondeu. — És agora a Matrona Mãe da Nona Casa. Uma grande honra.
Malice assentiu:
— Sim, mas não tão grande como a honra de ser Matrona Mãe da Oitava Casa.
— Sim — concordou Baenre. — Mas a Nona está apenas um degrau abaixo de um lugar n
Conselho Governante.
— Isso seria, de facto, uma honra — respondeu Malice. Começava a compreender que Baenre nã
estava apenas a provocá-la, mas sim, também, a felicitá-la, e a incentivá-la a proezas ainda maiores.
Malice rejubilou com esse pensamento. Baenre estava nas melhores graças da Rainha Aranha. Se el
estava satisfeita com a ascensão da Casa Do’Urden, então Lolth também estava.
— Não é uma honra tão grande como poderias pensar — disse Baenre. — Somos apenas um grup
de velhas fêmeas intrometidas, que se encontravam de vez em quando para descobrir maneiras de
deitar a mão a coisas que não nos pertencem.
— A cidade reconhece o vosso governo.
— E terá alguma escolha? — riu-se Baenre. — Seja como for, os assuntos dos drow ficam melho
nas mãos das matronas mães das casas individuais. Lolth não admitiria um Conselho que presidisse e
que exercesse algo que se assemelhasse, nem que fosse de longe, a um domínio total. Não crês que a
Casa Baenre poderia ter já conquistado toda a Menzoberranzan, há muito tempo, se esse fosse
desejo da Rainha Aranha? — Malice endireitou-se orgulhosamente na cadeira, boquiaberta perante
palavras tão arrogantes. — Não agora, claro — explicou a Matrona Baenre. — A cidade já é
demasiado grande para tal acção, nos tempos que correm. Mas há muito tempo, antes mesmo de tu
teres nascido, a Casa Baenre não teria tido grandes dificuldades em executar tal conquista. Mas ess
não é nossa atitude. Lolth encoraja a diversidade. Agrada-lhe que as Casas se mantenham,
equilibrando-se umas às outras, prontas para lutarem lado a lado, em momentos de necessidade
comum — fez uma pausa e deixou que um sorriso assomasse aos lábios gretados. — E prontas a
abater-se sobre alguma que caia em desgraça.
Outra referência directa à Casa DeVir, notou Malice, desta vez directamente ligada ao agrado d
Rainha Aranha. Malice descontraiu-se da sua postura zangada e considerou o resto da conversa co
a Matrona Baenre — quase duas horas — bastante agradável.
Mesmo assim, quando regressou ao disco e flutuou para fora do complexo, para lá da maior e mais
forte Casa de Menzoberranzan, Malice não sorria. Perante uma tão aberta exibição de poder, nã
podia esquecer que a intenção da Matrona Baenre ao convocá-la tivera dois aspectos: felicitá-l
privada e cripticamente pelo golpe perfeito; e avisá-la claramente de que não se tornasse demasiado
ambiciosa.
Durante cinco longos anos, Vierna devotou quase todos os seus momentos de vigília ao cuidado do
bebé Drizzt. Na sociedade drow, este não era tanto um tempo de educação, mas mais um tempo de
doutrinação. A criança tinha de aprender as destrezas básicas motoras e de linguagem, como
acontecia com as crianças de qualquer raça inteligente; mas um elfo drow tinha também de ser
instruído sobre os preceitos que mantinham unida aquela sociedade caótica.
No caso de uma criança macho, como Drizzt, Vierna passava horas intermináveis a lembrá-lo de
que era inferior às fêmeas drow. Dado que quase toda esta parte da vida de Drizzt era passada na
capela da família, não se encontrava com nenhuns outros machos, a não ser durante os momentos de
culto comuns. Mesmo quando toda a gente da Casa se reunia para as cerimónias religiosas, Drizz
permanecia em silêncio ao lado de Vierna, com o olhar obedientemente dirigido para o chão.
Quando Drizzt se tornou suficientemente crescido para seguir ordens, o fardo de Vierna tornou-se
menos pesado. Mesmo assim, passava muitas horas a ensinar o irmão mais novo — estavam agora a
trabalhar nos intricados movimentos faciais, de mãos e do corpo do código silencioso. Muitas vezes,
porém, Vierna apenas o mandava tratar da interminável tarefa de manter limpa a capela abobadada.
A sala era apenas um quinto do tamanho da grande sala de Baenre, mas podia conter todos os elfos
negros da Casa Do’Urden e ainda sobravam cem lugares.
Ser tutora já não era agora tão mau, pensava Vierna; mas mesmo assim, desejava poder dedicar
mais do seu tempo aos estudos. Se a Matrona Malice tivesse nomeado Maya para a tarefa de cuida
da criança, Vierna já poderia ter sido ordenada como alta sacerdotisa. Mas ainda tinha mais cinco
anos de deveres para com Drizzt; Maya poderia, por isso, chegar ao alto sacerdócio antes dela!
Vierna sacudiu essa ideia. Não podia dar-se ao luxo de se preocupar com tais problemas.
Terminaria as suas funções de tutora dentro de poucos anos. Por volta do seu décimo aniversário,
Drizzt seria nomeado príncipe da família e serviria em pé de igualdade à Casa. Se o seu trabalh
com Drizzt
não desapontasse a Matrona Malice, Vierna sabia que receberia o que lhe era devido.
— Vai até à parede — instruiu Vierna. — Trata daquela estátua — apontou para uma escultura de
uma fêmea drow nua, a cerca de seis metros do chão. O jovem Drizzt olhou para cima, confuso. Nã
podia subir até à escultura e limpá-la ao mesmo tempo que se segurasse a qualquer coisa. Mas Drizz
sabia o preço elevado de qualquer desobediência — ou mesmo de uma hesitação — e por isso

estendeu
— Nãoosé braços,
assim —à censurou
procura do primeiro ponto de apoio para subir.
Vierna.
— Como, então? — atreveu-se Drizzt a perguntar, porque não fazia ideia do que a irmã lhe estava
a sugerir.
— Eleva-te pela força de vontade até à gárgula — explicou Vierna.
O pequeno rosto de Drizzt contorceu-se, confuso.
— És um nobre da Casa Do’Urden! — gritou-lhe Vierna. — Ou, pelo menos, um dia hás-d
receber essa distinção. Na tua bolsa de trazer ao pescoço trazes o emblema da Casa, que é u
objecto de poder mágico considerável.
Vierna ainda não estava convencida de que Drizzt estivesse pronto para tal tarefa; a levitação era
uma alta manifestação da magia drow inata, certamente mais difícil de dominar do que banhar
objectos em luz mágica ou convocar globos de escuridão. O emblema Do’Urden aumentava este
poderes inatos dos elfos drow, uma magia que emergia normalmente à medida que um drow ia
amadurecendo. Enquanto a maioria dos nobres drow podia convocar a energia mágica para levitar
pelo menos uma vez por dia, os nobres da Casa Do’Urden, usando a sua insígnia, podiam fazê-l
repetidamente.
Normalmente, Vierna não tentaria isto numa criança macho com menos de dez anos, mas Drizz
demonstrara-lhe ter tanto potencial nos últimos anos que não viu mal algum em tentar.
— Põe-te simplesmente diante da estátua — explicou — e usa a força de vontade para subir.
Drizzt olhou para cima, para a escultura feminina, e depois alinhou os pés mesmo em frente ao
objecto. Levou uma mão ao colarinho, tentando sintonizar-se com o emblema. Já antes sentira que
medalha mágica possuía alguma forma de poder; mas fora apenas uma sensação em bruto, uma
intuição infantil. Agora que tinha um foco onde se concentrar, Drizzt confirmou as suas suspeitas e
sentiu a vibração da energia mágica.
Uma série de inspirações profundas limpou os pensamentos que poderiam distrair a mente do
ovem drow. Bloqueou toda a visão do resto da sala; a única coisa que via era a estátua, o seu
destino. Sentiu-se a ficar mais leve, os calcanhares ergueram-se, depois ficou apenas nas pontas dos
pés, mas já nem sentia peso sobre eles. Drizzt olhou para Vierna, com um sorriso rasgado, de
espanto, e depois caiu redondo no chão.
— Macho tonto! — escarneceu Vierna. — Tenta de novo! Tenta mil vezes, se for preciso —
deitou a mão ao chicote de cabeças de serpentes. — Se falhares…
Drizzt desviou os olhos dela, amaldiçoando-se. A sua satisfação levara o feitiço a falhar. Mas
agora sabia que conseguia fazê-lo, e não tinha medo de ser castigado. Concentrou-se de novo na
escultura e deixou a energia mágica acumular-se no corpo.
Vierna também sabia que Drizzt acabaria por ter sucesso. A mente dele era penetrante, mais
acutilante do que alguma que ela já vira, incluindo as de outras fêmeas da Casa Do’Urden. E aquel
criança era teimosa, também; Drizzt não deixaria a magia derrotá-lo. Vierna sabia que ele ficaria ali
diante da estátua a tentar até desmaiar de fome, se tivesse de ser.
Viu-o passar por uma sucessão de pequenos sucessos e falhanços, o último dos quais o fez cair de
uma altura de quase dois metros. Vierna encolheu-se, interrogando-se se Drizzt teria ficado
seriamente magoado. Mas ele, ferido ou não, nem sequer chorou, mas antes regressou à posição
inicial e recomeçou a concentrar-se mais uma vez.
— Ainda é demasiado novo para isso — ouviu-se atrás de Vierna. Esta virou-se na cadeira para
ver Briza, de pé atrás dela, com o costumeiro sorriso de escárnio no rosto.
— Talvez — respondeu Vierna. — Mas só saberei depois de o deixar tentar.
— Chicoteia-o quando falha — sugeriu Briza, puxando do seu cruel instrumento de seis cabeças.
Deu ao chicote um olhar apreciativo — como se fosse uma espécie de animal de estimação — e
deixou que uma cabeça de serpente deslizasse pelo seu pescoço e rosto. — Serve de inspiração.
— Guarda isso — respondeu Vierna. — Compete-me a mim educá-lo, e não preciso da tua ajud
para isso!
— Devias ter mais cuidado com a maneira como falas a uma alta sacerdotisa — avisou Briza, ao
mesmo tempo que todas as cabeças de serpente, que eram extensões dos seus pensamentos, se
viravam ameaçadoramente para Vierna.
— Tal como tu devias saber que a Matrona Malice saberá se interferires com as minhas tarefas —
respondeu Vierna rapidamente.
Briza recolheu o chicote, ao ouvir a menção à Matrona Malice.
— As tuas tarefas… — troçou Briza, com desdém. — És demasiado branda para tal tarefa. A
crianças macho têm de ser disciplinadas; têm de aprender o seu lugar.
Mas, percebendo as consequências complicadas da ameaça da irmã, a mais velha virou costas e
saiu.
Vierna deixou que Briza tivesse a última palavra. A tutora olhou para Drizzt, que ainda estava a
tentar chegar à estátua.
— Basta! — comandou, apercebendo-se de que a criança estava a ficar cansada; mal conseguia
agora levantar os pés do chão.
— Eu consigo! — respondeu imediatamente Drizzt.
Vierna gostava da determinação dele, mas não gostou do tom da resposta. Talvez houvesse alguma
verdade nas palavras de Briza. Puxou do seu chicote de cabeças de serpente. Um pouco d
inspiração talvez ajudasse a avançar.
Vierna estava sentada na capela, no dia seguinte, a observar Drizzt a trabalhar afincadamente,
polindo a estátua da fêmea nua. Levitara toda a altura necessária logo à primeira tentativa, neste dia.
Vierna não pôde deixar de se sentir desiludida por Drizzt não ter olhado para trás, para lhe sorrir
com o seu sucesso. Via-o agora, pairando no ar; as mãos quase nem se viam, tal a rapidez com que
trabalhava com as escovas. Mas o que mais vivamente conseguia ver era, nas costas nuas do irmão,
as cicatrizes que eram a herança da discussão «inspiradora» que tinham tido na véspera. No espectro
infravermelho, as linhas desenhadas pelo chicote apareciam com clareza, como riscos de calor nos
locais onde as camadas isoladoras de pele tinham sido rasgadas.
Vierna compreendia bem os benefícios de bater numa criança, e especialmente uma criança drow
macho. Poucos machos drow se atreviam alguma vez a erguer uma arma contra uma fêmea, a não ser
por ordem de outra fêmea.
— Quanto perderemos por causa disso? — interrogou-se Vierna em voz alta. — Quão mai
poderia alguém como Drizzt vir a ser?
Quando ouviu a suas próprias palavras ditas em voz alta, Vierna sacudiu rapidamente esses
pensamentos blasfemos da cabeça. Aspirava vir a ser uma alta sacerdotisa da Rainha Aranha, Lolth
Impiedosa. Tais pensamentos não estavam de acordo com a sua posição. Lançou um olhar irado para
o irmão, transferindo a sua culpa, e voltou a puxar do instrumento de punição.
Teria de voltar a chicotear Drizzt hoje, por causa dos pensamentos sacrílegos que lhe inspirara.
Assim prosseguiu a relação entre ambos durante mais cinco anos, com Drizzt a aprender as liçõe
básicas da vida na sociedade drow, ao mesmo tempo que limpava interminavelmente a capela da
Casa Do’Urden. Para além da supremacia da fêmea drow (lição sempre acentuada pela chicotad
maligna do chicote de cabeças de serpente), as lições mais repetidas eram as que diziam respeito aos
elfos de superfície. Os impérios do mal unem-se muitas vezes em teias de ódio erguidas contra
inimigos fabricados, e não havia ninguém em toda a história do mundo que fosse melhor nisso do que
os drow. Desde o primeiro dia em que conseguiam compreender a palavra falada, as crianças drow
eram ensinadas de que o que quer que houvesse de errado nas suas vidas poderia ser atribuído aos
elfos da superfície.
Sempre que as presas do chicote de Vierna rasgavam as costas de Drizzt, este gritava clamando
pela morte dos elfos da superfície. O ódio condicionado raramente era uma emoção racional.
Horas vazias, dias vazios.
Sinto que tenho poucas memórias desse primeiro período da minha vida, desses primeiros
dezasseis anos em que labutei como servo. Os minutos tornavam-se horas, as horas
tornavam-se dias, e assim por diante, até que tudo parecia apenas um longo e desolado
momento. Várias vezes consegui escapulir-me para assomar a uma varanda da Casa
Do’Urden e para olhar para as luzes mágicas de Menzoberranzan. Em todas essas sortidas
secretas, dava comigo encantado pela luz crescente, e depois minguante, de Narbondel, o
pilar relógio. Olhando agora para trás, para essas longas horas a observar o brilho do
fogo do feiticeiro a subir lentamente pelo pilar e depois a descê-lo, fico espantado com o
vazio dos meus primeiros dias.
Lembro-me claramente da excitação, da euforia vibrante de cada vez que conseguia sair
de casa e colocar-me em posição para observar o pilar. Era uma coisa tão simples, mas tão
compensadora, quando comparada com o resto da minha existência.
Sempre que ouço o estalido de um chicote, outra recordação — na verdade, é mais uma
sensação do que uma recordação — um arrepio percorre-me a espinha. O choque e o
torpor que se segue ao embate dessas armas com cabeças de serpente não é coisa que

alguma mágica
energia pessoa por
esqueça
todo com facilidade.
o corpo, Mordem
ondas que fazem debaixo da pele,
os músculos enviando
estalar ondaspara
e esticar-se de
além de todos os limites.
Mesmo assim, tive mais sorte que a maioria. A minha irmã Vierna estava prestes a
tornar-se Alta Sacerdotisa quando lhe foi atribuída a tarefa de me educar, e estava num
período da sua vida em que possuía muito mais energia do que essa tarefa exigia. Talvez,
então, tenha havido mais nesses primeiros dez anos da minha vida sob os cuidados dela do
que consigo agora recordar. Vierna nunca mostrou a intensa maldade da nossa mãe — ou,
mais especialmente, da nossa irmã mais velha, Briza. Talvez tenha havido bons momentos
na solidão da capela da Casa; é possível que Vierna tenha permitido que um seu lado mais
gentil se mostrasse ao seu irmão mais novo.
Mas talvez não. Muito embora tenha Vierna como a mais gentil das minhas irmãs, as suas
palavras derramavam o veneno de Lolth tão constantemente como as de qualquer
sacerdotisa de Menzoberranzan. Parece pouco provável que arriscasse as suas aspirações
ao alto sacerdócio apenas em prol de uma mera criança, e uma mera criança macho.
Quer tenha havido alegria nesses primeiros anos, obscurecida pelo assalto sem tréguas
da maldade de Menzoberranzan, quer esse período mais distante da minha vida tenha sido
ainda mais doloroso do que os anos que se seguiram — e tão dolorosos que a minha mente
esconde essas memórias — não posso ter a certeza. Apesar de todos os meus esforços, não
me consigo recordar deles.
Tenho uma ideia mais clara dos seis anos seguintes, mas a recordação mais forte dos dias
que passei a servir como criado na corte da Matrona Malice — para além das minhas
escapadelas para fora da Casa — é a imagem dos meus próprios pés.
Um príncipe-pajem nunca pode levantar os olhos.
— Drizzt Do’Urden
Drizzt respondeu prontamente ao chamamento para ir junto da Matrona Mãe, sem precisar do
incentivo do chicote que Briza costumava usar para o apressar. Quantas vezes já sentira o ferrão
dessa temida arma! Drizzt não tinha pensamentos de vingança contra a irmã mais velha. Com todo o
condicionamento que recebera, receava demasiado as consequências de se virar contra ela; e esse
receio era demasiado grande para lhe permitir ter sequer tal ideia.
— Sabes o que este dia assinala? — perguntou-lhe Malice quando Drizzt chegou junto do grand
trono da escura antecâmara da capela.
— Não, Matrona Mãe — respondeu, mantendo inconscientemente o olhar nos pés.
Um suspiro resignado subiu-lhe à garganta enquanto reparava na visão sempre repetida das pontas
dos seus pés. A sua vida nunca fora mais do que pedra lisa e pontas dos pés, pensou.
Fez deslizar um pé para fora da bota de cano curto e começou a garatujar no chão com a ponta do
dedo. O calor do corpo deixava rastos visíveis no espectro infravermelho, e Drizzt er
suficientemente ágil e rápido para completar desenhos simples antes que as linhas iniciais tivessem
arrefecido.
— Dezasseis anos — disse-lhe a Matrona Malice. — Há dezasseis anos que respiras o ar d
Menzoberranzan. Um importante período da tua vida passou já.
Drizzt não reagiu, não viu nenhuma importância ou significado nesta declaração. A sua vida era
uma rotina interminável e imutável. Um dia, dezasseis anos. Que diferença fazia? Se a mã
considerava importantes as coisas que lhe tinham sido impostas desde que se lembrava, Drizz
estremeceu ao pensar naquilo que as próximas décadas lhe poderiam ainda reservar.
Tinha já quase completado a sua imagem de um drow de ombros redondos — Briza — a ser
mordido no rabo por uma enorme víbora.
— Olha para mim — comandou a Matrona Malice.
Drizzt sentiu-se perdido. A sua tendência natural fora, em tempos, para olhar para a pessoa com
quem estava a falar, mas Vierna não perdera tempo a fazer desaparecer esse instinto à força de
castigos. O lugar de um príncipe-pajem era a servidão, e os únicos olhos que esse príncipe era digno
de olhar eram os das criaturas que percorriam o chão de pedra — excepto os olhos de uma aranha,
claro; Drizzt tinha de desviar o olhar sempre que uma dessas coisas de oito pernas deslizava para o
seu campo de visão. As aranhas eram demasiado boas para os da laia do príncipe-pajem.
— Olha para mim — disse Malice de novo, com o tom de voz a sugerir a sua volátil impaciência.
Drizzt já antes testemunhara as explosões de Malice: uma ira tão incrivelmente vil que varria tudo e
todos os que se encontrassem no seu caminho. Até Briza, tão pomposa e tão cruel, fugia e se escondia
quando a Matrona Mãe se irritava.
Drizzt obrigou-se a levantar os olhos do chão, hesitante, seguindo com o olhar as vestes negras da
mãe, usando o padrão familiar em forma de aranha, ao longo dos lados das vestes, para avaliar o seu
ângulo de visão. Esperava completamente, à medida que avançava cada centímetro, receber uma
pancada na cabeça, ou uma chicotada nas costas: Briza estava atrás dele, sempre com o seu chicote
de cabeças de serpente bem perto da mão ansiosa.
Depois viu-a; a poderosa Matrona Mãe Malice Do’Urden, com os olhos faiscando a vermelho
com o rosto frio, e não ofuscante de calor irado. Mas Drizzt manteve-se tenso, ainda esperando u
golpe punitivo.
— A tua posição de príncipe-pajem expirou — explicou Malice. — És agora o Segundo Rapaz d
Casa Do’Urden e são-te atribuídos todos os…
O olhar de Drizzt deslizou de novo para o chão, inconscientemente.
— Olha para mim! — gritou a mãe, numa raiva súbita.
Aterrorizado, Drizzt voltou a olhar para o rosto dela, que agora brilhava de vermelho ofuscante.
Pelo canto do olho viu o calor em movimento da mão agitada de Malice, mas não foi tolo ao ponto de
se desviar do golpe. Depois, ficou caído no chão, com a cara a arder.
Mas mesmo enquanto caía, Drizzt estava suficientemente alerta para manter o olhar ligado ao olha
de Malice.
— Já não és um servo! — rugiu a Matrona Mãe. — Se continuasses a comportar-te como tal
serias uma desonra para a família — agarrou Drizzt pelo pescoço e pô-lo de pé bruscamente. — Se
desonrares a Casa Do’Urden — prometeu, com a cara a um centímetro da dele — enfiarei agulha
nesses teus olhos cor de violeta.
Drizzt não conseguia sequer piscar os olhos. Nos seis anos desde que Vierna deixara de cuida
dele, colocando-o ao serviço geral de toda a família, acabara por conhecer suficientemente bem a
Matrona Malice para perceber todas as subtis conotações das suas ameaças. Era sua mãe — valess
isso o que valesse —, mas Drizzt não tinha quaisquer dúvidas de que teria prazer em enfiar-lhe
agulhas nos olhos.
— Este é diferente — disse Vierna —, e não é apenas na cor dos olhos.
— De que forma, então? — perguntou Zaknafein, tentando manter a curiosidade a um nível
profissional. Zak sempre gostara mais de Vierna do que das outras, mas ela tinha sido recentemente
ordenada Alta Sacerdotisa, e desde então que se tornara demasiado ambiciosa para seu próprio bem.
Vierna abrandou o passo — a porta para a antecâmara da capela estava agora diante deles.
— É difícil de dizer — admitiu. — Drizzt é mais inteligente do que qualquer criança macho que j
conheci; conseguia levitar aos dez anos. No entanto, depois de se tornar príncipe-pajem, fora
precisas semanas de castigos para lhe ensinar o dever de manter o olhar sempre no chão, como se um
acto tão simples fosse contra a sua constituição natural.
Zaknafein parou e deixou que Vierna passasse antes dele.
— Natural? — sussurrou entredentes, avaliando a implicação das observações de Vierna. Er
invulgar, talvez, para um drow, mas exactamente aquilo que Zak esperava — e desejava — de uma
criança saída das suas entranhas.
Avançou atrás de Vierna até à antecâmara sem luz. Malice, como sempre, estava sentada no trono
à cabeça do ídolo da aranha, mas todas as outras cadeiras da sala tinham sido afastadas para junto
das paredes, muito embora toda a família estivesse presente. Isto ia ser uma reunião formal, percebeu
Zak, dado que apenas a Matrona Mãe tinha direito ao conforto de um assento.
— Matrona Malice — começou Vierna na sua voz mais reverente. — Trago-te Zaknafein
conforme me tinhas pedido.
Zak pôs-se ao lado de Vierna e trocou um aceno com Malice, mas estava mais atento ao mai
ovem Do’Urden, que estava de pé, de tronco nu, ao lado da Matrona Mãe.
Malice levantou uma mão para mandar calar toda a gente, e depois fez sinal a Briza, que segurav
um piwafwi da Casa, para prosseguir.
Uma expressão de grande prazer iluminou o rosto infantil de Drizzt enquanto Briza, entoando o
cânticos encantatórios adequados, colocava a capa mágica, preta e raiada de traços vermelhos e
violeta, por cima dos seus ombros.
— Saudações, Zaknafein Do’Urden — disse Drizzt com entusiasmo, concitando olhares de espant
de todos os que estavam na sala. A Matrona Malice não lhe concedera o privilégio de falar; e ne
sequer tinha pedido a permissão dela! — Sou Drizzt, Segundo Rapaz da Casa Do’Urden, e já não
príncipe-pajem. Agora já posso olhar para ti. Quero dizer: para os teus olhos, e não apenas para as
tuas botas. A Mãe assim mo disse.
O sorriso de Drizzt desapareceu quando viu o desprezo ardente no rosto da mãe.
Vierna ficou como que petrificada, com a boca aberta e os olhos arregalados de incredulidade.
Também Zak estava espantado, mas de forma diferente. Levou uma mão aos lábios, cerrando-os
para os impedir de se abrirem num sorriso que teria inevitavelmente dado azo a uma valente
gargalhada. Zak não se lembrava de alguma vez ter visto o rosto da Matrona Mãe a brilhar tã
intensamente!
Briza, na sua posição habitual atrás de Malice, remexia o chicote, demasiado confundida pela
acções do seu jovem irmão para saber o que havia de fazer. Isso era uma novidade, como Zak be
sabia, pois a filha mais velha de Malice raramente hesitava quando se tratava de castigar.
Ao lado da Matrona, mas agora um prudente passo mais distante, Drizzt calou-se e ficou imóvel
mordendo o lábio. Zak conseguia ver, porém, que o sorriso permanecia nos olhos do jovem drow. A
informalidade e desrespeito de Drizzt pela sua posição tinham sido mais do que um inconsciente
deslize, e mais do que apenas a inocência da inexperiência.
O mestre de armas deu um longo passo para diante, para desviar a atenção da Matrona Mãe d
Drizzt.
— Segundo Rapaz, hem? — perguntou, demonstrando-se impressionado, tanto para agradar ao
orgulho inchado de Drizzt como para aplacar e distrair Malice. — Então é altura de começares
treinar.
Malice deixou que a sua ira se desvanecesse, o que era uma coisa rara.
— Apenas o mais básico da tua parte, Zaknafein. Se Drizzt vai substituir Nalfein, o seu lugar n
Academia deverá ser em Sorcere. Assim, o grosso da sua preparação caberá a Rizzen e aos seu
conhecimentos, por muitos limitados que sejam, das artes mágicas.
— Tens a certeza de que a magia é o que lhe convém, Matrona? — perguntou rapidamente Zak.
— Parece ser inteligente — respondeu Malice. E lançou um olhar zangado a Drizzt. — Pel
menos, algumas vezes. Vierna relatou-me grandes progressos dele no comando dos poderes inatos. A
nossa Casa precisa de um novo feiticeiro — Malice fez um ligeiro sorriso reflexo, lembrando-se do
orgulho da Matrona Baenre com o seu filho feiticeiro, o Arquimago da cidade. Já tinham passad
dezasseis anos desde o seu encontro com a Primeira Matrona Mãe de Menzoberranzan, mas nunc
esquecera nenhum pormenor desse encontro. — Sorcere parece ser o curso natural.
Zak retirou uma moeda da sua bolsa de trazer ao pescoço, fê-la girar entre os dedos e depois
atirou-a ao ar.
— Podemos verificar isso? — perguntou.
— Como queiras — concordou a Matrona Malice, nada surpreendida pelo desejo de Zak d
provar que estava errada.
Zak dava pouco valor à magia, preferindo o gume de uma lâmina ao componente cristalino de u
raio.
Pôs-se diante de Drizzt e entregou-lhe a moeda.
— Lança-a ao ar.
Drizzt encolheu os ombros, interrogando-se sobre que o que significaria toda aquela conversa
entre a mãe e o mestre de armas. Até então, nada ouvira acerca de uma futura profissão planeada para
ele, ou acerca do seu lugar nesse sítio chamado Sorcere. Com um encolher de ombros de
assentimento, meteu a moeda entre o dedo indicador dobrado e fê-la girar no ar com o impulso do
polegar, apanhando-a depois com facilidade. Depois, devolveu-a a Zak e lançou ao mestre de armas
um olhar intrigado, como se para perguntar o que haveria de tão importante em tarefa tão simples.
Em vez de guardar a moeda, o mestre de armas retirou uma outra da bolsa.
— Experimenta com as duas mãos — disse a Drizzt, entregando-lhas.
Drizzt encolheu de novo os ombros e, num movimento fácil, fez saltar as duas moedas e apanhou-
as de novo.
Zak lançou um olhar à Matrona Malice. Qualquer drow poderia ter feito o mesmo, mas dava gost
ver a facilidade com que este tinha executado o acto. Mantendo um olhar desafio para a Matrona, Za
retirou mais duas moedas.
— Põe duas em cada mão e atira-as todas ao mesmo tempo — instruiu a Drizzt.
Quatro moedas subiram no ar. Quatro moedas foram apanhadas. A única parte do corpo de Drizz
que tinha mexido eram os braços.
— Duas mãos — disse Zak para Malice. — Este é um guerreiro. O lugar dele é em Melee
Magthere.
— Já vi magos a fazerem essas proezas — retorquiu Malice, desagradada com o ar de satisfação
no rosto do perturbante mestre de armas. Zak fora em tempos o marido declarado de Malice, e muita
vezes, desde esses tempos distantes, ela o recebera como amante. A destreza e agilidade dele não
estavam limitadas ao uso das armas. Mas juntamente com os prazeres que Zaknafein dava a Malice
com a destreza sensual que levara Malice a poupar-lhe a vida por mais de uma dúzia de vezes, vinha
uma série de dores de cabeça. Era o melhor mestre de armas de Menzoberranzan, outro facto que
Malice não podia ignorar, mas o seu desdém, até mesmo desprezo, pela Rainha Aranha muitas vezes
colocara a Casa Do’Urden em sarilhos.
Zak deu mais duas moedas a Drizzt. Agora entusiasmado com o jogo, Drizzt colocou-as e
movimento. Seis moedas subiram no ar, seis foram apanhadas de novo, caindo três em cada mão.
— Duas mãos — disse Zak de novo, mais enfaticamente ainda.
A Matrona Malice fez-lhe sinal para prosseguir, incapaz de negar a graciosidade da exibição do
filho mais novo.
— És capaz de fazer isto outra vez? — perguntou Zak a Drizzt.
Com cada uma das mãos a trabalhar independentemente, Drizzt depressa ficou com as moeda
empilhadas sobre os dedos indicadores, prontas a serem lançadas. Zak fê-lo parar e tirou mais quatro
moedas, fazendo cada uma das pilhas ficar com cinco moedas. Parou por um momento para apreciar
a concentração do jovem drow (e também para manter as suas próprias mãos por cima das moedas,
para se assegurar de que estivessem suficientemente iluminadas pelo calor do seu corpo para que
Drizzt as visse claramente enquanto estivessem no ar.)
— Apanha-as todas, Segundo Rapaz! — disse, muito sério. — Apanha-as todas, ou vais parar
Sorcere, a escola de magia. E não é lá que deves estar!
Drizzt só tinha uma ideia muito vaga do que Zak estava a falar, mas conseguia ver pela intensidade
do mestre de armas que devia ser algo importante. Respirou fundo e endireitou-se, e depois lançou as
moedas ao ar. Rapidamente seguiu os seus trajectos, discernindo cada uma delas. As primeiras duas
caíram facilmente nas suas mãos, mas Drizzt viu que o padrão de dispersão das restantes não seguiria
uma queda tão linear.
Então, Drizzt pareceu explodir em gestos, executando um círculo perfeito, as mãos transformada
num borrão indiscernível de movimentos. Depois, ficou subitamente muito quieto e parado diante de
Zak. Tinha os punhos fechados, ao lado do corpo, e um sorriso sombrio no rosto.
Zak e a Matrona Malice trocaram um olhar, nenhum deles muito certo do que teria acontecido.
Drizzt estendeu então os punhos cerrados para Zak e depois abriu-os lentamente, com um sorriso
confiante a abrir-se no seu rosto infantil.
Cinco moedas em cada mão.
Zak deu um assobio em surdina. Levara-lhe a ele, mestre de armas da Casa, uma dúzia d
tentativas para conseguir executar esta manobra com dez moedas. Aproximou-se da Matrona Malice.
— Duas mãos — disse, pela terceira vez. — É um guerreiro e eu não tenho mais moedas.
— Quantas conseguiria ele usar? — suspirou Malice, obviamente impressionada, apesar de
contrariada.
— Quantas conseguíssemos dar-lhe — retorquiu Zak, com um sorriso triunfante.
A Matrona Malice deu uma gargalhadinha e abanou a cabeça. Desejara que Drizzt substituíss
Nalfein como mago da Casa, mas o seu teimoso mestre de armas conseguira, como sempre, fazê-l
mudar de planos.
— Muito bem, Zaknafein — disse, admitindo a derrota. — O Segundo Rapaz será um guerreiro
Zak fez um aceno com a cabeça e regressou para junto de Drizzt. — E talvez um dia, não muit
distante, venha a ser o mestre de armas da Casa Do’Urden — acrescentou Malice nas costas dele.
O sarcasmo da Matrona Malice fez Zak parar e lançar-lhe um olhar por cima do ombro.
— Com este — prosseguiu a Matrona Malice, trocista e, como sempre, recuperando a posição d
superioridade sem qualquer pudor — poderíamos esperar alguma coisa menos do que isso?
Rizzen, o actual patrono da família, remexeu-se desconfortavelmente. Sabia — e toda gente sabi
também, incluindo os escravos da Casa Do’Urden — que Drizzt não era seu filho.
— Três salas? — perguntou Drizzt quando ele e Zak entraram no grande salão de treino do complexo
mais a sul da Casa Do’Urden.
Bolas de luz mágica multicolor tinham sido colocadas ao longo da sala de pedra de tecto alto,
envolvendo-a inteiramente numa luz suave e confortável. A sala tinha apenas três portas; uma para
leste, que dava para outra sala exterior que se abria para uma varanda da Casa; outra directamente
em frente de Drizzt, na parede sul, e que dava para a última sala da Casa; e a porta da entrad
principal por onde tinham acabado de entrar. Drizzt percebeu, devido às muitas trancas que Za
estava agora a fechar atrás deles, que não voltaria a sair por aquela porta tão depressa.
— Uma sala — corrigiu Zak.
— Mas mais duas portas — argumentou Drizzt, olhando para o outro lado da sala. — Sem trancas.
— Ah! — corrigiu Zak — As trancas dessas são feitas de senso comum.
Drizzt estava a começar a ter uma ideia.
— Essa porta — prosseguiu Zak, apontando para sul — dá para os meus aposentos privados. Nã
hás-de querer que eu alguma vez te encontre lá dentro. A outra porta dá para a sala de tácticas,
reservada para os tempos de guerra. Se, e quando, alguma vez provares estar à altura do que espero
de ti, poderei talvez convidar-te a juntares-te a mim nessa sala. Esse dia está a anos de distância, por
isso contempla apenas esta única e magnifica sala e considera-a — e girou os braços num arco largo
— como o teu lar.
Drizzt olhou em volta, não muito entusiasmado. Atrevera-se a esperar que tivesse deixado para

trás estetrazia-o
porém, tipo dedetratamento,
regresso a juntamente
essa décadacom
em os
queseus dias de
estivera príncipe-pajem.
encerrado na capelaMas esta situação,
da família com
Vierna. Esta sala nem sequer era tão grande como a capela, e era demasiado apertada para o gosto do
ovem e altivo drow. A pergunta seguinte saiu-lhe como um resmungo:
— E onde vou dormir?
— Em tua casa — respondeu Zak com simplicidade.
— E onde vou comer?
— Em tua casa.
Os olhos de Drizzt semicerraram-se até ficarem apenas como duas pequenas fendas e o rosto
iluminou-se de um calor vermelho.
— E onde… — começou teimosamente, determinado a abrir brechas na lógica do mestre de
armas.
— Em tua casa — respondeu Zak com o mesmo tom comedido e contido, antes que Drizzt pudess
terminar o seu pensamento.
Drizzt assentou os pés firmemente no chão e cruzou os braços frente ao peito.
— Isso parece complicado — resmungou.
— É melhor que não seja — rabujou Zak em resposta.
— Então qual é a finalidade? — começou Drizzt. — Afastas-me da minha mãe…
— Deves tratá-la sempre por Matrona Malice — avisou Zak. — Será sempre Matrona Malice.
— Da minha mãe…
A interrupção seguinte de Zak não foi por palavras, mas por um punho cerrado.
Drizzt acordou vinte minutos mais tarde.
— Primeira lição — explicou Zak, encostado descontraidamente a uma parede a pouco
centímetros dele. — Para teu próprio bem. Referir-te-ás a ela sempre como Matrona Malice.
Drizzt rebolou até ficar de lado e tentou erguer-se apoiando-se no cotovelo, mas sentiu a cabeça a
andar à roda assim que a levantou do chão escuro. Zak agarrou-o e pô-lo para cima.
— Não é tão fácil como fazer malabarismos com moedas — notou o mestre de armas.
— O quê?
— Aguentar um soco.
— Que soco?
— Limita-te a concordar, criança teimosa.
— Segundo Rapaz! — corrigiu Drizzt, com a voz de novo a conter um tom de desafio e com o
braços de novo desafiadoramente cruzados diante do peito.
Zak voltou a cerrar um punho, numa demonstração não muito subtil que Drizzt não pôde deixar de
notar.
— Precisas de dormir mais uma sesta? — perguntou calmamente o mestre de armas.
— Os segundos-rapazes podem ser crianças — admitiu Drizzt, sensatamente.
Zak abanou a cabeça, incrédulo. Isto ia ser interessante.
— Poderás considerar o teu tempo aqui como agradável — disse a Drizzt, enquanto o levava até
uma longa, espessa e colorida (embora a maioria das cores fossem sombrias) cortina decorada. —
Mas apenas se puderes aprender a ter algum controlo sobre essa tua língua demasiado comprida.
Um puxão seco fez descer a cortina, revelando a mais magnífica exposição de armas que o jove
drow (tal como muitos outros drow mais velhos) alguma vez vira. Maças de vários tipos, espadas,
machados, marretas e todo o tipo de arma que Drizzt conseguia imaginar — para além de uma série
delas que nunca imaginara — estavam ali numa exposição complexa.
— Examina-as — disse-lhe Zak. — Demora o teu tempo e aprecia. Aprende quais sentes melho
nas tuas mãos, seguem mais obedientemente as ordens da tua vontade. Quando tivermos acabado,
conhecerás cada uma delas como um companheiro de confiança.
De olhos arregalados, Drizzt avançou pelo expositor, vendo todo aquele local e o potencial de
toda aquela experiência a uma luz completamente diferente. Durante toda a sua vida, os seus
dezasseis anos, o seu maior inimigo fora o tédio. Agora, parecia que Drizzt tinha encontrado armas

para vencer
Zak esse inimigo.
dirigiu-se para a porta dos seus aposentos privados, pensando que seria melhor deixar Drizz
sozinho nesses primeiros momentos estranhos que eram o manejo de novas armas.
No entanto, o mestre de armas parou quando chegou junto da porta e olhou para trás, para o jove
Do’Urden. Drizzt fazia rodopiar uma longa e pesada albarda, com mais do dobro da sua altura, nu
arco lento. Apesar de todas as suas tentativas de manter a arma sob controlo, o peso e o balanço da
arma fizeram o seu pequeno corpo cair redondo no chão.
Zak deu consigo a soltar uma pequena gargalhada, mas esse riso apenas o lembrou da sombria
realidade da sua tarefa. Treinaria Drizzt, tal como já treinara milhares de elfos negros antes dele,
para ser um guerreiro, para o preparar para os testes da Academia e para a vida na perigosa
Menzoberranzan. Treinaria Drizzt para ser um assassino.
Como isso parecia tão contrário à natureza deste! — pensava Zak. Os sorrisos vinham a Drizz
com demasiada facilidade; o pensamento de o ver a trespassar o coração de outro ser vivo com uma
espada revoltava Zaknafein. Mas esse era o modo dos drow, um modo de vida a que Zak se vir
incapaz de resistir ao longo dos seus quatro séculos de vida. Afastando o olhar do espectáculo de
Drizzt a divertir-se, Zak entrou na sua sala e fechou a porta.
— Serão todos assim? — perguntou para a sua sala quase vazia. — Possuirão todas as criança
drow uma tal inocência, tais sorrisos tão simples, tão sem maldade, que não podem sobreviver na
fealdade do nosso mundo?
Dirigiu-se à pequena mesa de um dos lados do aposento, com a intenção de retirar a pala de cima
do globo cerâmico continuamente iluminado que servia de fonte de luz do quarto. Mudou de ideias
quando aquela imagem de Drizzt deliciando-se com as armas se recusou a desvanecer-se, e em vez
disso dirigiu-se para a grande cama que havia do outro lado do quarto.
«Ou será que és especial, Drizzt Do’Urden?», continuou a pensar enquanto se deixava cair n
cama almofadada. «E se és diferente, qual, então, será a causa disso? O sangue? O meu sangue qu
corre nas tuas veias? Ou os anos que passaste com a tua tutora?»
Zak estendeu um braço por cima dos olhos e considerou as suas muitas perguntas. Drizzt er
diferente da norma, acabou por concluir. Mas não sabia se deveria agradecer isso a si próprio ou a
Vierna.
Ao fim de algum tempo, o sono venceu-o. Mas pouco conforto trouxe ao mestre de armas. Fo
visitado por um sonho que já lhe era familiar, por uma recordação viva que nunca se desvanecia.
Zaknafein ouviu mais uma vez os gritos das crianças da Casa DeVir enquanto os soldados da Cas
Do’Urden — soldados que ele próprio treinara — as retalhavam à espada.
— Este é diferente! — gritou Zak, erguendo-se de um salto na cama. Limpou o suor frio da testa
— Este é diferente.
Tinha de acreditar nisso.
— Queres mesmo tentar? — perguntou Masoj, com a voz num tom condescendente e cheio de
descrença.
Alton virou o seu olhar hediondo para o estudante.
— Dirige a tua ira para outro sítio, ó Sem Rosto — disse Masoj, desviando o olhar do rost
disforme do seu mentor. — Não sou eu a causa da tua frustração. A pergunta é válida.
— Durante mais de uma década, tens sido estudante das artes mágicas — respondeu Alton. — E
mesmo assim receias explorar o mundo oculto ao lado de um mestre de Sorcere.
— Nada recearia se estivesse ao lado de um verdadeiro mestre — atreveu-se Masoj a murmurar.
Alton ignorou o comentário, tal como já fizera com tantos outros que já aceitara da parte do seu
aprendiz Hun’ett ao longo dos últimos dezasseis anos. Masoj era o único elo entre Alton e o mundo
exterior, e enquanto ele tinha uma família poderosa, Alton só tinha Masoj.
Passaram pela porta da sala mais alta do complexo de quatro salas de Alton. Havia apenas um
vela acesa, com a sua luz diminuída por uma abundância de tapeçarias de cores escuras e pelo tom
escuro dos tapetes e da pedra da sala. Alton encavalitou-se no seu banco atrás da pequena mesa
circular e colocou um pesado livro diante de si.
— Esse é um encantamento que é melhor ser deixado para as sacerdotisas — protestou Masoj,
sentado diante do Mestre Sem Rosto. — Os magos mandam nos planos inferiores; os morto
competem apenas às sacerdotisas.
Alton olhou em volta com curiosidade, e depois franziu as sobrancelhas para Masoj, com as sua
feições grotescas aumentadas pela luz tremeluzente da vela.
— Parece que não disponho de nenhuma sacerdotisa às minhas ordens — explicou o Sem Rost
sarcasticamente. — Preferirias que tentasse com um qualquer ser inferior dos Nove Infernos?
Masoj recostou-se para trás na cadeira e abanou a cabeça, sem alternativa, e com ênfase. Alton
tinha razão nisso. Um ano antes, o Sem Rosto procurara respostas para as suas pergunta
arregimentando o serviço de um demónio do gelo. Essa coisa volátil fizera gelar a sala até esta
brilhar de negro no espectro infravermelho e destruíra uma panóplia de equipamento alquímico digna
do tesouro de uma matrona mãe. Se Masoj não tivesse convocado a sua pantera mágica para distrai
o demónio de gelo, nem ele nem Alton teriam saído dali com vida.
— Muito bem, então — disse Alton de forma pouco convincente, cruzando os braços diante dele

sobre a mesa.
Alton não — Convoca
deixou então o teu
de perceber o espírito e encontrainvoluntário
estremecimento as tuas respostas.
que as vestes de Masoj traíram.
Olhou fixamente para o estudante por um momento, e depois dedicou-se de novo aos seus
preparativos.
Quando Alton estava perto do momento de lançar o encantamento, a mão de Masoj dirigiu-se
instintivamente para um bolso, para agarrar a estatueta de ónix do gato caçador de que tomara posse
no dia em que Alton assumira a identidade do Sem Rosto. A pequena estatueta estava encantada co
um feitiço poderoso que permitia ao seu possuidor convocar uma poderosa pantera para o seu lado.
Masoj usara o felino com parcimónia, dado que ainda não compreendia completamente as limitações
e os perigos potenciais daquele encantamento. «Só para momentos de necessidade», relembrava
Masoj a si próprio em silêncio enquanto a sua mão sentia a estatueta. Mas porque seria que esse
momentos ocorriam sempre quando estava com Alton? — interrogava-se o aprendiz.
Apesar da sua bravata, desta vez Alton partilhava secretamente dos temores de Masoj. O
espíritos dos mortos não eram tão destrutivos como os conjurados dos planos inferiores, mas podiam
ser igualmente cruéis e mais subtis nos seus tormentos.
Mas Alton precisava da sua resposta. Durante mais de uma década e meia, procurara a informação
pelos canais convencionais, inquirindo mestres e estudantes — de forma dissimulada, evidentemente
— sobre os pormenores da queda da Casa DeVir. Muitos conheciam os rumores dessa noite cheia de
acontecimentos; alguns até davam pormenores das técnicas de batalha usadas pela Casa vitoriosa.
Ninguém, contudo, dizia o nome da Casa que perpetrara o acto. Em Menzoberranzan, ningué
pronunciava o que quer que fosse que se assemelhasse a uma acusação, mesmo que a crença fosse
comummente partilhada, a não ser que houvesse suficientes provas indesmentíveis contra os
acusados. Se uma casa falhava um raide e isso era descoberto, toda a Menzoberranzan caía sobre el
até que o nome da família se extinguisse. Mas no caso de um ataque bem-sucedido, como aquele que
tinha caído sobre a Casa DeVir, um acusador era quem mais provavelmente acabaria do lado errado
de um chicote de cabeças de serpente.
A vergonha pública, talvez mais do que quaisquer linhas de orientação e de honra, faziam gorar as
rodas da justiça na cidade dos drow.
Alton procurava agora novos meios para obter a solução da sua demanda. Primeiro, tentara o
planos inferiores, o demónio de gelo, com efeitos desastrosos. Agora, tinha na sua posse um objecto
que poderia pôr fim às suas frustrações: um tomo redigido por um mago do mundo da superfície. Na
hierarquia drow, só as sacerdotisas de Lolth lidavam com o reino dos mortos, mas noutras
sociedades, os magos também lidavam com o mundo dos espíritos. Alton encontrara o livro na
biblioteca de Sorcere e conseguira traduzir dele o suficiente — ou pelo menos assim pensava —
para fazer um contacto com os espíritos.
Agitou as mãos, abriu o livro com um gesto brusco na página marcada e leu pela última vez o
encantamento.
— Estás pronto? — perguntou a Masoj.
— Não.
Alton ignorou o sarcasmo interminável do estudante e colocou as mãos abertas sobre a mesa.
Lentamente, mergulhou no seu transe meditativo mais profundo.
— Fey innad… — fez uma pausa e pigarreou disfarçando o erro. Masoj, embora não tivesse
examinado o encantamento com atenção, dera pelo erro.
— Fey innunad de-min… — outra pausa.
— Que Lolth esteja connosco! — resmungou Masoj quase em surdina.
Os olhos de Alton abriram-se muito e lançou um olhar penetrante para o estudante.
— É uma tradução — rosnou. — Da língua estranha de um mago humano!
— É uma algaraviada — retorquiu Masoj.
— Tenho diante de mim o livro de encantamentos privado de um mago do mundo da superfície —
disse Alton num tom calmo. — Um Arquimago, segundo as garatujas do ladrão orc que o roubou e
que o vendeu aos nossos agentes — recompôs-se de novo e abanou a cabeça sem cabelos, tentando
regressar às profundezas do seu transe.
— Um simples e estúpido orc conseguiu roubar um livro de encantamentos de um arquimago —
murmurou Masoj retoricamente, deixando que o absurdo dessa declaração falasse por si mesmo.
— O mago estava morto! — rugiu Alton. — O livro é autêntico!
— Quem o traduziu? — respondeu calmamente Masoj.
Alton recusou-se a ouvir mais argumentos. Ignorando o olhar trocista da cara de Masoj
recomeçou:
— Fey innunad de-min de-sul de-ket.
Masoj calou-se e tentou ensaiar uma lição de uma das suas aulas, esperando que os soluços de riso
não perturbassem Alton. Não acreditava, nem por um momento, que os esforços de Alton tivesse
sucesso, mas não queria ser ele a fazê-lo enganar-se outra vez, para depois ter de ouvir o tonto a
repetir aquele ridículo encantamento todo desde o princípio.
Pouco tempo depois, quando Masoj ouviu o murmúrio excitado de Alton — «Matrona Ginafae?
— centrou rapidamente a atenção de novo no assunto que tinha em mãos.
De facto, uma invulgar bola de fumo esverdeado apareceu por cima da chama da vela e foi
tomando, gradualmente, uma forma mais definida.
— Matrona Ginafae! — murmurou Alton de novo quando a conjuração terminou. Pairando diant
dele estava a imagem indesmentível do rosto da mãe morta de Alton.
O espírito perscrutou a sala, confuso.
— Quem és tu? — perguntou por fim.
— Sou Alton. Alton DeVir, teu filho.
— Filho? — perguntou o espírito.
— Teu filho.
— Não me recordo de nenhum filho tão feio.
— É um disfarce — respondeu apressadamente Alton, olhando de soslaio para Masoj, à espera de
ver algum sorriso de troça. Mas se Masoj tinha troçado e duvidado de Alton até aí, agora mostrav
apenas um respeito sincero.
Sorrindo, Alton prosseguiu:
— É apenas um disfarce, para que possa andar pela cidade e exercer a vingança sobre os nossos

inimigos.
— Que cidade?
— Menzoberranzan, evidentemente.
Mesmo assim, o espírito parecia não compreender.
— És mesmo Ginafae? — insistiu Alton. — A Matrona Ginafae DeVir?
As feições do espírito contorceram-se num esgar de desdém enquanto apreciava a pergunta.
— Já o fui, penso.
— Matrona Mãe da Casa DeVir, Quarta Casa de Menzoberranzan — sugeriu Alton, cada vez mai
entusiasmado. — Alta Sacerdotisa de Lolth.
A menção à Rainha Aranha fez um raio saltar dentro do espírito.
— Oh, não — vacilou. Ginafae lembrava-se agora. — Não deverias ter feito isto, meu feio filho.
— É apenas um disfarce — insistiu Alton.
— Tenho de te deixar — continuou o espírito de Ginafae, olhando em volta receosamente. — Tens
de me deixar partir!
— Mas preciso de algumas informações tuas, Matrona Ginafae.
— Não me chames isso! — guinchou o espírito. — Não compreendes! Não estou nas boas graça
de Lolth.
— Sarilhos… — murmurou Masoj casualmente, nada surpreendido.
— Apenas uma resposta! — exigiu Alton, recusando-se a perder mais uma oportunidade de saber
a identidade dos seus inimigos.
— Depressa! — uivou o espírito.
— Diz-me que Casa destruiu a Casa DeVir.
— A Casa? — pensou Ginafae. — Sim, lembro-me dessa noite maligna. Foi a Casa…
A bola de fumo estourou num novelo e perdeu os contornos, retorcendo a imagem de Ginafae e
fazendo com que as palavras seguintes chegassem numa toada indecifrável.
Alton pôs-se de pé num salto.
— Não! — gritou. — Tens de me dizer! Quem são os meus inimigos?
— Ter-me-ias na conta de um deles? — disse a imagem do espírito numa voz muito diferente da
que tinha usado anteriormente, com um tom de poder absoluto que fez fugir todo o sangue do rosto de
Alton. A imagem contorceu-se e transformou-se em algo muito feio, muito mais feio até do que Alton.
Hediondo para além de qualquer experiência possível no Plano Material.
Alton não era um sacerdote, evidentemente, e nunca estudara a religião drow para além dos
princípios básicos que eram ensinados aos machos da raça. Mas conhecia a criatura que agora
pairava no ar diante dele, pois esta aparecia como um pedaço pegajoso e escorregadio de cera
derretida: era uma yochlol, uma aia de Lolth.
— Como te atreves a perturbar os tormentos de Ginafae? — interrogou a yochlol.
— Raios — murmurou Masoj, deslizando lentamente para debaixo da toalha preta que cobria
mesa. Até mesmo ele, apesar de todas as suas dúvidas acerca de Alton, não esperara que o seu
desfigurado mentor acabasse metido em sarilhos desta magnitude.
— Mas… — gaguejou Alton.

Nunca
— Não maischegar
tentei perturbes este Plano,
ao Abismo fraco feiticeiro!
— protestou — rugiu
fracamente Alton.a yochlol.
— Só queria falar com…
— Com Ginafae! — retorquiu a yochlol. — Sacerdotisa caída em desgraça de Lolth. Ond
esperavas encontrar o espírito dela, macho tonto? A dançar no Olimpo, com os falsos deuses dos
elfos da superfície?
— Não pensei…
— Será que alguma vez o fizeste? — troçou a yochlol.
— Nadinha — respondeu Masoj em surdina, com o cuidado de se manter o mais fora do caminho
que fosse possível.
— Nunca mais voltes a perturbar este Plano — avisou a yochlol uma última vez. — A Rainh
Aranha não é piedosa e não tolera machos intrometidos!
O rosto da criatura inchou e fez um «puf», expandindo-se para além dos limites da bola de fumo.
Alton ouviu ruídos de gorgolejos e soluços e caiu de novo no seu banco, encostando as costas
pesadamente à parede e colocando os braços defensivamente à frente da cara.
A boca da yochlol abriu-se desmesuradamente e cuspiu uma chuva de pequenos objectos. Estes
fizeram ricochete em Alton e foram cravar-se na parede em volta. Pedras? — interrogou-se o
feiticeiro sem rosto, confundido. Um dos objectos deu-lhe então a resposta à pergunta que não
chegara a formular. Agarrou-se às vestes longas e negras de Alton e começou a rastejar para cima,
até ao pescoço. Eram aranhas.
Uma onda de bichos de oito pernas correu por baixo da mesa, fazendo Masoj sair a correr do outro
lado, tropeçando, desesperado. Conseguiu pôr-se de pé e virar-se, para ver Alton a esbracejar e a
bater com os pés selvaticamente, tentando fugir do grupo mais denso daquelas coisas rastejantes.
— Não as mates! — gritou Masoj. — Matar aranhas é proibido pelo…
— Que as sacerdotisas e as suas leis vão para os Nove Infernos! — uivou Alton em resposta.
Masoj encolheu os ombros, num assentimento sem alternativa; vasculhou por debaixo das pregas
das vestes e retirou de lá o mesmo arco que usara para matar o Sem Rosto, havia tantos anos.
Apreciou a potente arma e as pequenas aranhas que corriam pela sala.
— Será demasiado poder? — perguntou em voz alta. Não obtendo resposta, encolheu os ombros e
disparou.
O pesado dardo rasgou o ombro de Alton, deixando um golpe profundo. O mago ficou a olhar,
incrédulo, e depois dardejou uma careta mortífera contra Masoj.
— Tinhas uma no ombro — explicou o estudante.
A expressão de fúria de Alton não diminuiu.
— Ingrato — riu-se Masoj. — Insensato Alton! Todas as aranhas estão do teu lado da sala. J
reparaste? — Masoj virou-se para sair e ainda gritou por cima do ombro: — Boa caçada.
Deitou a mão ao puxador da porta, mas enquanto os seus longos dedos se fechavam em volta deste,
a superfície do portal transformou-se numa grande imagem da Matrona Ginafae. Esta sorri
largamente, demasiado abertamente, e uma língua impossivelmente comprida e húmida espreitou para
fora e lambeu Masoj no rosto.
— Alton! — gritou Masoj, saltando para trás e encostando-se à parede, fora do alcance daquele

membro viscoso.
debater-se Reparou
por manter que o mago estava
a concentração a meio
enquanto umadalegião
recitação de um encantamento.
de aranhas Alton
prosseguia a sua estava a
esfaimada
ascensão pelas suas vestes.
— Estás morto — comentou Masoj, sem artifícios, abanando a cabeça.
Alton lutou para prosseguir o rigoroso ritual do encantamento; ignorou a repulsa por aquelas
coisas rastejantes e forçou a convocação até estar completa. Em todos os seus anos de estudo, nunca
teria acreditado que fosse capaz de fazer uma tal coisa. Ter-se-ia rido só de pensar nisso. Agora,
porém, parecia-lhe um destino muito mais preferível do que o pesadelo pendente da yochlol.
Deixou cair uma bola de fogo aos pés.
Nu e sem cabelo, Masoj saiu aos tropeções pela porta, fugindo daquele inferno. O mestre sem rosto
em chamas foi atrás dele, caindo num rolo e rasgando as vestes em fogo e descolando-as das costas
enquanto avançava.
Enquanto observava Alton a apagar as últimas chamas com palmadas, uma recordação agradável
relampejou na mente de Masoj, e expressou o único lamento que dominava todos os seus
pensamentos nesse momento desastroso.
— Deveria tê-lo morto quando o tinha preso na teia.
Pouco tempo depois, após Masoj ter regressado ao quarto e aos estudos, Alton enfiou as pulseira
metálicas ornamentais que o identificavam como mestre da Academia e saiu da estrutura de Sorcere.
Avançou até à larga e serpenteante escadaria que descia desde Tier Breche e sentou-se a apreciar a
vista de Menzoberranzan.
Mesmo com essa visão, porém, a cidade pouco fazia para distrair Alton dos pensamentos acerca
do seu mais recente falhanço. Durante dezasseis anos pusera de parte todos os outros sonhos e
ambições, na sua desesperada busca para encontrar a Casa culpada. Durante dezasseis anos, falhara.
Interrogou-se sobre quanto tempo mais conseguiria perseguir esta charada e manter o ânimo.
Masoj, seu único amigo — se era que Masoj se poderia chamar um amigo — estava a mais de meio
caminho nos estudos em Sorcere. Que faria Alton quando Masoj completasse os estudos
regressasse à Casa Hun’ett?
— Talvez tenha de arrastar os meus fardos ainda durante séculos — disse em voz alta —, para
depois acabar assassinado por algum estudante desesperado, tal como eu próprio — tal como Masoj
— matámos o Sem Rosto. Será que também esse estudante se irá desfigurar e assumir o meu lugar?
Alton não conseguiu impedir a risadinha irónica que lhe perpassou pela boca sem lábios, perante a
ideia de um «mestre sem rosto» perpétuo em Sorcere. Em que ponto acabaria a Matrona Governant
da Academia por desconfiar de alguma coisa? Mil anos? Dez mil? Ou poderia mesmo o Sem Rost
perdurar para além da própria Menzoberranzan? A vida de mestre não era má, pensou Alton. Muitos
drow sacrificariam muita coisa para atingirem essa honra.
Alton deixou o rosto repousar na curva do braço e obrigou-se a afastar esses pensamentos. Não
era um mestre verdadeiro, nem a posição usurpada lhe trazia qualquer espécie de satisfação. Talvez
Masoj devesse mesmo tê-lo morto nesse dia, dezasseis anos antes, em que estava preso na teia do
Sem Rosto.
O desespero
temporal de Alton
implicada em tudoapenas se tornou
isto. Mal mais profundo
tinha completado quando
o seu apreciouaniversário
septuagésimo a verdadeira escala
e era ainda,
pelos padrões drow, um jovem. A ideia de que apenas um décimo da sua vida tinha ainda ficado para
trás não era uma ideia reconfortante para Alton DeVir, nessa noite.
— Quanto tempo sobreviverei? — perguntou-se. — Quanto tempo tenho até que esta loucura que é
a minha existência acabe por me consumir? — Olhou por cima da cidade. — Mais valia que o Se
Rosto me tivesse morto — murmurou. — Pois agora sou apenas Alton de Casa Nenhuma que Valha
Pena Mencionar.
Masoj atribuíra-lhe esse epíteto na primeira manhã após a queda da Casa DeVir, mas nessa altura,
com a vida presa por um fio, Alton não entendera as implicações desse título. Menzoberranzan não
era mais do que uma colecção de casas individuais. Um comum vagabundo bem poderia bater à porta
de uma delas e passar a chamar-lhe sua. Mas um nobre caído em desgraça não seria provavelmente
aceite por nenhuma casa da cidade. Restava-lhe Sorcere, e nada mais, até que a sua verdadeir
identidade fosse finalmente descoberta. Que punições teria então de enfrentar, pelo crime de matar
um mestre da Academia? Ainda que tivesse sido Masoj a cometer o crime, esse tinha uma Casa par
o defender. Alton era apenas um nobre isolado.
Encostou-se, apoiando-se nos cotovelos, e observou a luz crescente de Narbondel. Enquanto o
minutos se iam tornando horas, o desespero de Alton e a sua auto-comiseração foram-se alterando
inevitavelmente. Agora, voltava a atenção de novo para as casas de Menzoberranzan, e não para o
conglomerado que fazia delas uma cidade, e interrogou-se sobre que negros segredos cada uma delas
esconderia. Uma delas, lembrou Alton a si mesmo, guardava o segredo que ele mais ardentemente
queria conhecer. Uma delas tinha eliminado a Casa DeVir.
Esquecido estava já o falhanço dessa noite com a Matrona Ginafae e a yochlol; esquecido estav
á o lamento por uma morte prematura. Dezasseis anos não era assim tanto tempo, decidiu. Teria
talvez sete séculos de vida no seu corpo esguio. Se tivesse de ser, estava preparado para passar cada
minuto desses longos anos em busca da Casa culpada.
— Vingança — uivou bem alto, necessitado dessa lembrança audível da sua única razão para
continuar a respirar.
Zak continuou a pressionar com uma série de golpes baixos. Drizzt tentou recuar rapidamente e
regressar a pé de igualdade, mas o ataque sem tréguas seguia cada passo que dava, e foi forçado a
manter os movimentos exclusivamente na defensiva. A maior parte das vezes, Drizzt acabava por ver
os punhos das suas armas mais próximos de Zak do que as lâminas.
Zak deixou-se então cair numa posição baixa e depois saltou avançando contra a defesa de Drizzt.
Drizzt rodopiou as cimitarras numa cruz executada com mestria, mas teve de se endireitar
rapidamente para evitar o assalto igualmente ágil do mestre de armas. Drizzt sabia que tinha sido
emboscado e esperava já o ataque seguinte, enquanto Zak mudava o peso do corpo para a outra perna
e carregava, com as pontas de ambas as espadas apontadas aos rins de Drizzt.
Drizzt rosnou uma maldição surda e colocou as suas cimitarras numa cruz baixa, pretendendo usar
o V formado pelas armas para aparar o golpe das espadas do mestre. Num súbito impulso, hesitou
enquanto interceptava as espadas de Zak, e em vez disso saltou para trás, apanhando um doloroso
golpe no lado interior da coxa. Irritado, lançou ambas as cimitarras ao chão.
Zak também saltou para trás. Mantinhas as espadas ao lado do corpo, com um ar de sincer
confusão no rosto.
— Não devias ter falhado esse movimento — disse secamente.
— Os movimentos estão errados — respondeu Drizzt.
Aguardando mais explicações, Zak baixou a ponta de uma espada e apoiou-se na arma. Em ano
passados, tinha ferido, e até morto, outros estudantes por um desafio tão descarado.
— A posição em cruz baixa sustém o ataque, mas com que vantagem? — prosseguiu Drizzt. —
Depois de completado o movimento, as pontas das minhas espadas continuam demasiado em baixo
para qualquer rotina de ataque eficaz, e tu ficas livre para recuar incólume.
— Mas derrotaste o meu ataque.
— Apenas para enfrentar outro a seguir — argumentou Drizzt. — A melhor posição que posso
esperar obter destas defesas em cruz baixa é uma posição de igualdade.
— Sim… — incentivou Zak, sem compreender o problema do aluno com esse cenário.
— Lembra-te da tua própria lição! — gritou Drizzt. — Cada movimento deve trazer um
vantagem, segundo me ensinaste, mas não vejo qualquer vantagem em usar a cruz baixa.
— Estás a citar apenas uma parte dessa lição, para tua vantagem — troçou Zak, agora a fica
igualmente zangado. —
trazer uma vantagem ou Completa a frase,
eliminar uma ou então simplesmente
desvantagem». A cruz baixanão a uses!
derrota «Cada
o duplo movimento
golpe baixo e odeve
teu
oponente ganha obviamente a vantagem se tentar uma manobra tão ousada de ataque! Regressar a uma
posição de igualdade é de longe preferível, nesse momento.
— Os movimentos estão errados — disse Drizzt teimosamente.
— Pega nas tuas armas — rosnou-lhe Zak, dando um passo ameaçador em frente. Drizzt hesitou
Zak atacou, com as espadas em riste.
Drizzt baixou-se, pegou nas cimitarras e ergueu-se para enfrentar o assalto enquanto se indagava se
isto seria mais uma lição ou um verdadeiro ataque.
O mestre de armas carregou furiosamente, lançando golpe atrás de golpe e fazendo Drizzt recua
em círculos. Drizzt defendeu-se bastante bem e começou a notar um padrão muito familiar enquanto
os ataques de Zak começavam a surgir cada vez mais baixos, mais uma vez forçando os punhos das
armas de Drizzt a subir e a ficarem acima das lâminas.
Drizzt percebeu que Zak queria provar o seu argumento com acções, e não por palavras. Vendo a
fúria no rosto de Zak, porém, Drizzt não estava certo de até onde o mestre de armas estaria disposto a
ir para provar o seu argumento. Se Zak mostrasse estar certo nas suas observações, atacaria de novo
a coxa de Drizzt? Ou o coração? Zak subia e descia, e Drizzt endireitava-se e ficava em tensão.
— Duplo golpe baixo — rugiu o mestre de armas. E as suas armas carregaram.
Drizzt estava pronto para ele. Executou uma cruz baixa, sorrindo trocista perante o círculo de
metal das suas cimitarras cruzadas diante das espadas que avançavam para ele. Drizzt prosseguiu
depois com apenas uma das suas lâminas, pensando que conseguiria desviar suficientemente bem
ambas as espadas de Zak dessa forma. Agora, com uma lâmina livre do movimento previsto, Drizz
fê-la rodar num contra-ataque traiçoeiro.
Assim que Drizzt mudou a direcção, Zak percebeu a manha — um truque que já suspeitava qu
Drizzt tentasse. Baixou a ponta de uma das suas espadas — a que estava mais perto do punho d
única espada de defesa de Drizzt — até ao chão, e Drizzt, tentando manter a resistência e o equilíbrio
ao longo da cimitarra de bloqueio, perdeu o pé. Era suficientemente rápido para se reequilibrar antes
de cambalear demasiado, ainda que os nós dos dedos tivessem chegado a roçar a pedra do chão.
Continuava a acreditar que tinha Zak apanhado na sua ratoeira, e que poderia terminar o seu brilhante
contra-ataque. Deu um pequeno passo para diante, para recuperar o equilíbrio completo.
O mestre de armas agachou-se de imediato, sob o arco da cimitarra rodopiante de Drizzt, e de
uma volta completa, levando um calcanhar a bater no joelho exposto de Drizzt. Antes que Drizzt se
desse sequer conta do ataque, deu consigo caído de costas no chão.
Zak interrompeu abruptamente o seu próprio balanço e voltou a colocar os pés no chão na posição
normal. Antes que Drizzt conseguisse começar a perceber o estonteante contra-contra-ataque, deu
com o mestre de armas por cima dele, com a ponta da espada a fazer jorrar uma minúscula e
dolorosa gota de sangue no seu pescoço.
— Tens mais alguma coisa a dizer? — rosnou Zak.
— Os movimentos estão errados — respondeu Drizzt.
A gargalhada de Zak veio-lhe das entranhas. Deitou a espada ao chão, baixou-se e puxou o teimoso

aluno
Drizzt,para o pôr de
enquanto pé. Acalmou-se
empurrava rapidamente,
o aluno para com
a distância de oum
olhar a enfrentar
braço. o olhara cor
Zak admirava de alfazema
facilidade de
com que
Drizzt se posicionava, a forma como manejava as cimitarras gémeas como se fossem uma extensão
natural dos braços. Drizzt apenas estava a treinar desde havia alguns meses, mas já dominava o uso
de quase todas as armas do vasto armorial da Casa Do’Urden.
Aquelas cimitarras! As armas de eleição de Drizzt, com lâminas curvas que aumentavam o
estonteante rodopio do estilo de combate do jovem drow. Com aquelas cimitarras nas mãos, este
ovem drow, que pouco mais era ainda do que uma criança, poderia vencer metade dos membros da
Academia, e um arrepio percorreu a espinha de Zak quando ponderou sobre o quão magnifico se
tornaria após anos de treino.
Mas não eram apenas as capacidades físicas e o potencial de Drizzt Do’Urden que faziam Za
parar e apreciar o aluno. Zak acabara por perceber que o temperamento de Drizzt era de facto
diferente do de um drow mediano; Drizzt possuía um espírito de inocência, e não tinha nenhuma
maldade. Zak não conseguia deixar de sentir-se orgulhoso quando olhava para Drizzt. Em todos o
aspectos, o jovem drow seguia os mesmos princípios — uma moral tão invulgar em Menzoberranzan
— que Zak.
Drizzt também reconhecera a ligação, embora não fizesse ideia de como as visões partilhadas
entre ele e Zak eram tão singulares naquele mundo drow tão maligno. Percebia que o «Tio Zak» er
diferente de qualquer outro dos elfos negros que já conhecera, muito embora estes incluíssem apenas
os da sua família e umas dezenas de soldados da Casa. Zak era decerto muito diferente de Briza,
irmã mais velha de Drizzt, com as suas ambições de zelo quase cego pela misteriosa religião de
Lolth. Zak era decerto diferente da Matrona Malice, mãe de Drizzt, que parecia nunca dizer nada
Drizzt a não ser ordens.
Zak era capaz de sorrir perante situações que não provocavam necessariamente sofrimento a
ninguém. Era o primeiro drow que Drizzt conhecera que estava aparentemente contente com a su
situação na vida. Zak era o primeiro drow que Drizzt alguma vez ouvira rir.
— Boa tentativa — admitiu o mestre de armas perante o falhado contra-ataque de Drizzt.
— Numa verdadeira batalha, estaria morto — respondeu Drizzt.
— Claro — disse Zak —, mas é por isso mesmo que treinamos. O teu plano era de mestre, e
momento perfeito. Só que a situação era a errada. Mesmo assim, volto a dizer que foi uma bo
tentativa.
— Já estavas à espera disso — disse o estudante.
Zak sorriu e assentiu.
— Isso será talvez porque já vi essa manobra a ser tentada por outro aluno.
— Contra ti? — perguntou Drizzt, sentindo-se um pouco menos especial, agora que sabia que a
suas intuições em combate não eram tão singulares.
— Nada disso — respondeu Zak com uma piscadela de olho. — Vi o contra-ataque falhar d
mesma perspectiva que tu, com o mesmo resultado.
O rosto de Drizzt iluminou-se de novo.
— Pensamos da mesma maneira — comentou.
— É verdade — disse Zak —, mas o meu conhecimento foi crescendo com quatro séculos de
experiência, enquanto tu nem sequer ainda viveste muitos anos. Acredita, meu ambicioso aluno. O
movimento correcto é a cruz baixa.
— Talvez — respondeu Drizzt.
Zak disfarçou um sorriso.
— Quando encontrares um contra-ataque melhor, tentá-lo-emos. Mas até lá, acredita no que te
digo. Treinei mais soldados do que me consigo sequer lembrar; todo o exército da Casa Do’Urden,
dez vezes esse número quando servi como mestre em Melee-Magthere. Ensinei Rizzen, todas as tua
irmãs e ambos os teus irmãos.
— Ambos?
— Eu… — Zak fez uma pausa e lançou um olhar intrigado a Drizzt. — Estou a ver — disse po
fim. — Nunca se deram sequer ao trabalho de te dizer.
Zak interrogou-se se lhe competiria a ele dizer a verdade a Drizzt. Duvidava de que a Matron
Malice se importasse com isso; provavelmente, não dissera nada a Drizzt simplesmente porque não
considerara a história da morte de Nalfein digna de menção.
— Sim, ambos — decidiu-se Zak a explicar. — Quando nasceste, tinhas dois irmãos: Dinin, qu
conheces, e outro mais velho, Nalfein, que era um mago de poder considerável. Nalfein foi morto e
combate na mesma noite em que nasceste.
— Contra anões ou gnomos malignos? — murmurou Drizzt, de olhos arregalados como um
criança que implora uma história de arrepiar antes de ir para a cama. — Estava a defender a cidade
de conquistadores malvados ou monstros vagabundos?
Zak teve dificuldade em reconciliar as percepções distorcidas das crenças inocentes de Drizzt.
«Enterrem-se os jovens em mentiras», disse para consigo. Mas a Drizzt respondeu:
— Não.
— Então contra algum oponente ainda mais manhoso? — insistiu Drizzt. — Elfos perversos d
superfície?
— Morreu às mãos de outro drow! — deixou escapar Zak, frustrado, apagando o entusiasmo do
olhos brilhantes de Drizzt.
Drizzt recuou para considerar as possibilidades, e Zak mal conseguia suportar a visão da confusão
que fazia contorcer o rosto do jovem drow.
— Guerra contra outra cidade? — perguntou Drizzt sombriamente. — Não sabia…
Zak deixou o assunto morrer aí. Voltou-se e dirigiu-se lentamente para o seu aposento privado.
Que Malice ou um dos seus lacaios destruíssem a lógica inocente de Drizzt. Atrás dele, Drizz
conteve a sua linha de perguntas seguintes, compreendendo que a conversa, e a aula, tinham acabado.
E percebendo, também, que alguma coisa importante tinha transpirado.
O mestre de armas lutou com Drizzt durante longas horas, à medida que os dias se iam transformando
em semanas, e as semanas em meses. O tempo tornara-se algo sem importância; lutavam até a
exaustão os dominar, e regressavam à arena de combate assim que estavam capazes disso.
Ao terceiro ano, com dezanove anos, Drizzt era capaz de enfrentar o mestre de armas durante
horas, tomando até a ofensiva em muitos dos seus embates.
Zak apreciava estes dias. Pela primeira vez em muitos anos, encontrara alguém com potencial par
se tornar seu igual em combate. Pela primeira vez de que Zak se lembrava, o riso acompanhav
muitas vezes o clamor do embate de armas de adamantite na sala de treino.
Viu Drizzt crescer até ficar alto e esguio, atento e sempre em tensão, para além de inteligente. O
mestres da Academia teriam dificuldade em encontrar um rival à altura de Drizzt, até mesmo ao fi
do seu primeiro ano!
Esse pensamento entusiasmava o mestre de armas apenas durante o tempo necessário para se
lembrar dos princípios da Academia, dos preceitos da vida drow, e do que fariam do seu
maravilhoso aluno. Como apagariam aquele sorriso dos olhos de alfazema de Drizzt…
Uma recordação acutilante desse mundo drow exterior à sala de treino visitou-os um dia, na
pessoa da Matrona Malice.
— Dirige-te a ela com o devido respeito — avisou Zak quando Maya anunciou a entrada d
Matrona Mãe.
O mestre de armas avançou prudentemente alguns passos para saudar em privado a cabeça da Casa
Do’Urden.
— As minhas saudações, Matrona — disse, com uma profunda vénia. — A que devo a honra da
tua presença?
A Matrona Malice riu-se dele, desfazendo aquela fachada.
— Tanto tempo que tu e o meu filho passam aqui — disse a Matrona. — Vim para ver que
benefícios tem isso para o rapaz.
— É um excelente guerreiro — garantiu-lhe Zak.
— É bom que seja — murmurou Malice. — Irá para a Academia dentro de um ano.
Zak semicerrou os olhos para ela, perante as palavras de dúvida, e respondeu:
— A Academia nunca viu melhor espadachim.
A Matrona afastou-se de Zak e foi pôr-se diante de Drizzt.
— Não duvido das tuas proezas com a espada — disse a Drizzt, embora lançando um olhar par
trás, para Zak, enquanto dizia isto. — Tens o sangue necessário. Mas há outras qualidades que faze
um guerreiro drow; qualidades do coração. A atitude de um guerreiro!
Drizzt não sabia como lhe responder. Apenas a vira algumas vezes ao longo daqueles três anos, e
mal tinham trocado uma palavra.
Zak viu a confusão na cara de Drizzt e receou que o rapaz cometesse algum deslize — que er
precisamente o que a Matrona queria. Depois, Malice teria uma desculpa para retirar Drizzt da tutel
de Zak — desonrando-o de caminho — para o entregar a Dinin ou a outro assassino qualquer se
paixão. Zak podia ser o melhor instrutor com a espada, mas agora que Drizzt aprendera o uso da
armas, Malice queria-o emocionalmente endurecido.
Zak não podia arriscar; dava demasiado valor ao seu tempo com Drizzt. Desembainhou a espada
carregou por trás da Matrona Malice, gritando:
— Mostra-lhe, jovem guerreiro!
Os olhos de Drizzt tornaram-se focos de chamas enquanto via a aproximação do seu instrutor. As

cimitarras
fazer surgiram-lhe nas mãos tão rapidamente como se apenas tivesse exercido a vontade de as
aparecer.
E ainda bem que assim era! Zak avançou para Drizzt com uma fúria que o jovem drow nunca ante
vira, ainda mais do que quando Zak lhe mostrara o valor do movimento de cruz baixa. Saltara
faíscas quando as espadas embateram contras as cimitarras, e Drizzt deu consigo a recuar, com
ambos os braços já doridos devido à força do embate dos golpes do mestre.
— Que estás tu a… — tentou Drizzt perguntar.
— Mostra-lhe — rosnou Zak, assestando golpe atrás de golpe.
Drizzt escapou à justa a um golpe que o teria certamente deixado morto. Mas a confusão mantinh
os seus movimentos puramente na defensiva.
Zak bateu numa das cimitarras de Drizzt, e depois na outra, fazendo abrir a guarda, e depois uso
uma arma inesperada, levando um pé direito até ao nível do olhos e assestando depois um golpe com
o calcanhar no nariz de Drizzt.
Drizzt ouviu o som de cartilagem a partir e sentiu o calor do seu próprio sangue a correr-lhe pela
cara. Recuou e rodopiou, tentando manter uma distância segura do seu oponente enlouquecido, até
conseguir recuperar os sentidos.
Agachado, viu Zak, a curta distância e a aproximar-se.
— Mostra-lhe! — uivava Zak zangado, a cada passo ameaçador.
As chamas púrpura do fogo feérico banhavam a pele de Drizzt, fazendo dele um alvo ainda mai
fácil. Respondeu da única maneira que podia; fez descer um globo de escuridão sobre si próprio e
Zak. Pressentindo o movimento seguinte do mestre de armas, caiu para a frente e saltou para diante,
mantendo a cabeça baixa — o que foi uma escolha sábia.
Assim que se apercebeu da escuridão, Zak levitou rapidamente a três metros de altura e rodopio
de novo, girando as suas lâminas ao nível da cara de Drizzt.
Quando Drizzt saiu pelo outro lado do globo escuro, olhou para trás e apenas viu a metade inferio
das pernas de Zak. Não precisou de ver mais nada para perceber os ataques mortíferos do mestre de
armas. Zak tê-lo-ia esquartejado, se não se tivesse agachado na escuridão.
A ira tomou o lugar da confusão. Quando Zak desceu da sua posição de levitação e saiu a corre
do globo de escuridão, Drizzt deixou que a sua ira o conduzisse de novo para a luta. Fez uma piruet
mesmo antes de atingir Zak, com uma cimitarra a cortar uma linha em arco graciosa, e com a outra a
segui-la num golpe vertical traiçoeiramente certeiro.
Zak esquivou-se à ponta da primeira lâmina e ergueu um bloqueio à segunda.
Drizzt ainda não tinha acabado. Deu à sua lâmina atacante uma série de breves e viciosos golpe
em frente que mantiveram Zak na defensiva durante uma dúzia de passos, ou mais, forçando-o a
regressar à escuridão do globo. Tinham agora de confiar apenas nos seus incrivelmente afinados
sentidos de audição e nos instintos. Zak conseguiu por fim recuperar o pé, mas Drizzt pô
imediatamente os seus pés em movimento, pontapeando sempre que o equilíbrio das suas lâminas
rodopiantes o permitiam. Um pé conseguiu mesmo passar pelas defesas do mestre de armas, fazendo
o ar sair de súbito dos pulmões do mestre.
Saíram de novo do globo e também Zak brilhava agora bem à vista, banhado pela luz feérica.

mestre deque
percebeu armas sentiu-se
desta desgostado
vez, nem com
a ele, nem o ódiotinha
a Drizzt que se desenhava
sido no rosto
dada hipótese de do seu jovem
escolha. Esta aluno,
luta terimas
de ser feia, teria de ser real. Gradualmente, Zak recuperou um ritmo mais simples, exclusivamente
defensivo, e deixou que Drizzt, na sua fúria explosiva, se desgastasse.
Drizzt continuou incessantemente, sem dar tréguas e sem dar sinais de cansaço. Zak ia-o
ludibriando, fazendo-o ver abertas onde afinal não as havia, e Drizzt era sempre rápido a seguir as
pistas enganadoras, lançando um golpe, uma parada ou um pontapé.
A Matrona Malice observava o combate em silêncio. Não poderia negar a magnitude do treino qu
Zak dera ao filho; Drizzt estava — fisicamente — mais do que preparado para o combate.
Zak também sabia que, para a Matrona Malice, a simples perícia com as armas poderia não se
suficiente. Zak tinha de impedir a Matrona de conversar com Drizzt o mais possível. Porque ela nã
aprovaria as atitudes do filho.
Drizzt estava a começar a cansar-se, e Zak conseguia perceber isso, embora reconhecendo que o
cansaço evidente nos braços do aluno era, em parte, uma artimanha.
— Avança com isso — murmurou silenciosamente, e de súbito «torceu» o tornozelo, com o braço
direito a rodar aberto enquanto tentava equilibrar-se, abrindo uma brecha nas suas defesas a que
Drizzt não poderia resistir.
O golpe esperado veio num ápice e o braço esquerdo de Zak abateu-se num contragolpe curto que
fez saltar a cimitarra da mão de Drizzt.
— Ah! — gritou Drizzt, que já esperava o movimento e estava a lançar a sua segunda astúcia. A
cimitarra que lhe restava abateu-se sobre o ombro esquerdo de Zak, carregando inevitavelmente
sobre a sequência da troca de golpes.
Mas na altura em que Drizzt ia lançar o segundo golpe, Zak já estava de joelhos. Enquanto
lâmina de Drizzt voava inofensivamente por cima dele, Zak pôs-se de pé e lançou um gancho de
direita, com o punho para a frente, que apanhou Drizzt em cheio na cara. Um Drizzt estupefacto de
um salto para trás e ficou em perfeita imobilidade durante um longo momento. A cimitarra que lhe
restava caiu no chão e os olhos brilhantes não pestanejaram.
— Uma manha dentro de outra manha, dentro de outra manha — explicou Zak calmamente.
Drizzt caiu redondo no chão, inconsciente.
A Matrona Malice acenou em sinal de aprovação enquanto Zak regressava para junto dela.
— Está pronto para a Academia — notou. O rosto de Zak tomou uma expressão amarga. Nã
respondeu. — Vierna já lá está — prosseguiu ela. — Para ensinar como Dama de Arach-Tinilith,
Escola de Lolth. É uma grande honra.
Um louro na coroa da Casa Do’Urden, como Zak bem sabia; mas era suficientemente esperto par
se manter calado.
— E Dinin partirá em breve — disse a Matrona.
Zak ficou surpreendido. Dois filhos a servirem na Academia como mestres, ao mesmo tempo?
— Deves ter trabalhado muito para conseguir essas disposições — atreveu-se a notar.
A Matrona Malice sorriu.
— Favores que eram devidos, favores que foram cobrados.

— Parasoltou
Malice que finalidade? — perguntou Zak. — Para protecção de Drizzt?
uma gargalhada.
— Por aquilo que vi, seria mais provável ser Drizzt a proteger os outros dois.
Zak mordeu o lábio perante o comentário da Matrona. Dinin continuava a ser duas vezes melho
guerreiro e um matador dez vezes mais desapiedado do que Drizzt. Zak sabia que Malice teria outro
motivos.
— Três das oito primeiras Casas serão representadas por não menos de quatro filhos na Academia
ao longo das próximas duas décadas — admitiu a Matrona Malice. — O filho da Matrona Baenr
começará na mesma classe de Drizzt.
— Tens, então, aspirações — disse Zak. — Quão alto, pois, subirá a Casa Do’Urden sob
orientação de Matrona Malice?
— O sarcasmo ainda te há-de custar a língua — avisou a Matrona Mãe. — Seríamos loucos se nã
aproveitássemos uma tal oportunidade para sabermos mais acerca dos nossos rivais.
— As primeiras oito Casas — conjecturou Zak. — Tem cautela, Matrona Malice. Não te esqueça
de ser previdente para a hipótese de surgirem rivais nas Casas menos importantes. Houve em tempo
uma Casa, chamada Casa DeVir, que cometeu esse erro.
— Nenhum ataque virá pelas costas — desdenhou Malice. — Somos a Nona Casa, mas possuímo
mais força do que uma mão-cheia de outras. Nenhuma nos atacará pelas costas; há alvos mais fáceis
na fila.
— E tudo para nossa vantagem — acrescentou Zak.
— Esse é o objectivo de tudo, não será? — perguntou Malice, com um sorriso malvado
escancarado na boca.
Zak não precisava de responder; a Matrona conhecia os seus verdadeiros sentimentos. Esse nã
era, precisamente, o objectivo.
— Fala menos, e o teu queixo sarará mais depressa — disse Zak mais tarde, quando estava já de
novo a sós com Drizzt.
Drizzt lançou-lhe um olhar de desprezo. O mestre de armas abanou a cabeça.
— Tornámo-nos grandes amigos — disse.
— Isso era o que eu pensava — resmungou Drizzt.
— Então, pensa com clareza — instou Zak. — Acreditas que a Matrona Malice aprovaria uma ta
ligação entre o seu mestre de armas e o seu filho mais jovem — e mais valioso? És um drow, Drizz
Do’Urden, e de sangue nobre. Não podes ter amigos!
Drizzt endireitou-se como se tivesse levado uma bofetada.
— Pelo menos, abertamente — concedeu Zak, pousando um mão reconfortadora no ombro do
ovem. — Amigos significam vulnerabilidade, uma vulnerabilidade indesculpável. A Matrona
Malice nunca aceitaria… — fez uma pausa, percebendo que estava a ir depressa demais para o seu
ovem aluno. — Bom — admitiu numa conclusão simples —, pelo menos sabemos o que somos.
Por qualquer razão, a Drizzt isso não pareceu o suficiente.
— Vem, depressa — instruiu Zak a Drizzt uma noite, depois de terem acabado o treino. Dada
urgência do tom do mestre de armas, e tendo em conta que Zak nem sequer parara para esperar por
ele, Drizzt percebeu que algo importante estava a acontecer.
Apanhou finalmente Zak na varanda da Casa Do’Urden, onde já estavam Maya e Briza.
— O que é? — perguntou Drizzt.
Zak puxou-o para perto e apontou para o outro lado da caverna, para os limites nordeste da cidade.
Havia luzes a relampejar e depois a morrer lentamente, em jorros súbitos. Um pilar de fogo ergueu-
se no ar e depois desapareceu.
— Um raide — disse Briza sem emoção. — Casas menores, nada que nos afecte.
Zak viu que Drizzt não estava a compreender.
— Uma Casa atacou outra — explicou. — Vingança, talvez, mas mais provavelmente uma tentativa
para subir a uma posição mais alta na cidade.
— A batalha está a ser longa — notou Briza. — E as luzes continuam a relampejar.
Zak continuou a esclarecer o evento ao confuso Segundo Rapaz da Casa Do’Urden.
— Os atacantes deveriam ter bloqueado a batalha dentro dos confins de um anel de escuridão. O
facto de não o terem feito poderá indicar que a Casa sitiada estava pronta para se defender do ataque.
— Não está a correr tudo bem para os atacantes — concordou Maya.
Drizzt mal conseguia acreditar no que estava a ouvir. Ainda mais alarmante do que o
acontecimento em si, era a forma como a sua família falava acerca dele.
Eram tão calmos nas suas descrições, como se tudo aquilo fosse uma ocorrência já esperada.
— Os atacantes não podem deixar ficar nenhuma testemunha — explicou Zak a Drizzt. — Cas
contrário, incorrerão na ira do Conselho Governante.
— Mas nós somos testemunhas — argumentou Drizzt.
— Não — respondeu Zak. — Somos espectadores; esta batalha não nos diz respeito. Só os nobre
da Casa atacada têm o direito de fazer acusações contra os seus atacantes.
— Se restarem alguns vivos — acrescentou Briza, apreciando obviamente o drama.
Nesse momento, Drizzt não tinha a certeza se apreciava esta nova revelação. Mas, sentisse o qu
sentisse, descobriu que não conseguia desviar os olhos do espectáculo da batalha entre os drow.
Todo o complexo Do’Urden estava agora em rebuliço, com soldados e escravos correndo por todo o
lado, em busca de um local de observação e gritando descrições da acção e boatos acerca dos
atacantes.
Isto era a sociedade drow em plena e macabra diversão, e se bem que tudo isso parecesse
derradeiramente errado ao mais jovem membro da Casa Do’Urden, Drizzt não poderia negar
excitação daquela noite. Nem poderia negar as expressões de óbvio prazer estampadas nos rostos
dos três que com ele partilhavam a varanda.
Alton dirigiu-se aos seus aposentos privados uma última vez, para se assegurar de que quaisquer
artefactos ou tomos que pudessem parecer minimamente sacrílegos estivessem bem escondidos.
Estava à espera de uma visita de uma Matrona Mãe, o que era uma ocasião rara para um mestre d
Academia sem ligações a Arach-Tinilith, a Escola de Lolth. Alton estava mais do que um pouc
ansioso acerca dos motivos desta visitante em particular — a Matrona SiNafay Hun’ett, cabeça d
Quinta Casa da cidade e mãe de Masoj, parceiro de Alton numa conspiração.
Uma batida na porta de pedra da sala mais exterior do seu complexo disse a Alton que a
convidada tinha chegado. Endireitou as vestes e deu mais uma olhada em volta pelo quarto. A porta
abriu-se antes que Alton conseguisse lá chegar e a Matrona SiNafay entrou de rompante. Com qu
facilidade fizera a transformação — sair do escuro absoluto do corredor exterior em direcção à luz
das velas da sala de Alton — sem sequer um pestanejar de olhos!
SiNafay era mais pequena do que Alton imaginara, pequena até pelos padrões drow. Pouco mai
teria do que um metro e vinte, e pesaria, pelo cálculo de Alton, não mais do que vinte e cinco quilos.
Mas era uma Matrona Mãe, e Alton recordou a si mesmo que poderia fulminá-lo apenas com u
simples encantamento.
Alton desviou o olhar obedientemente e tentou convencer-se de que não havia nada de invulgar
nesta visita. Ficou menos à vontade, porém, quando Masoj entrou na sala e foi pôr-se ao lado da mãe,
com um sorriso descarado na cara.
— Saudações da Casa Hun’ett, Gelroos — disse a Matrona SiNafay. — Vinte e cinco anos, o
mais, já passaram desde a última vez que conversámos.
«Gelroos»?, interrogou-se Alton em silêncio. Pigarreou para disfarçar a surpresa.
— As minhas saudações, Matrona SiNafay — conseguiu balbuciar. — Já passou tanto tempo?
— Devias vir a Casa — disse a Matrona. — Os teus aposentos continuam vagos.
«Os meus aposentos?» Alton começou a sentir-se muito agoniado.
SiNafay não deixou de perceber o olhar dele. Um sorriso de desdém perpassou-lhe pelos lábios
os olhos semicerraram-se.
Alton suspeitou de que o seu segredo teria sido revelado. Se o Sem Rosto tinha sido membro d
família Hun’ett, como poderia Masoj ter esperado conseguir enganar a Matrona Mãe da Casa
Procurou a melhor via de fuga, ou pelo menos alguma maneira de conseguir matar aquele traiçoeiro
Masoj, antes que SiNafay o deitasse abaixo.
Mas quando voltou a olhar para a Matrona SiNafay, esta já começara a entoar um encantament
quase silencioso. Os olhos abriram-se-lhe muito quando completou o encantamento, com as suas
suspeitas confirmadas.

— Quem és tu? — perguntou, com uma voz que parecia mais curiosa do que realmente
preocupada.
Não havia escapatória, nem havia maneira de chegar a Masoj, que se mantinha prudentemente ao
lado da poderosa mãe.
— Quem és tu? — perguntou de novo SiNafay, puxando de um instrumento de três cabeças do se
cinto — o temido chicote com cabeças de serpente que injectava o mais doloroso e incapacitante
veneno conhecido dos drow.
— Alton — gaguejou, sem outro remédio que não fosse responder. Sabia que, dado que ela estava
agora prevenida, SiNafay usaria uma simples magia para detectar quaisquer mentiras que ele
inventasse. — Sou Alton DeVir.
— DeVir? — a Matrona SiNafay pareceu pelo menos intrigada. — Da Casa DeVir que morreu h
uns anos?
— Sou o único sobrevivente — admitiu Alton.
— E mataste Gelroos… Gelroos Hun’ett… E tomaste o lugar dele como mestre em Sorcere
raciocinou a Matrona, com um tom jocoso. A tragédia parecia cada vez mais prestes a abater-se
sobre Alton.
— Eu não… Eu não podia saber o nome dele… E ele ter-me-ia morto! — balbuciou Alton.
— Quem matou Gelroos fui eu — disse uma voz mais atrás.
SiNafay e Alton olharam para Masoj, que mais uma vez empunhava o seu arco favorito.
— Matei-o com isto — explicou o jovem Hun’ett. — Na noite em que a Casa DeVir caiu
Encontrei a minha desculpa na briga que Gelroos estava a ter com esse aí.
Apontou para Alton.
— Gelroos era teu irmão — relembrou a Matrona SiNafay a Masoj.
— Que os seus ossos sejam amaldiçoados! — disse Masoj. — Durante quatro miseráveis anos
servi-o. Servi-o como se fosse uma Matrona Mãe! E ele queria mandar-me para fora de Sorcere
que fosse para Melee-Magthere.
A Matrona olhava alternadamente para Alton e para Masoj.
— E deixaste que este vivesse — conjecturou, com um sorriso de novo nos lábios. — Mataste o
teu inimigo e forjaste uma aliança com um novo mestre, numa só jogada.
— Tal como fui ensinado a fazer — disse Masoj entredentes, sem saber se a estas palavras se
seguiria um castigo ou um elogio.
— Eras apenas uma criança — notou SiNafay, apercebendo-se subitamente da cronologia do
factos.
Masoj aceitou o elogio em silêncio.
Alton observava tudo isto ansiosamente.
— Então e eu? — exclamou. — A minha vida está acabada?
SiNafay lançou-lhe um olhar intenso.
— A tua vida como Alton DeVir acabou, ao que parece, na noite em que a Casa DeVir caiu.
Assim, permanecerás o Sem Rosto, Gelroos Hun’ett. Dão-me jeito os teus olhos na Academia… Par
vigiares os inimigos do meu filho e os meus inimigos.

Alton quase
poderosas não conseguia Uma
de Menzoberranzan! respirar. Dardeconsigo
torrente subitamente
possibilidades aliado a inundou-lhe
e de perguntas uma das casas mais
a mente,
com uma em especial, que o vinha assediando desde havia duas décadas.
A sua Matrona Mãe adoptiva reconheceu a excitação.
— Diz o que estás a pensar — ordenou-lhe.
— És uma alta Sacerdotisa de Lolth — disse Alton com ousadia, com aquela ideia fixa
sobrepor-se a todas as cautelas. — Está dentro dos teus poderes conceder-me o meu mais profundo
desejo.
— Atreves-te a pedir um favor? — a Matrona SiNafay espantou-se, embora visse o tormento n
rosto de Alton e tivesse ficado intrigada pela aparente importância do mistério. — Muito bem.
— Que Casa destruiu a minha família? — perguntou Alton. — Pergunta ao Outro Mundo, imploro
te, Matrona SiNafay.
SiNafay considerou a questão cuidadosamente, e as possibilidades que se abriam derivadas d
aparente sede de vingança de Alton. Seria mais um benefício consequente de permitir que aquele ser
entrasse para a família? SiNafay indagou-se.
— Isso já eu sei — respondeu. — Talvez quando tiveres demonstrado o teu valor te diga.
— Não! — gritou Alton. Mas calou-se imediatamente, percebendo que tinha interrompido um
Matrona Mãe, crime que implicava uma sentença de morte.
SiNafay conteve os seus ímpetos de ira.
— Essa pergunta deve ser muito importante para ti, para te levar a agir de forma tão tola — disse.
— Por favor — implorou Alton. — Tenho de saber. Mata-me, se quiseres, mas primeiro diz-me
quem foi.
SiNafay gostou da coragem dele, e a obsessão de Alton só poderia mostrar ser uma vantagem par
ela.
— A Casa Do’Urden — disse.
— Do’Urden? — repetiu Alton, quase não conseguindo acreditar que uma Casa tão recuada n
hierarquia da cidade tivesse podido derrotar a Casa DeVir.
— Não encetarás nenhuma acção contra eles — avisou a Matrona SiNafay. — E perdoar-te-ei
tua insolência, desta vez. És agora um filho da Casa Hun’ett; lembra-te sempre do teu lugar!
E deixou ficar as coisas por ali, sabendo que alguém que fora suficientemente esperto para pôr e
prática um tal logro durante quase duas décadas não seria suficientemente tolo para desobedecer à
Matrona Mãe da sua Casa.
— Vem, Masoj — disse a Matrona para o filho. — Deixemos este sozinho, para que poss
ponderar na sua nova identidade.
— Tenho de te dizer, Matrona SiNafay — atreveu-se Masoj a dizer enquanto ele e a mãe saíam de
Sorcere —, que Alton DeVir é um fanfarrão. Pode trazer problemas à Casa Hun’ett.
— Sobreviveu à queda da sua Casa — respondeu a SiNafay — e manteve o ardil do Sem Rost
durante quase vinte anos. Fanfarrão? Talvez, mas pelo menos um fanfarrão útil.
Masoj esfregou inconscientemente a área da sua sobrancelha que nunca voltara a crescer.
— Tive de sofrer os estratagemas de Alton DeVir durante todos estes anos — disse. — Ele tem,
de facto, uma boa dose de sorte, admito, e consegue sair-se dos sarilhos, mas esses sarilhos é
geralmente ele quem os provoca!
— Não receies — riu-se SiNafay. — Alton traz valor para a nossa Casa.
— Que podemos esperar ganhar com ele?
— É um mestre da Academia — respondeu SiNafay. — Dá-me olhos onde eu preciso deles agor
— fez parar o filho e virou-o de forma a enfrentá-la, para que percebesse bem as implicações de
cada uma das suas palavras.
— A acusação de Alton DeVir contra a Casa Do’Urden pode trabalhar a nosso favor. Era u
nobre da Casa, com direitos de acusação.
— Pretendes usar a acusação de Alton para congregar as grandes Casas no sentido de punirem
Casa Do’Urden? — perguntou Masoj.
— As grandes casas dificilmente teriam vontade de atacar por causa de um incidente ocorrido há
quase vinte anos — respondeu SiNafay. — A Casa Do’Urden levou a efeito a destruição da Cas
DeVir quase na perfeição; foi uma liquidação limpa. Mencionar sequer uma acusação clara contra o
Do’Urden seria atrair a ira das grandes casas contra nós mesmos.
— Para que nos serve então Alton DeVir? — perguntou Masoj. — A acusação dele é-nos inútil.
A Matrona respondeu-lhe:
— És apenas um macho e não consegues entender as complexidades da hierarquia governante.
Com a acusação de Alton DeVir sussurrada aos ouvidos adequados, o conselho Governante poder
olhar para o outro lado se uma única casa exercer a vingança em nome de Alton.
— Com que finalidade? — notou Masoj, sem compreender a importância disso. — Arriscar-te-ia
às perdas de uma tal batalha só pela destruição de uma casa menor?
— Foi assim que pensou a Casa DeVir acerca da Casa Do’Urden — explicou SiNafay. — N
nosso mundo, temos de nos preocupar tanto com as Casas menores como com as grandes casas.
Todas as grandes casas agiriam de forma sensata neste momento se observassem atentamente os
movimentos de Daermon N’a’shezbaernon, nona Casa, conhecida como Casa Do’Urden. Tem agor
um mestre e uma mestra a servir na Academia, e três altas sacerdotisas, com uma quarta quase a
atingir esse objectivo também.
— Quatro altas sacerdotisas? — ponderou Masoj. — E isso numa só Casa.
Só três das oito casas principais podiam gabar-se ter mais do que isso. Normalmente, as irmãs que
aspiravam a tais posições elevadas inspiravam rivalidades que inevitavelmente reduziam as fileiras.
— E as legiões da Casa Do’Urden andam já em mais de trezentos e cinquenta soldados
prosseguiu SiNafay —, todos eles treinados por aquele que é capaz de ser o melhor mestre de arma
de Menzoberranzan.
— Zaknafein Do’Urden, claro! — lembrou-se Masoj.
— Já ouviste falar dele?
— O nome dele é muitas vezes mencionado na Academia, e mesmo em Sorcere.
— Ora bem — disse com suavidade SiNafay. — Então, perceberás o peso real da missão qu
escolhi para ti.
Um brilho sôfrego surgiu nos olhos de Masoj.
— Outro Do’Urden deverá entrar para aqui em breve — explicou SiNafay. — Não como mestre
mas como estudante. Segundo as palavras daqueles poucos que já viram esse rapaz, Drizzt, a treinar,
será um guerreiro da mesma fibra de Zaknafein. Não deveremos permitir isso.
— Queres que mate o rapaz? — perguntou Masoj, expectante.
— Não — respondeu SiNafay. — Ainda não. Quero saber mais sobre ele, compreender o
motivos de cada passo que ele der. Se chegar de facto o momento de o atacar, terás de estar
preparado.
Masoj gostou da sua vil missão, mas uma coisa ainda o preocupava um pouco.
— Ainda temos Alton a considerar — disse. — É impaciente e ousado. Quais serão a
consequências para a Casa Hun’ett se ele atacar a Casa Do’Urden antes do momento devido
Poderemos invocar guerra aberta na cidade, com a Casa Hun’ett a ser vista como o atacante?
— Não te preocupes, meu filho — respondeu a Matrona SiNafay. — Se Alton DeVir comete
algum erro grave enquanto estiver a fazer-se passar por Gelroos Hun’ett, expô-lo-emos como u
impostor e assassino, e nunca membro da nossa família. Será apenas um vilão sem abrigo, com u
executor à sua espreita a cada passo que der.
A explicação simples deixou Masoj mais tranquilo, mas a Matrona SiNafay, tão conhecedora do
modos da sociedade drow, compreendera o risco que estava a correr desde o momento em que
aceitara Alton DeVir na sua casa. O seu plano parecia à prova de fogo e os ganhos possíveis —
eliminação da cada vez mais importante Casa Do’Urden — eram um isco demasiado tentador.
Mas os perigos eram, também, bem reais. Embora fosse perfeitamente aceitável que uma cas
destruísse outra dissimuladamente, as consequências de um falhanço não podiam ser ignoradas. Na
noite anterior, uma casa menor atacara uma casa rival e, se os rumores eram verdadeiros, falhara. As
iluminações do dia seguinte forçariam provavelmente o Conselho Governante a encenar u
simulacro de justiça, para fazer dos atacantes mal sucedidos um exemplo. Na sua longa vida, a
Matrona SiNafay testemunhara por diversas vezes essa «justiça».
Nem um único membro de qualquer casa atacante — cujos nomes nem lhe era permitido recordar
— alguma vez sobrevivera.
Zak acordou Drizzt bem cedo, na manhã seguinte.
— Vem — disse Zak. — Fomos convocados para sair de casa hoje.
Qualquer ideia de sono afastou-se imediatamente de Drizzt quando ouviu esta novidade.
— Para fora da casa? — repetiu. Em todos os seus dezanove anos, Drizzt nunca caminhara, ne
por uma vez, para além da cerca de adamantite do complexo da Casa Do’Urden. Apenas observara
mundo exterior de Menzoberranzan da varanda da casa.
Enquanto Zak esperava, Drizzt pegou rapidamente nas botas e no seu piwafwi.
— Não haverá aulas hoje? — perguntou.
— Veremos — foi a única resposta de Zak. Mas na sua mente, o mestre de armas calculou que
Drizzt era capaz de estar prestes a ter uma das mais espantosas revelações da sua vida. Uma cas
tinha falhado um raide, e o Conselho Governante requerera a presença de todos os nobres da cidade,
para testemunharem o peso da justiça.
Briza surgiu no corredor exterior que dava para a porta da sala de treino.
— Despachem-se — incitou. — A Matrona Malice não quer que a nossa Casa esteja entre o
últimos grupos a juntar-se à reunião!
A própria Matrona Mãe, flutuando sobre um disco que rebrilhava a azul — pois as Matronas Mãe
raramente caminhavam pela cidade — liderou o cortejo que saiu da Casa Do’Urden pelo grand
portão.
Briza caminhava ao lado da mãe, com Maya e Rizzen na segunda fila e Drizzt e Zak no final
Vierna e Dinin, ocupados com os seus deveres na Academia, tinham seguido para a reunião
convocada pelo Conselho com um grupo diferente.
Toda a cidade estava, nessa manhã, em movimento, pulsante de rumores acerca do raide falhado.
Drizzt caminhava pelo meio da agitação de olhos muito abertos, fitando maravilhado as decorações
da casa drow, agora vistas de perto. Escravos de todas as raças inferiores — duendes, orcs, e até
gigantes — fugiam do caminho, reconhecendo Malice, cavalgando o seu corcel mágico, como uma
Matrona Mãe. Os comuns drow paravam as conversas e permaneciam respeitosamente em silênci
enquanto a família nobre passava.
Enquanto abriam caminho para a secção noroeste da cidade, localização da casa culpada,
chegaram a uma rua bloqueada por uma caravana rocambolesca de duergar, anões cinzentos. Uma
dúzia de carroças tinham sido viradas ou então estavam ensarilhadas umas nas outras —
aparentemente, dois grupos de duergar tinham entrado na estreita rua ao mesmo tempo, sem que um
desse direito de passagem ao outro.
Briza puxou do chicote de cabeças de serpente e expulsou dali algumas das criaturas, abrindo
caminho para Malice poder flutuar até aos que pareciam ser os líderes dos dois grupos.
Os anões viraram-se para ela irados — até se aperceberem da posição dela.
— Muitas desculpas, ‘Nha Senhora — gaguejou um deles. — Um infeliz acidente, apenas isso.
Malice observou o conteúdo de uma das carroças mais próximas: eram cestas de pernas de
caranguejo gigante e outras delícias do mesmo género.
— Atrasaram a minha jornada — disse Malice calmamente.
— Viemos à vossa cidade na esperança de fazer negócio — disse o outro duergar. Lançou um
olhar irado ao seu oponente e Malice percebeu que eram rivais, provavelmente a tentar vender os
mesmos bens à mesma casa drow.
— Perdoarei a vossa insolência… — ofereceu com majestade, ainda a olhar para os cestos.
Os dois duergar já suspeitavam do que lá vinha. E Zak também.
— Esta noite comeremos bem — sussurrou para Drizzt com uma piscadela de olho matreira. —
Matrona Malice nunca deixaria escapar uma oportunidade destas sem aproveitar.
— Perdoarei, se conseguirem encontrar o caminho para entregarem metade do conteúdo dessas
carroças aos portões da Casa Do’Urden, ainda esta noite — terminou Malice.
Os duergar começaram a protestar, mas depressa abandonaram a vã tentativa de se recusarem ao
pedido. Como odiavam ter de negociar com elfos drow!
— Serão compensados adequadamente — prosseguiu Malice. — A Casa Do’Urden não é um

Casa pobre.daEntre
encomenda casa ambas as vossas
que vieram visitar.caravanas ainda ficarão com bens suficientes para satisfazer
Nenhum dos duergar podia refutar a lógica simples, mas sob estas circunstâncias, em que tinha
ofendido uma Matrona Mãe, sabiam que a compensação pelos seus valiosos bens dificilmente seria
adequada. Mesmo assim, os anões cinzentos só podiam aceitar tudo aquilo como sendo o risco de
fazer negócios em Menzoberranzan. Fizeram vénias educadas e mandaram o seu pessoal abri
caminho para deixar passar o cortejo drow.
A Casa Teken’duis, casa dos atacantes sem sucesso da noite anterior, tinha-se barricado no interior
da estrutura de duas estalagmites, já à espera do que estava para vir. Fora dos portões, todos os
nobres de Menzoberranzan, mais de mil drow, estavam reunidos, à frente, com a Matrona Baenre e a
outras sete Matronas Mães do Conselho Governante. Ainda mais desastroso para a casa culpada er
o facto de a totalidade das três escolas da Academia, estudantes e instrutores, terem rodeado o
complexo Teken’duis.
A Matrona Malice liderou o seu grupo até à linha da frente, logo atrás das matronas governantes.
Como era a matrona da Nona Casa, e estava a apenas um passo do Conselho, os outros nobres dro
desviavam-se rapidamente do seu caminho.
— A Casa Teken’duis incorreu na ira da Rainha Aranha! — proclamou a Matrona Baenre com
voz amplificada por encantamentos mágicos.
— Mas só porque falharam — sussurrou Zak para Drizzt.
Briza lançou aos dois machos um olhar irado.
A Matrona Baenre chamou três jovens drow, duas fêmeas e um macho, para o seu lado.
— Estes são tudo o que resta da Casa Freth — explicou. — Podem dizer-nos, órfãos da Casa Freth
— perguntou-lhes —, quem atacou o vosso lar?
— A Casa Teken’duis — gritaram os três em uníssono.
— Ensaiados — comentou Zak.
Briza voltou-se de novo para trás:
— Silêncio! — sussurrou asperamente.
Zak deu uma palmada na cabeça de Drizzt.
— Sim — concordou. — Vê se ficas calado!
Drizzt ia começar a protestar, mas Briza já se tinha voltado de novo para a frente e o sorriso de
Zak era demasiado aberto para se poder argumentar contra ele.
— Então, é vontade deste Conselho Governante — dizia a Matrona Baenre — que a Cas
Teken’duis sofra as consequências das suas acções!
— E os órfãos da Casa Freth? — ouviu-se uma voz clamar na multidão.
A Matrona Baenre fez uma festa na cabeça da fêmea mais velha, uma sacerdotisa que recentemente
terminara os estudos na Academia.
— Nobres nasceram, e nobres continuarão — disse Baenre. — A Casa Baenre aceita-os sob a su
protecção; ostentarão a partir de agora o nome Baenre.
Murmúrios dispersos percorreram a multidão. Três jovens nobres, dois dos quais fêmeas, eram u
prémio considerável. Qualquer casa da cidade os teria aceitado de bom grado.

— sacerdotisas!
mais Baenre… — sussurrou Briza para Malice. — Precisamente o que a primeira casa mais precisa
— Dezasseis altas sacerdotisas não lhe bastam, ao que parece — respondeu Malice.
— E sem dúvida que Baenre acolherá quaisquer soldados sobreviventes da Casa Freth
conjecturou Briza.
Malice não tinha tanta certeza disso. A Matrona Baenre estava a pisar um risco perigoso ao aceita
estes três jovens nobres. Se a Casa Baenre se tornasse demasiado poderosa, Lolth decerto exerceri
alguma retaliação. Em situações como esta, em que uma casa fora quase erradicada, os soldados
comuns sobreviventes eram normalmente leiloados entre as casas que os quisessem aceitar. Malice
teria de estar a atenta a algum leilão desse tipo. Os soldados não eram baratos, mas nesta altura
Malice receberia de braços abertos a oportunidade de aumentar as suas forças, sobretudo se
houvesse utilizadores de magia em jogo.
A Matrona Baenre dirigiu-se à casa culpada.
— Casa Teken’duis! — chamou. — Quebrastes as leis e fostes devidamente inculpados. Lutai, se
assim quiserdes, mas sabei que trouxestes esta tragédia sobre vós mesmos!
Com um aceno da mão, fez avançar a Academia, executora da justiça.
Grandes braseiros tinham sido colocados em oito posições em volta da Casa Teken’duis,
manejados por aias de Arach-Tinilith e pelas sacerdotisas-estudantes de posição mais elevada. As
chamas ganharam vida com um rugido e subiram no ar enquanto as altas sacerdotisas abriam portais
para os planos inferiores. Drizzt observava atentamente, fascinado e tentando avistar Dinin o
Vierna.
Criaturas dos planos inferiores, enormes monstros de muitos braços, cobertos de lodo e cuspindo
fogo, avançaram por entre as chamas. Até mesmo a alta sacerdotisa que estava mais perto deles se
afastou da horda grotesca. As criaturas aceitaram alegremente este servilismo. Quando chegou o sinal
da Matrona Baenre, desceram esfaimados sobre a Casa Teken’duis.
Glifos e vigias explodiram em cada canto do frágil portão da casa, mas isso eram apenas meros
inconvenientes para as criaturas convocadas.
Os magos e estudantes de Sorcere entraram então em acção, fazendo abater-se sobre o topo d
Casa Teken’duis raios, bolas de ácido e bolas de fogo.
Estudantes e mestres de Melee-Magthere, a escola de guerreiros, corriam com pesados arcos
disparando para as janelas por onde a família condenada poderia tentar escapar-se.
A horda de monstros arrasou as portas. Havia relâmpagos e trovões por toda a parte.
Zak olhou para Drizzt, mas agora o sorriso dera lugar a um sobrolho franzido. Levado pel
excitação — e tudo aquilo era decerto excitante — Drizzt tinha agora uma expressão de espanto e
terror.
Os primeiros gritos da família condenada ouviram-se, vindos da casa; eram gritos tão horríveis e
agonizantes que roubavam qualquer prazer macabro que Drizzt pudesse ter chegado a sentir antes.
Agarrou o ombro de Zak, fazendo-o virar-se para ele, implorando uma explicação.
Um dos filhos da Casa Teken’duis, fugindo a um monstro de dez braços, saiu para a varanda de
uma janela muito alta. Uma dúzia de flechas atingiram-no simultaneamente e, antes mesmo que caísse
morto, três raios separados fizeram-no elevar-se do chão e depois voltaram a deixá-lo cair.
Queimado e mutilado, o cadáver drow começou a cair da varanda, mas o monstro grotesco lançou
para fora uma enorme mão com garras e puxou-o de novo para dentro, para o devorar.
— Justiça drow — disse Zak friamente. Não deu a Drizzt qualquer consolo: queria que
brutalidade daquele momento ficasse gravada na mente do jovem drow para o resto da sua vida.
O assédio perdurou por mais de uma hora e, quando acabou, e quando as criaturas dos planos
inferiores foram despachadas de novo através dos portais de fogo dos braseiros, e os estudantes e
instrutores da Academia começaram a marchar de regresso a Tier Breche, a Casa Teken’duis já não
passava de um monte de pedra derretida e brilhante, sem vida.
Drizzt viu tudo, horrorizado, mas demasiado receoso das consequências de fugir dali. Não reparo
nas obras artísticas de Menzoberranzan no caminho de regresso à Casa Do’Urden.
— Zaknafein está fora da Casa? — perguntou Malice.
— Mandei-o com Rizzen à Academia, para entregar uma mensagem a Vierna — explicou Briza.
Não regressará senão daqui a muitas horas, e nunca antes de a luz de Narbondel ter começado
descer.
— Isso é bom — disse Malice. — Ambas compreenderam os vossos papéis na farsa?
Briza e Maya assentiram.
— Nunca vi tamanha dissimulação — notou Maya. — É mesmo necessário?
— Foi planeada para outro da Casa — respondeu Briza, olhando para a Matrona em busca d
confirmação. — Há quase quatro séculos.
— Sim — concordou Malice. — A mesma coisa esteve para ser feita a Zaknafein, mas a morte
inesperada da Matrona Vartha, minha mãe, interrompeu esses planos.
— Isso foi quando te tornaste Matrona Mãe — disse Maya.
— Sim — respondeu Malice. — Muito embora ainda não tivesse completado o meu primeir
século e ainda estivesse a aprender em Arach-Tinilith. Não foram tempos agradáveis na história da
Casa Do’Urden.
— Mas sobrevivemos — disse Briza. — Com a morte da Matrona Vartha, Nalfein e eu tornámo
nos nobres da Casa.
— O teste a Zaknafein nunca chegou a ser tentado — conjecturou Maya.
— Demasiados outros afazeres sobrepuseram-se — respondeu Malice.
— Mas vamos tentá-lo com Drizzt — disse Maya.
— O castigo da Casa Teken’duis convenceu-me de que esta acção tem de ser tomada — disse
Malice.
— Sim — concordou Briza. — Não viste a expressão de Drizzt durante a execução?
— Vi — respondeu Maya. — Estava revoltado.
— Nada adequado a um guerreiro drow — disse Malice. — E por isso temos este dever. Drizz
partirá para a Academia daqui a pouco tempo; temos de lhe manchar as mãos de sangue drow e de
lhe roubar a inocência.
— Parece muito trabalho por causa apenas de um filho macho — resmungou Briza. — Se Drizz
não consegue aderir aos nossos usos, porque não simplesmente ofertá-lo a Lolth?
— Não terei mais filhos! — rosnou Malice em resposta. — Cada membro desta família
importante, se queremos ganhar proeminência na cidade!
Secretamente, Malice esperava obter ainda outro benefício com a conversão de Drizzt aos uso
malignos dos drow. Odiava Zaknafein tanto quanto o desejava; tornar Drizzt um guerreiro drow, u
verdadeiro guerreiro drow sem coração, afectaria grandemente o mestre de armas.
— Vamos então a isto — disse Malice.
Bateu as mãos e uma grande arca entrou, suportada por oito pernas de aranha animadas. Atrás
vinha um nervoso escravo duende.
— Vem, Byuchyuch — disse Malice num tom reconfortante.
Ansioso por agradar, o escravo agachou-se diante do trono de Malice e ficou completamente
imóvel enquanto a Matrona Mãe recitava o encantamento de um longo e complicado feitiço.
Briza e Maya observavam com admiração a destreza da mãe; as pequenas feições do duende
inchavam e retorciam-se e a pele escurecia. Uns minutos mais tarde, o escravo já assumira a
aparência de um macho drow. Byuchyuch olhou para os seus novos traços alegremente, sem perceber
que aquela transformação era apenas o prelúdio da sua morte.
— És agora um soldado drow — disse-lhe Maya. — E o meu campeão. Terás apenas de matar u
único guerreiro inferior para ganhares o teu lugar como comum livre da Casa Do’Urden.
Depois de dez anos como servo menor dos malignos elfos negros, o duende estava mais do que
desejoso de dar esse passo.
Malice levantou-se e preparou-se para sair da antecâmara.
— Venham — mandou. E as duas filhas, o duende e a arca animada seguiram-na em fila.
Foram dar com Drizzt na sala de treino, a polir o gume das suas cimitarras. Pôs-se de pé nu
salto, ficando em sentido e em silêncio perante a inesperada visita.
— Saudações, meu filho — disse Malice num tom mais maternal do que Drizzt alguma vez ouvira
— Temos um teste para ti hoje; uma simples tarefa necessária para a tua aceitação em Melee-
Magthere.
Maya avançou até junto do irmão.
— Sou a mais nova, depois de ti — declarou. — Por isso, tenho o direito de desafio, que agor
exerço.
Drizzt ficou calado, confuso. Nunca ouvira falar de tal coisa. Maya chamou a arca para junto de s
e, reverentemente, abriu a tampa.
— Tens as tuas armas e o teu piwafwi — explicou. — Agora, chegou a altura de envergares o
equipamento completo de um nobre da Casa Do’Urden.
Da arca, Maya retirou um par de botas pretas e altas e entregou-as a Drizzt. Este descalço
rapidamente as suas botas e calçou as novas. Eram incrivelmente macias e modificavam-se
magicamente, adaptando-se até se ajustarem perfeitamente aos seus pés. Drizzt conhecia a magia
contida nas botas: permitir-lhe-iam mover-se em silêncio absoluto. Antes que tivesse acabado de as
admirar, porém, Maya entregou-lhe o segundo presente, ainda mais magnífico.
Drizzt deixou o seu piwafwi cair no chão enquanto segurava num conjunto de cota de malha

aprateada.
cota deEm todosdrow.
malha os Reinos, não havia
Não pesava armadura
mais do quemais
umasubtil,
camisanem mais finamente
grossa trabalhada
e dobrava-se com adomesma
que
facilidade do tecido; porém, conseguia desviar a ponta de uma lança com tanta facilidade como a
cota grossa manufacturada pelos anões.
— Lutas com duas armas — disse Maya. — E por isso não precisas de escudo. Mas coloca as tua
cimitarras nisto; é mais adequado a um nobre drow.
Entregou a Drizzt um cinturão de couro preto, cuja fivela era uma esmeralda enorme, e cuja
bainhas paras as armas estavam ricamente decoradas com pedras preciosas.
— Prepara-te — disse Malice. — Os presentes têm de ser merecidos.
Enquanto Drizzt punha os novos adereços, Malice pôs-se ao lado do duende alterado, qu
começava nervosamente a aperceber-se de que esta luta não seria uma coisa simples.
— Quando o matares, as coisas serão tuas — prometeu Malice.
O sorriso do duende multiplicou-se por dez; não conseguia compreender que não teria qualquer
hipótese contra Drizzt.
Quando Drizzt voltou a apertar o seu piwafwi em volta do pescoço, Maya apresentou-lhe
soldado drow simulado.
— Este é Byuchyuch — disse-lhe —, o meu campeão. Terás de o derrotar para mereceres os
presentes. E o teu devido lugar na família.
Nunca duvidando das suas capacidades, e pensando que o combate seria um simples combate
simulado, Drizzt concordou imediatamente.
— Pois que comece, então — disse Drizzt, desembainhando as cimitarras das suas luxuosa
bainhas.
Malice deu a Byuchyuch um aceno reconfortante e o duende pegou na espada e no escudo que
Maya lhe tinha dado e avançou para Drizzt.
Drizzt começou lentamente, tentando avaliar o adversário antes de se atrever a quaisquer
movimentos de ataque. Ao fim de apenas um momento, porém, percebeu o quão Byuchyuch manejava
mal a espada e o escudo. Sem perceber a verdadeira identidade da criatura, Drizzt mal consegui
acreditar que um drow mostrasse tal inépcia com as armas. Interrogou-se se Byuchyuch estaria
tentar enganá-lo e, com esse pensamento, continuou a aproximar-se cautelosamente.
Ao fim de mais alguns momentos de ataques desajeitados e desequilibrados do duende, porém,
Drizzt sentiu-se obrigado a tomar a iniciativa. Desferiu um golpe de cimitarra contra o escudo de
Byuchyuch. O drow duende respondeu com um golpe desajeitado da espada e Drizzt fez-lhe a espad
saltar da mão com a outra cimitarra e executou uma pirueta simples que levou a ponta da cimitarra a
parar a apenas um centímetro do peito nu do duende.
— Demasiado fácil — murmurou Drizzt.
Mas o verdadeiro teste ainda agora estava a começar.
Nesse momento, Briza lançou um feitiço sobre o duende, fazendo-o ficar petrificado na su
posição indefesa. Continuando ciente dos apuros em que se encontrava, Byuchyuch tentou afastar-se,
mas o feitiço de Briza mantinha-o no mesmo sítio.
— Termina o ataque — disse Malice a Drizzt.
Drizzt olhou para a cimitarra, depois para Malice, sem querer acreditar no que estava a ouvir.
— O campeão de Maya tem de ser morto — rosou Briza.
— Não posso… — começou Drizzt.
— Mata! — rugiu Malice, e desta vez a palavra carregava em si o poder de uma ordem mágica.
— Carrega! — comandou Briza no mesmo tom.
Drizzt sentiu as palavras delas forçarem a sua mão a seguir as ordens. Profundamente desgostado
com o pensamento de matar um adversário indefeso, concentrou toda a sua força mental em resistir.
Embora conseguisse negar as ordens por alguns segundos, descobriu que não conseguia retirar a
arma.
— Mata! — gritou Malice.
— Ataca! — rosnava Briza.
Isto durou mais alguns segundos agonizantes. O suor escorria pelas pálpebras de Drizzt. Depois,
força de vontade do jovem drow quebrou. A cimitarra deslizou rapidamente por entre as costelas de
Byuchyuch e encontrou o coração da desafortunada criatura. Briza libertou então Byuchyuch do se
feitiço, para permitir a Drizzt ver a agonia no rosto do drow fingido e para ouvir o gorgolejar do
sangue enquanto o duende caía no chão.
Drizzt não conseguia recuperar a respiração enquanto olhava fixamente para a sua arma manchada
de sangue.
Era a vez de Maya agir. Atacou o ombro de Drizzt com a sua maça, fazendo-o cair no chão.
— Mataste o meu campeão! — rugiu. — Agora tens de lutar contra mim!
Drizzt pôs-se de pé, afastando-se da fêmea enraivecida. Não tinha nenhuma intenção de lutar, mas
antes mesmo que pudesse deixar cair as armas, Malice leu-lhe os pensamentos e avisou:
— Se não lutares, Maya matar-te-á.
— Não devia ser assim — protestou Drizzt. Mas as suas palavras perderam-se no tilintar d
adamantite enquanto aparava um golpe pesado com uma cimitarra.
Estava agora envolvido na luta, quisesse ou não. Maya era uma combatente hábil — todas a
fêmeas passavam muitas horas a treinar com as armas — e era mais forte do que Drizzt. Mas Drizz
era filho de Zak, o seu melhor estudante, e quando admitiu para si mesmo que não tinha forma de
escapar a esta situação, carregou contra a maça e o escudo de Maya com todas as manobras mais
exímias que tinha aprendido.
As cimitarras voavam e carregavam numa dança que espantou Briza e Maya. Malice mal reparo
nisso, embrenhada em mais um poderoso feitiço. Malice nunca duvidara de que Drizzt poderi
derrotar a irmã; e já incluíra essa previsão no seu plano.
Os movimentos de Drizzt eram todos defensivos, enquanto continuava a esperar que qualque
réstia de razoabilidade se apoderasse da mãe, e que tudo aquilo acabasse. Queria fazer Maya recuar,
fazê-la tropeçar e acabar a luta colocando-a numa posição indefensável. Drizzt tinha de acreditar que
Briza e Malice não o forçariam a matar Maya tal como o tinham obrigado a matar Byuchyuch.
Por fim, Maya tropeçou. Lançou o escudo para a frente, para deflectir o golpe de uma cimitarra
mas desequilibrou-se com o movimento, e o braço afastou-se muito do corpo. A outra espada de
Drizzt avançou então, para ficar encostada ao peito de Maya e a forçar a recuar.
O feitiço de Malice apanhou a arma a meio caminho.
A lâmina de adamantite manchada de sangue ganhou vida e Drizzt deu consigo a segurar a ponta de
uma serpente, uma víbora com dentes aguçados que se virou contra ele!
A cobra encantada cuspiu veneno para os olhos de Drizzt, cegando-o, e depois sentiu a dor do
chicote de Briza. Todas as seis cabeças de serpente da terrível arma morderam as costas de Drizzt,
perfurando a sua nova armadura e fazendo-o saltar com uma dor excruciante. Caiu enrolando-se no
chão, indefeso enquanto Briza fazia estalar o chicote uma e outra vez.
— Nunca ataques uma fêmea drow! — gritava enquanto agredia Drizzt até este ficar inconsciente.
Uma hora mais tarde, Drizzt abriu os olhos. Estava na cama, com a Matrona Malice junto dele.
alta sacerdotisa tratara-lhe das feridas, mas a dor permanecia, como lembrança viva da lição. Mas
não tão viva como o sangue que ainda manchava a cimitarra de Drizzt.
— A armadura será substituída — disse-lhe Malice. — Agora, és um guerreiro drow. Mereceste-
o.
Virou-se e saiu do quarto, deixando Drizzt entregue à sua dor e à sua inocência perdida.
— Não o mandes para lá — argumentou Zak, tão enfaticamente quanto se atrevia. Olhava par
Malice, a rainha no seu trono de pedra e veludo negro. Como sempre, Briza e Maya estavam ao se
lado.
— É um guerreiro drow — respondeu Malice, num tom ainda controlado. — Tem de ir para a
Academia. São os nossos costumes.
Zak olhou em volta, sem alternativas. Odiava aquele lugar, a antecâmara da capela, com as suas
esculturas da Rainha Aranha espreitando-o de cada canto e com Malice sentada — em posição
superior — acima dele no seu trono do poder.
Zak sacudiu as imagens da cabeça e recuperou a coragem, relembrando a si mesmo que desta vez
tinha qualquer coisa por que valia a pena argumentar.
— Não o mandes para lá! — rugiu. — Vão estragá-lo!
As mãos da Matrona Malice agarraram com firmeza os braços de pedra do grande trono.
— Drizzt já é mais hábil do que todos os que estão na Academia — prosseguiu Zak rapidamente,
antes que a ira da Matrona rebentasse. — Dá-me mais dois anos e farei dele o melhor guerreiro de

Menzoberranzan!
Malice descontraiu-se um pouco no trono. Por aquilo que tinha visto dos progressos do filho, não
poderia negar as possibilidades da afirmação de Zak.
— Irá — disse calmamente. — Há mais na educação de um guerreiro drow do que a simple
destreza com as armas. Drizzt tem outras lições que precisa de aprender.
— Lições sobre como ser traiçoeiro? — disse Zak, demasiado zangado para se preocupar com a
consequências.
Drizzt tinha-lhe contado o que Malice e as suas malévolas filhas lhe tinham feito nesse dia, e Za
era suficientemente esperto para compreender essas acções. A «lição» que lhe tinham ensinado quase
arrasara o rapaz e tinham talvez roubado para sempre a Drizzt os ideais que tanto prezava. Drizz
teria agora mais dificuldade em manter a sua moral e os seus princípios, uma vez que o pedestal de
pureza em que antes assentara lhe tinha sido roubado.
— Cuidado com a língua, Zaknafein — avisou a Matrona Malice.
— Eu luto com paixão! — respondeu o mestre de armas. — É por isso que venço. O teu filh
também luta com paixão; não deixes que os usos conformistas da Academia lhe tirem isso!
— Deixem-nos — instruiu Malice às filhas.
Maya fez uma vénia e saiu rapidamente. Briza seguiu-a mais lentamente, fazendo uma pausa par
lançar um olhar de suspeita a Zak.
Zak não devolveu o olhar, mas entreteve-se com uma agradável fantasia que implicava a sua
espada e o sorriso sobranceiro de Briza.
— Zaknafein — começou Malice, chegando-se de novo mais à frente na cadeira. — Tolerei as
tuas crenças blasfemas durante todos estes anos devido à tua destreza com as armas. Ensinaste be
os meus soldados, e o teu amor por matar drow, e especialmente sacerdotisas da Rainha Aranha, tem
vindo a ajudar a ascensão da Casa Do’Urden. Não sou, nem tenho sido, ingrata. Mas aviso-te, um
última vez, que Drizzt é meu filho, e não senhor de si. Irá para a Academia e aprenderá aquilo que
precisa de aprender para tomar o seu lugar como príncipe da Casa Do’Urden. Se interferires co
aquilo que tem de ser, Zaknafein, não voltarei a desviar os olhos das tuas acções. O teu coração será
entregue a Lolth!
Zak bateu com os calcanhares no chão e fez uma curta vénia com a cabeça. Depois, deu meia volt
e saiu, tentando encontrar alguma outra opção a esta negra e desesperada situação.
Enquanto caminhava pelo corredor principal, ouviu de novo na sua cabeça os gritos das crianças
moribundas da Casa DeVir; crianças que nunca chegariam a ter a oportunidade de testemunhar o
males da Academia drow. Talvez estivessem melhor assim, mortas.
Zak desembainhou uma das espadas e admirou os assombrosos pormenores da arma. Esta espada, tal
como a maioria das armas drow, fora forjada pelos anões cinzentos, e depois vendida em
Menzoberranzan. A mestria do trabalho duergar era refinada, mas era o trabalho feito sobre a arma
depois de os elfos negros a terem adquirido que a tornava tão especial. Nenhuma das raças da
superfície ou do Subescuro seria capaz de ultrapassar os elfos negros na arte de encantar armas.
Imbuídas das estranhas emanações do Subescuro, o poder mágico singular e exclusivo do mundo se
luz, e abençoadas pelas sacerdotisas malignas de Lolth, nenhuma lâmina jamais assentara na mão de
um guerreiro com maior prontidão para matar.
Outras raças, especialmente anões e elfos da superfície, também se orgulhavam das suas armas.
Belas espadas e poderosas maças eram penduradas sobre as lareiras como troféus, sempre com u
bardo por perto para declamar a lenda que as acompanhava e que quase sempre começava com «E
tempos que já lá vão».
As armas drow eram diferentes; nunca eram troféus para exibir. Estavam sempre presas nas
necessidades do presente, e nunca apenas em reminiscências, e a sua finalidade mantinha-se
inalterada enquanto tivessem um gume suficientemente afiado para uma batalha — suficientemente
afiado para matar.
Zak aproximou a lâmina dos olhos. Nas suas mãos, a espada tornara-se mais do que u
instrumento de batalha. Era uma extensão da sua raiva, a sua resposta a uma existência que não
conseguia aceitar.
Era a sua resposta também, talvez, a outro problema que parecia não ter solução.
Entrou na sala de treino, onde Drizzt se afadigava em movimentos de ataque rotativos contra u
manequim de treino. Zak fez uma pausa para ver o jovem drow a praticar, interrogando-se se Drizz
alguma vez voltaria a considerar a dança das armas como uma forma de brincadeira. Como as
cimitarras voavam guiadas pelas mãos de Drizzt! Cruzando-se com uma precisão assombrosa, cad
arma parecia antecipar os movimentos da outra e deslizava em perfeito complemento.
Este jovem drow em breve seria um guerreiro sem igual, um mestre superior até a Zaknafein.
— Conseguirás sobreviver? — murmurou Zak. — Terás o coração de um guerreiro drow?
Zak esperava que a resposta seria um enfático «não», mas fosse como fosse, Drizzt estava agor
seguramente condenado.
Zak voltou
começou a olhar
a andar com para a sua espada
determinação paraeDrizzt.
soube o que tinha de fazer. Desembainhou a outra espada e
Drizzt viu-o aproximar-se e pôs-se em posição de alerta.
— Uma última luta antes de eu partir para a Academia? — riu-se.
Zak fez uma pausa para apreciar o sorriso de Drizzt. Uma fachada? Ou teria o jovem dro
realmente perdoado a si mesmo as suas acções contra o campeão de Maya? Não importava,
relembrou Zak a si mesmo. Mesmo que Drizzt tivesse recuperado dos tormentos da mãe, a Academi
destruí-lo-ia. O mestre de armas nada disse; limitou-se a avançar num rodopio de golpes e ataques
que colocaram imediatamente Drizzt na defensiva. Drizzt considerou o combate com calma, sem se
aperceber ainda de que este recontro final com o seu mentor era muito mais do que a habitual sessão
de treino.
— Lembrar-me-ei de tudo o que me ensinaste — prometeu Drizzt, esquivando-se a um golpe e
lançando ele próprio um feroz ataque. — Hei-de ver o meu nome gravado nas paredes de Melee-
Magthere e tornar-te orgulhoso.
O desprezo no rosto de Zak surpreendeu Drizzt, e o jovem drow ficou ainda mais confuso quand
o ataque seguinte do mestre de armas fez uma espada avançar directamente ao seu coração. Drizz
saltou para o lado, sacudindo a espada em desespero, e evitou à justa ser trespassado.
— Tens assim tanta confiança em ti? — rosnou Zak, perseguindo teimosamente Drizzt.
Drizzt recompôs-se enquanto as lâminas embatiam com clamor no ar.
— Sou um guerreiro! — declarou. — Um guerreiro drow!
— És um bailarino! — ripostou Zak num tom de troça. Fez a espada embater na cimitarra d
bloqueio de Drizzt com tanta força que o braço do jovem drow ficou dormente.
— És um impostor! — gritou Zak. — Um pretendente a um título que nem sequer consegue
entender!
Drizzt passou à ofensiva. Havia fogo nos seus olhos cor de violeta e uma nova força orientava o
golpes certeiros das suas cimitarras.
Mas Zak não dava tréguas. Defendia-se dos ataques e prosseguia com a sua lição.
— Conheces as emoções do assassinato? — disparou. — Já te reconciliaste com o acto que
cometeste?
As únicas respostas de Drizzt foram um uivo frustrado e um novo ataque.
— Ah, o prazer de mergulhar a tua espada no peito de uma alta sacerdotisa — desafiou Zak. —
Ver o brilho do calor a sair do corpo dela enquanto os lábios murmuram maldições silenciosas na tua
cara! Ou alguma vez ouviste os gritos de crianças?
Drizzt abrandou o ataque, mas Zak não permitia abrandamentos. O mestre de armas voltou
ofensiva, com cada golpe direccionado a uma área vital.
— Que altos que são esses gritos! — prosseguiu Zak. — Ficam a ecoar durante séculos na tu
cabeça; perseguem-te por todos os caminhos durante toda a tua vida.
Zak parou a acção, para que Drizzt pudesse sopesar cada uma daquelas palavras.
— Nunca os ouviste, pois não, dançarino? — O mestre de armas estendeu muito os braços, nu
convite. — Anda lá, então, e reclama a tua segunda matança — disse, batendo com a mão na barriga.

— Aqui, no
Prova-me queestômago, onde drow
és o guerreiro a dor que
é maior, para
afirmas ser.que os meus gritos fiquem a ressoar na tua cabeça.
As pontas das cimitarras de Drizzt apontaram lentamente para o chão de pedra. Já não estava
sorrir.
— Hesitas — riu-se Zak. — Aqui tens a tua oportunidade para fazeres o teu nome. Um único golp
e a tua reputação chegará à Academia antes de ti. Outros estudantes, até mesmo mestres, sussurrarão
o teu nome quando passares. «Drizzt Do’Urden», dirão. «O rapaz que matou o mais celebrado mestr
de armas de Menzoberranzan!» Não é isso que desejas?
— Maldito sejas! — gritou Drizzt em resposta, mas sem fazer qualquer movimento de ataque.
— Guerreiro drow? — desafiou-o Zak. — Não sejas tão rápido a reclamar um título que ne
sequer consegues ainda compreender!
Drizzt atacou então, com uma fúria que nunca antes conhecera. Não tinha intenção de matar, mas
sim de derrotar o seu mestre, de calar os desafios na boca dele com uma exibição de combate
demasiado impressionante para ser desprezada.
Drizzt foi brilhante. Seguiu cada movimento com outros três e atacava por cima e por baixo. Za
deu por si mais vezes a girar sobre os calcanhares do que apoiado nas plantas dos pés, demasiado
ocupado a manter-se à distância dos ataques sem tréguas do estudante para sequer pensar em passar à
ofensiva. Permitiu que Drizzt continuasse a ter a iniciativa durante muitos minutos, receando
conclusão, o resultado que já decidira ser o preferível.
Zak decidiu então que já não podia adiar por mais tempo. Lançou uma espada num ataque lento, e
Drizzt fez-lha saltar imediatamente da mão.
Enquanto o jovem drow avançava, já antecipando a vitória, Zak enfiou a mão livre num bolso e
agarrou uma pequena bola mágica de cerâmica — uma daquelas bolas que tantas vezes o tinham
ajudado em combate.
— Desta vez não, Zaknafein! — proclamou Drizzt, mantendo os seus ataques sob controlo
lembrando-se bem das muitas ocasiões em que Zak tinha transformado uma aparente desvantage
numa clara vantagem.
Zak sentia a bola nos dedos, mas estava incapaz de decidir o que fazer.
Drizzt fê-lo responder a uma sequência de ataque, e depois outra, avaliando a vantagem que tinha
ganho ao privar o mestre de uma arma. Confiante na sua posição, Drizzt avançou em baixa e co
força, com um único golpe.
Embora Zak estivesse distraído nesse momento, conseguiu mesmo assim bloquear o ataque com
espada que lhe restava. A outra cimitarra de Drizzt abateu-se sobre a espada, forçando a ponta desta
a bater no chão. No mesmo movimento rápido como um relâmpago, Drizzt fez deslizar a primeir
lâmina para longe do bloqueio de Zak, parando o impulso a menos de um centímetro da garganta do
mestre.
— Venci-te! — gritou o jovem drow.
A resposta de Zak veio sob a forma de uma explosão de luz que estava para além de qualquer
coisa que Drizzt jamais imaginara.
Zak fechara prudentemente os olhos, mas Drizzt, surpreendido, não foi capaz de se adaptar à súbit
mudança. A cabeça parecia estourar-lhe em agonia e cambaleou para trás, tentando afastar-se da luz,
e do mestre de armas.
Mantendo os olhos firmemente fechados, Zak já se divorciara da necessidade da visão. Deixav
agora os seus apurados ouvidos guiarem-no, e Drizzt, cambaleando e tropeçando, era um alvo fácil
de discernir. Num único movimento, o chicote saltou do cinturão de Zak e estalou para diante,
agarrando Drizzt pelos tornozelos e fazendo-o cair.
Metodicamente, o mestre de armas avançou, maldizendo cada passo, mas sabendo que o seu curso
de acção escolhido era o correcto.
Drizzt percebeu que estava a ser perseguido, mas não conseguia compreender o motivo. A luz
atordoara-o, mas estava ainda mais surpreendido pelo facto de Zak continuar a batalha. Drizz
endireitou-se, incapaz de escapar à armadilha, e tentou descortinar uma forma de escapar à sua perda
de visão. Tinha de sentir o fluir do combate, de ouvir o som do seu atacante e de antecipar cada
golpe que haveria de vir.
Ergueu as cimitarras mesmo a tempo de bloquear um golpe de espada que lhe teria aberto a cabeça
ao meio.
Zak não esperava a defesa de Drizzt. Recuou e voltou a avançar, de outro ângulo. De novo fo
derrotado.
Agora mais curioso do que querendo matar Drizzt, o mestre de armas fez uma série de ataques,
dando à espada movimentos que teriam derrotado as defesas de muitos, mesmo que o pudessem ver.
Cego, Drizzt repelia-o, alinhando sempre uma cimitarra contra cada golpe atacante.
— Traição! — gritava Drizzt, com resíduos dolorosos de luz ainda a explodir-lhe na cabeça.
Bloqueou mais um ataque e tentou recuperar o equilíbrio, percebendo que tinha poucas hipóteses de
continuar a sacudir os ataques do mestre de armas daquela posição baixa.
A dor da luz cegante era, porém, demasiado grande, e Drizzt, mal se conseguindo sequer manter
consciente, cambaleou e caiu de novo na pedra, perdendo, de caminho, uma cimitarra. Girou sobre si
mesmo rapidamente, sabendo que Zak havia de estar a aproximar-se.
A outra cimitarra foi-lhe arrancada da mão.
— Traição — rugiu Drizzt de novo. — Detestas assim tanto perder?
— Mas será que não percebes? — gritou-lhe Zak de volta. — Perder é morrer! Podes ganhar mi
combates, mas só podes perder um! — pôs a espada à altura da garganta de Drizzt. Seria um único
golpe limpo. Sabia que devia fazê-lo, piedosamente, antes que os mestres da Academia o
substituíssem.
Zak mandou a espada a voar pela sala, e estendeu os braços, agarrando Drizzt pela frente d
camisa, fazendo-o pôr-se de pé.
Ficaram cara a cara, sem que nenhum visse o outro muito bem, devido ao brilho ofuscante, e se
que nenhum fosse capaz de quebrar o silêncio tenso. Após um longo momento em que ficaram ambos
em suspenso, quase sem respirar, o encantamento da pedra mágica desvaneceu-se e a sala tornou-se
mais confortável. Os dois elfos negros observaram-se a uma verdadeira nova luz.
— Um truque das sacerdotisas de Lolth — explicou Zak. — Têm sempre um destes encantamento
de luz pronto a usar — um sorriso cansado passou-lhe pela cara enquanto tentava acalmar a ira de
Drizzt. — Muito embora tenha de dizer que muitas vezes já usei este truque de luz contr
sacerdotisas, até mesmo contra altas sacerdotisas.
— Traição — rosnou Drizzt pela terceira vez.
— São os nossos usos — respondeu Zak. — Aprenderás.
— É o teu uso — troçou Drizzt. — Sorris quando falas de assassinar sacerdotisas da Rainh
Aranha. Gostas assim tanto de matar? De matar drow?
Zak não conseguiu encontrar uma resposta à pergunta acusadora. As palavras de Drizzt magoaram-
no profundamente porque tinham um fundo de verdade, e porque Zak acabara por ver a sua tendência
para matar sacerdotisas de Lolth como uma resposta cobarde às suas próprias frustrações se
respostas.
— Ter-me-ias morto — disse Drizzt secamente.
— Mas não o fiz — retorquiu Zak. — E agora continuarás vivo, para ires para a Academia; par
receberes um punhal pelas costas porque és cego para as realidades do nosso mundo, porque te
recusas a reconhecer aquilo que o nosso povo é. Ou então, tornar-te-ás um deles — murmurou. —
Seja como for, o Drizzt Do’Urden que eu conhecia estará certamente morto.
O rosto de Drizzt contorceu-se, e nem sequer conseguiu encontrar as palavras para disputar a
possibilidades que Zak lhe estava a atirar para os olhos. Sentiu o sangue a fugir-lhe do rosto, muito
embora o seu coração batesse com força. Afastou-se, deixando o brilho da sua presença pairar junto
de Zak durante muito tempo.
— Vai, então, Drizzt Do’Urden! — gritou-lhe Zak. — Vai para a Academia e sacia-te na glóri
das tuas proezas. Lembra-te, porém, das consequências dessa destreza. Há sempre consequências!
Zak retirou-se para a segurança do seu aposento privado. A porta para a sala fechou-se atrás do
mestre de armas com um tal som de finalidade que o fez voltar-se para trás e fixar com o olhar a
pedra nua.
— Vai, então, Drizzt Do’Urden — murmurou num lamento silencioso. — Vai para a Academia e
aprende quem és realmente.
Dinin foi ter com o irmão na manhã seguinte, bem cedo. Drizzt saiu lentamente da sala de treino,
espreitando por cima do ombro a cada passo para ver se Zak sairia e o atacaria, ou se viria despedir-
se.
Sabia, no seu coração, que Zak não o faria.
Drizzt pensara sempre que eram amigos, acreditara que o elo que ele e Zaknafein tinham forjado i
muito para além das simples lições e do treino das armas. O jovem drow não tinha respostas para as
muitas perguntas que rodopiavam na sua mente, e a pessoa que tinha sido o seu mestre durante os
últimos cinco anos nada mais tinha para lhe dar.
— O calor está a crescer em Narbondel — notou Dinin quando saíram para a varanda. — Não no
podemos atrasar para o nosso primeiro dia na Academia.
Drizzt olhou para a miríade de cores e de formas que compunham Menzoberranzan.
— Que lugar é este? — murmurou, apercebendo-se de como sabia pouco da sua própria terra, para
lá das paredes da sua própria casa. As palavras de Zak — e a sua raiva — abateram-se sobre Drizz
enquanto estava ali, lembrando-lhe a sua própria ignorância e sugerindo um caminho negro à sua
frente.
— Isto é o mundo — respondeu Dinin, muito embora a pergunta de Drizzt tivesse sido retórica.
Não te preocupes, Segundo Rapaz — riu-se, subindo para o corrimão. — Aprenderás sobr
Menzoberranzan na Academia. Aprenderás quem és e quem é a tua gente.
Esta declaração incomodou Drizzt. Talvez — tendo em conta o seu último e amargo encontro co
o drow em quem mais confiava — esse conhecimento fosse exactamente aquilo que mais temia.
Encolheu os ombros, resignado, e seguiu Dinin por cima da varanda, iniciando uma descid
mágica até ao chão do complexo: os primeiros passos ao longo de um negro caminho.
Outro par de olhos observava atentamente enquanto Dinin e Drizzt saíam da Casa Do’Urden.
Alton DeVir estava sentado, muito quieto, junto de um cogumelo gigantesco, tal como fizera todo
os dias na última semana, observando atentamente o complexo Do’Urden.
Daermon N’a’shezbaernon, Nona Casa de Menzoberranzan. A casa que tinha morto a sua mãe, a
suas irmãs e irmãos, e tudo o que alguma vez existira da Casa DeVir. Excepto ele próprio.
Alton pensou nos velhos tempos na Casa DeVir, quando a Matrona Ginafae reunia a família par
poderem discutir as aspirações da família. Alton, que era apenas um estudante quando a Casa DeVi
caíra, tinha agora uma visão mais ampla desses tempos. Vinte anos tinham trazido uma grande
experiência.
Ginafae fora a mais jovem matrona entre as famílias governantes, e o seu potencial parecia
ilimitado. Depois, ajudara uma patrulha de duendes, usara os seus poderes conferidos por Lolth par
atrapalhar os elfos drow que tinham emboscado as pequenas criaturas nas cavernas às portas de
Menzoberranzan — e tudo apenas porque Ginafae desejava a morte de um único membro do grupo
atacante drow, um filho mago da Terceira Casa da cidade, da casa apontada como próxima vítima da
Casa DeVir.
A Rainha Aranha levara a peito a escolha das armas de Ginafae; os duendes das profundezas era
o pior inimigo dos elfos negros em todo o Subescuro. Com Ginafae caída em desgraça junto de Lolth
a Casa DeVir estava condenada.
Alton passara vinte anos a tentar saber tudo sobre os seus inimigos, tentando descobrir que família

drow se aproveitara
matrona do erro da
adoptiva, SiNafay sua mãepusera
Hun’ett, e chacinara
fim à asua
suademanda
família. Vinte longostãoanos,
de forma e depois
abrupta comoa sua
tinh
começado.
Agora, enquanto Alton se sentava ali a observar a casa culpada, sabia que apenas uma coisa era
certa: vinte anos nada tinham feito para diminuir a sua raiva.
A Academia.
É a propagação das mentiras que mantêm unida a sociedade drow, a derradeira
perpetração das falsidades repetidas tantas vezes que acabam por soar a verdades, apesar
de toda a evidência em contrário. As lições que os jovens drow aprendem sobre verdade e
justiça são tão claramente refutadas pela vida quotidiana na maldosa Menzoberranzan que
é difícil compreender como alguém poder acreditar nelas. Mas acreditam.
Mesmo dor
qualquer agora, passadas
física, décadas,
nem pela pensar
sensação nessepresente
sempre local assusta-me,
de uma mortenãoiminente
por causa
— jáde
percorri muitas estradas igualmente perigosas. A Academia de Menzoberranzan assusta-me
quando penso nos sobreviventes, nos graduados, que existem — regozijando-se — dentro
das malévolas fabricações que conformam o seu mundo.
Vivem na crença de que tudo é aceitável desde que possa ser feito sem se ser apanhado,
que a auto-gratificação é o aspecto mais importante da existência, e que o poder só é
atingível por aqueles que sejam suficientemente fortes e traiçoeiros para o agarrarem das
mãos fracas daqueles que já não o mereçam. A compaixão não tem lugar em
Menzoberranzan, e no entanto é a compaixão, e não o medo, que traz harmonia à maioria
das raças. É a harmonia, o trabalhar no sentido de objectivos partilhados, que precede a
grandeza.
As mentiras mergulham os drow no medo e na desconfiança, refutam a amizade à ponta
de uma espada benzida por Lolth. O ódio e a ambição trazidos por estes princípios amorais
são a condenação do meu povo, uma fraqueza que vêem como força. O resultado é uma
existência paralisante, paranóica, a que os drow chamam estar sempre a postos.
Não sei como sobrevivi à Academia, como descobri as falsidades suficientemente cedo
para as usar como contraste, e assim fortalecer os ideais que me são caros.
Foi Zaknafein, quero crer. O meu mestre. Através das experiências dos seus longos anos,
que o tinham amargurado e tanto lhe tinham custado, acabei por ouvir os gritos; os gritos
de protesto contra a traição assassina; os gritos de ira das líderes da sociedade drow, as
altas sacerdotisas da Rainha Aranha, ecoando nos recantos da minha mente, mantendo
sempre um lugar dentro de mim. Os gritos de crianças a morrer.
— Drizzt Do’Urden
Usando a roupagem de um filho nobre, e com um punhal escondido numa bota — sugestão de Dinin
— Drizzt subiu a vasta escadaria de pedra que levava a Tier Breche, a Academia dos drow. Drizz
chegou ao topo e avançou por entre os gigantescos pilares, sob o olhar impassível de dois guardas,
estudantes do último ano de Melee-Magthere.
Duas dúzias de outros jovens drow corriam pelo complexo da Academia, mas Drizzt mal reparo
neles. Três estruturas dominavam a sua visão e os seus pensamentos. À sua esquerda estava a torre
de Sorcere, a escola de magia, uma estalagmite afiada. Drizzt passaria aí os primeiros seis meses do
seu décimo e último ano de estudos.
Diante dele, na parte de trás daquele andar, erguia-se a mais impressionante das estruturas, Arach-
Tinilith, a escola de Lolth, esculpida na pedra para se assemelhar a uma gigantesca aranha. Aos olhos
dos drow, este era o mais importante edifício da Academia e, por isso, estava normalmente
reservado às fêmeas. Os estudantes masculinos só ficavam hospedados dentro de Arach-Tinilith
durante os seus seis últimos meses de estudos.
Embora Sorcere e Arach-Tinilith fossem as estruturas mais graciosas, o edifício mais importante
para Drizzt nesse momento estava na parede à sua direita. A estrutura piramidal da Melee-Magthere,
a escola dos guerreiros. Esse edifício seria o lar de Drizzt durante os próximos nove anos. Os seu
companheiros, apercebia-se agora, eram todos aqueles outros elfos negros que andavam ali:
guerreiros, como ele próprio, que iam começar o seu treino formal. A turma, de vinte e cinco alunos,
era invulgarmente grande para a escola de guerreiros.
Ainda mais invulgar, a maioria dos novos estudantes eram nobres. Drizzt interrogou-se como se
mediriam as suas aptidões contra as deles, como se comparariam as suas sessões com Zaknafein co
as batalhas que estes outros tinham sem dúvida tido com os mestres de armas das suas respectivas
famílias.
Estes pensamentos levaram Drizzt inevitavelmente de regresso ao último encontro com o se
mentor. Rapidamente sacudiu o pensamento desse duelo desagradável e, mais rapidamente ainda, as
perguntas perturbantes que as observações de Zak o tinham forçado a considerar. Não havia, nesta
ocasião, lugar para tais pensamentos. Melee-Magthere estava diante dele, e era o maior teste e
maior lição da sua jovem vida.
— As minhas saudações — disse uma voz atrás dele.

Drizzt voltou-se para


desconfortavelmente enfrentar
no cinturão umparecia
e que colegaainda
novato, que usava
mais nervoso umaDrizzt
do que espada— oe que
umaeraadaga
uma
visão reconfortante.
— Kelnozz, da Casa Kenafin, Décima Quinta Casa — disse o caloiro.
— Drizzt Do’Urden, de Daermon N’a’shezbaernon, Casa Do’Urden, Nona Casa d
Menzoberranzan — respondeu automaticamente Drizzt, exactamente como Malice lhe tinha ensinado.
— Um nobre — notou Kelnozz, compreendendo o significado de Drizzt usar o mesmo apelido d
sua casa. Kelnozz baixou numa longa vénia. — Honras-me com a tua presença.
Drizzt estava já a começar a gostar deste lugar. Dado o tratamento que habitualmente recebia e
casa, dificilmente se considerava um nobre. Quaisquer noções de importância pessoal que lhe
pudessem ter ocorrido perante a saudação veneradora de Kelnozz foram desfeitas logo em seguida,
porém, quando os mestres saíram.
Drizzt viu o irmão, Dinin, entre eles, mas fingiu, tal como Dinin lhe tinha instruído — não reparar,
nem esperar qualquer tratamento especial. Drizzt correu para dentro de Melee-Magthere juntament
com os restantes estudantes assim que os chicotes começaram a estalar e os mestres começaram a
gritar as consequências severas se se atrasassem. Foram levados como um rebanho por alguns
corredores, até uma sala oval.
— Sentem-se ou fiquem de pé, como queiram! — rosnou um dos mestres. Reparando em doi
estudantes que murmuravam entre si, o mestre puxou do chicote e deitou ao chão um dos
prevaricadores.
Drizzt nem queria acreditar em quão rapidamente a sala ficou em ordem.
— Sou Hatch’net — começou o mestre numa voz tonitruante. — Mestre de Lendas. Esta sala será a
vossa sala de instrução durante cinquenta ciclos de Narbondel — olhou em volta, para os cinturões
adornados de cada uma das figuras. — Não trarão quaisquer armas para este local!
Hatch’net circulou pela sala, assegurando-se de que todos os olhos seguiam os seus movimentos
atentamente.
— Vocês são drow — disse subitamente. — Compreendem o que isso significa? Sabem de onde
vieram, e a história do nosso povo? Menzoberranzan nem sempre foi o nosso lar, nem qualquer outra
caverna do Subescuro. Em tempos, andámos pela superfície do mundo — girou rapidamente e deu de
caras com Drizzt. — Sabes acerca da superfície? — rosnou-lhe o mestre Hatch’net.
Drizzt recuou e abanou a cabeça.
— Um local terrível — prosseguiu Hatch’net, virando costas a todo o grupo. — Todos os dias,
enquanto o brilho começa a crescer em Narbondel, uma grande bola de fogo nasce no céu aberto lá
em cima, trazendo consigo horas de uma luz mais forte do que os encantamentos punitivos das
sacerdotisas de Lolth! — estendeu os braços, com os olhos voltados para cima, e um esgar
inacreditável espalhou-se-lhe no rosto.
Ouviram-se murmúrios de espanto de todos os estudantes à sua volta.
— Mesmo à noite, quando a bola de fogo desce para além da orla do mundo — continuou
Hatch’net, proferindo as palavras como se estivesse a contar uma história de terror — não se
consegue fugir aos horrores incontáveis da superfície. Pontos de luz — e por vezes uma bola menor
de fogo prateado — mancham a abençoada escuridão do céu, lembranças do que o dia seguinte trará.
Em tempos, o nosso povo caminhava pela superfície do mundo — repetiu, agora num tom de lamento.
— Em eras que já lá vão, há mais tempo do que o das linhagens das grandes casas. Nessa idade
distante, caminhávamos ao lado dos elfos de pele branca!
— Isso não pode ser verdade! — gritou um estudante.
Hatch’net olhou para ele consternado, sopesando se haveria mais a ganhar em castigar o estudante
pela sua interrupção não solicitada, ou permitindo ao grupo participar.
— É, sim — repetiu, escolhendo a segunda via. — Pensávamos que os elfos brancos eram nosso
amigos; chamávamos-lhes família! Não podíamos saber, na nossa inocência, que eram a encarnação
do logro e do mal. Não podíamos saber que subitamente se haveriam de virar contra nós e afastar-
nos deles, chacinando os nossos filhos e os nossos mais velhos. Sem piedade, os malvados elfos
brancos perseguiram-nos por toda a superfície do mundo. Estávamos sempre a pedir a paz, e sempre
a ser respondidos com espadas e setas assassinas!
Fez uma pausa, com o rosto contorcendo-se num sorriso malévolo.
— Depois, encontrámos a deusa!
— Lolth seja louvada! — ouviu-se um grito anónimo.
Mais uma vez, Hatch’net deixou passar esse deslize sem punição, sabendo que cada comentário
excitado só levava a sua audiência a mergulhar cada vez mais na sua teia de retórica.
— Seja, sim — respondeu o mestre. — Louvemos a Rainha Aranha. Foi ela que recebeu a noss
raça órfã e a acolheu a seu lado, ajudando-nos a lutar contra os nossos inimigos. Foi ela quem guiou
as nossas matronas ancestrais da nossa raça para o paraíso do Subescuro. É ela — rugiu, com u
punho cerrado no ar — que agora nos dá a força e a magia para nos desforrarmos do nosso inimigo.
Somos os drow! — gritou Hatch’net. — Vocês são os drow, que nunca mais serão espezinhados;
serão senhores de tudo o que desejarem, conquistadores de terras que decidam habitar!
— À superfície? — perguntou alguém.
— Na superfície? — riu-se Hatch’net. — Quem quereria regressar a esse lugar tão vil? Que o
elfos brancos fiquem com ele! Que ardam sob o fogo do céu aberto! Nós reclamamos o Subescuro
onde podemos sentir o pulsar do centro do mundo sob os nossos pés, e onde as pedras das paredes
mostram o calor do poder do mundo!
Drizzt estava sentado em silêncio, absorvendo cada palavra do muito ensaiado discurso do
talentoso orador. Drizzt tinha sido apanhado, tal como todos os outros estudantes, pelas hipnóticas
inflexões e pelos gritos de Hatch’net. Hatch’net era mestre de Lendas da Academia havia mais d
dois séculos, gozando de mais prestígio em Menzoberranzan do que praticamente qualquer outro
macho drow, e do que muitas das fêmeas. As matronas das famílias governantes compreendiam bem
o valor daquela língua bem experiente.
E assim era cada dia, com uma torrente interminável de retórica de ódio dirigida contra u
inimigo que nunca algum dos alunos alguma vez vira. Os elfos da superfície não eram o único alvo
das invectivas de Hatch’net. Anões, duendes, humanos, halflings e todas as raças da superfície — e
até raças subterrâneas como os anões duergar, com quem os drow negociavam muitas vezes e até
chegavam a lutar lado a lado — encontravam sempre um lugar desagradável nas perorações do

mestre.
Drizzt acabou por perceber por que razão não eram permitidas armas na sala oval. Sempre que
saía das lições, todos os dias, dava consigo de mãos tensas ao lado do corpo, procurando
inconscientemente um punho de cimitarra. Era óbvio, pelas brigas vulgares entre estudantes, que os
outros sentiam a mesma coisa. Porém, havia sempre o factor aglutinante que se sobrepunha e que
mantinha uma certa medida de controlo: a mentira do mestre acerca dos horrores do mundo exterior e
o laço reconfortante da herança comum dos estudantes; uma herança, como os estudantes em breve
haveriam de acreditar, que lhes dava suficientes inimigos para combater para além de uns contra os
outros.
As longas e cansativas horas na sala oval deixavam pouco tempo para os estudantes conviverem.
Partilhavam camaratas comuns, mas os extensos deveres para além das aulas de Hatch’net — servi
os estudantes mais velhos, preparar refeições e limpar o edifício — quase não lhes deixavam tempo
para tudo o resto. Ao fim da primeira semana, estavam todos à beira da exaustão, condição essa que,
apercebeu-se Drizzt, contribuía para aumentar o efeito das aulas do mestre Hatch’net.
Drizzt aceitou esta existência estoicamente, achando-a muito melhor do que os seis anos em que
tinha servido a mãe e as irmãs como príncipe-pajem. Mesmo assim, havia um grande desapontamento
para Drizzt nas suas primeiras semanas em Melee-Magthere. Deu consigo com saudades das sua
aulas de treino com Zak.
Sentou-se na beira da sua cama, já tarde, certa noite, segurando uma cimitarra diante dos olhos
brilhantes, relembrando essas muitas horas empenhado a treinar o combate com Zaknafein.
— Vamos para a aula daqui a duas horas — disse Kelnozz, da cama ao lado. — Vê se descansas.
— Sinto a lâmina a fugir-me das mãos — respondeu Drizzt calmamente. — A arma parece mais
pesada, desequilibrada.
— As aulas de combate estão a apenas dez ciclos de Narbondel — disse Kelnozz. — Então terá
todo treino que quiseres! Não tenhas receio; qualquer destreza que tenha sido embotada pelas aulas
com o mestre de Lendas será em breve recuperada. Durante os próximos nove anos, essa tua bel
lâmina raramente deixará as tuas mãos!
Drizzt enfiou de novo a cimitarra na bainha e deitou-se na cama. Tal como acontecia com tantos
outros aspectos da sua vida até aqui — e, começava a recear, com tantos aspectos do seu futuro em
Menzoberranzan — não tinha outra escolha senão aceitar as circunstâncias da sua existência.
— Esta parte do vosso treino está a terminar — anunciou o mestre Hatch’net na manhã do
quinquagésimo dia. Outro mestre, Dinin, entrou na sala, trazendo atrás de si uma caixa de metal
magicamente suspensa cheia de paus toscamente envoltos em material amortecedor, de todos os
comprimentos e feitios comparáveis às armas drow.
— Escolham o instrumento de treino que mais se assemelhe à vossa arma de eleição — explicou
Hatch’net enquanto Dinin caminhava pela sala. Chegou junto do irmão, e os olhos de Drizzt pousara
de imediato na sua escolha: dois paus ligeiramente recurvados com cerca de noventa centímetros de
comprimento. Drizzt tirou-os da caixa e fez um simples movimento de ataque. O peso e equilíbrio
dos paus assemelhavam-se bastante aos das cimitarras que se tinham tornado tão familiares às suas
mãos.
— Para orgulho de Daermon N’a’shezbaernon — sussurrou-lhe Dinin. Depois, seguiu caminho.
Drizzt voltou a ensaiar movimentos com as armas fingidas. Era altura de avaliar o valor das sua
aulas com Zak.
— A vossa aula tem de ter uma ordem — dizia Hatch’net enquanto Drizzt desviava a atenção das
suas novas armas. — Daí o combate geral. Lembrem-se: só pode haver um vencedor!
Hatch’net e Dinin levaram os estudantes para fora da sala oval e até para fora de Melee-Magthere
pelo túnel que passava entre as duas aranhas guardiãs nas traseiras de Tier Breche.
Para todos os estudantes, esta era mesmo a primeira vez que saíam de Menzoberranzan.
— Quais são as regras? — perguntou Drizzt a Kelnozz, que caminhava na fila ao seu lado.
— Se um mestre te disser que estás fora, estás fora — respondeu Kelnozz.
— Mas as regras de combate? — perguntou Drizzt.
Kelnozz lançou-lhe um olhar incrédulo.
— A regra é vencer — respondeu simplesmente, como se não pudesse haver mais nenhuma
resposta.
Pouco tempo depois, chegaram a uma caverna razoavelmente grande, que seria a arena para o
combate geral. Estalactites pontiagudas espreitavam para baixo, por cima deles, e aglomerados de
estalagmites transformavam o chão num labirinto complexo cheio de covas para emboscadas e
esquinas perigosas.
— Escolham as vossas estratégias e procurem o vosso ponto de partida — disse o mestre
Hatch’net. — O grande combate começa quando contar até cem!
Os vinte e cinco estudantes puseram-se em acção, alguns deles fazendo uma pausa para avaliare
o terreno diante deles, e outros começando a correr para a obscuridade do labirinto.
Drizzt decidiu encontrar um corredor estreito, para se assegurar de que poderia lutar contra um de
cada vez, e mal tinha começado a sua busca quando foi agarrado por trás.
— Fazemos equipa? — propôs Kelnozz.
Drizzt não respondeu, duvidoso da valia em combate do outro e inseguro quanto às práticas
aceitáveis deste tipo de combate tradicional.
— Os outros estão a formar equipas — insistiu Kelnozz. — Algumas delas com três elementos.
Juntos, talvez tenhamos alguma hipótese.
— O mestre disse que só podia haver um vencedor — argumentou Drizzt.
— Quem será melhor do que tu para isso, a não ser que seja eu? — respondeu Kelnozz com u
piscar de olho. — Derrotemos os outros, e depois poderemos decidir a questão entre nós.
Este raciocínio parecia prudente, e com a contagem de Hatch’net já a aproximar-se de setenta e
cinco, Drizzt tinha pouco tempo para ponderar as possibilidades. Deu uma palmada no ombro de
Kelnozz e fez o seu novo aliado segui-lo pelo labirinto.
Tinham sido construídas passagens superiores por todo o perímetro da sala, que até atravessavam
o centro, para dar aos mestres avaliadores uma boa visão da acção que decorria mais abaixo. Havia
agora uma dúzia deles lá em cima, todos esperando ansiosamente as primeiras batalhas, para
poderem avaliar os talentos desta turma de jovens.

— Cem! —
Kelnozz gritou Hatch’net
começou do seu lugar
a movimentar-se, maselevado.
Drizzt fê-lo parar, mantendo-o recuado no corredor
estreito, entre dois longos aglomerados de estalagmites.
— Deixa-os vir ter connosco — sinalizou Drizzt no código silencioso das mãos e do rosto.
Agachou-se, em prontidão para o combate. — Deixa-os lutar uns contra os outros até se cansarem.
paciência é nossa aliada!
Kelnozz descontraiu-se, pensando que tinha feito a escolha acertada com Drizzt.
Mas a paciência deles não foi posta à prova por muito tempo, porque pouco depois um estudante
alto e agressivo entrou de rompante na sua posição defensiva, brandindo um longo pau em forma de
lança. Foi direito a Drizzt, rodopiando a ponta da lança, e depois erguendo-a para uma carga e
cheio e brutal destinada a uma morte rápida, num movimento forte e perfeitamente executado.
Para Drizzt, porém, esta parecia a mais básica das rotinas de ataque — quase demasiado básica,
até, porque Drizzt mal conseguiu acreditar que um estudante treinado atacasse outro combatente hábil
de forma tão aberta. Drizzt convenceu-se rapidamente de que este era, de facto, o método de ataque
escolhido pelo outro, e não um embuste, e lançou a defesa adequada. As suas cimitarras fingidas
surgiram à sua frente rapidamente, desviando a lança que avançava e acabando num movimento que
colocou a ponta de uma delas sobre a linha do ombro do atacante.
O atacante agressivo, surpreendido pelo contra-ataque, deu consigo desequilibrado e em posição
indefesa. Um segundo depois, e antes que o atacante conseguisse sequer começar a recuperar, o
contra-ataque de Drizzt levou primeiro a ponta de uma cimitarra, e depois a da outra, a ficare
encostadas ao peito do oponente.
Uma luz azul suave apareceu no rosto do estudante surpreendido, e tanto este como Drizzt seguiram
a luz até à sua srcem, para encontrarem um mestre que segurava uma varinha mágica e que olhava
para baixo, para eles, desde uma das passagens superiores.
— Estás derrotado — disse o mestre ao estudante mais alto. — Cai no sítio onde estás!
O estudante lançou um olhar irado a Drizzt e depois deixou-se cair na pedra, obedientemente.
— Vem — disse Drizzt a Kelnozz, lançando um olhar rápido para a luz que revelava a presença do
mestre. — Agora, todos os outros já sabem a nossa posição. Temos de encontrar outra área
defensiva.
Kelnozz fez uma breve pausa para apreciar as passadas graciosas de caçador do seu parceiro.
Tinha de facto feito uma boa escolha ao decidir-se por Drizzt, mas já sabia, após este único e
simples primeiro confronto, que se ele e o seu destro companheiro fossem os últimos dois a ficar de
pé — o que era uma possibilidade bem real — não teria qualquer hipótese de clamar vitória.
Juntos, correram para uma esquina, dando de caras com dois oponentes. Kelnozz correu atrás de
um que fugiu assustado, e Drizzt parou para enfrentar o outro, que estava armado com uma espada e
um punhal fictícios.
Um grande sorriso de confiança crescente atravessou o rosto de Drizzt enquanto o seu oponente
tomava a iniciativa usando rotinas de ataque tão básicas quanto as do atacante da lança tinha usado
antes e que Drizzt tinha despachado facilmente.
Uns quantos golpes hábeis das cimitarras, umas quantas pancadas para desviar as armas do
adversário, e a espada e o punhal foram arrancados das mãos do oponente. O ataque de Drizzt surgi
mesmo pelo meio, executando um novo duplo golpe directo ao peito do adversário.
A já esperada luz azul surgiu.
— Foste derrotado — ouviu-se a voz do mestre. — Cai no local onde te encontras.
Agastado, o teimoso estudante atacou malevolamente Drizzt. Este bloqueou o ataque com um
arma e golpeou com a outra o pulso do oponente, lançando a espada ao chão.
O atacante agarrou o pulso magoado, mas esse era o menor dos seus problemas. Um relâmpago de
luz cegante foi disparado da varinha do mestre observador, acertando-lhe em cheio no peito e
lançando-o três metros para trás, para se estatelar de encontro a uma estalagmite. Caiu no chão,
uivando em agonia, e uma linha de luz derivada do calor que lhe saía do peito começou a subir do
corpo chamuscado, caído contra a pedra cinzenta e fria.
— Foste derrotado! — disse de novo o mestre.
Drizzt começou a avançar para ajudar o drow caído, mas o mestre lançou-lhe um enfático «não».
Depois, Kelnozz regressou para junto de Drizzt.
— Escapou-se-me — começou Kelnozz a dizer, mas começou a rir quando viu o estudante caído.
— Quando um mestre te diz que estás derrotado, estás derrotado! — repetiu para o olhar vazio de
Drizzt.
— Anda — prosseguiu Kelnozz. — A batalha está no auge. Vamos à procura de mais diversão!
Drizzt achou o seu companheiro bastante confiante para alguém que ainda nem tinha usado as
armas. Limitou-se a encolher os ombros e a segui-lo.
O encontro seguinte já não foi tão fácil. Entraram numa passagem dupla que dava para vária
formações rochosas e deram consigo de caras com um grupo de três estudantes — nobres de casas
principais, conforme Drizzt e Kelnozz depressa se aperceberam.
Drizzt disparou em direcção aos dois à esquerda, os quais brandiam uma única espada cada um,
enquanto Kelnozz se esforçava por afastar o terceiro dali. Drizzt tinha pouca experiência e
combater múltiplos adversários simultaneamente, mas Zak ensinara-lhe bastante bem as técnicas de
uma batalha deste tipo. Os seus movimentos foram, de início, apenas defensivos; depois, foi
adquirindo um ritmo confortável e permitiu aos oponentes que se cansassem e começassem a fazer
erros críticos.
Estes eram adversários astuciosos, porém, e estavam familiarizados com os movimentos um do
outro. Os ataques complementavam-se, avançando contra Drizzt de ângulos opostos.
— Duas mãos — dissera em tempos Zak acerca de Drizzt; e agora tinha de estar à altura do título
As cimitarras pareciam trabalhar de forma independente, mas em perfeita harmonia, seguindo cada
ataque.
De um posto superior próximo, os mestres Hatch’net e Dinin observavam, com Hatch’net bastant
impressionado e com Dinin inchado de orgulho.
Drizzt viu a frustração a crescer nos rostos dos oponentes e soube que a sua oportunidade de
atacar depressa chegaria. Então, estes uniram-se e avançaram com golpes iguais, com as espadas
apenas separadas por um centímetro.
Drizzt saltou para o lado e lançou um golpe de baixo para cima com a cimitarra da esquerda,
desviando ambos os ataques. Depois, inverteu o balanço do corpo, deixou-se cair sobre um joelho,
de novo alinhado para os adversários, e atacou com dois golpes do braço direito que estava livre. A
cimitarra atacante apanhou o primeiro, e depois o segundo, em cheio no estômago.
Deixaram cair as armas ao mesmo tempo, agarrando as barrigas doridas, e caíram de joelhos.
Drizzt avançou para eles, tentando encontrar as palavras certas para pedir desculpa.
Hatch’net acenou com a cabeça em sinal de aprovação para Dinin, enquanto os dois mestre
dirigiam as suas luzes azuis para os dois derrotados.
— Ajuda-me! — gritou Kelnozz, de detrás da parede de estalagmites.
Drizzt rebolou por uma abertura na parede, ergueu-se rapidamente e abateu um quarto adversário,
que estava escondido para um ataque traiçoeiro, com um golpe do punho da arma contra o peito.
Drizzt parou para avaliar a sua última vítima. Nem sequer tivera consciência de que o drow ali
estava, mas a sua pontaria fora perfeita!
Hatch’net deu um longo assobio enquanto lançava a luz azul para o rosto do mais recente
derrotado.
— Ele é bom! — murmurou o mestre.
Drizzt viu Kelnozz a pouca distância, praticamente forçado a deitar-se no chão devido à
manobras hábeis do seu oponente. Drizzt saltou para o meio dos dois e desviou um ataque que teria
certamente acabado com Kelnozz.
Este novo adversário, que brandia duas espadas fictícias, mostrou ser o maior desafio a Drizzt até
ao momento. O estudante avançou para Drizzt com uma série de simulações e reviravoltas, forçando-
o a recuar por mais de uma vez.
— Berg’inyon da Casa Baenre — sussurrou Hatch’net a Dinin.
Dinin compreendeu o significado disto e esperou que o seu jovem irmão estivesse à altura do
desafio.
Berg’inyon não desapontava a sua distinta família. Os seus movimentos eram destros e be
medidos, e ele e Drizzt dançaram durante vários minutos sem que qualquer deles conseguisse
encontrar uma vantagem. O ousado Berg’inyon avançou depois com uma rotina de ataque que er
talvez das mais familiares para Drizzt: o duplo golpe por baixo.
Drizzt executou a dupla defesa baixa em cruz com mestria, na defesa adequada que Zaknafein tant
vez lhe demonstrara ser a mais correcta. Nunca satisfeito, porém, Drizzt reagiu depois num impulso,
fazendo agilmente subir um pé por entre as suas espadas e direito à cara do adversário. O confundido
filho da Casa Baenre caiu de costas contra a parede.
— Eu sabia que esta defesa estava errada! — gritou Drizzt, já saboreando a próxima vez em que
tivesse a oportunidade de desarmar um ataque daqueles numa sessão contra Zak.
— Ele é mesmo bom — sussurrou de novo Hatch’net para o seu companheiro orgulhoso.
Confundido, Berg’inyon não conseguiu lutar para sair da situação de desvantagem. Lançou u
globo de escuridão à sua volta, mas Drizzt avançou a direito, mais do que preparado para lutar às
cegas. Drizzt deu ao filho da Casa Baenre uma série de rápidos ataques, terminando com uma da
cimitarras encostada ao pescoço de Berg’inyon.
— Estou derrotado — concedeu o jovem Baenre, sentindo a ponta da arma.

Ouvindo
ambas estasnopalavras,
as armas o mestreenquanto
chão e deitou-se, Hatch’net desfez
a luz o feitiço
azul lhe incidia de
no escuridão.
rosto. Berg’inyon pouso
Drizzt não conseguia disfarçar o sorriso cada vez mais descarado. Haveria por ali ainda algum que
o pudesse derrotar?, interrogava-se.
Depois, sentiu uma explosão na nuca que o fez cair de joelhos. Conseguiu olhar para trás a tempo
de ver Kelnozz a afastar-se.
— É um tonto — riu-se Hatch’net, fazendo incidir a sua luz sobre Drizzt, e depois olhando par
Dinin. — Um bom tonto.
Dinin cruzou os braços sobre o peito, com o rosto a ferver agora de embaraço e ira.
Drizzt sentiu a pedra fria contra a cara, mas os seus únicos pensamentos nesse momento estava
enraizados no passado, presos à afirmação sarcástica, mas dolorosamente correcta, de Zaknafein:
«São os nossos usos!»
— Desiludiste-me — disse Drizzt a Kelnozz nessa noite, na camarata.
A sala estava escura, e nenhum outro estudante se movia na cama, todos exaustos devido à luta do
dia e dos deveres intermináveis ao serviço dos estudantes mais velhos.
Kelnozz já estava à espera desta conversa. Apercebera-se desde logo da ingenuidade de Drizzt,
quando este o interrogara sobre as regras de combate. Um guerreiro drow experimentado, e
especialmente um nobre, deveria saber mais do que isso, deveria saber que a única regra da sua
existência era a procura da vitória. Agora, Kelnozz sabia bem que este tolo jovem Do’Urden não
atacaria por causa das suas acções anteriores — a vingança impelida pela ira não era um dos traços
de personalidade de Drizzt.
— Porquê? — insistiu Drizzt, sem encontrar nenhuma resposta por parte do comum da Cas
Kenafin.
O volume da voz de Drizzt forçou Kelnozz a olhar em volta preocupado. Deveriam estar a dormir
se um mestre os ouvisse…
— Qual é a dúvida? — sinalizou Kelnozz com as mãos, com o brilho quente dos dedos a surgi
claramente aos olhos sensíveis de Drizzt.
— Agi como tinha de agir, muito embora agora pense que devia ter esperado um pouco mais.
Talvez se tu tivesses derrotado mais alguns deles pudesse ter acabado em terceiro da turma.
— Se tivéssemos trabalho em conjunto, como tínhamos concordado, poderias até ter vencido, ou
terminado em segundo, pelo menos — respondeu por sinais Drizzt, com os movimentos bruscos das
mãos a reflectirem a sua ira.
— Seguramente em segundo — respondeu Kelnozz. — Soube desde logo que não estaria à tu
altura. És o melhor guerreiro que já vi.
— Não de acordo com a opinião dos mestres — resmungou Drizzt, em voz alta.
— Oitava não é assim tão baixo — sussurrou Kelnozz em resposta. — Berg’inyon ficou apenas e
décimo, e é da Casa reinante de Menzoberranzan. Deverias ficar contente por a tua posição não se
demasiado invejada pelos teus colegas — um ruído fora da camarata obrigou Kelnozz a regressar ao
código silencioso. — Ter uma posição mais alta só significa ter mais adversários a espiar-te as
costas, à cata de oportunidade para te enfiarem um punhal nelas.
Drizzt deixou passar as implicações da afirmação de Kelnozz; recusava-se a admitir que houvesse
tanta
— traição na Academia.
Berg’inyon foi o melhor guerreiro que vi na batalha — gesticulou. — Estava a derrotar-te até
eu interceder por ti.
Kelnozz sorriu e afastou o pensamento.
— Quero lá saber. Por mim, Berg’inyon pode bem servir de cozinheiro numa casa inferio
qualquer — murmurou ainda mais baixo do que antes — porque a cama do filho da Casa Baenre
ficava a apenas alguns metros. — Ele ficou em décimo, enquanto eu, Kelnozz da Casa Kenafin, sou
terceiro!
— E eu sou oitavo — disse Drizzt, com um nervosismo invulgar na voz, mais devido à raiva do
que à inveja. — Mas conseguiria vencer-te com qualquer arma.
Kelnozz encolheu os ombros, num estranho movimento que criava um borrão de luz para quem o
via no espectro infravermelho. — Mas não venceste — gesticulou. — Eu venci o recontro.
— Recontro? — gesticulou Drizzt. — Limitaste-te a atraiçoar-me, apenas isso!
— Mas quem é que ficou de pé? — fez-lhe Kelnozz notar. — Quem é que recebeu a luz azul d
varinha de um mestre?
— A honra exige que haja regras para o combate — resmungou Drizzt.
— Só há uma regra — lançou-lhe Kelnozz. — Podes fazer o que quer que seja, desde que te safes
Venci o nosso recontro, Drizzt Do’Urden, e fiquei com a posição mais alta! É só isso que importa.
No calor da discussão, as vozes de ambos tinham subido demasiado alto. A porta da camarata
abriu-se e um mestre entrou, com a sua silhueta vivamente recortada pela luz azul do corredor.
Ambos os estudantes se deitaram prontamente e fecharam os olhos — e as bocas.
O tom final da última afirmação de Kelnozz levou Drizzt a algumas observações prudentes
Percebeu então que a sua amizade com Kelnozz chegara ao fim — e que talvez ele e Kelnozz ne
nunca tivessem sequer sido amigos.
— Viste-o? — perguntou Alton, batendo ansiosamente com os dedos na pequena mesa da sala mais
alta dos seus aposentos privados. Alton tinha posto os estudantes mais jovens de Sorcere a trabalhar
na reparação do seu lar arruinado, mas as marcas de fogo nas paredes de pedra ainda lá estavam,
como legado da bola de fogo que Alton lançara.


— Vi — respondeu
Oitavo Masoj.
da turma no —combate
grande E ouvi falar da destreza
— disse Alton. —dele
Umcom as considerável.
feito ramas.
— Segundo todos os relatos, tem aptidão para ser o primeiro — disse Masoj. — Um dia há-d
reclamar esse título. Hei-de ter cuidado perto dele.
— Não há-de viver o suficiente para reclamar o título! — prometeu Alton. — A Casa Do’Urde
tem grande orgulho no seu jovem de olhos cor de violeta, e por isso me decidi a atacar o jovem
Drizzt como meu primeiro alvo de vingança. A morte dele trará grande desgosto à traiçoeira Matrona
Malice!
Masoj viu nisto um problema, e decidiu encerrar a questão de uma vez por todas.
— Não lhe farás mal — avisou. — Nem sequer te aproximarás dele.
O tom de Alton tornou-se menos sombrio.
— Esperei duas décadas… — começou a dizer.
— E podes esperar mais umas quantas — atalhou imediatamente Masoj. — Lembro-te qu
aceitaste o convite da Matrona SiNafay para a Casa Hun’ett. Uma tal aliança exige obediência.
Matrona SiNafay — a nossa Matrona Mãe — colocou nos meus ombros a tarefa de lidar com Drizz
Do’Urden, e cumprirei a vontade dela.
Alton recostou-se na cadeira, do outro lado da mesa, e assentou o que restava do queixo
dilacerado pelo ácido numa mão esguia, sopesando cuidadosamente as palavras do seu parceiro
secreto.
— A Matrona SiNafay tem planos que te darão toda a vingança que possas desejar — prossegui
Masoj. — Aviso-te já, Alton DeVir — disse sublinhando o apelido que não era Hun’ett — que se
começares uma guerra com a Casa Do’Urden, ou se sequer os puseres na defensiva devido
qualquer acto de violência não aprovado pela Matrona SiNafay, incorrerás na ira da Casa Hun’ett.
Matrona SiNafay expor-te-á como um impostor e assassino e exercerá todas as punições permitida
pelo Conselho Governante sobre esses teus desgraçados ossos!
Alton não tinha forma de refutar esta ameaça. Era um vagabundo, sem família a não ser os Hun’et
que o tinham adoptado. Se SiNafay se voltasse contra ele, não encontraria aliados.
— Que plano tem SiNafay… – A Matrona SiNafay – para a Casa Do’Urden? — pergunto
calmamente. — Fala-me da minha vingança, para que possa sobreviver a estes torturantes anos de
espera.
Masoj sabia que tinha de agir cuidadosamente nesta matéria. A mãe não o proibira de contar a
Alton o futuro rumo das coisas, mas se quisesse que o volátil DeVir o conhecesse, notou Masoj, ter
lho-ia dito ela própria.
— Digamos apenas que o poder da Casa Do’Urden cresceu, e continua a crescer, ao ponto de s
estar a tornar uma ameaça bem real para as outras grandes casas — ronronou Masoj, adorando a
intriga do posicionamento antes de uma guerra. Testemunha disso é a queda da Casa DeVir,
executada na perfeição, sem deixar qualquer rasto evidente. Muitos dos nobres de Menzoberranza
dormiriam mais descansados se… — ficou por aí, pensando que provavelmente até já teria falado
demais.
Pelo brilho quente dos olhos de Alton, Masoj conseguiu perceber que as suas palavras tinham sido
suficientemente fortes para comprar mais alguma paciência a Alton.
A Academia guardava muitas desilusões para o jovem Drizzt, especialmente nesse primeiro ano, e
que tantas das negras realidades da sociedade drow, realidades que Zaknafein só referira de relance,
continuavam a embater contra o reconhecimento de Drizzt com uma resistência teimosa. Sopesava a
lições dos mestres, de ódio e desconfiança, com as duas mãos; uma agarrava as visões dos mestres
no contexto das aulas, e a outra pegava nessas mesmas palavras segundo a lógica muito diferente
assumida pelo seu antigo mentor. A verdade parecia tão ambígua, tão difícil de definir. Com todo
esse exame, Drizzt descobriu que não podia escapar a um facto arrasador: em toda a sua jovem vida,
o único comportamento traiçoeiro que já vira, e com muita frequência, era proveniente dos próprios
elfos drow.
O treino físico na Academia, horas sem fim de exercícios de duelo e de técnicas de dissimulação,
era mais do agrado de Drizzt. Aí, com as armas sempre prontas nas mãos, libertava-se das questões
sobre a verdade e aquilo que parecia a verdade.
Aí, mostrava-se excelente. Se Drizzt já chegara à Academia com um nível de treino e mestri
superiores aos dos colegas, essa diferença só se tornava agora cada vez maior, enquanto os meses de
trabalhos iam passando. Aprendeu a ver para além das rotinas de defesa e de ataque aceites e
apresentadas pelos mestres e criou os seus próprios métodos, com inovações que quase sempre
igualavam, pelo menos — mas a maior parte das vezes até excediam — as técnicas padrão.
Inicialmente, Dinin ouvia com cada vez maior orgulho quando os seus pares elogiavam as proeza
de guerreiro do irmão. Os elogios começaram a ser tão ardentes que o filho mais velho da Matron
Malice começou a recebê-los com uma preocupação nervosa. Dinin era o Rapaz Mais Velho da Cas
Do’Urden, título que tinha conquistado eliminando Nalfein. Drizzt, que mostrava potencial para s
tornar um dos melhores guerreiros de Menzoberranzan, era agora o Segundo Rapaz da Cas
Do’Urden, e talvez começasse a olhar com cobiça para o título de Dinin.
De igual forma, os colegas estudantes de Drizzt não deixavam de testemunhar a mestria crescente
da sua dança de combate. Por vezes, observavam-na até demasiado de perto para seu gosto! Olhava
para Drizzt com uma inveja crescente, interrogando-se se alguma vez se poderiam comparar a ele no
domínio das cimitarras. O pragmatismo era sempre um traço forte nos elfos drow. Estes jovens
estudantes tinham passado o grosso dos seus anos a observar os mais velhos das suas famílias a
distorcer cada situação a uma luz mais favorável. Cada um deles reconhecia o valor de Drizz
Do’Urden como aliado, e assim, quando a grande batalha do ano seguinte chegou, Drizzt foi inundad
de propostas de parceria.
A proposta mais surpreendente veio de Kelnozz da Casa Kenafin, que derrubara Drizzt à traiçã
no ano anterior.
— Juntamo-nos de novo, desta vez até ao topo da turma? — perguntou o descarado jove
guerreiro enquanto caminhava ao lado de Drizzt pelo túnel que dava para a caverna preparada para o
efeito.
Caminhava junto de Drizzt e punha-se à frente dele com facilidade, como se fossem os melhore
amigos, com os antebraços pousados sobre os punhos das armas no cinturão e com um sorriso aberto
e amigável no rosto.
Drizzt nem lhe conseguia responder. Virou costas e afastou-se, mantendo propositadamente um
olhar por cima do ombro enquanto se afastava.
— Porque estás tão surpreendido? — insistiu Kelnozz, apressando-se a ir ter de novo com ele.
Drizzt enfrentou-o.
— Como me poderia juntar de novo com alguém que me enganou? — escarneceu. — Não me
esqueci da tua traição!
— Essa é precisamente a ideia — argumentou Kelnozz. — Este ano já estás de sobreaviso; e
seria certamente um grande tolo se fosse tentar de novo uma acção dessas, não?
— De que outra maneira poderias vencer? — disse Drizzt. — Não me consegues derrotar e
combate cara a cara — estas palavras não eram sobranceria, mas apenas um facto que Kelnozz
aceitou tão simplesmente quanto Drizzt.
— O segundo lugar é altamente honroso — respondeu Kelnozz.
Drizzt ficou a olhar para ele. Sabia que Kelnozz não se contentaria com nada menos do que
derradeira vitória.
— Se nos encontrarmos no combate — disse com um tom frio e terminante —, será como
oponentes.
Afastou-se de novo, e desta vez Kelnozz não o seguiu.
A sorte bafejou Drizzt com uma certa dose de justiça nesse dia, porque o seu primeiro adversário, e a
sua primeira vítima na grande batalha, foi nada menos do que o seu antigo parceiro. Drizzt encontrou
Kelnozz no mesmo corredor que tinham usado como ponto de defesa inicial no ano anterior e abateu-
o com a sua primeira combinação de ataque. Drizzt conseguiu a custo conter o seu ímpeto atacante,
embora desejasse realmente carregar a cimitarra fingida com toda a sua força contra o peito de
Kelnozz.
Depois, deslizou pelas sombras, escolhendo cuidadosamente o caminho, até o número de
estudantes sobreviventes começar a diminuir. Com a sua reputação, Drizzt tinha de ser extremamente
cuidadoso, porque os colegas de turma viam uma vantagem comum em eliminar as proezas dele
desde cedo na batalha. Trabalhando sozinho, Drizzt tinha de avaliar cuidadosamente cada embate
antes de reagir, para se assegurar de que cada oponente não trazia companheiros ocultos à espreita
nas redondezas.
Esta era a arena de Drizzt, o local onde se sentia mais à vontade, e estava à altura do desafio. Ao
fim de duas horas, apenas cinco contendentes restavam, e depois de mais duas horas de jogo do gato
e do rato, apenas restavam dois: Drizzt e Berg’inyon Baenre.
Drizzt saiu para uma extensão aberta da caverna.
— Anda, sai, estudante Baenre! — chamou. — Resolvamos este desafio abertamente e com honra!
Observando do passadiço superior, Dinin abanou a cabeça, incrédulo.
— Abdicou de qualquer vantagem que tinha — disse o mestre Hatch’net, que estava ao lado do
Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden. — Sendo melhor espadachim, tinha Berg’inyon preocupado
na incerteza quanto aos seus movimentos. E agora o teu irmão está ali às claras, mostrando a posição.
— Continua a ser um tonto — resmungou Dinin.
Hatch’net detectou Berg’inyon a deslizar por trás de uma estalagmite, a poucos metros por trás de
Drizzt.
— Isto ficará resolvido em breve — comentou o mestre.
— Estás com medo? — gritava Drizzt para a penumbra. — Se queres realmente merecer
primeiro lugar, como tantas vezes dizes, então sai e enfrenta-me cara a cara. Prova as tuas palavras,
Berg’inyon Baenre, ou nunca mais te atrevas a pronunciá-las!
O já esperado movimento atrás dele levou Drizzt a rebolar para um lado.
— O combate é mais do que apenas o golpe de espadas! — gritou o filho da Casa Baenre enquant
avançava, com os olhos rebrilhando com a sensação de vantagem que parecia agora deter.
Mas Berg’inyon tropeçou, atraiçoado por um fio que Drizzt tinha instalado, e caiu de cara no chão
Drizzt abateu-se sobre ele num relâmpago, apontando a ponta da cimitarra à garganta do opositor.

— Isso já euum
E assim aprendi — respondeu
Do’Urden se torna Drizzt
campeãosarcasticamente.
— observou Hatch’net, fazendo incidir a sua luz azu
na cara do filho derrotado da Casa Baenre. Depois, apagou o sorriso escancarado da cara de Dini
com as palavras seguintes: — Os rapazes mais velhos deverão sempre ter atenção aos segundos
rapazes possuidores de tal destreza.
Embora Drizzt pouco se orgulhasse da sua vitória no segundo ano, estava muito satisfeito com
consolidação contínua das suas aptidões para o combate. Praticava todas as horas do dia, desde que
não estivesse ocupado nos muitos deveres de serviço de um jovem estudante. Esses deveres ia
sendo reduzidos à medida que os anos iam passando — os estudantes mais jovens eram quem
trabalhava mais arduamente — e Drizzt foi encontrando cada vez mais tempo para o treino privado.
Comprazia-se com a dança das suas lâminas e com a harmonia dos movimentos. As cimitarras
tornaram-se os seus únicos amigos, a única coisa em que se atrevia a confiar.
Voltou a vencer a grande batalha no terceiro ano, e a do ano a seguir, apesar das conspirações de
muitos outros contra ele. Para os mestres, tornou-se evidente que ninguém da sua turma seria capaz
de vencer Drizzt, e no ano seguinte colocaram-no na grande batalha contra os estudantes três anos
mais avançados. Venceu também dessa vez.
A Academia, mais do que qualquer outra coisa em Menzoberranzan, era um local estruturado, e
embora a destreza superior de Drizzt desafiasse essa estrutura em termos de proezas em combate, a
sua permanência ali enquanto estudante não seria reduzida. Como guerreiro, passaria dez anos na
Academia, o que não era um tempo assim tão longo, em comparação com os trinta anos de estudo que
um mago tinha de passar em Sorcere, ou os cinquenta anos que uma candidata a sacerdotisa tinha de
passar em Arach-Tinilith. Enquanto os guerreiros começavam o treino na idade jovem de vinte anos,
os magos só podiam começar os estudos aos vinte e cinco, e as sacerdotisas tinham de esperar até
aos quarenta anos.
Os primeiros quatro anos em Melee-Magthere eram dedicados ao combate individual, ao manej
das armas. Nisso, os mestres pouco podiam ensinar a Drizzt que Zaknafein não lhe tivesse j
mostrado.
Depois disso, porém, as lições tornaram-se mais colectivas. Os jovens guerreiros drow passava
dois anos completos a aprender tácticas de combate em grupo com outros guerreiros, e os três anos
seguintes incorporavam essas tácticas em técnicas de guerra lado a lado com magos e sacerdotisas,
ou contra estes.
O ano final da Academia completava a educação dos guerreiros. Os primeiros seis meses era
passados em Sorcere, aprendendo as bases do uso da magia; e os últimos seis meses, prelúdio da
graduação, viam os guerreiros sob a tutela das sacerdotisas de Arach-Tinilith.
Durante todo esse tempo, permanecia a retórica, o martelar de todos aqueles preceitos que a
Rainha Aranha tinha por caros, essas mentiras de ódio que mantinham os drow num estado constante
de caos controlado.
Para Drizzt, a Academia tornou-se um desafio pessoal, uma sala de aula privada dentro da tei
impenetrável das suas cimitarras rodopiantes. Dentro das paredes de adamantite que formava co
essas lâminas, Drizzt descobriu que podia ignorar as muitas injustiças que observava à sua volta, e
que podia, de certa forma, isolar-se contra aquelas palavras que lhe envenenariam o coração. A
Academia era um local de constantes ambições e traições, um campo de cultura para a desenfreada
fome de poder que marcava a vida de todos os drow.
Drizzt haveria de sobreviver-lhe sem se deixar afectar, prometera a si mesmo.
À medida que os anos passavam, porém, e à medida que as batalhas começavam a ganhar os
contornos da realidade brutal, Drizzt deu consigo repetidamente no meio de situações que não podia
tão facilmente pôr de lado.
Moviam-se pelos túneis serpenteantes tão silenciosamente como uma leve brisa, com cada passo
avaliado cuidadosamente e a terminar numa postura defensiva. Eram estudantes do nono ano a
completar o último ano em Melee-Magthere, e era tão frequente treinarem fora da caverna de
Menzoberranzan, como no seu interior. Já não eram paus a fingir de armas que adornavam os seus
cinturões; agora havia neles armas de adamantite, finamente forjadas e cruelmente aguçadas.
Por vezes, os túneis fechavam-se à sua volta, quase sem largura suficiente para deixar passar u

único
tectos elfo negro.
que se Outras
perdiam vezes,Eram
de vista. os estudantes
guerreirosdavam consigo em
drow, treinados paravastas
operarcavernas com paredes
em qualquer tipo de e
paisagem do Subescuro, e conhecedores das técnicas de qualquer inimigo que pudessem encontrar.
«Patrulhas de treino», chamara o mestre Hatch’net a estes exercícios, embora tivesse avisado o
estudantes de que essas «patrulhas de treino» davam muitas vezes com monstros bem reais e pouco
amistosos.
Drizzt, que ainda estava classificado no topo da sua turma e seguia na posição de ponta de lança,
liderava o seu grupo, com o mestre Hatch’net e dez outros estudantes a segui-lo em formação. Só
restavam vinte e dois dos vinte e cinco membros iniciais da turma. Um tinha sido expulso — e
subsequentemente executado — por causa de uma tentativa falhada de assassinato de um estudante de
nível mais elevado; um segundo fora morto na arena de treino; e um terceiro morrera na cama, de
causas naturais — porque uma adaga no coração acaba muito naturalmente com a vida de qualquer
um.
Num outro túnel, a pouca distância, Berg’inyon Baenre, que tinha a segunda posição na turma
liderava o mestre Dinin e a outra metade da turma num exercício similar.
Dia após dia, Drizzt e os outros tinham-se esforçado por se manter sempre em extrema prontidão.
Em três meses destas patrulhas de treino, o grupo apenas encontrara um monstro, um pescador das
cavernas, uma criatura repelente do Subescuro semelhante a um caranguejo. Até mesmo esse recontro
proporcionara apenas uma breve excitação, e não tinha qualquer valor como experiência, porque a
criatura deslizara ao longo do caminho escapando-se à patrulha drow antes mesmo que esta tivesse
oportunidade de a atacar.
Neste dia, porém, Drizzt sentia algo diferente. Talvez fosse apenas o tom invulgar da voz do
mestre Hatch’net, ou um ecoar qualquer nas pedras da caverna, uma vibração subtil que sugeria ao
subconsciente de Drizzt outras criaturas no labirinto de túneis. Fosse qual fosse a razão, Drizzt sabi
o suficiente para seguir os seus instintos, e não ficou surpreendido quando o brilho revelador de uma
fonte de calor surgiu numa passagem lateral na periferia da sua visão. Fez sinal aos restantes da
patrulha para pararem, e depois trepou rapidamente para uma posição mais elevada, numa laje de
pedra por cima da saída da passagem.
Quando o intruso apareceu no túnel principal, deu consigo caído de costas no chão, com duas
cimitarras cruzadas sobre o pescoço. Drizzt recuou imediatamente quando reconheceu que a sua
vítima era outro estudante drow.
— Que estás a fazer aqui? — perguntou o mestre Hatch’net ao intruso. — Sabes bem que os túnei
fora de Menzoberranzan não podem ser cruzados por ninguém a não ser os das patrulhas!
— O teu perdão, mestre — pediu o estudante. — Trago notícias de um alerta.
Todos os da patrulha se reuniram à volta dele, mas Hatch’net afastou-os com um olhar incisivo e
mandou Drizzt colocá-los em posições defensivas.
— Desapareceu uma criança — prosseguiu o estudante. — Uma princesa da Casa Baenre! Fora
vistos monstros nos túneis!
— Que espécie de monstros? — perguntou Hatch’net.
Um som forte, como o de duas pedras a bater uma contra a outra, respondeu à pergunta.
— Horrores de garras! — sinalizou Hatch’net para Drizzt, ao seu lado.
Drizzt nunca vira tais animais, mas já aprendera o suficiente sobre eles para compreender por que
razão o mestre passara subitamente a usar o código gestual silencioso. Os horrores de garras
caçavam com a ajuda de um sentido auditivo mais desenvolvido do que o de qualquer outra criatura
de todo o Subescuro. Drizzt passou o mesmo sinal rapidamente para todos os outros, e todos ficara
perfeitamente imóveis à espera de instruções do mestre. Esta era a situação para que tinham sido
treinados durante os últimos nove anos das suas vidas, e apenas o suor nas mãos traía a calma
prontidão destes jovens guerreiros drow.
— Feitiços de escuridão não conseguirão enganar os horrores de garras — gesticulou Hatch’ne
para as suas tropas. — Nem isto — apontou para a besta de mão que empunhava e para o dardo
envenenado que esta continha, e que era uma arma de primeiro ataque bastante comum dos elfos
drow. Hatch’net recolheu a besta e sacou a espada comprida.
— Têm de encontrar uma abertura na armadura óssea da criatura — lembrou-lhes — e enfiar a
arma por aí até encontrar a carne.
Deu uma pancada no ombro de Drizzt e avançaram juntos, com os outros estudantes atrás e
formação.
O ruído de pedras a bater ouvia-se claramente, mas, ecoando nas paredes de pedra dos túneis,
revelava-se um sinal confuso para os drow à caça. Hatch’net deixou que Drizzt liderasse o caminho e
ficou impressionado pela forma como o estudante rapidamente discerniu o padrão do eco. Os passos
de Drizzt ganharam confiança, embora muitos outros do grupo olhassem em redor ansiosamente,
incertos do perigo e da distância a que este se encontraria.
Então, um som singular fê-los ficar imóveis no local onde estavam, sobrepondo-se à batida regular
do monstro e ecoando uma e outra vez, envolvendo a patrulha na loucura ressoante de uma espera
aterradora. Eram os gritos de uma criança.
— Princesa da Casa Baenre! — gesticulou Hatch’net para Drizzt.
O mestre começou a dar instruções às suas tropas para se porem em formação de combate, mas
Drizzt não esperou para ver esses comandos. Aquele grito tinha enviado uma onda de repulsa a
percorrer-lhe a espinha e, quando se voltou a ouvir, acendeu um fogo de ira nos seus olhos cor de
violeta.
Drizzt lançou-se a correr pelo túnel, com o frio metal das suas cimitarras a abrir caminho.
Hatch’net organizou a patrulha numa rápida perseguição. Odiava a ideia de perder um estudante
tão hábil como Drizzt, mas também considerou os benefícios das atitudes imprevisíveis de Drizzt. S
os outros vissem o melhor da turma a morrer num acto de estupidez, isso seria uma lição que não
esqueceriam tão cedo.
Drizzt dobrou uma esquina e desceu uma área plana de paredes estreitas e requebradas. Agora não
ouvia nenhum eco, apenas o batimento regular do monstro que esperava e os gritos abafados da
criança.
Os seus ouvidos apurados apanharam o som surdo da patrulha, atrás dele. Soube que, se ele o
conseguia ouvir, os horrores de garras também podiam, seguramente. Drizzt não desistiria do
empenho ou da urgência da sua demanda. Subiu para uma laje que ficava a três metros do chão,
esperando que esta seguisse ao longo de todo o comprimento do corredor. Quando deslizou por uma
última curva, mal conseguia distinguir o calor das formas do monstro através do frio do exosqueleto
ósseo, cujas camadas tinham quase a mesma temperatura da pedra que o rodeava.
Percebeu que havia pelo menos cinco desses animais gigantescos, dois deles alapados na pedra
fria e guardando o corredor, e três outros mais atrás, num pequeno beco, brincando com um objecto
qualquer — algo que chorava.
Drizzt acalmou os nervos e prosseguiu pela laje, usando todas as capacidades de dissimulação que
aprendera para passar pelas sentinelas. Então viu a pequena princesa, caída e enrolada no chão aos
pés de um daqueles monstruosos bípedes. As sacudidelas dos soluços indicaram a Drizzt que a
criança estava viva. Drizzt não tinha qualquer intenção de enfrentar os monstros, se o pudesse evitar,
esperando em vez disso ser capaz de entrar à socapa, raptar a criança e fugir.
Depois, a patrulha surgiu à sua frente após a curva do corredor, forçando-o a entrar em acção.
— Sentinelas! — gesticulou, avisando, e provavelmente salvando as vidas dos primeiros quatro
do grupo. A atenção de Drizzt virou-se depois abruptamente para a criança ferida, enquanto um dos
monstros com garras erguia um pé pesado e cheio de garras para a esmagar.
A grande besta tinha quase o dobro da altura de Drizzt e pesava pelo menos cinco vezes mais do
que ele. Estava completamente couraçada com as duras conchas do exosqueleto e adornada co
gigantescas mãos com garras e um longo e poderoso bico. Havia três daqueles monstros entre Drizz
e a criança.
Drizzt não se podia importar com qualquer desses pormenores, nesse momento crítico. Os seu
receios pela criança sobrepunham-se a qualquer preocupação com o perigo que se erguia à sua
frente. Era um guerreiro drow, um combatente treinado para lutar e equipado para o combate,

enquanto a criança
Dois dos horroresestava indefesa.
de garras correram para a laje, dando a Drizzt a aberta de que precisava. Pôs-s
de pé e saltou por cima deles, descendo numa nuvem de gestos de combate ao lado do horror de
garras que restava. O monstro esqueceu por completo a criança quando as cimitarras de Drizz
carregaram repetidamente contra o seu bico, procurando desesperadamente uma abertura na armadura
facial.
O horror de garras caiu para trás, vencido pela fúria do oponente e incapaz de responder a tempo
aos movimentos velozes das lâminas de Drizzt.
Drizzt soube que estava em vantagem contra este, mas sabia também que os outros dois depressa
estariam atrás de si. Não esmoreceu. Desceu da posição onde estava e rebolou para o lado do
monstro, bloqueando-lhe a retirada, e caindo entre as suas pernas semelhantes a estalagmites,
fazendo-o tropeçar nas pedras. Depois, ficou em cima dele, picando furiosamente enquanto o monstro
caia de borco.
O horror de garras tentava desesperadamente responder, mas a sua armadura era demasiado
pesada para lhe permitir virar-se e fugir ao ataque.
Drizzt sabia que a sua própria situação era ainda mais desesperada. A batalha estalara no
corredor, mas Hatch’net e os outros não poderiam passar pelas sentinelas a tempo de parar os dois
horrores de garras que decerto estariam a avançar para as suas costas. A prudência recomendaria que
Drizzt desistisse da sua posição sobre este monstro e girasse para assumir nova postura defensiva.
O grito agonizante da criança, porém, sobrepôs-se à prudência. A raiva ardia nos olhos de Drizz
de forma tão evidente que até mesmo o estúpido horror de garras soube que a sua vida estava prestes
a acabar. Drizzt colocou as pontas das cimitarras a formar um «V» e mergulhou-as na nuca do
monstro com toda a sua força. Vendo uma ligeira abertura na crosta do monstro, Drizzt cruzou os
punhos das armas, inverteu as pontas, e rasgou uma abertura clara nas defesas do monstro. Depois,
uniu os punhos e mergulhou as lâminas em conjunto, a direito, através da carne macia e até ao
cérebro da criatura.
Uma pesada garra delineou uma linha profunda no ombro de Drizzt, rasgando-lhe o piwafwi e
fazendo brotar sangue. Drizzt saltou para a frente, rebolando, e ergueu-se com as costas feridas
contra a parede. Só um horror de garras avançava para ele; o outro fora apanhar a criança.
— Não! — gritou Drizzt. Começou a avançar, para de imediato ser lançado de novo para trás po
uma palmada do monstro atacante. Então, paralisado, viu horrorizado o outro monstro a pôr fim aos
gritos da criança.
A raiva tomou o lugar da determinação nos olhos de Drizzt. O horror de garras que estava mai
próximo correu para ele, com intenção de o esmagar contra a pedra. Drizzt percebeu essas intenções
e nem tentou desviar-se do caminho. Em vez disso, mudou a posição das mãos nos punhos das armas
e empunhou-as encostadas à parede, acima dos ombros.
Com o ímpeto dos quatrocentos quilos do monstro a avançar, nem mesmo a casca da sua armadura
o poderia proteger das cimitarras de adamantite. Esmagou Drizzt contra a parede, mas ao fazê-lo
trespassou-se com as espadas na barriga.
A criatura saltou para trás, tentando sacudir-se e libertar-se, mas não podia escapar à fúria de
Drizzt Do’Urden. Selvaticamente, o jovem drow fez girar as lâminas enfiadas no monstro. Depois
afastou-se da parede com a força da ira, forçando o monstro a recuar.
Dois dos inimigos de Drizzt estavam mortos, e outro de entre as sentinelas do corredor tinha sido
abatido, mas Drizzt não encontrou alívio nesse facto. O terceiro horror de garras ergueu-se acim
dele enquanto tentava desesperadamente libertar as armas da vítima mais recente. Drizzt não tinha
maneira de escapar a este.
A segunda patrulha chegou nesse momento, e Dinin e Berg’inyon Baenre correram para o beco
pela mesma laje que Drizzt usara. O monstro desviou a atenção de Drizzt quando os dois hábei
guerreiros avançaram para ele.
Drizzt ignorou o doloroso golpe nas costas e as fracturas que sem dúvida teria sofrido nas frágeis
costelas. Respirar era-lhe doloroso, mas também isso não tinha importância. Conseguiu finalmente
libertar uma das armas, e carregou sobre as costas do monstro. Apanhado entre três drow hábeis, o
horror de garras caiu em poucos segundos.
O corredor estava finalmente livre, e os elfos negros correram todos pelo beco. Apenas tinha
perdido um estudante na batalha contra as monstruosas sentinelas.
— Uma princesa da Casa Barrison’del’armgo, notou um dos estudantes da patrulha de Dinin
olhando para o corpo da criança.
— Disseram-nos que era da Casa Baenre — disse outro estudante do grupo de Hatch’net. Drizz
não deixou de reparar na discrepância.
Berg’inyon Baenre correu para ver se a vítima era de facto sua irmã mais nova.
— Não é da minha casa — disse com óbvio alívio depois de uma rápida inspecção. Depois riu-se,
quando um exame mais aprofundado revelou outros pormenores do cadáver: — Nem sequer é uma
princesa! — declarou.
Drizzt observava tudo aquilo com curiosidade, notando acima de tudo a atitude impassível, dura,
dos seus companheiros.
Outro estudante confirmou a observação de Berg’inyon:
— Uma criança macho — disse. — Mas de que casa?
O mestre Hatch’net avançou para o pequeno corpo e baixou-se para retirar a bolsa que estav
pendurada ao pescoço da criança. Despejou o conteúdo nas mãos, revelando a insígnia de uma casa
menor.
— Um órfão perdido — riu-se para os estudantes, atirando a bolsa para o chão, e metendo ao
bolso o conteúdo. — Sem consequências.
— Uma bela luta — acrescentou logo Dinin. — Com apenas uma baixa. Regressarão
Menzoberranzan orgulhosos do trabalho que hoje aqui cumpriram.
Drizzt fez bater as lâminas das suas cimitarras uma contra a outra, num tilintar sonoro de protesto.
O mestre Hatch’net ignorou-o.
— Voltem a formar e regressemos — disse para os outros. — Todos se saíram bem hoje —
depois, olhou intensamente para o estudante irado, fazendo-o parar. — Excepto tu! Não posso ignorar
o facto de teres abatido dois dos monstros e de teres ajudado a eliminar um terceiro — escarneceu
Hatch’net —, mas puseste em perigo todos os restantes com as tuas ousadias irracionais!
— Avisei-vos das sentinelas — resmungou Drizzt.
— Raios partam o teu aviso! — gritou o mestre. — Avançaste sem ordens! Ignoraste os métodos
aceites de combate! Trouxeste-nos para aqui às cegas! Olha para o cadáver do teu companheiro
caído! — rugiu Hatch’net, apontando para o estudante morto no corredor. — O sangue dele mancha
as tuas mãos!
— A minha intenção era salvar a criança — argumentou Drizzt.
— Todos nós tínhamos essa intenção! — retorquiu Hatch’net.
Drizzt não tinha assim tanta certeza disso. Que andaria uma criança a fazer por ali sozinha,
naqueles corredores? Que conveniente que um grupo de horrores de garras, uma criatura raramente
vista na região de Menzoberranzan, calhasse estar por ali, para proporcionar treino a esta «patrulha
de treino». Demasiado conveniente, sabia Drizzt, considerando que as passagens mais afastadas d
cidade eram vigiadas por verdadeiras patrulhas de guerreiros experientes, de magos e até de
sacerdotisas.
— Sabias o que estava para lá da curva, naquele túnel — disse Drizzt calmamente, semicerrando
os olhos para o mestre.
A pancada seca de uma espada em cheio na ferida que tinha nas costas fez Drizzt encolher-se de
dor, e quase se foi abaixo. Virou-se para dar com Dinin a olhar severamente para ele.
— Mantém as tuas palavras tontas para ti — avisou Dinin num sussurro irado —, ou serei eu que
te corto a língua.
— A criança foi um embuste — insistiu Drizzt quando ficou a sós com o irmão, no quarto de Dinin.
A resposta de Dinin foi uma estalada violenta na cara de Drizzt.
— Sacrificaram-na apenas para a finalidade do exercício — resmungou o teimoso Do’Urden mai
ovem.
Dinin lançou um segundo golpe, mas desta vez Drizzt parou-lhe a mão a meio do caminho.
— Sabes bem que as minhas palavras são a verdade — disse Drizzt. — Sabias daquilo desde
início.
— Aprende o teu lugar, Segundo Rapaz — respondeu Dinin, numa ameaça clara. — Na Academi
e na família.

Afastou-se do irmão. vá para os Nove Infernos! — cuspiu Drizzt para Dinin. — E se a famíli
— Que a Academia
sustenta tais…
Reparou que as mãos de Dinin empunhavam agora uma espada e uma adaga.
Drizzt saltou para trás, puxando as cimitarras para uma posição de prontidão. — Não tenho
qualquer desejo de lutar contra ti, meu irmão — disse. — Mas fica sabendo que, se atacares, me
defenderei. E só um de nós sairá daqui vivo.
Dinin considerou cuidadosamente o seu passo seguinte. Se atacasse e vencesse, poria fim
ameaça à sua posição no seio da família. Certamente que ninguém, nem mesmo a Matrona Malice
questionaria a punição exercida contra o seu impertinente irmão mais novo. Mas Dinin já vira Drizz
em combate. Dois horrores de garras! Até mesmo Zaknafein teria dificuldade em proclamar uma tal
vitória. Mesmo assim, Dinin sabia que, se não levasse por diante a ameaça, se deixasse que Drizzt
menosprezasse, poderia estar a dar-lhe a confiança necessária para as futuras lutas contra ele, e
possivelmente a incitar a traição que sempre esperara que viesse do segundo Rapaz.
— Mas o que vem a ser isto? — ouviu-se uma voz vinda da porta do quarto. Os dois irmão
viraram-se para ver a sua irmã Vierna, mestra de Arach-Tinilith. — Baixem as armas — comandou.
— A Casa Do’Urden não se pode dar ao luxo de tais lutas internas neste momento!
Percebendo que se tinha livrado da situação, Dinin cumpriu imediatamente a ordem, e Drizzt fez
mesmo.
— Considerem-se com sorte — disse Vierna — por eu não contar à Matrona Malice est
estupidez. Não seria nada piedosa convosco, garanto-vos.
— Porque vieste tu a Melee-Magthere sem te fazeres anunciar? — perguntou o Rapaz Mais Velho
perturbado pela atitude da irmã. Também ele era mestre da Academia, mesmo sendo apenas um
macho, e por isso merecia algum respeito.
Vierna olhou para a entrada, e depois fechou a porta trás de si.
— Vim avisar os meus irmãos — explicou calmamente. — Há rumores de vingança contra a nossa
casa.
— De que família? — insistiu Dinin. Drizzt limitava-se a manter-se num silêncio confundido
deixou os outros continuar. — Por que acto?
— Pela eliminação da Casa DeVir, presumo — respondeu Vierna. — Pouco se sabe; os rumore
são vagos. Mas queria avisar-vos a ambos, para que mantenham a guarda especialmente atenta nos
meses que aí vêm.
— A Casa DeVir caiu há muitos anos — disse Dinin. — Que punição poderia ainda ser exercida?
Vierna encolheu os ombros.
— São apenas rumores — disse. — Rumores a que devemos prestar atenção!
— Fomos acusados de um acto errado? — perguntou Drizzt. — Certamente a nossa família dev
chamar à pedra esse falso acusador!
Vierna e Dinin trocaram um sorriso.
— Errado? — riu-se Vierna.
A expressão de Drizzt revelava a sua confusão.
— Na própria noite em que nasceste — explicou Dinin —, a Casa DeVir deixou de existir. U
excelente ataque, aliás.
— Foi a Casa Do’Urden? — perguntou Drizzt quase sem fôlego, incapaz de lidar com esta
notícias espantosas. Claro que Drizzt sabia acerca destas batalhas, mas mantivera sempre
esperança de que a sua própria família estivesse acima desse tipo de acção assassina.
— Uma das melhores eliminações que alguma vez levámos a cabo — vangloriou-se Vierna. —
Nenhuma testemunha foi deixada viva.
— Vocês… A nossa família… Assassinaram outra família?
— Cuidado com as tuas palavras, Segundo Rapaz — avisou Dinin. — O acto foi perfeitament
executado. Aos olhos de Menzoberranzan, portanto, nunca aconteceu.
— Mas a Casa DeVir deixou de existir — disse Drizzt.
— Até à última criança — disse Dinin, rindo-se.
Milhares de possibilidades assaltaram Drizzt nesse momento terrível, mil perguntas urgentes que
precisava de ver respondidas. Uma, em especial, destacava-se vivamente, inchando como um nó de
fel na sua garganta.
— Onde estava Zaknafein nessa noite? — perguntou.
— Na capela das sacerdotisas da Casa DeVir, claro — respondeu Vierna. — Zaknafei
desempenha muito bem o seu papel nesses assuntos.
Drizzt cambaleou sobre os calcanhares, quase incapaz de acreditar no que estava a ouvir. Sabia
que Zak já tinha morto outros drow, que já tinha morto sacerdotisas de Lolth, mas sempre presumira
que o mestre de armas agira por necessidade, em auto-defesa.
— Deverias demonstrar mais respeito pelo teu irmão — avisou-o Vierna. — Puxar de arma
contra Dinin! Deves-lhe a tua vida!
— Sabes disso? — riu-se Dinin, lançando um olhar curioso para Vierna.
— Estávamos em sintonia nessa noite — lembrou-lhe Vierna. — É claro que sei.
— De que estão vocês a falar? — perguntou Drizzt, quase com medo de ouvir a resposta.
— Eras para ser o terceiro macho nascido na família — explicou Vierna. — O terceiro filho vivo.
— Ouvi falar do meu irmão Nalfein… — O nome parou na garganta de Drizzt quando começou
perceber. Tudo o que conseguira saber acerca de Nalfein era que tinha sido morto por outro drow.
— Aprenderás nos teus estudos em Arach-Tinilith que o terceiro filho vivo é geralmente
sacrificado a Lolth, a Rainha Aranha — prosseguiu Vierna. — E assim tu tinhas sido prometido. N
noite em que nasceste, na noite em que a Casa Do’Urden combateu a Casa DeVir, Dinin ascendeu
posição de rapaz mais velho — lançou um olhar ao irmão, que se mantinha com os braços
orgulhosamente cruzados sobre o peito. — Agora posso falar disso — sorriu Vierna para Dinin, que
acenou com a cabeça em assentimento. — Aconteceu tudo há demasiado tempo para que qualquer
castigo recaia sobre Dinin.
— Que estão para aí a dizer? — perguntou Drizzt. O pânico abatia-se sobre ele. — Que fez Dinin?
— Enfiou um punhal nas costas de Nalfein — disse Vierna calmamente.
Drizzt estava à beira da náusea total. Sacrifício? Assassinato? Aniquilação de uma família,
incluindo as crianças? De que estavam para ali a falar os seus irmãos?
— Mostra respeito para com o teu irmão! — exigiu Vierna. — Deves-lhe a tua vida. E aviso-vo
aos dois — rosnou baixinho, com o seu olhar intenso a fazer tremer Drizzt e fazendo Dinin descer do
seu pedestal confiante: — A Casa Do’Urden pode estar a caminho da guerra. Se algum de você
atacar o outro, chamará a si a ira de todas as nossas irmãs e da Matrona Malice. Quatro alta
sacerdotisas contra a vossa alma sem préstimo!
Confiante de que a sua ameaça tinha peso suficiente, virou costas e saiu do quarto.
— Vou-me embora — murmurou Drizzt, apenas desejando deslizar para algum canto escuro.
— Sairás quando te der permissão — escarneceu Dinin. — Lembra-te do teu lugar, Drizz
Do’Urden, na Academia e na família.
— Tal como tu te lembraste do teu relativamente a Nalfein?
— A batalha contra a Casa DeVir estava ganha — respondeu Dinin, sem se ofender. — O me

acto
Umanãonova
acarretou
onda perigo
de nojopara a família.
varreu Drizzt. Sentia-se como se o chão estivesse a abrir-se debaixo do
pés para o engolir, e quase desejou que isso acontecesse mesmo.
— Vivemos num mundo difícil — disse Dinin.
— Somos nós que o fazemos assim — replicou Drizzt. Queria ir mais além, implicar a Rainh
Aranha e toda aquela religião amoral que sancionava acções tão traiçoeiras e destrutivas.
Mas, sensatamente, conteve-se. Dinin queria vê-lo morto; agora percebia isso. Drizzt percebi
também que, se desse ao irmão calculista uma oportunidade para virar as irmãs da família contra ele,
este seguramente o faria sem hesitar.
— Tens de aprender — disse Dinin de novo com um tom controlado —, a aceitar as realidades do
que te rodeia. Tens de aprender a reconhecer os teus inimigos e a derrotá-los.
— Por quaisquer meios que tenha — concluiu Drizzt.
— Essa é a marca que distingue um verdadeiro guerreiro! — respondeu Dinin com um sorriso
malévolo.
— E os nossos inimigos são elfos drow?
— Somos guerreiros drow — declarou Dinin com convicção. — Fazemos o que temos de faze
para sobreviver.
— Tal como tu fizeste, na noite em que nasci — raciocinou Drizzt, embora, nesta altura, já não
houvesse vestígios de indignação no seu tom resignado. — Foste suficientemente astuto para saíres
imaculado do teu gesto.
A resposta de Dinin, embora completamente esperada, espantou profundamente o jovem drow.
— Nunca aconteceu.
— Sou Drizzt…
— Eu sei quem tu és — respondeu o estudante mago, nomeado tutor de Drizzt em Sorcere. —
tua reputação precede-te. A maioria na Academia já ouviu falar de ti e das tuas proezas com as
armas.
Drizzt fez uma vénia, um pouco embaraçado.
— Essa destreza com as armas será de pouca utilidade aqui — prosseguiu o mago. — Compete-

me ser eteu
mente aotutor nas artesmeras
teu coração; de magia, nodelado
armas negro
metal nãodaterão
magia, como lhe
qualquer chamamos.
relevância. Isto ééum
A magia teste à tua
o verdadeiro
poder da nossa gente!
Drizzt aceitou o menosprezo das armas sem responder. Sabia que as virtudes que este jovem mago
estava a gabar também eram qualidades necessárias de um verdadeiro guerreiro. Os atributos físicos
só desempenhavam um papel menor no estilo de batalha de Drizzt. Uma forte força de vontade e
manobras bem calculadas, tudo aquilo que o mago aparentemente acreditava que só os magos
conseguiam usar, ajudavam a vencer os duelos que Drizzt enfrentava.
— Mostrar-te-ei muitas maravilhas nos próximos meses — prosseguiu o mago. — Artefactos que
nem acreditarás e feitiços de uma força que nunca viste!
— Posso saber o teu nome? — perguntou Drizzt, tentando soar de alguma forma impressionado
pela torrente contínua de auto-glorificação do estudante.
Drizzt já tinha aprendido bastante acerca dos magos com Zaknafein, e sobretudo sobre as fraquezas
inerentes à sua classe. Devido à utilidade da magia em situações fora da batalha, os magos drow
recebiam uma posição elevada na sociedade, só atrás das sacerdotisas de Lolth. Era um mago, afinal
de contas, quem acendia a brilhante Narbondel, o relógio da cidade, e eram magos quem acendia os
fogos feéricos das esculturas das casas decoradas.
Zaknafein tinha pouco respeito pelos magos. Conseguiam matar rapidamente e à distância, avisar
Drizzt, mas quando se conseguia chegar perto deles, pouca defesa tinham contra uma espada.
— Masoj — respondeu o mago. — Masoj Hun’ett, da Casa Hun’ett. Estou a começar o me
trigésimo e último ano de estudo. Em breve serei reconhecido como um mago de direito de
Menzoberranzan, com todos os privilégios decorrentes da minha posição.
— Saudações, Masoj Hun’ett — respondeu Drizzt. — Também a mim me falta apenas um ano d
treino na Academia, pois um guerreiro passa aqui apenas dez anos.
— Um talento menor — notou imediatamente Masoj. — Os magos estudam durante trinta anos at
serem considerados devidamente experientes para saírem e praticarem a sua arte.
Mais uma vez, Drizzt aceitou o insulto com graciosidade. Queria ver acabada esta fase d
instrução o mais depressa possível, e depois terminar o ano e sair de uma vez por todas da
Academia.
Drizzt acabou por considerar que os seus seis meses sob a tutela de Masoj eram, na verdade, o
melhores da sua estadia na Academia. Não que tivesse acabado por simpatizar com Masoj; o vaidoso
mago estava constantemente em busca de maneiras para lembrar a Drizzt a inferioridade dos
guerreiros. Drizzt pressentiu a existência de uma competição entre ele próprio e Masoj, quase como
se o mago estivesse a prepará-lo para algum conflito futuro. O jovem guerreiro passou por cima
disso, como sempre fizera, e tentou absorver o mais que podia das suas lições.
Descobriu que era bastante hábil com a magia. Todos os drow, incluindo os guerreiros, possuíam
um grau de talentos mágicos e certas capacidades inatas. Até mesmo as crianças drow conseguiam
convocar um globo de escuridão ou confundir os seus oponentes com uma multiplicidade de chamas
coloridas e inofensivas. Drizzt lidava com estas tarefas com facilidade e, em poucas semanas, já era
capaz de executar vários truques e alguns feitiços menores.
Com os talentos mágicos inatos dos elfos negros vinha também uma certa resistência a ataques
mágicos, e fora aí que Zaknafein descobrira a principal fraqueza dos magos. Um mago podia lançar o
seu feitiço mais poderoso na perfeição, mas se a sua vítima era um elfo drow, o mago podia ver os
seus esforços resultarem em falhanço. A segurança de um ataque bem executado com uma espada
sempre impressionara Zaknafein; e Drizzt, depois de ver os pontos fracos da magia drow durante
essas primeiras semanas com Masoj, começou a apreciar o curso de treino que lhe tinha sido dado.
Continuava a encontrar grande prazer em muitas coisas que Masoj lhe mostrava, e particularmente
nas coisas enfeitiçadas guardadas na torre de Sorcere. Drizzt empunhou varinhas com podere
incríveis e passou por várias rotinas de ataque com uma espada tão fortemente encantada que as suas
mãos sentiam um formigueiro só de lhe pegar.
Também Masoj observava Drizzt atentamente durante todo esse tempo, estudando todos os
movimentos do jovem guerreiro, em busca de alguma fraqueza que pudesse mais tarde explorar se a
Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden chegassem a entrar no esperado conflito. Por diversas vezes Maso
viu oportunidade para eliminar Drizzt, e sentira no fundo que esse teria sido um acto prudente. Ma
as instruções da Matrona SiNafay tinham sido bem explícitas e irrevogáveis.
A mãe de Masoj tinha secretamente manobrado para que ele fosse o tutor de Drizzt. Esta era um
situação que nada tinha de invulgar; a instrução dos guerreiros durante os seus seis meses em Sorcere
era sempre dada individualmente por estudantes de Sorcere de níveis mais elevados. Quando falara
Masoj sobre este arranjo, SiNafay lembrara-lhe desde logo que as suas sessões com o jove
Do’Urden não iriam além de uma missão de reconhecimento. Não deveria fazer nada que pudess
sequer sugerir o conflito planeado entre as duas casas. E Masoj não era tolo ao ponto de
desobedecer.

Mesmo
mesmo assim,dahavia
os avisos um mago
Matrona à espreita nas
mãe conseguiriam sombras
fazer e que
muito para estava tão desesperado que ne
o deter.
— O meu estudante, Masoj, informou-me dos teus bons progressos — disse um dia Alton DeVir
Drizzt.
— Obrigado, Mestre Sem Rosto — respondeu Drizzt, hesitante, e mais do que um pouc
intimidado por um mestre de Sorcere o ter convidado para uma audiência privada.
— Que te parece a magia, jovem guerreiro? — perguntou Alton. — Masoj impressionou-te?
Drizzt não sabia como responder. Na verdade, a magia não o impressionara muito como profissão,
mas não queria insultar um mestre dessa arte.
— Considero-a uma arte que está para além das minhas capacidades — respondeu com tacto. —
Para outros, parece um caminho poderoso, mas creio que os meus talentos estão mais ligados à
espada.
— Poderiam as tuas armas derrotar alguém com poderes mágicos? — troçou Alton. Ma
rapidamente apagou o sorriso trocista, tentando não denunciar as suas intenções.
Drizzt encolheu os ombros.
— Cada coisa tem o seu lugar em batalha — respondeu. — Quem poderá dizer qual delas é mai
poderosa? Como em qualquer combate, isso dependo dos indivíduos em questão.
— Bom, e quanto a ti? — desafiou Alton. — O primeiro da tua classe, ano após ano, segundo
tenho ouvido. Os mestres de Melee-Magthere falam elogiosamente dos teus talentos.
Mais uma vez, Drizzt viu-se embaraçado pelos elogios. Mais ainda, pensou, estava co
curiosidade em perceber como era que um mestre e um estudante de Sorcere pareciam saber tanto
sobre ele.
— Conseguirias enfrentar alguém com poderes mágicos? — perguntou Alton. — Um mestre de
Sorcere, talvez?
— Não vou… — começou Drizzt a dizer; mas Alton estava demasiado absorvido na sua própri
peroração para o ouvir.
— Vamos ver! — gritou o Sem Rosto. Puxou de uma varinha estreita e lançou imediatamente um
bola de luz a Drizzt.
Drizzt agachou-se antes mesmo de a varinha ter descarregado a sua magia. A bola de luz arrasou a
porta da sala de Alton e depois andou a ricochetear pela sala seguinte, partindo coisas e
chamuscando as paredes.
Drizzt rebolou e voltou a pôr-se de pé, de um lado da sala, com as cimitarras desembainhadas e
em prontidão. Continuava sem perceber ao certo as intenções do mestre.
— De quantas te conseguirás desviar? — troçou Alton, girando a varinha num círculo ameaçador.
— E quanto às outras magias de que disponho, àquelas que atacam o espírito e não o corpo?
Drizzt tentava perceber o propósito desta lição e o papel que se esperava que desempenhasse nela.
Deveria atacar o mestre?
— Estas não são espadas de treino — avisou, com as cimitarras apontadas a Alton. — Sabes quem
sou?

O
Nomomento de vingança
preciso momento de Alton
em que Altonchegara; que seadanassem
estava prestes revelar a as ordensada
verdade Matrona
Drizzt, umaSiNafay!
silhueta escur
surgiu atrás do mestre, deitando-o ao chão. Tentou esgueirar-se dali, mas deu consigo indefeso sob as
garras de uma enorme pantera negra.
Drizzt baixou as pontas das espadas; não conseguia compreender nada daquilo.
— Chega, Guenhwyvar! — ouviu-se o chamamento por detrás de Alton. Olhando para lá do mestr
caído e do felino, Drizzt viu Masoj a entrar na sala.
A pantera saltou para longe de Alton, obediente, e foi ter com o dono. Fez uma pausa no caminho,
para avaliar Drizzt, que se mantinha alerta no meio da sala.
Drizzt estava tão fascinado pelo animal, pelo gracioso fluir dos seus músculos bem delineados e
pela inteligência espelhada nos enormes olhos, que pouca atenção deu ao mestre que acabara de o
atacar, muito embora Alton, que escapara ileso, estivesse de novo de pé e obviamente zangado.
— O meu animal de estimação — explicou Masoj. Drizzt viu espantado como Masoj despachava
felino para o seu próprio plano de existência, reenviando a sua forma corpórea de regresso para a
mágica estatueta de ónix que tinha na mão.
— Onde arranjaste um tal companheiro? — perguntou Drizzt.
— Nunca subestimes o poder da magia — respondeu Masoj, enfiando a estatueta num bolso. O se
sorriso triunfante transformou-se num esgar de desprezo quando olhou para Alton.
Também Drizzt olhou para o Mestre sem Rosto. Que um estudante se tivesse atrevido a atacar u
mestre parecia impossivelmente estranho ao jovem guerreiro. Esta situação tornava-se cada vez mais
intrigante.
Alton sabia que tinha ultrapassado os limites, e que teria de pagar um preço elevado pela sua
tolice, se não conseguisse encontrar uma saída airosa para a situação complicada.
— Aprendeste a tua lição de hoje? — perguntou Masoj a Drizzt, embora Alton tivesse percebido
que a pergunta também lhe era dirigida a si próprio.
Drizzt abanou a cabeça.
— Não tenho bem a certeza de qual a intenção de tudo isto — respondeu com sinceridade.
— Uma demonstração das fraquezas da magia — explicou Masoj, tentando ocultar a verdade
acerca do recontro —, para te mostrar as desvantagens causadas pela necessária intensidade do
lançar de um feitiço; para te mostrar a vulnerabilidade de um mago obcecado — e olhou
directamente para Alton nesse momento — com o lançamento de feitiços. A completa
vulnerabilidade de um mago quando a sua presa se torna o seu único ponto de atenção.
Drizzt percebeu claramente a mentira, mas não conseguia perceber os motivos por detrás dos
acontecimentos deste dia. Porque haveria um mestre de Sorcere de o atacar? Porque haveria Masoj
que ainda era estudante, de arriscar tanto para vir em sua defesa?
— Não incomodemos mais o mestre — disse Masoj, esperando com isso desviar a curiosidade de
Drizzt. — Vem comigo, para a nossa sala de aprendizagem. Mostrar-te-ei mais sobre Guenhwyvar, o
meu animal de estimação mágico.
Drizzt olhou para Alton, interrogando-se sobre o que faria a seguir o imprevisível mestre.
— Vai, vai — disse Alton calmamente, sabendo que a fachada que Masoj construíra seria o único

caminho para
aprendida fugirolhando
— disse, à ira dapara
suaMasoj.
Matrona adoptiva. — Estou certo de que a lição deste dia foi
Drizzt olhou de relance para Masoj, e depois de novo para Alton. Deixou ficar a coisa por ali
Queria saber mais sobre Guenhwyvar.
Quando Masoj ficou com Drizzt de novo na privacidade do quarto do tutor, tirou do bolso a estatuet
de ónix polido com a forma de uma pantera e chamou Guenhwyvar de novo para o seu lado. O mago
respirava com mais facilidade depois de ter apresentado o felino a Drizzt, pois Drizzt não menciono
mais o incidente com Alton.
Nunca Drizzt vira coisa mágica tão maravilhosa. Sentia em Guenhwyvar uma tal força, uma ta
dignidade, que negavam a natureza mágica da criatura. Na verdade, os músculos elegantes e os
movimentos graciosos do animal resumiam as qualidades de predador que os elfos drow tanto
desejavam obter. Apenas por observar os movimentos de Guenhwyvar, Drizzt acreditava que
conseguiria melhorar os seus próprios movimentos.
Masoj deixou-os brincar e lutar durante horas, agradecido por Guenhwyvar o poder ajudar a faze
desvanecer-se qualquer dano que Alton pudesse ter criado.
Drizzt já tinha posto o encontro com o Sem Rosto para trás das costas.

— A Matrona SiNafay não compreenderia — avisou Masoj a Alton quando se reuniram mais tarde
nesse dia.
— Vais contar-lhe… — conjecturou Alton com resignação. Tinha ficado tão frustrado com o seu
falhanço contra Drizzt, que pouco se importava.
Masoj abanou a cabeça.
— Não precisa de saber.
Um sorriso desconfiado conseguiu aparecer no rosto desfigurado de Alton.
— O que vais querer? — perguntou receoso. — O teu tempo aqui está quase no fim. Que mai
poderá um mestre fazer por Masoj?
— Nada — respondeu Masoj. — Não quero nada de ti.
— Então, porquê? — perguntou Alton. — Não desejo deixar dívidas por pagar no meu caminho.
Este assunto terá de ficar resolvido aqui e agora!
— Está resolvido — respondeu Masoj.
Alton não pareceu convencido.
— Que teria eu a ganhar em contar à Matrona SiNafay das tuas acções insensatas? — argumento
Masoj. — O mais provável seria ela matar-te, e então a guerra planeada contra a Casa Do’Urde
deixaria de ter justificação. És o elo de que precisamos para justificar o ataque. Eu quero ess
batalha; não porei isso em risco por troca com o pequeno prazer que me daria ver-te cair e ser
torturado.
— Fui insensato — admitiu Alton, mais sombriamente. — Não tinha previsto matar Drizzt quand
o chamei aqui, apenas o queria observar e saber mais sobre ele, para poder saborear melhor quando
chegasse o momento de o matar. Mas ao vê-lo diante de mim, ao ver um maldito Do’Urden ali
especado e indefeso à minha frente…
— Eu percebo — disse Masoj com sinceridade. — Eu próprio também tive esses sentimentos a
olhar para el e.
— Mas não tens nenhuma questão com a Casa Do’Urden.
— Com a casa, não — explicou Masoj. — Mas com ele! Observei-o durante quase uma década
estudei os seus movimentos e as suas atitudes.
— E não gostas do que vês? — perguntou Alton, com um tom esperançado na voz.
— Ele não se enquadra — respondeu Masoj sombriamente. — Depois de seis meses ao lado dele
sinto que o conheço menos agora do que alguma vez conheci. Não mostra qualquer ambição, e no
entanto saiu vitorioso das grandes batalhas da sua classe durante nove anos seguidos. Uma coisa se
precedentes! Os conhecimentos de magia dele são fortes; podia ter sido mago, e um mago bastante
forte, se tivesse escolhido esse curso de estudos.
Masoj cerrou os punhos, à procura das palavras para exprimir as suas verdadeiras emoções acerca
de Drizzt. — É tudo demasiado fácil para ele — disse com sarcasmo. — Não há nenhum sacrifíci
nos gestos de Drizzt, nem quaisquer cicatrizes como paga pelos grandes avanços que vai fazendo na
sua profissão escolhida.
— É dotado — notou Alton —, mas treina mais duramente do que qualquer outro que já tenha
visto, segundo todos os relatos.
— O problema não é esse — resmungou Masoj, frustrado. Havia verdadeiramente qualquer cois
menos tangível no carácter de Drizzt Do’Urden que verdadeiramente deixava desconfortável o jove
Hun’ett. Não conseguia reconhecer o que seria, porque nunca tinha visto tal coisa em nenhum elfo
negro, e porque isso era tão completamente alheio à sua própria natureza. O que incomodava Masoj
— e muitos outros estudantes e mestres — era o facto de Drizzt ser excelente em todas as
capacidades de combate que os elfos drow mais prezavam, mas não ter perdido por isso a sua
paixão. Drizzt não pagara o preço que as restantes crianças drow eram levadas a pagar muito antes
de terem sequer entrado para a Academia.
— Não tem importância — disse Masoj ao fim de alguns minutos de inútil contemplação.
Saberei mais acerca do jovem Do’Urden a seu tempo.
— A tua tutela sobre ele acabou, segundo penso — disse Alton. — Irá para Arach-Tinilith para os
seis meses finais do treino. Ficará completamente inacessível para ti.
— Ambos nos graduaremos após estes seis meses — explicou Masoj. — Passaremos o nosso
tirocínio nas forças de patrulha juntos.
— Muitos partilharão esse tempo de tirocínio — lembrou-lhe Alton. — Dezenas de grupo
patrulham os corredores da região. Poderás nunca chegar a ver Drizzt durante todos esses anos de
tirocínio.
— Já tratei de que fiquemos juntos no mesmo grupo de patrulha — respondeu Masoj. Meteu a mã
no bolso e mostrou a estatueta de ónix da pantera mágica.
— Um acordo mútuo entre ti e o jovem Do’Urden — conjecturou Alton, com um sorriso de elogio.
— Parece que Drizzt se tornou muito afeiçoado ao meu animal de estimação — riu-se Masoj.
— Demasiado afeiçoado, até? — avisou Alton. — Deverias estar atento às tuas costas.

Masoj
— deu ouma
Talvez gargalhada.
nosso amigo Do’Urden fizesse melhor em cuidar das dele, não vá haver garras de
pantera a enterrarem-se nelas!
— Último dia — murmurou Drizzt, aliviado, enquanto envergava as vestes cerimoniais.
Os primeiros seis meses do seu ano final, a aprender as subtilezas da magia em Sorcere, tinha
sido bastante aprazíveis, mas estes últimos seis na escola de Lolth tinham sido os menos agradáveis.
Todos os dias, Drizzt e os colegas tinham sido sujeitos a encómios intermináveis da Rainha Aranha,
a lendas e profecias do poder dela e das recompensas que outorgava aos servos mais leais.
«Escravos» teria sido a palavra adequada, conforme Drizzt acabara por perceber, pois nunca
naquela grande escola da divindade drow ouvira alguma coisa que fosse sinónimo, ou que sequer
andasse lá perto, da palavra amor. O seu povo adorava Lolth; as fêmeas de Menzoberranza
entregavam toda a existência ao seu serviço. Essa dádiva era completamente forjada em egoísmo,
porém; uma sacerdotisa da Rainha Aranha só aspirava à posição de alta sacerdotisa devido ao poder
que acompanhava esse título.
Parecia tudo muito errado para o coração de Drizzt.
Drizzt tinha passado pelos seis meses de Arach-Tinilith com o seu habitual estoicismo, mantendo
os olhos baixos e a boca calada. Agora, finalmente, chegara o último dia, o dia da Cerimónia de
Graduação, um dos acontecimentos mais sagrados para os drow e em que, prometera-lhe Vierna,
acabaria por compreender a verdadeira glória de Lolth.
Com passos hesitantes, Drizzt saiu do abrigo do seu pequeno quarto quase vazio. Preocupava-
que esta cerimónia se tornasse o seu julgamento pessoal. Até aqui, pouco da sociedade que o rodeava
fazia qualquer sentido, e interrogava-se, apesar das garantias da irmã, se os acontecimentos deste dia
lhe permitiriam ver o mundo da mesma forma que os da sua gente o viam. Os receios de Drizz
tinham entrado numa espiral, com cada um deles a sair do anterior, para o rodearem de uma
perturbação a que não conseguia fugir.
Talvez, preocupava-se Drizzt, receasse realmente que os acontecimentos desse dia cumprissem a
promessa de Vierna.
Drizzt protegeu os olhos quando entrou na sala redonda de cerimónias de Arach-Tinilith. Havia u
fogo a arder no centro da sala, num braseiro de oito pernas que se assemelhava, como tudo naquele
local, a uma aranha. A mestra principal de toda a Academia, e as outras doze altas sacerdotisas que
serviam como instrutoras de Arach-Tinilith, incluindo a irmã de Drizzt, estavam sentadas de pernas
cruzadas num círculo em volta do braseiro. Drizzt e os colegas da escola de guerreiros estavam de pé

ao —
longo
Ma da
ku!parede atrás delas.
— comandou a matrona mestra. E tudo ficou em silêncio, restando apenas o restolhar
do fogo do braseiro. A porta para a sala abriu-se de novo e uma jovem sacerdotisa entrou. Seria a
primeira graduada de Arach-Tinilith nesse ano, segundo tinham dito a Drizzt, e era a melhor
estudante da escola de Lolth. Por isso, tinham-lhe sido concedidas as maiores honras nest
cerimónia. Sacudiu as vestes e avançou nua por entre o círculo de sacerdotisas sentadas, para se pôr
diante das chamas, de costas para a matrona mestra.
Drizzt mordeu o lábio, embaraçado e um pouco excitado. Nunca antes vira uma fêmea daquel
forma, e suspeitou de que o suor que lhe corria pela testa seria devido a algo mais do que o calor do
braseiro. Um rápido olhar em redor, para os seus colegas, disse-lhe que todos estavam com ideias
semelhantes.
— Bae-go si’n’ee calamay — murmurou a matrona mestra, enquanto fumo vermelho subia do
braseiro, colorindo a sala com uma névoa fluorescente. Trazia consigo um aroma rico e
enjoativamente doce. Enquanto Drizzt respirava aquele ar, começou a sentir-se ficar mais leve, e
interrogou-se se não começaria daí a pouco a flutuar para longe do chão.
As chamas do braseiro subiram subitamente, com clamor, fazendo Drizzt semicerrar os olhos por
causa da luz e virar-se. As sacerdotisas começaram um cântico ritual, cujas palavras, porém, eram
desconhecidas para Drizzt. Quase não lhes prestou nenhuma atenção, de qualquer forma, porque
estava concentrado em manter os seus próprios pensamentos contra a sedução inebriante daquela
névoa poderosa.
— Glabrezu — murmurou a matrona mestra, e Drizzt reconheceu no tom dela uma convocação, o
nome de uma criatura dos planos inferiores. Voltou a olhar para os acontecimentos que se
desenrolavam à sua frente e viu a matrona mestra a segurar um chicote de uma só cabeça de serpente.
— Onde foi ela buscar aquilo? — murmurou Drizzt, percebendo depois que tinha falado em vo
alta, e esperando não ter perturbado a cerimónia. Ficou mais tranquilo quando olhou em volta,
porque muitos dos seus colegas também estavam a murmurar para consigo mesmos, e alguns
pareciam até mal conseguir manter o equilíbrio.
— Chama-o — instruiu a matrona mestra à estudante nua.
Hesitante, a jovem sacerdotisa abriu muito os braços e murmurou:
— Glabrezu.
As chamas dançaram pela borda do braseiro. O fumo vinha em ondas contra o rosto de Drizzt
forçando-o a inalar. Sentia as pernas dormentes, mas, de alguma forma, mais sensíveis, mais vivas do
que alguma vez as tinha sentido.
— Glabrezu — ouviu a estudante dizer, agora mais alto, ouvindo ao mesmo tempo o rugido das
chamas. A luminosidade assaltou-o, mas, por qualquer motivo, não parecia importar-se com isso. O
seu olhar percorria a sala, incapaz de encontrar um ponto de foco, incapaz de colocar a visão
estranha e dançante de acordo com os sons do ritual.
Ouvia as altas sacerdotisas sussurrando e incentivando a estudante, sabendo que a conjuração
estava prestes a chegar. Ouviu o estalar do chicote de serpente — outro incentivo? — e os gritos de
«Glabrezu!» da estudante. Tão primitivos, tão poderosos eram estes gritos que atravessavam Drizzt
os outros machos presentes na sala com uma intensidade que nunca teriam julgado possível.
As chamas ouviam o apelo. Rugiam cada vez mais alto e começavam a ganhar forma. Uma visã
surgiu aos olhos de todos os que estavam na sala nesse momento — uma visão que perceberam e da
que não se conseguiam desviar. Uma cabeça gigantesca, um cão com chifres de cabra, apareceu entre
as chamas, aparentemente estudando aquela sedutora jovem estudante drow que se atrevera a
convocar o seu nome.
Algures para lá da forma ultra-planar, o chicote de serpente estalou de novo, e a estudante repetiu
o seu apelo, com o grito feito prece.
O gigantesco ser dos planos inferiores saiu de entre as chamas. O poder sacrílego da criatur
deixou Drizzt espantado. Glabrezu erguia-se com mais de três metros de altura e parecia maior ainda,
com braços musculados que terminavam em gigantescas pinças em vez de mãos e com um segundo
conjunto de braços mais pequenos, normais, que saíam da frente do peito.
Os instintos de Drizzt diziam-lhe para atacar o monstro e salvar a estudante, mas quando olhou e
volta em busca de apoio, descobriu a matrona mestra e as outras professoras da escola de regresso
aos seus cânticos rituais, desta vez com um tom excitado a perpassar por cada palavra.
Por entre toda aquela aura e aquela neblina, o aroma vertiginoso e sedutor do incenso fumarento e
vermelho continuava o seu ataque contra a realidade. Drizzt tremia, mantido à beira do descontrolo,
com uma raiva crescente a lutar contra a confusa sedução do fumo aromático. Instintivamente, as suas
mãos procuraram os punhos das cimitarras no cinturão.
Depois, uma mão roçou-lhe pela perna.
Olhou para baixo e viu uma mestra, reclinada e a pedir-lhe que se lhe unisse — numa cena que
subitamente se generalizara por toda a sala.
O fumo continuava a assaltá-lo.
A mestra chamava-o, com as unhas a rasparem ao de leve a pele da perna.
Drizzt passou os dedos pelo espesso cabelo, tentando encontrar um ponto focal no meio da sua
tontura. Não gostava daquela perda de controlo, daquele torpor mental que lhe retirava a vantage
dos reflexos e do estado de alerta.
Gostava ainda menos da cena que se desenrolava à sua frente. O erro total de tudo aquilo ia contr
a sua alma. Afastou-se do alcance desejoso da mestra e cambaleou pela sala, tropeçando em
numerosas figuras abraçadas, demasiado envolvidas para darem por ele. Saiu tão depressa quanto
conseguiu que as pernas o levassem e correu dali para fora, fechando com força a porta atrás de si.
Apenas os gritos da estudante o perseguiam. Nenhuma pedra, nem nenhuma barreira mental o
poderia bloquear.
Drizzt encostou-se pesadamente contra a fria parede de pedra, agarrado ao estômago. Nem seque
parara para pensar nas consequências do seu gesto; apenas sabia que tinha de sair daquela sala
malévola.
Vierna estava ao seu lado, com a veste aberta descontraidamente à frente. Drizzt, com a cabeça a
ficar mais desanuviada, começou a interrogar-se sobre o preço das suas acções. O olhar no rosto da
irmã — notou com ainda maior confusão — não era de desprezo.
— Preferes a privacidade — disse Vierna, com uma mão pousada descontraidamente no ombro
dele. Não fez qualquer gesto para fechar o vestido. — Compreendo — acrescentou.
Drizzt pegou-lhe no braço e afastou-o.
— Que loucura é esta? — perguntou.
O rosto de Vierna contorceu-se quando começou a compreender as verdadeiras intenções do irmão
ao sair da cerimónia.
— Recusaste uma alta sacerdotisa! — lançou-lhe. — De acordo com as leis, ela poderia matar-te
pela tua insolência!
— Nem sequer a conheço — lançou Drizzt em resposta. — Mas esperam que eu…
— Espera-se que faças o que te dizem!
— Não tenho nada a ver com ela — disse Drizzt, estupefacto. Descobriu que não conseguia mante
as mãos quietas.
— Pensas que Zaknafein se importava com a Matrona Malice? — respondeu Vierna, sabendo qu
a referência ao herói de Drizzt decerto o tocaria. Vendo que tinha de facto magoado o irmão, Vierna
suavizou a expressão e pegou-lhe no braço. — Anda, vamos regressar — sussurrou. — Ainda vais a
tempo.
O olhar gelado de Drizzt fê-la parar tão decididamente como a ponta de uma cimitarra.
— A Rainha Aranha é a divindade da nossa gente — lembrou-lhe Vierna com severidade. — Eu
sou uma das que expressam a sua vontade.
— Se fosse a ti, não me orgulharia tanto disso — retorquiu Drizzt, mantendo a ira contra a onda de
medo muito real que ameaçava derrotar a sua posição de princípio.
Vierna deu-lhe uma forte estalada na cara.
— Volta para a cerimónia! — exigiu.
— Vai beijar uma aranha — respondeu Drizzt. — E que as garras dela te arranquem essa língua
amaldiçoada.
Agora, era Vierna quem não conseguia manter as mãos quietas.
— Devias ter mais cuidado quando falas com uma alta sacerdotisa — avisou.
— Que se dane a tua Rainha Aranha! — rugiu Drizzt. — Se bem que tenho a certeza que Lolth j
encontrou a sua danação há muito tempo!
— Ela dá-nos poder! — guinchou Vierna.
— Rouba-nos tudo o que faria de nós algo mais valioso do que a pedra que pisamos! — gritou
Drizzt em resposta.
— Sacrilégio! — desdenhou Vierna, com a palavra a sair-lhe da boca como o assobio do chicote
de serpentes da matrona mestra.
Um grito angustiado, de auge, veio de dentro da sala.
— União malévola — murmurou Drizzt, olhando para outro lado.
— Há vantagens — respondeu Vierna, que rapidamente recuperara o controlo do seu
temperamento.
Drizzt lançou-lhe um olhar acusador.
— Tiveste experiências semelhantes?
— Sou uma alta sacerdotisa — respondeu ela simplesmente.

Havia
— um negrume
Agradou-te? — em Drizzt, um ultraje tão intenso que quase se sentia enjoado.
perguntou.
— Deu-me poder — respondeu Vierna. — Não consegues perceber o valor disso.
— Que te custou?
A estalada de Vierna quase fez Drizzt cair.
— Vem comigo — disse, agarrando-o pelas vestes. — Há um lugar que te quero mostrar.
Saíram de Arach-Tinilith e atravessaram o pátio da Academia. Drizzt hesitou quando chegara
aos pilares que marcavam a entrada de Tier-Breche.
— Não posso passar entre esses dois — lembrou à irmã. — Ainda não fui graduado por Melee-
Magthere.
— Isso é uma formalidade — respondeu Vierna, sem abrandar o passo. — Sou uma mestra de
Arach-Tinilith, e tenho poder para te graduar.
Drizzt não tinha a certeza de que isso fosse verdade, mas ela era de facto uma mestra de Arach-
Tinilith. Por muito que temesse os éditos da Academia, não queria voltar a zangar Vierna.
Seguiu-a pelas largas escadarias de pedra e saíram para as serpenteantes ruas da cidade.
— Para casa? — atreveu-se Drizzt a perguntar pouco depois.
— Ainda não — foi a curta resposta.
Drizzt não insistiu mais.
Seguiram para o extremo leste da grande caverna, do lado oposto à parede onde ficava a Cas
Do’Urden, e foram até às entradas de três pequenos túneis, todos guardados por estátuas reluzente
de escorpiões gigantes. Vierna parou apenas por um segundo, para avaliar qual era o caminho
correcto, e depois avançou de novo pelo túnel mais pequeno.
Os minutos transformaram-se numa hora, e continuavam a caminhar. A passagem tornava-se mais
larga e depressa os levou até uma catacumba labiríntica de corredores. Drizzt depressa perdeu noção
do caminho que tinha deixado já para trás, enquanto avançavam, mas Vierna seguia um percurso
predeterminado que conhecia bem.
Depois, para lá de uma pequena arcada, o chão descia subitamente e deram consigo numa estreita
passagem que dava para um grande abismo. Drizzt olhou para a irmã com curiosidade, mas conteve
as perguntas ao ver que ela estava profundamente concentrada. Vierna deu algumas instruções
simples, e depois deu uma pequena palmada na testa de ambos.
— Anda — instruiu-o. E ela e Drizzt saíram da passagem e levitaram até ao chão do abismo.
Um fino nevoeiro, derivado de algum lago que não se via, pairava na pedra. Drizzt consegui
pressentir o perigo que ali havia, e a maldade. Uma malevolência pairava no ar, de forma tão
tangível como a névoa.
— Não tenhas medo — gesticulou Vierna para Drizzt. — Pus-nos sob o efeito de um feitiço d
máscara. Não nos conseguem ver.
— Quem? — perguntaram as mãos de Drizzt; mas, precisamente quando dizia isto por gestos,
ouviu um barulho ao lado. Seguiu o olhar de Vierna até um rochedo mais distante e até à coisa
desgraçada que nele se empoleirava.
Primeiro, Drizzt pensou que era um elfo drow e, de facto, da cintura para cima, era-o, embor
inchado e pálido. A parte inferior do corpo, porém, assemelhava-se a uma aranha, com oito pernas
aracnídeas a suportar o corpo. A criatura tinha nas mãos um arco pronto a disparar, mas parecia
confusa, como se não conseguisse perceber o que tinha entrado na sua toca.
Vierna ficou satisfeita com o ar de nojo no rosto do irmão enquanto este olhava para aquela coisa.
— Olha bem para ele, meu jovem irmão — gesticulou. — Vê o destino daqueles que provocam
ira da Rainha Aranha.
— O que é? — respondeu Drizzt por sinais, rapidamente.
— Um drider2 — sussurrou-lhe Vierna ao ouvido. E depois, de novo no código silencioso,
acrescentou: — Lolth não é uma divindade piedosa.
Drizzt observava, fascinado, o drider a mudar de posição na rocha, em busca dos intrusos. Drizz
não conseguia perceber se era um macho ou uma fêmea, de tão inchado que tinha o torso, mas sabia
que isso não importava. A criatura não era uma criação natural e não deixaria descendentes, fosse
qual fosse o seu género. Era um corpo atormentado, e nada mais, odiando-se, provavelmente, mais do
que a qualquer outra coisa à sua volta.
— Eu, sim, sou piedosa — prosseguiu Vierna silenciosamente, embora sabendo que a atenção do
irmão estava completamente concentrada no drider. Encostou-se à parede de pedra.
Drizzt virou-se para ela, percebendo de repente a intenção.

Depois,
— Adeus, Vierna recolheu-se
irmãozinho — foimais
a suapara trás. final. — Isto é um destino melhor do que tu mereces.
afirmação
— Não! — gritou Drizzt, tentando agarrar-se à pedra enquanto uma seta se lhe cravava num
perna. As cimitarras surgiram-lhe nas mãos num ápice, enquanto se punha em posição para enfrentar
o perigo. O drider apontou para um segundo disparo.
Drizzt quis saltar para o lado, para se proteger atrás de outro rochedo, mas a perna ferida estava
subitamente dormente e inutilizável. Era veneno.
Drizzt conseguiu apenas erguer uma espada a tempo de desviar a segunda seta, e caiu sobre u
oelho para agarrar a ferida. Conseguia sentir o frio do veneno a abrir caminho pela perna ferida,
mas teimosamente quebrou a seta e dedicou de novo a atenção ao atacante. Teria de se preocupar
com a ferida mais tarde, e esperar que conseguisse tratar dela a tempo. Nesse momento, a sua única
preocupação era sair dali.
Virou-se para fugir, para procurar um local abrigado onde pudesse levitar de regresso à passagem,
mas deu consigo cara a cara com outro drider.
Um machado assobiou junto ao seu ombro, falhando o alvo por pouco. Drizzt bloqueou o golpe
seguinte e lançou a segunda cimitarra num golpe que o drider aparou com um segundo machado.
Drizzt estava agora composto, e confiante em que conseguiria derrotar este inimigo, mesmo com a
perna ferida a limitar-lhe a mobilidade — até que uma nova seta se lhe cravou nas costas.
Drizzt dobrou-se para a frente sob o efeito do impacto, mas conseguiu suster outro ataque do
drider que tinha à frente. Caiu de joelhos e depois para a frente.
Quando o drider com os machados, pensando que Drizzt estava morto, avançou para ele, Drizz
rebolou para o lado e ficou mesmo por baixo da barriga bulbosa do monstro. Espetou a cimitarra
para cima com toda a sua força, e depois rebolou de novo para trás, fugindo à chuva de fluidos
gelatinosos.
O drider ferido tentou fugir, mas caiu para um lado, com as entranhas a escorrer para o chão de
pedra. Mesmo assim, Drizzt não tinha esperança. Agora, também os braços estavam dormentes e,
quando a outra desgraçada criatura avançou para ele, não tinha esperança de poder lutar contra ela.
Tentou manter-se consciente, buscando alguma saída, batalhando até ao amargo final. As pálpebras
começaram a ficar pesadas.
Então, Drizzt sentiu uma mão a agarrar-lhe as vestes, e foi bruscamente posto de pé e atirado
contra a parede de pedra.
Abriu os olhos e deu com a cara da irmã.
— Está vivo — ouviu-a Drizzt a dizer. — Termos de o levar de volta rapidamente e de lhe tratar
das feridas.
Outra figura pôs-se à frente dele.
— Pensei que esta seria a melhor maneira — desculpou-se Vierna.
— Não nos podemos dar ao luxo de o perder — foi a resposta sem emoção. Drizzt reconheceu
voz do seu passado. Lutou contra a névoa que o toldava e forçou os olhos a focarem.
— Malice — murmurou. — Mãe…
O murro irado da Matrona Mãe forçou-o a clarear as ideias.
— Matrona Malice! — rosnou ela, com o rugido irado a centímetros apenas da cara de Drizzt.
Nunca te esqueças disso!
Para Drizzt, a frieza dela rivalizava com a do veneno, e o alívio por vê-la desapareceu tão
depressa como o tinha inundado.
— Tens de aprender o teu lugar! — rugiu Malice, reiterando a ordem que perseguira Drizz
durante toda a sua jovem vida. — Ouve as minhas palavras — exigiu-lhe, e Drizzt escutou-as co
atenção. — Vierna trouxe-te até aqui para morreres. Mostrou piedade para contigo — e Malice
lançou um olhar de desapontamento para a filha. — Percebo a vontade da Rainha Aranha melhor do
que ela — prosseguiu a matrona, com o cuspo de cada palavra a salpicar a cara de Drizzt. — Se
alguma vez voltares a falar mal de Lolth, a nossa deusa, serei eu a trazer-te a este sítio! Mas não par
te matar. Isso seria demasiado fácil — obrigou Drizzt a virar a cabeça para o lado, para que visse os
grotescos restos do drider que matara. — Virás para aqui — garantiu-lhe — para te tornares um
drider.
2 Drider: drow + spider, aranha. (N. do T.)
Que olhos são esses que vêem
A dor que conheço no mais íntimo da minha alma?
Que olhos são esses que vêem
Os passos tortuosos dos da minha gente,
Levados na onda com brinquedos sem freio:
Flecha, arco e ponta de espada?
Teus… Sim, teus,
Corres em frente com músculos ágeis,
Suave sobre patas macias, garras recolhidas,
Armas em descanso até serem necessárias,
Não manchadas por sangue frívolo
Nem por falsidades assassinas.
Cara a cara, meu espelho;
Reflexo num lago parado à luz.
Quem me dera poder manter essa imagem
Neste meu rosto.
Quem me dera poder manter esse coração
Sem mácula dentro do meu peito.
Agarra-te com força à orgulhosa honra do teu espírito,
Poderosa Guenhwyvar,
E mantém-te firme a meu lado,
Minha mais cara amiga.
— Drizzt Do’Urden.
Drizzt graduou-se — formalmente — no momento previsto e com as mais altas honras da sua classe.
Talvez a Matrona Malice tivesse sussurrado alguma coisa nos ouvidos certos, suavizando as
indiscrições do filho, mas Drizzt suspeitava que o mais provável era que nenhum dos presentes na
Cerimónia de Graduação sequer se lembrasse de que ele tinha saído.
Passou pelo portão decorado da Casa Do’Urden, atraindo os olhares dos soldados comuns,
avançou pelo chão da caverna, por debaixo da varanda.
— Estou então em casa — murmurou. — O que quer que isso queira dizer.
Depois do que acontecera no antro do drider, Drizzt interrogava-se se alguma vez conseguiria
voltar a ver a Casa Do’Urden como a «sua» casa. A Matrona Malice esperava-o. Não se atreveria
chegar atrasado.
— É bom que estejas em casa — disse-lhe Briza quando o viu a subir para a varanda.
Drizzt avançou hesitante pela entrada ao lado da irmã mais velha, tentando absorver atentamente
tudo o que o rodeava. Casa, chamava-lhe Briza; mas para Drizzt, a Casa Do’Urden parecia tão pouc
familiar como a Academia lhe parecera no primeiro dia de estudante. Dez anos não eram assim tanto
tempo nos séculos de vida que um elfo drow podia conhecer; mas para Drizzt, algo mais do que a
década de ausência o separava agora daquele lugar.
Maya juntou-se-lhes no grande corredor que dava para a antecâmara da capela.
— Saudações, príncipe Drizzt — disse. E Drizzt não conseguiu perceber se ela estava a se
sarcástica ou não. — Ouvimos falar da honra que atingiste em Melee-Magthere. As tuas aptidõe
encheram de orgulho a Casa Do’Urden — apesar das suas palavras, Maya não conseguiu disfarça
uma risadinha quando terminou a linha de pensamento. — Fico muito contente por não te teres
tornado comida para drider.
O olhar gélido de Drizzt fez desaparecer o sorriso da cara da irmã.
Maya e Briza trocaram olhares preocupados. Sabiam do castigo que Vierna tinha querido infligi
ao irmão mais novo, e do severo sermão que recebera da Matrona Malice. Ambas pousaram um
mão cautelosa sobre os chicotes de cabeças de serpente, sem saberem até que ponto aquele irmão
mais novo se poderia tornar insensato.
Não era a Matrona Malice, nem as irmãs de Drizzt, quem agora avaliava cada passo que Drizz
dava. Drizzt sabia a sua posição relativamente à mãe, e sabia o que tinha de fazer para a aplacar.
Mas havia
família, outroZaknafein
apenas membro da família
fingia ser que
algo evocava
que nãoconfusão e raivaDrizzt
era. Enquanto a Drizzt. De todos
prosseguia emosdirecção
da su
capela, olhava ansiosamente para cada passagem lateral, indagando-se quando seria que Zak iria
aparecer.
— Quanto tempo tens até partires em patrulha? — perguntou Maya, chamando Drizzt das sua
elucubrações.
— Dois dias — respondeu Drizzt distraidamente, com os olhos ainda a saltar de uma esquina par
outra.
Depois, deu consigo à porta da antecâmara, e nem sinais de Zak. Talvez o mestre de armas
estivesse lá dentro, ao lado de Malice.
— Sabemos das tuas indiscrições — disparou Briza, subitamente fria, enquanto pousava a mão no
ferrolho da porta da antecâmara. Drizzt não ficou surpreendido com a explosão dela. Começava
suspeitar que tais explosões eram de esperar da parte das altas sacerdotisas da Rainha Aranha.
— Porque não conseguiste simplesmente desfrutar dos prazeres da cerimónia? — acrescentou
Maya. — Tivemos sorte em as mestras e a matrona mestra da Academia estarem demasiado
envolvidas na sua própria excitação para darem pelos teus movimentos. Terias feito recair a
vergonha sobre a nossa casa inteira!
— Poderias ter deixado a Matrona Malice em desfavor junto de Lolth — apressou-se Briza
acrescentar.
«A melhor coisa que poderia fazer por ela», pensou Drizzt. Mas afastou rapidamente esse
pensamento, lembrando-se da eficiência assustadora com que Briza conseguia ler as mentes.
— Esperemos que não o tenha feito — disse Maya sombriamente para a irmã. — Os ventos d
guerra agitam-se cada vez mais no ar.
— Já aprendi o meu lugar — garantiu-lhes Drizzt. Fez uma profunda vénia. — Perdoai-me, minha
irmãs, e sabei que a verdade do mundo drow está a abrir-se diante dos meus olhos muito
rapidamente. Nunca mais voltarei a desonrar a Casa Do’Urden de uma tal maneira.
Tão agradadas ficaram as irmãs com esta proclamação que a ambiguidade das palavras de Drizz
lhes passou ao lado. Depois, não querendo abusar da sorte, Drizzt passou por elas, avançando para
porta, notando com alívio que Zaknafein não estava na audiência.
— Todos os louvores à Rainha Aranha! — gritou Briza atrás dele.
Drizzt fez uma pausa e virou-se, para enfrentar o olhar dela. Fez uma nova vénia.
— Como sempre deverá ser — tartamudeou.
Esgueirando-se atrás do pequeno grupo, Zak estudara cada movimento de Drizzt, tentando avaliar
preço que uma década na Academia teria cobrado ao jovem guerreiro.
Agora já desaparecera o sorriso habitual que iluminava o rosto de Drizzt. Desaparecida, também
supôs Zak, estaria a inocência que tornava este jovem diferente do resto de Menzoberranzan.
Zak encostou-se pesadamente à parede, numa passagem lateral. Apenas apanhara porções da
conversa junto à porta da antecâmara. O que ouvira mais claramente fora o acordo sentido que Drizz
dera ao louvor de Briza à Rainha Aranha.
«Que fiz eu?», interrogou-se o mestre de armas. Espreitou para lá da esquina do corredo
principal, mas a porta para antecâmara já estava fechada.
«A verdade é que quando olho para o drow — o guerreiro drow — que era o meu favorito,
envergonho-me da minha cobardia», lamentou-se Zak. «Que perdeu Drizzt que eu poderia ter salvo?»
Desembainhou a espada, com os dedos muito sensíveis a percorrerem o comprimento do gume
afiado. «Melhor lâmina terias sido se tivesses provado o sabor do sangue de Drizzt Do’Urden, par
assim negares a este mundo, ao nosso mundo, a posse de mais uma alma, para o libertares dos
intermináveis tormentos da vida!» Baixou a ponta da arma para o chão.
«Mas sou um cobarde», disse Zak. «Falhei no único acto que poderia ter dado um sentido a toda
minha desgraçada existência. O Segundo Rapaz da Casa Do’Urden parece estar vivo, mas Driz
Do’Urden, o meu Duas-Mãos, está morto há muito». Zak olhou para o vazio onde antes estiver
Drizzt, com uma expressão transformada subitamente numa careta: «E no entanto, este fingidor vive.
E é um guerreiro drow.»
A arma de Zak caiu com estrondo no chão e deixou cair a cabeça para a frente, para a receber co
as palmas das mãos, único escudo que Zaknafein Do’Urden alguma vez encontrara.
Drizzt passou o dia seguinte a descansar, a maior parte do tempo no seu quarto, tentando manter-se
fora do caminho dos outros membros da família mais próxima. Malice mandara-o embora sem lhe
dizer uma palavra durante a reunião inicial, mas Drizzt não queria ter de a enfrentar de novo. De
igual forma, pouco tinha a dizer a Briza e a Maya, receando que mais cedo ou mais tarde acabaria
por começar a perceber as verdadeiras conotações da sua torrente constante de respostas blasfemas.
Acima de tudo, porém, Drizzt não queria ver Zaknafein, o mentor que em tempos pensara ser a su
salvação contra as realidades que o rodeavam, a única luz brilhante na escuridão que era
Menzoberranzan.
Também isso, acreditava Drizzt, fora uma mentira.
No segundo dia em casa, quando Narbondel, o relógio da cidade, mal tinha iniciado o seu ciclo de
luz, a porta para o pequeno quarto de Drizzt abriu-se e Briza entrou.
— Audiência com a Matrona Malice — disse sombriamente.
Mil pensamentos correram pela cabeça de Drizzt enquanto pegava nas botas e seguia a irmã mai
velha pelas passagens para a capela da casa. Teriam Malice e as outras descoberto os seus
verdadeiros sentimentos acerca da malévola divindade? Que castigo teriam agora à sua espera?
Inconscientemente, Drizzt olhou para os baixos-relevos representando aranhas que ornavam
entrada da capela.
— Deverias estar mais familiarizado, e mais à vontade, com este local — escarneceu Briza,
notando o desconforto dele. — Este é o local das maiores glórias da nossa gente.
Drizzt baixou os olhos e não respondeu — e teve o cuidado de nem sequer pensar nas muitas
respostas azedas que sentia no coração.
A confusão aumentou quando entraram na capela, porque Rizzen, Maya e Zaknafein estavam diant
da Matrona Mãe, como seria de esperar. Mas, para além destes, estavam também Dinin e Vierna.
— Estamos todos presentes — disse Briza, tomando o seu lugar ao lado da mãe.
— Ajoelhem-se — mandou Malice. E toda a família se pôs de joelhos. A matrona Mãe passeo
em volta deles lentamente, enquanto cada um baixava os olhos com reverência, ou por simples senso
comum, enquanto a grande senhora passava perto deles.
Malice parou ao lado de Drizzt.
— Estás confundido pela presença de Dinin e Vierna — disse Malice. Drizzt levantou os olho
para ela. — Não compreendes os métodos subtis da nossa sobrevivência?
— Pensei que o meu irmão e a minha irmã continuariam na Academia — explicou Drizzt.
— Isso não seria benéfico para nós — respondeu Malice.
— Mas ter mestres e mestras com lugar na Academia não traz poder à casa? — atreveu-se Drizzt
perguntar.
— Assim é — respondeu Malice. — Mas divide o poder. Já ouviste os rumores de guerra?
— Ouvi sugestões de sarilhos — disse Drizzt, olhando para Vierna —, mas nada de tangível.
— Sugestões? — riu-se Malice, irritada por o filho não conseguir compreender a importânci
disto. — Esses rumores são mais do que a maioria das casas alguma vez ouve antes de as armas se
abaterem sobre elas! — Afastou-se de Drizzt e dirigiu-se a todo o grupo. — Os rumores encerram em
si alguma verdade — declarou.
— Quem? — perguntou Briza. — Que casa conspira contra a Casa Do’Urden?
— Nenhuma que esteja atrás de nós em posição — respondeu Dinin, muito embora a pergunta não
lhe tivesse sido dirigida, e não estivesse em posição de falar sem ordem para isso.
— Como sabes isso? — perguntou Malice, deixando passar a impertinência de Dinin. Malic
compreendia o valor de Dinin e sabia que as contribuições dele para esta discussão seria
importantes.
— Somos a nona casa da cidade — raciocinou Dinin —, mas nas nossas fileiras contamos co
quatro altas sacerdotisas, duas das quais ex-mestras de Arach-Tinilith — e olhou para Zak — Temos
também dois ex-mestres de Melee-Magthere, e Drizzt foi galardoado com altos elogios na escola d
guerreiros. Os nossos soldados totalizam quase quatrocentos, todos hábeis e experientes em batalha.
Poucas são as casas que possam afirmar o mesmo.
— Onde queres chegar? — perguntou Briza com ênfase.
— Somos a nona casa — riu-se Dinin —, mas poucas acima de nós poderiam derrotar-nos…
— E nenhuma das que estão atrás de nós — terminou a Matrona Malice por ele. — Mostra
perspicácia, Rapaz Mais Velho. Também eu cheguei à mesma conclusão.
— Uma das grandes casas receia a Casa Do’Urden — concluiu Vierna. — Precisa de se ver livr
de nós para proteger a sua posição.
— Assim creio — respondeu Malice. — Uma prática invulgar, já que as guerras de famílias são
geralmente iniciadas pela casa de posição mais baixa, desejosa de ganhar uma melhor posição na
hierarquia da cidade.
— Então, temos de tomar muita precaução — disse Briza.
Drizzt ouviu cuidadosamente as palavras de todos, tentando perceber o que significava tudo
aquilo. Porém, os seus olhos nunca largavam Zaknafein, que se mantinha ajoelhado impassivelmente
a um lado. O que pensaria o rijo mestre de armas de tudo isto, interrogava-se Drizzt. Seria que

pensamento de uma
Fossem quais tal guerra
fossem o entusiasmava?
os seus sentimentos,AZak
ideianão
de poder matar mais
dava qualquer elfosexterior.
sinal negros?Estava ali e
silêncio e dava até a ideia de que não estava a ouvir nada da conversa.
— Não será Baenre — disse Briza, com as palavras a soarem como um pedido de confirmação. —
Certamente não nos tornámos ainda uma ameaça para eles!
— Temos de esperar que estejas correcta — respondeu Malice sombriamente, recordando
vividamente a sua visita à casa governante. — É mais provável que seja uma das casas mais fracas
acima de nós, receando pela sua própria posição instável. Ainda não consegui saber de nenhuma
informação incriminatória contra nenhuma casa em particular. Por isso, temos de nos preparar para o
pior. Assim, chamei Dinin e Vierna de novo para o meu lado.
— Se soubermos quem são os nossos inimigos… — começou Drizzt a dizer, impulsivamente.
Todos os olhos assentaram nele. Já era suficientemente mau que o Rapaz Mais Velho tivesse
falado sem ter sido solicitado, mas agora o Segundo Rapaz, que apenas acabara de se graduar n
Academia, fazia o mesmo. Isso já poderia ser considerado blasfemo.
Querendo ouvir todas as perspectivas, a Matrona Malice mais uma vez deixou passar o deslize.
— Continua – exortou.
— Se descobrirmos que casa conspira contra nós — disse Drizzt calmamente —, não podemo
expô-la?
— Com que finalidade? — troçou Briza. — Conspirar apenas, mas sem cometer o acto, não
crime.
— Mas então não poderíamos usar a razão — insistiu Drizzt, prosseguindo apesar da barragem de
olhares de incredulidade que lhe eram dirigidos por todas as caras naquela sala, excepto os de Zak.
— Se somos os mais fortes, então eles que se submetam sem batalha. Que a Casa Do’Urden assuma
posição que lhe compete e que assim se acabe a ameaça à casa mais fraca.
Malice agarrou Drizzt pela frente da capa e fê-lo erguer-se.
— Perdoo-te os teus pensamentos insensatos — rugiu —, por esta vez!
Deixou-o cair no chão e as reprimendas silenciosas dos restantes irmãos caíram sobre ele.
Mais uma vez, porém, a expressão de Zak não era a mesma dos restantes presentes na sala. N
verdade, Zak colocara uma mão em frente da boca, para dissimular o seu ar divertido. Talvez
permanecesse um pouco do Drizzt Do’Urden que tinha conhecido, atreveu-se a ter esperança. Talve
a Academia não tivesse maculado completamente o espírito do jovem guerreiro.
Malice passou o olhar pelo resto da família, com uma fúria em crescendo a brilhar-lhe nos olhos.
— Não é altura para ter medo. É o momento — gritou com um dedo magro estendido diante d
cara — para sonhar! Somos a Casa Do’Urden, Daermon N’a’shezbaernon, com um poder que est
para além da compreensão das grandes casas. Somos a entidade desconhecida desta guerra. Temos
todas as vantagens! — Fez uma pausa. — Nona casa? — riu-se. — Dentro em breve, apenas set
casas estarão à nossa frente!
— E a patrulha? — atalhou Briza. — Devemos permitir que o Segundo Rapaz vá para a patrulh
sozinho, ficando exposto?
— A patrulha dará início à nossa vantagem — explicou a astuciosa matrona. — Drizzt irá para a
patrulha, e no seu grupo haverá um membro de pelo menos uma das casas acima de nós.
— Assim se poderá atacá-lo — raciocinou Briza.
— Não — garantiu-lhe Malice. — Os nossos inimigos na guerra que se avizinha não se revelaria
assim tão facilmente; não para já. O assassino designado teria de matar dois Do’Urden num ta
confronto.
— Dois? — perguntou Vierna.
— Mais uma vez, Lolth demonstrou-nos o seu favor — explicou Malice. — Será Dinin a liderar
grupo de patrulha de Drizzt.
Os olhos do Rapaz Mais Velho acenderam-se perante esta notícia.
— Então, Drizzt e eu poderemos vir a ser os assassinos neste conflito — ronronou.
O sorriso desapareceu da cara da matrona.
— Não agirás sem meu consentimento — avisou, num tom tão gélido que Dinin compreende
imediatamente as consequências da desobediência. — Como já fizeste no passado.
Drizzt percebeu a referência a Nalfein, seu irmão assassinado. A mãe sabia! Malice nada fizer
para punir aquele filho assassino. Agora, a mão de Drizzt subia-lhe à cara, para esconder uma
expressão de horror que apenas lhe poderia trazer dissabores naquele momento.
— Estarás lá para recolher informações — disse Malice para Dinin —, e para proteger o te
irmão, tal como Drizzt estará lá para te proteger a ti. Não arruínes a nossa vantagem apenas par
ganhar uma única morte — e um sorriso malévolo voltou a desenhar-se no rosto cor de osso. — Mas
se souberes do nosso inimigo…
— Se a oportunidade certa se apresentar… — concluiu Briza, adivinhando os pensamento
malévolos da mãe e fazendo um sorriso igualmente vil para a matrona.
Malice olhou para a filha mais velha com ar de aprovação. Briza haveria de mostrar ser uma bo
sucessora para a casa!
O sorriso de Dinin abriu-se e tornou-se prazenteiro. Nada agradava mais ao Rapaz Mais Velho d
Casa Do’Urden do que uma oportunidade para um assassinato.
— Ide, pois, minha família — disse Malice. — Lembrem-se de que olhos inimigos estã
apontados para nós, a observar cada movimento nosso, à espera do momento para atacar.
Zak foi o primeiro a sair da capela, como sempre, e desta vez com um passo ainda mais apressado.
Não era, porém, a perspectiva de lutar mais uma guerra que guiava os seus movimentos, se bem que o
pensamento de matar mais sacerdotisas da Rainha Aranha certamente lhe agradasse. Antes era a
exibição da ingenuidade de Drizzt, as suas continuadas demonstrações de não perceber o sentido
geral da existência drow, que davam esperança a Zak.
Drizzt viu-o afastar-se, pensando que o passo apressado dele representava o desejo de matar.
Drizzt não sabia se deveria segui-lo e confrontá-lo agora mesmo, ou se deveria deixar passar,
ignorando o assunto tal como ignorava a maior parte do mundo cruel que o rodeava. A decisão foi
tomada por ele quando a Matrona Malice se pôs à sua frente e o manteve na capela.
— A ti, digo isto — começou, quando ficaram sozinhos. — Ouviste a missão que te coloquei nos
ombros. Não tolerarei falhanços!
Drizzt encolheu-se perante a força da voz da mãe.
— Protege o teu irmão — foi o aviso sinistro —, ou entregar-te-ei a Lolth para seres julgado
Drizzt compreendia as implicações disto, mas a matrona não prescindiu do prazer de lhe explicar,
mesmo assim: — Não gostarias da vida como drider.
Um relâmpago de luz rasgou as águas escuras e paradas do lago subterrâneo, chamuscando as
cabeças dos trolls aquáticos que se aproximavam. Os sons de batalha ressoavam pela caverna.
Drizzt tinha um monstro — chamavam-lhes scrags — encurralado numa pequena península,
bloqueando o caminho da desgraçada criatura para a água. Normalmente, um único drow a enfrentar
um troll aquático não teria vantagem, mas, como os restantes do seu grupo de patrulha já tinham
concluído durante as semanas mais recentes, Drizzt não era um jovem drow vulgar.
O scrag avançou, ignorando o perigo que corria. Um único movimento de Drizzt, que a criatura não
conseguiu sequer ver, cortou-lhe os braços estendidos. Drizzt avançou depois rapidamente para o
golpe fatal, sabendo bem dos poderes regenerativos dos trolls.
Depois, outro scrag saiu da água, atrás dele.
Drizzt já estava à espera disso, mas não deu qualquer sinal de ter visto o scrag a avançar.
Manteve-se concentrado a olhar para a frente, assestando golpes profundos no corpo mutilado e
indefeso do troll.
Assim que o monstro atrás dele estava para lhe lançar as garras, Drizzt caiu de joelhos e gritou:
— Agora!
A pantera escondida, agachada nas sombras da base da península, não hesitou. Um grande salto
colocou Guenhwyvar em posição, e daí saltou de novo, abatendo-se pesadamente sobre o scrag que
não suspeitava da sua presença, arrancando-lhe a vida antes que pudesse sequer responder ao ataque.
Drizzt acabou com o seu troll e voltou-se para admirar o trabalho da pantera. Estendeu a mão e o
grande felino roçou-a com o focinho. Os dois combatentes tinham vindo a conhecer-se tão bem,
pensava Drizzt.
Outro relâmpago estalou, desta vez tão próximo que Drizzt ficou sem visão.
— Guenhwyvar! — gritou Masoj Hun’ett, que lançara o raio de luz. — Vem para o meu lado!
A pantera ainda roçou as pernas de Drizzt enquanto se punha a caminho para obedecer. Quando
recuperou a visão, Drizzt avançou noutra direcção, não querendo ver as censuras que Guenhwyva
sempre recebia quando ele e o felino trabalhavam juntos.
Masoj olhou para as costas de Drizzt enquanto este se afastava, desejando lançar um terceiro raio
mesmo aos ombros do jovem Do’Urden. O mago da Casa Hun’ett não perdeu de vista a presença d
Dinin Do’Urden, mais ao lado, observando-o com mais do que simples olhares ocasionais.
— Aprende a quem deves a tua lealdade! — ralhou Masoj para Guenhwyvar. Muitas vezes,
pantera deixava o mago para ir combater ao lado de Drizzt. Masoj sabia que os movimentos do felino
eram melhor complementados pelos movimentos de um guerreiro, mas sabia também da
vulnerabilidade de um mago enquanto estava ocupado a lançar feitiços. Masoj queria Guenhwyvar ao
seu lado, protegendo-o dos inimigos e — olhou para Dinin de novo — dos «amigos».
Atirou a estatueta para o chão.
— Vai! — comandou.
À distância, Drizzt tinha entrado em combate com outro scrag e também esse estava a vencer.
Masoj abanou a cabeça enquanto observava o trabalho exímio de Drizzt com as espadas. Drizz
estava cada dia mais forte.
— Dá-me depressa a ordem para o matar, Matrona SiNafay — murmurou Masoj.
O jovem mago não sabia por quanto mais tempo ainda teria capacidade para desempenhar a tarefa.
Indagava-se mesmo se seria capaz de a desempenhar agora.
Drizzt tapou os olhos enquanto usava uma tocha para selar as feridas de um troll morto. Apenas o
fogo garantia que os trolls não recuperariam, mesmo depois de mortos.
As restantes batalhas também tinham terminado, notou Drizzt, e viu as chamas das tochas a surgi
por toda a margem do lago. Interrogou-se se todos os seus doze companheiros drow teria
sobrevivido, embora interrogando-se também se realmente isso lhe importava. Havia outros mais do
que preparados para tomar o lugar dos caídos.
Drizzt sabia que o único companheiro que realmente lhe importava — Guenhwyvar — estava e
segurança, de regresso ao seu Plano Astral.
— Formem guarda! — ecoou a ordem de Dinin, enquanto os escravos, orcs e duendes, avançava
para procurar tesouros dos trolls e saquear o que pudessem dos corpos dos scrags.
Quando o fogo acabou de consumir o scrag que incendiara, Drizzt mergulhou a tocha na águ
negra, e depois fez uma pausa para deixar os olhos adaptarem-se de novo à escuridão.
— Mais um dia — disse calmamente. — Mais um inimigo derrotado.
Gostava da excitação das patrulhas, da emoção do perigo à espreita e de saber que estava agora a
pôr as armas em uso contra monstros malévolos.
Mesmo assim, porém, Drizzt não conseguia escapar à letargia que acabara por invadir a sua vida,
à resignação geral que marcava cada passo que dava. Porque, ainda que as batalhas fossem agora
contra os horrores do Subescuro, contra monstros que eram mortos por necessidade, Drizzt não
esquecera a reunião na capela da Casa Do’Urden.
Sabia que as suas cimitarras em breve seriam postas em uso contra a carne de elfos drow.
Zaknafein olhou por sobre Menzoberranzan, como tantas vezes fazia quando o grupo de patrulha de

Drizztlutar
para estava fora de
ao lado da Drizzt
cidade.e Zak estava dividido
a esperança de que aentre a vontade
patrulha de se com
regressasse escapulir paradefora
a notícia quedaDrizz
cas
tivesse sido chacinado.
Encontraria Zak alguma vez a resposta para o dilema do jovem Do’Urden? Zak sabia que nã
podia sair da casa; a Matrona Malice mantinha-o debaixo de olho. Sentia a angústia dele quanto
Drizzt, e Zak sabia disso, e sabia também que ela não aprovava minimamente tal coisa. Zak er
frequentemente seu amante, mas partilhavam muito pouco para além disso.
Zak pensou nas batalhas que ele e Malice tinham lutado por causa de Vierna, outro filho que er
preocupação de ambos, séculos antes. Vierna era fêmea, com o destino selado desde que nascera, e
Zak nada podia fazer para deter o assalto da esmagadora religião da Rainha Aranha.
Recearia Malice que ele pudesse ter uma maior influência nas acções de um filho macho?
Aparentemente, a matrona acreditava nisso, mas nem mesmo Zak tinha tanta certeza de que esse
receios fossem fundados; nem mesmo ele conseguia avaliar a sua influência sobre Drizzt.
Espreitou para a cidade, olhando silenciosamente em busca do grupo de patrulha que estaria a
regressar; esperava, como sempre, o regresso a salvo de Drizzt, mas secretamente esperava també
que o seu dilema terminasse por meio das garras e presas de um monstro oculto.
— As minhas saudações, ó Sem Rosto — disse a alta sacerdotisa, passando por Alton para entra
nos aposentos privados do mestre de Sorcere.
— E as minhas para ti, Mestra Vierna — respondeu Alton, tentando ocultar o medo da sua voz.
Que Vierna Do’Urden viesse visitá-lo nesta altura tinha de ser mais do que uma simple
coincidência.
— A que devo a honra da visita de uma mestra de Arach-Tinilith?
— Já não sou mestra — disse Vierna. — Regressei a minha casa.
Alton fez uma pausa para avaliar esta notícia. Sabia que Dinin Do’Urden também se tinha demitid
das suas funções na Academia.
— A Matrona Malice reuniu de novo a família — prosseguiu Vierna. — Há rumores de guerra.
Sem dúvida já os ouviste?
— Apenas rumores — hesitou Alton, começando agora a perceber por que razão Vierna fora
visitá-lo. A Casa Do’Urden já antes usara o Sem Rosto nas suas maquinações — na sua tentativa d
assassinar o próprio Alton DeVir! Agora, com rumores de guerra correndo por Menzoberranzan,
Matrona Malice estava a restabelecer a sua rede de espiões e assassinos.
— Sabes de alguma coisa? — perguntou Vierna directamente.
— Pouco ouvi — respondeu Alton, receoso de irritar a poderosa fêmea. — Nada que valesse
pena relatar à tua casa. Nem sequer suspeitava de que a Casa Do’Urden estivesse implicada nisso at
agora, até me teres informado.
Alton só podia esperar que Vierna não tivesse nenhum feitiço de detecção dirigido às suas
palavras.
Vierna descontraiu-se, aparentemente apaziguada pela explicação.
— Ouve mais atentamente os rumores, ó Sem Rosto — disse-lhe. — O meu irmão e eu já nã
estamos na Academia; agora, tu és os olhos e os ouvidos da Casa Do’Urden neste sítio.
— Mas… — gaguejou Alton.
Vierna levantou uma mão para o fazer calar-se.
— Sabemos da nossa falha na última transacção — disse Vierna. Fez uma profunda vénia, cois
que uma alta sacerdotisa muito raramente faria diante de um macho. — A Matrona Malice manda as
suas sinceras desculpas por o unguento que recebeste depois do assassinato de Alton DeVir não ter
restaurado os traços
Alton quase ficoudosem
teu fôlego
rosto. perante estas palavras, só agora compreendendo por que razão u
mensageiro desconhecido lhe tinha entregue um boião de mezinha curativa, uns trinta anos antes. A
figura embuçada era um agente da Casa Do’Urden, que viera trazer ao Sem Rosto a paga pelo se
assassinato de Alton DeVir! Claro que Alton nunca experimentara sequer o unguento. Com a sort
que tinha, decerto o unguento teria resultado e teria recuperado as feições de Alton DeVir.
— Desta vez, a tua paga não poderá falhar — prosseguiu Vierna, embora Alton, demasiado
ensimesmado pela ironia de tudo aquilo, quase não a ouvisse. — A Casa Do’Urden possui todo o
equipamento de um mago, mas nenhum mago capaz de o usar. Pertencia a Nalfein, meu irmão, que
morreu na vitória contra a Casa DeVir.
Alton queria atacá-la. Mas nem mesmo ele era assim tão estúpido.
— Se conseguires descobrir qual a casa que está a conspirar contra a Casa Do’Urden — promete
Vierna —, tudo isso será teu! Um verdadeiro tesouro em troca de um gesto tão pequeno.
— Farei o que puder — respondeu Alton, sem nenhuma outra resposta possível perante tão
incrível oferta.
— É apenas isso que a Matrona Malice te pede — disse Vierna. E deixou o mago, muito segura d
que a Casa Do’Urden tinha garantido um agente muito eficiente dentro da Academia.

— Dinin e Vierna Do’Urden deixaram a Academia — disse Alton excitadamente quando a minúscul
matrona mãe veio ter com ele mais tarde nesse mesmo dia.
— Isso já eu sei — respondeu SiNafay Hun’ett.
Olhou em volta, desdenhosamente, para o quarto desarrumado e chamuscado, e depois sentou-se a
uma pequena mesa.
— Mas há mais — disse Alton rapidamente, não querendo que SiNafay se indispusesse por apena
estar a ouvir coisas que já sabia. — Recebi hoje uma visita: a Mestra Vierna Do’Urden!
— Suspeita de alguma coisa? — Rugiu a Matrona SiNafay.
— Não, não! — respondeu Alton. — Bem pelo contrário. A Casa Do’Urden quer usar-me com
espião, tal como em tempos usou o Sem Rosto para me assassinar!
SiNafay fez uma pausa, espantada, e depois soltou uma gargalhada que lhe vinha das entranhas.


— Ah, a ironia
Tinha dasdizer
ouvido nossasque
vidas!
Dinin— erugiu.
Vierna só tinham sido mandados para a Academia para
vigiarem a educação do irmão mais novo — notou Alton.
— Um excelente disfarce — respondeu SiNafay. — Vierna e Dinin foram enviados como espiõe
pela Matrona Malice. Tenho de a elogiar.
— Agora, suspeitam de que há sarilhos — declarou Alton, sentado diante da Matrona Mãe.
— Assim é — concordou SiNafay. — Masoj está na patrulha de Drizzt, mas a Casa Do’Urde
também conseguiu meter Dinin no mesmo grupo.
— Então, Masoj está em perigo — raciocinou Alton.
— Não — disse SiNafay. — A Casa Do’Urden não sabe que a Casa Hun’ett representa o perig
contra ela, caso contrário não teria vindo à tua procura a pedir informações. A Matrona Malice sabe
quem és.
Um ar de terror espalhou-se no rosto de Alton.
— Não a tua verdadeira identidade — riu-se SiNafay. — Sabe que o Sem Rosto é Gelroo
Hun’ett, e não teria vindo ter com um Hun’ett se suspeitasse da nossa casa.
— Então, temos uma excelente oportunidade para lançar a Casa Do’Urden no caos! — grito
Alton. — Se eu implicar outra casa, até a Casa Baenre, talvez, a nossa posição será reforçada — de
uma gargalhadinha perante as possibilidades. — Malice recompensar-me-á com um tesouro de
grande valor; uma arma que usarei contra ela no momento certo!
— Matrona Malice — corrigiu-o SiNafay severamente. Embora ela e Malice fossem inimiga
declaradas dentro de pouco tempo, SiNafay não permitiria que um macho mostrasse tanto desrespeito
por uma matrona mãe. — Consideras mesmo que conseguirias levar por diante esse logro?
— Quando a Mestra Vierna regressar…
— Não darás essa preciosa informação a uma sacerdotisa menor, insensato DeVir. Terás de
enfrentar a própria Matrona Malice, um inimigo de peso. Se ela perceber as tuas mentiras, sabes
que fará ao teu corpo?
Alton engoliu em seco.
— Estou disposto a correr esse risco — respondeu, cruzando os braços resolutamente sobre a
mesa.
— E que será da Casa Hun’ett quando essa grande mentira for revelada? — perguntou SiNafay.
Que vantagem teremos quando a Matrona Malice souber a verdadeira identidade do Sem Rosto?
— Compreendo — respondeu Alton, ainda exultante, mas incapaz de refutar a lógica de SiNafay.
— então, que havemos de fazer? Que devo eu fazer?
A Matrona SiNafay já estava a ponderar os movimentos seguintes.
— Vais demitir-te da tua posição — disse por fim. — Regressas à Casa Hun’ett e ficas sob
minha protecção.
— Essa atitude também poderá dar à Casa Do’Urden indícios de que a Casa Hun’ett est
implicada — raciocinou Alton.
— Pode ser que sim — respondeu SiNafay —, mas é o caminho mais seguro. Irei visitar
Matrona Malice, fingindo-me irada, dizendo-lhe que deixe a Casa Hun’ett fora dos seus sarilhos. S
ela quer fazer de um membro da minha Casa um informador seu, deve vir primeiro pedir-me
autorização; se bem que eu não lha dê, desta vez!
SiNafay sorriu, antevendo as possibilidades de um tal encontro.
— O meu medo, a minha raiva, só por si, poderão sugerir que outra casa mais alta estará contra a
Casa Do’Urden; ou até que haja uma conspiração de mais do que uma casa contra a Casa Do’Urde
— disse SiNafay, apreciando obviamente os benefícios acrescidos disso. — A Matrona Malice ter
decerto muito em que pensar, e muito com que se preocupar!
Alton nem sequer ouviu os últimos comentários de SiNafay. As palavras acerca de dar a su
permissão «desta vez» tinham trazido uma ideia perturbante à sua mente.
— E pediu? — atreveu-se a perguntar a SiNafay, que não estava a seguir a mesma linha de
raciocínio que ele. — A Matrona Malice abordou-te? — prosseguiu Alton, assustado, mas a precisar
de uma resposta. — Há trinta anos, a Matrona SiNafay deu a sua permissão para que Gelroos Hun’e
se tornasse um agente, um assassino para completar a queda da Casa DeVir?
Um grande sorriso abriu-se na cara de SiNafay, mas desapareceu num abrir e fechar de olhos,
quando lançou a mesa a voar pela sala e agarrou Alton pelos colarinhos, puxando-o até a um
centímetro da sua própria cara, com uma expressão desdenhosa.
— Nunca confundas sentimentos pessoais com política! — rugiu a pequena, mas obviamente forte
matrona, num tom que carregava de forma inconfundível uma ameaça clara. — E nunca mais me
voltes a fazer uma pergunta dessas!
Atirou Alton para o chão, mas não o libertou do seu olhar penetrante.
Alton sempre soubera que não passava de um mero peão na intriga entre a Casa Hun’ett e a Cas
Do’Urden, de uma ligação necessária para que a Matrona SiNafay pudesse levar a cabo os seu
traiçoeiros planos. De vez em quando, contudo, o rancor pessoal de Alton contra a Casa Do’Urde
levava-o a esquecer o seu lugar neste conflito. Olhando agora para o poder cru de SiNafay, percebe
que tinha ultrapassado os limites dessa sua posição.
No extremo mais recuado do jardim dos cogumelos, a parede mais a sul da caverna que albergava
Menzoberranzan, havia uma pequena caverna fortemente guardada. Para lá das portas de aço havi
uma única sala, usada apenas para reuniões das oito matronas mães das casas governantes.
O fumo de cem velas docemente perfumadas andava no ar; as matronas mães gostavam que assi
fosse. Quase ao fim de meio século a estudar pergaminhos à luz de velas de Sorcere, Alton não se
importava com a luz, mas sentia-se realmente desconfortável na sala. Estava sentado ao fim de uma
mesa em forma de aranha, numa pequena cadeira sem adornos reservada para os membros do
Conselho. Entre as oito pernas peludas da mesa estavam os tronos das oito matronas mãe
governantes, todas ornadas de jóias e faiscando à luz das velas.
As matronas entraram em fila, pomposas e malévolas, lançando olhares de superioridade ao
macho. SiNafay, ao lado de Alton, pôs-lhe uma mão num joelho e lançou-lhe uma piscadela de olho
tranquilizadora. Não se teria atrevido a pedir uma reunião do Conselho Governante se não tivesse
certeza do valor das notícias que trazia. As matronas mães governantes viam os seus lugares como
honorários por natureza e não gostavam de ser reunidas, a não ser em tempos de crise.
À cabeceira da mesa em forma de aranha estava a Matrona Baenre, a figura mais poderosa d
Menzoberranzan, uma fêmea anciã e frágil com olhos malignos e uma boca pouco habituada a
sorrisos.
— Estamos reunidas, SiNafay — disse Baenre quando todos os oito membros do Conselho s
sentaram nos seus lugares. — Por que razão convocaste o Conselho?
— Para discutir um castigo — respondeu SiNafay.
— Castigo? — repetiu a Matrona Baenre, confundida. Os anos recentes tinham sido invulgarment
calmos na cidade drow, sem nenhum incidente desde o conflito entre a Casa Teken’duis e a Casa
Freth. Tanto quanto sabia a primeira matrona, nenhum acto tinha sido cometido que pudesse exigir um
castigo, e decerto nenhum tão evidente que forçasse o Conselho Governante a entrar em acção.
Que indivíduo merece castigo?
— Não é um indivíduo — explicou a Matrona SiNafay. Olhou em redor, para as suas pares
avaliando o interesse delas. — Uma casa — disse secamente. — Daermon N’a’shezbaernon, Cas
Do’Urden.
Várias bocas se abriram de incredulidade, tal como SiNafay já esperava.
— A Casa Do’Urden? — inquiriu a Matrona Baenre, surpreendida por alguém implicar a Matron
Malice. Tanto quanto Baenre sabia, Malice continuava a estar nas boas graças da Rainha Aranha, e
Casa Do’Urden colocara recentemente dois instrutores na Academia.
— De que crime te atreves a acusar a Casa Do’Urden? — teve a Matrona Baenre de perguntar
Várias das matronas do Conselho Governante já tinham expressado as suas preocupações quanto
Casa Do’Urden. Era bem sabido que a Matrona Malice desejava um assento no Conselh
Governante, e, de acordo com todas as avaliações do poderio da sua casa, parecia destinada a
consegui-lo.
— Tenho devida causa — insistiu SiNafay.
— As restantes parecem duvidar de ti — respondeu a Matrona Baenre. — Deves explicar a tu
acusação; e bem depressa, se dás valor à tua reputação.
SiNafay sabia que havia mais em jogo do que apenas a sua reputação; em Menzoberranzan, um
falsa acusação era um crime que estava ao mesmo nível de um assassinato.
— Todas nos recordamos da queda da Casa DeVir — começou SiNafay. — Sete de nós agor
aqui reunidas estivemos neste conselho Governante sentadas ao lado da Matrona Ginafae DeVir.
— A Casa DeVir não existe — recordou-lhe a Matrona Baenre.
— Por causa da Casa Do’Urden — disse secamente SiNafay.
— Como te atreves a pronunciar tais palavras? — foi a única resposta.
— Trinta anos! — disse outra. — Esse assunto está esquecido.
A Matrona Baenre fê-las calar antes que o clamor se tornasse acção violenta — ocorrência que
não era invulgar na câmara do Conselho.
— SiNafay — disse Baenre por entre o esgar de desprezo dos lábios. — Não se pode fazer um
acusação dessas; não se podem discutir abertamente essas ideias tanto tempo depois do
acontecimento! Conheces os nossos usos. Se a Casa Do’Urden foi quem, de facto, cometeu esse acto
como insistes, isso merece os nossos elogios, e não o nosso castigo, pois executou-o na perfeição. A
Casa DeVir não existe mais, já te disse. Não existe.
Alton remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, apanhado algures entre a raiva e o desespero.
Mas SiNafay estava longe de abalada. Tudo estava a correr exactamente como previra e desejara.
— Ah, mas a Casa DeVir existe! — respondeu, levantando-se. Puxou o capuz que cobria a cara d
Alton. — Existe nesta pessoa!
— Gelroos? — perguntou a Matrona Baenre, sem perceber.
— Não é Gelroos — respondeu SiNafay. — Gelroos Hun’ett morreu na mesma noite que a Cas
DeVir. Este macho, Alton DeVir, assumiu a identidade e a posição de Gelroos, escondendo-se de
qualquer ataque por parte da Casa Do’Urden!
Baenre sussurrou instruções à matrona que estava à sua direita, e depois esperou enquanto esta
elaborava a semântica de um encantamento. Baenre fez depois sinal a SiNafay para que se sentass

de —
novo,
Dizeoolhou para—Alton.
teu nome ordenou Baenre.
— Sou Alton DeVir — disse Alton, ganhando forças com a identidade que esperara tanto tempo
para poder proclamar. — Filho da Matrona Ginafae e estudante de Sorcere na noite em que a Cas
Do’Urden atacou.
Baenre olhou para a matrona ao seu lado.
— Fala a verdade — garantiu-lhe a matrona.
Ouviram-se murmúrios por toda a mesa em forma de aranha, mais divertidos do que qualquer outra
coisa.
— Foi por isso que convoquei esta reunião do Conselho — explicou rapidamente SiNafay.
— Muito bem, SiNafay — disse a Matrona Baenre. — Dou-te os meus parabéns, Alton DeVi
pela tua habilidade e pela capacidade para sobreviver. Para macho, mostraste grande coragem e
sabedoria. Mas decerto ambos sabem que este conselho não pode exercer represálias contra uma
casa por causa de um acto cometido há tanto tempo? Porque havia de ser de outra forma? A Matrona
Malice Do’Urden está nas boas graças da Rainha Aranha; a sua casa mostra grande potencial. Tê
de nos mostrar algo mais imperioso se querem ver alguma punição exercida contra a Casa Do’Urden.
— Não desejo tal coisa — respondeu rapidamente SiNafay. — Esse assunto, passados trinta anos
á não está sob a alçada do Conselho Governante. A Casa Do’Urden mostra, de facto, algu
potencial, minhas caras pares, tendo quatro altas sacerdotisas e uma panóplia de outras armas, entre
as quais não se deve desprezar o Segundo Rapaz, Drizzt, que se classificou em primeiro na su
classe.
SiNafay mencionara Drizzt intencionalmente, sabendo que esse nome atingiria a Matrona Baenre
O próprio filho de Baenre, Berg’inyon, passara os últimos nove anos sempre classificado atrás d
ovem Do’Urden.
— Então, porque nos incomodas com isto? — perguntou a Matrona Baenre, com um to
definidamente pouco amistoso na voz.
— Para vos pedir que fecheis os olhos — disse mansamente SiNafay. — Alton é agora u
Hun’ett, e está sob a minha protecção. Exige vingança pelo acto cometido contra a sua família e,
como membro sobrevivente dessa família atacada, tem o direito de acusação.
— E a Casa Hun’ett apoiá-lo-á? — perguntou a Matrona Baenre, cada vez mais curiosa
divertida.
— Assim é — respondeu SiNafay. — A Casa Hun’ett está comprometida!
— Vingança? — inquiriu outra matrona, agora também ela mais divertida do que irada. — Ou
medo? Aos meus ouvidos, mais parece que a matrona da Casa Hun’ett quer usar essa desgraçad
criatura DeVir para os seus próprios intentos. A Casa Do’Urden aspira a uma posição mais elevada
e a Matrona Malice deseja sentar-se neste Conselho Governante, o que talvez seja uma ameaça
Casa Hun’ett?
— Seja vingança ou prudência, a minha pretensão – a pretensão de Alton DeVir – deve se
considerada legítima — respondeu SiNafay — para nossa vantagem comum — sorri
maliciosamente e olhou directamente para a Primeira Matrona. — Talvez até para vantagem dos

nossos
— De filhos,
factona
—sua demandaa pelo
respondeu reconhecimento.
Matrona Baenre com uma gargalhadinha que mais parecia um ataqu
de tosse.
Uma guerra entre a Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden poderia ser vantajosa para toda a gente, ma
não, suspeitava Baenre, da forma como SiNafay julgava. Malice era uma matrona poderosa, e a su
família merecia de facto uma posição mais alta do que Nona Casa. Se o conflito se desse, Malic
conseguiria provavelmente o seu lugar no Conselho, substituindo SiNafay.
A Matrona Baenre olhou em volta para as outras matronas e calculou pelas suas expressõe
esperançadas que partilhariam dos seus pensamentos. Que a Casa Hun’ett e a Casa Do’Urde
resolvessem o conflito. Talvez, esperava Baenre, um certo macho Do’Urden caísse em combate,
permitindo assim ao seu próprio filho subir até à posição que merecia.
Depois, a Primeira Matrona pronunciou as palavras que SiNafay viera para escutar: a silencios
permissão do Conselho Governante de Menzoberranzan.
— Este assunto está encerrado, irmãs — declarou a Matrona Baenre, perante acenos d
concordância de toda a mesa. — É melhor que nunca nos tenhamos reunido neste dia.
— Encontraste o trilho? — sussurrou Drizzt, avançando até ao lado da grande pantera. Deu
Guenhwyvar uma suave palmada de lado e percebeu, pela macieza dos músculos do felino, que não
havia perigo por perto. — Foi-se, então — disse Drizzt, olhando fixamente para o vazio do corredo
à sua frente. — Gnomos malvados, chamou-lhes o meu irmão quando encontrámos os rastos junto ao
lago. Malvados e estúpidos.
Embainhou as cimitarras e ajoelhou-se ao lado da pantera, com um braço confortavelmente por

cima
— do
Maslombo de Guenhwyvar.
são suficientemente espertos para fugir à nossa patrulha.
O felino olhou para cima, como se tivesse entendido cada palavra de Drizzt, e este fez uma fest
vigorosa na cabeça da sua melhor amiga. Drizzt recordou com vivacidade a sua satisfação no dia e
que, uma semana antes, Dinin anunciara — para grande ultraje de Masoj — que Guenhwyva
passaria sempre a ser destacada para a posição de ponta da patrulha, ao lado de Drizzt.
— A criatura é minha! — lembrara Masoj a Dinin.
— E tu és meu! — respondera Dinin, líder da patrulha, encerrando qualquer discussão. Sempr
que a magia da estatueta o permitia, Masoj convocava Guenhwyvar do Plano Astral e mandava
pantera seguir para a frente, dando a Drizzt um grau acrescido de segurança e um valioso
companheiro.
Drizzt sabia, pelos padrões de calor invulgares da parede, que tinha atingido o limite da sua rota
de patrulha. Tinha intencionalmente avançado muito no terreno, mais do que era aconselhado,
deixando para trás o resto da patrulha. Drizzt confiava que ele e Guenhwyvar poderiam dar conta do
gnomos sozinhos, e, com os outros lá bem mais atrás, podia descontrair-se e apreciar a espera. Os
minutos que Drizzt passava em solidão davam-lhe o tempo de que precisava no seu interminável
esforço por pôr em ordem as suas emoções confusas. Guenhwyvar, que não parecia julgá-lo, mas
antes sempre o apoiar, dava a Drizzt uma audiência perfeita para as suas divagações em voz alta.
— Começo a interrogar-me sobre o valor de tudo isto — murmurou Drizzt para a pantera. — Nã
duvido do valor destas patrulhas; só esta semana, já derrotámos uma dúzia de monstros que poderiam
ter causado grandes prejuízos à cidade. Mas para quê?
Olhou fixamente para os olhos enormes da pantera e encontrou neles simpatia, e sabia que
Guenhwyvar, de algum modo compreendia o seu dilema.
— Talvez ainda não saiba quem sou — divagou Drizzt —, ou quem é a minha gente. Cada vez que
encontro uma pista para a verdade, não me atrevo a segui-la, para não chegar a conclusões que não
poderia aceitar.
— És um drow — ouviu-se a resposta atrás dele. Drizzt voltou-se rapidamente para ver Dinin
apenas alguns metros, com um olhar de grave preocupação no rosto.
— Os gnomos fugiram para além do nosso alcance — disse Drizzt, tentando desviar a atenção do
irmão.
— Ainda não aprendeste o que significa ser drow? — perguntou Dinin. — Ainda não conseguiste
compreender o percurso da nossa história e a promessa do nosso futuro?
— Conheço a nossa história tal como é ensinada na Academia — respondeu Drizzt. — Foram a
primeiras lições que recebi. Sobre o nosso futuro, e mais ainda sobre o local onde vivemos, é que
pouco compreendo.
— Mas sabes dos nossos inimigos — propôs Dinin.
— Inúmeros inimigos — respondeu Drizzt com um forte suspiro. Enchem cada buraco d
Subescuro, sempre à espera que baixemos a guarda. Não o faremos, e os nossos inimigos cairão sob
o nosso poder.
— Ah, mas os nossos verdadeiros inimigos não moram nas cavernas sem luz do nosso mundo —
disse Dinin com um sorriso matreiro. — O mundo deles é estranho e malévolo.
Drizzt sabia a quem se estava Dinin a referir, mas suspeitava de que o irmão estava a esconder
alguma coisa.
— Os elfos da superfície — murmurou Drizzt. E essas palavras acenderam uma catadupa d
emoções no seu íntimo. Toda a sua vida lhe tinham falado desses primos malévolos, e de como
tinham forçado os drow a refugiar-se nas entranhas do mundo. Sempre muito ocupado com os
deveres da vida quotidiana, Drizzt não pensava neles frequentemente, mas sempre que lhe vinham à
ideia, usava-os como uma litania contra tudo o que odiava na sua vida. Se Drizzt pudesse de algum
forma culpar os elfos da superfície — como faziam todos os outros drow — pelas injustiças da
sociedade drow, poderia encontrar esperança no futuro da sua gente. Racionalmente, Drizzt tinha de
não dar valor às lendas aterradoras da guerra dos elfos e considerá-las como sendo apenas uma
torrente interminável de mentiras, mas no seu coração e nas suas esperanças, Drizzt agarrava-se
desesperadamente a estas palavras.
Olhou de novo para Dinin.
— Os elfos da superfície — repetiu. — Sejam lá quem forem eles.
Dinin riu-se do sarcasmo inesgotável do irmão; tornara-se tão vulgar.
— São como te ensinaram — garantiu a Drizzt. — são préstimos e vis para além do que possa
imaginar; atormentadores da nossa gente, que nos baniram há muito tempo; que nos forçaram…
— Eu conheço as histórias — interrompeu Drizzt, alarmado com o volume crescente da vo
excitada do irmão. Depois, olhou por cima do ombro de Dinin. — Se a patrulha está terminada
encontremo-nos com os outros mais perto da cidade. Este local é demasiado perigoso para estas
discussões.
Levantou-se e começou o caminho de regresso, com Guenhwyvar ao seu lado.
— Não tão perigoso como o local onde te levarei em breve — respondeu Dinin, com o mesmo
sorriso matreiro.
Drizzt parou e olhou para ele, curioso.
— Calculo que deva informar-te — espicaçou-o Dinin. — Fomos seleccionados porque somos
melhor de entre todos os grupos de patrulha, e tu desempenhaste sem dúvida um papel importante na
obtenção dessa honra.
— Escolhidos para quê?
— Daqui a uma quinzena, deixaremos Menzoberranzan — explicou Dinin. — O nosso caminh
levar-nos-á a muitos dias e muitos quilómetros da cidade.
— Quantos? — perguntou Drizzt subitamente muito curioso.
— Duas semanas, talvez três — respondeu Dinin —, mas valerá bem a pena o tempo. Seremos
meu jovem irmão, aqueles que executarão uma parte da vingança sobre os nossos mais odiados
inimigos; seremos quem desferirá um glorioso golpe em nome da Rainha Aranha!
Drizzt pensava ter compreendido, mas a ideia era demasiado espantosa para poder ter a certeza.
— Os elfos! — disse Dinin, radiante. — Fomos escolhidos para um raide à superfície!
Drizzt não ficou tão visivelmente excitado como o irmão, incerto sobre as implicações de uma tal
missão. Finalmente poderia ver os elfos da superfície e enfrentar a verdade do seu coração e das
suas esperanças. Algo mais real para Drizzt, o desapontamento que conhecera durante tantos anos,
temperava agora a sua satisfação, lembrando-lhe que enquanto a verdade dos elfos pudesse dar uma
desculpa para o negro mundo dos da sua espécie, também poderia, em vez disso, roubar algo mais
importante. Não tinha a certeza de como se deveria sentir.
— A superfície… — murmurou Alton. — A minha irmã esteve lá uma vez, num raide. Uma
experiência magnífica, segundo disse! — olhou para Masoj, sem saber como interpretar a expressão
desolada no rosto do jovem Hun’ett. — Agora, será a tua patrulha a fazer essa viagem. Invejo-te.
— Eu não vou — declarou Masoj.
— Porquê? — surpreendeu-se Alton. — Isso é uma oportunidade rara. Menzoberranzan, decert
para ira de Lolth, não faz um raide à superfície há duas décadas. Podem passar mais vinte anos até ao

próximo
Masoj raide,
olhouepara
nessafora,
altura já não
pela estarásjanela
pequena nas patrulhas.
do quarto de Alton na Casa Hun’ett, observando
complexo.
— Além disso — prosseguiu calmamente Alton —, lá em cima, tão longe de olhares curiosos,
poderias encontrar oportunidade para te desfazeres dos dois Do’Urden. Porque não hás-de ir?
— Já esqueceste uma regra que ajudaste a criar? — perguntou Masoj, virando-se para Alto
acusadoramente. — Há duas décadas, os mestres de Sorcere decidiram que nenhum mago deve viaja
até perto da superfície!
— Claro — respondeu Alton, recordando-se da assembleia. Sorcere parecia-lhe agora tão
distante, embora apenas estivesse com os Hun’ett desde há poucas semanas. — Concluímos que
magia drow pode funcionar de forma diferente, e de formas inesperadas, a céu aberto — explicou. —
Nesse raide de há vinte anos…
— Eu conheço essa história — resmungou Masoj. E completou a frase em vez de Alton: — Um
bola de fogo lançada por um mago expandiu-se para lá das dimensões normais, matando vários drow.
Perigosos efeitos colaterais, chamaram-lhes vocês, mestres, se bem que eu desconfie de que o mago
em questão arranjou uma forma muito conveniente de se desfazer de alguns inimigos, com a desculpa
de um acidente!
— Sim — concordou Alton. — Correram esses rumores. Mas na ausência de provas… — Deixo
o pensamento a meio, vendo que pouco estava a fazer para animar Masoj. — Isso foi há tanto tempo
— disse, tentando proporcionar alguma esperança. — Não podes recorrer?
— Não — respondeu Masoj. — As coisas passam-se tão devagar em Menzoberranzan; duvido d
que os mestres tenham sequer começado a investigar o assunto.
— É uma pena — disse Alton. — Seria a oportunidade perfeita.
— Basta disso — desdenhou Masoj. — A Matrona SiNafay ainda não me deu ordem para elimina
Drizzt e o irmão. Já foste avisado para manteres os teus desejos pessoais para ti. Quando a matron
me der ordem para atacar, não a desiludirei. Serão criadas oportunidades.
— Falas como se já soubesses como vai morrer Drizzt Do’Urden — disse Alton.
Um sorriso abriu-se no rosto de Masoj enquanto metia a mão no bolso da túnica e segurava
estatueta de ónix, o seu escravo mágico e irracional, em quem o insensato Drizzt acabara por confiar
tão piamente.
— Ah, pois sei — respondeu, fazendo saltar na mão a estatueta de Guenhwyvar, e depois
apanhando-a de novo e mostrando-a. — Se sei…
Os membros escolhidos do grupo de raide depressa perceberam que esta não seria uma missão
vulgar. Não saíram em patrulha em Menzoberranzan durante toda a semana seguinte. Em vez disso,
ficaram dia e noite sequestrados numa caserna de Melee-Magthere. Ao longo de quase todas as hora
de vigília, os elementos do raide reuniam-se em volta de uma mesa oval numa sala de conferências,
escutando os planos pormenorizados da sua próxima aventura, e, uma e outra vez, o mestre de Lendas
a contar as suas fábulas sobre os vis elfos da superfície.
Drizzt ouvia atentamente as histórias, permitindo-se, e forçando-se até, a cair na teia hipnótica de
Hatch’net. As histórias tinham de ser verdadeiras; Drizzt não sabia a que haveria de se agarrar par
preservar os seus princípios, se estas não fossem verdadeiras.
Dinin presidia aos preparativos tácticos do raide, mostrando mapas dos longos túneis por onde o
grupo teria de viajar, martelando as mesmas coisas até todos terem memorizado a rota na perfeição.
Também isso os ansiosos guerreiros do raide — excepto Drizzt — escutavam atentamente, ao
mesmo tempo que se esforçavam por conter a excitação que quase os fazia gritar de alegria. Enquanto
a semana de preparativos se aproximava do fim, Drizzt notou que um membro do grupo de patrulha
não tinha estado presente. Inicialmente, Drizzt pensou que Masoj estivesse a receber instruções sobr
o raide em Sorcere, com os seus velhos mestres. Com o momento da partida a aproximar-se
velozmente e com os planos de batalha a tomar forma cada vez mais clara, porém, Drizzt começou a
perceber que Masoj não iria com eles.
— Onde está o nosso mago? — atreveu-se a perguntar, já tarde numa das sessões.
Dinin, não apreciando a interrupção, olhou fixamente para o irmão.
— Masoj não virá connosco — respondeu, sabendo que os outros poderiam agora partilhar da
preocupação de Drizzt, o que era uma distracção a cujo luxo não se podiam dar nesse momento
crítico.
— Sorcere decretou que nenhum mago pode viajar até à superfície — explicou o mestre Hatch’net.
— Masoj Hun’ett aguardará o vosso regresso na cidade. É, de facto, uma grande perda para vós
porque Masoj já provou o seu valor vezes sem conta. Mas não receeis, porque uma sacerdotisa de
Arach-Tinilith acompanhar-vos-á.
— Então e… — começou Drizzt por entre os murmúrios de aprovação dos outros elementos do
grupo.
Dinin cortou o pensamento do irmão pela raiz, adivinhando com facilidade a pergunta que lá vinha.
— O felino pertence a Masoj — disse secamente. — A pantera fica.
— Mas eu poderia falar com Masoj — argumentou Drizzt.
O olhar severo de Dinin respondeu à pergunta sem necessidade de mais palavras.
— As nossas tácticas serão diferentes na superfície. — disse Dinin para todo o grupo, calando os
murmúrios. — A superfície é um mundo de distâncias, sem os redutos cegos de túneis serpenteantes.
Assim que os nossos inimigos sejam detectados, a nossa tarefa será cercá-los, para fechar as
possibilidades de fuga — e olhou directamente para o irmão: — Não teremos necessidade de uma
ponta de lança e, num tal conflito, um felino ansioso poderia bem mostrar ser mais um problema do
que uma ajuda.
Drizzt tinha de se satisfazer com esta resposta. Argumentar não ajudaria, mesmo que conseguisse
convencer Masoj a deixá-lo levar a pantera — coisa que sabia, no fundo do coração, que não
aconteceria. Sacudiu a ideia da cabeça e forçou-se a ouvir as palavras do irmão. Este iria ser o
maior desafio da sua jovem vida, e o maior perigo de sempre.
Ao longo dos dois dias finais, enquanto os planos de batalha se entranhavam em cada pensamento,
Drizzt deu consigo a ficar cada vez mais agitado. A energia nervosa mantinha-lhe as mãos suadas, e
os olhos estavam sempre alerta, quase demasiado alerta.
Apesar do desapontamento por causa de Guenhwyvar, Drizzt não poderia negar a excitação que
fervilhava dentro de si. Esta era a aventura que sempre desejara, a resposta às perguntas acerca da
verdade do seu povo. Lá em cima, na vasta extensão desse mundo estranho, espreitavam os elfos da
superfície, o pesadelo nunca visto que se tornara o inimigo comum, e por isso o elo que unia todos os
drow. Drizzt descobriria a glória da batalha, exercendo a devida vingança sobre os odiados inimigos
da sua gente. Até então, Drizzt sempre combatera por necessidade, nas salas de treino ou contra
monstros estúpidos que se aventuravam demasiado perto da sua casa.
Drizzt sabia que este recontro seria diferente. Desta vez, os seus golpes e ataques seriam guiado
pela força das emoções mais profundas, guiados pela honra do seu povo e pela coragem e
determinação comuns para retaliar contra os opressores. Tinha de acreditar nisso.
Drizzt estendeu-se na cama na noite antes da partida do grupo e fez as cimitarras rodopiar
lentamente por cima de si.
— Desta vez… — murmurou silenciosamente para as armas, enquanto se maravilhava com a sua
intricada dança, mesmo a uma velocidade tão lenta. — Desta vez, o vosso clamor cantará a canção
da justiça! — Colocou as cimitarras ao lado da cama e virou-se para tentar dormir um pouco. —
Desta vez… — disse de novo, com os dentes cerrados e os olhos a brilhar de determinação.
Seriam as suas afirmações aquilo em que acreditava, ou apenas uma esperança? Drizzt afastar
essa pergunta perturbante da primeira vez que ela lhe tinha entrado na cabeça, não tendo espaço para
dúvidas, nem para hesitações. Já não considerava a possibilidade de se ver desapontado; isso não
tinha lugar no coração de um guerreiro drow.
Para Dinin, contudo, que estudava Drizzt com curiosidade desde as sombras da entrada da caserna,
parecia que o irmão mais novo estava a tentar convencer-se da verdade das suas próprias palavras.
Os catorze membros do grupo de patrulha caminharam pelos túneis serpenteantes e pelas cavernas
gigantescas que subitamente se abriam diante deles. Silenciosos nas suas botas mágicas, e quase
invisíveis sob a cobertura dos piwafwis, comunicavam apenas pelo código gestual. Na maior parte
do tempo, a inclinação do solo era quase imperceptível, mas por vezes o grupo tinha de subir quase a
pique por chaminés rochosas, com cada passo a levá-los cada vez mais perto do objectivo. Passara
os limites de territórios que eram propriedade de monstros e de outras raças, mas os odiados
gnomos, e até mesmo os anões duergar, mantinham as cabeças sensatamente escondidas. Poucos em
todo o mundo do Subescuro interceptariam intencionalmente um grupo de ataque drow.
Ao fim de uma semana, todos os drow conseguiam pressentir as diferenças no ambiente que os
rodeava. A profundidade a que estavam continuaria a parecer sufocante para um habitante da
superfície, mas os elfos negros estavam acostumados à constante opressão de milhares de milhões de
toneladas de rocha pendendo sobre as suas cabeças. Viravam cada esquina à espera de que um tecto
de pedra desaparecesse para revelar a ampla vastidão do mundo da superfície.
Havia brisas que corriam por eles — e não eram os ventos com cheiro a enxofre que se erguia
do magma das profundezas da terra, mas sim ar húmido, aromatizado por centenas de odores
desconhecidos dos drow. Era Primavera, lá em cima, embora os elfos negros, no seu ambiente se
estações, nada soubessem acerca disso; o ar estava cheio das fragrâncias de flores acabadas de
nascer e de árvores carregadas de frutos. Drizzt tinha de lembrar a si próprio, repetidamente, que o
local de que se aproximavam era completamente maléfico e perigoso. Talvez, pensava, os odores
fossem apenas uma atracção diabólica, um isco para as criaturas mais ingénuas caírem sob as garras
mortíferas do mundo da superfície.
A sacerdotisa de Arach-Tinilith que acompanhava a grupo caminhava junto a uma parede e
encostava o rosto a cada fenda que encontrava.
— Esta serve — disse ao fim de algum tempo. Lançou um encantamento de visão e espreitou pel
pequena fenda, com não mais do que a largura de um dedo, uma segunda vez.
— E como vamos passar por aí? — gesticulou um membro do grupo para outro.
Dinin percebeu a conversa silenciosa e pôs-lhe fim com um olhar severo.
— É dia, lá em cima — anunciou a sacerdotisa. — Teremos de esperar aqui.
— Por quanto tempo? — perguntou Dinin, sabendo que a sua patrulha estava ansiosa e e

prontidão,
— Não agora
posso que o tão
saber — esperado
respondeuobjectivo estava ali
a sacerdotisa. — próximo.
Não mais do que meio ciclo de Narbondel
Vamos pousar o equipamento e descansar enquanto podemos.
Dinin teria preferido continuar, só para manter as tropas ocupadas, mas não se atrevia a ir contra a
sacerdotisa. No entanto, a pausa não foi grande, porque um par de horas depois a sacerdotisa voltou
a verificar pela fenda e anunciou que tinha chegado a hora.
— Tu primeiro — disse Dinin a Drizzt. Drizzt olhou para o irmão, incrédulo, não fazendo ideia d
como iria passar por uma fenda tão minúscula.
— Vem — instruiu a sacerdotisa, que segurava na mão um orbe com muitos orifícios. — Passa por
mim e prossegue.
Enquanto Drizzt passava pela sacerdotisa, esta disse a palavra de comando do orbe e segurou-
por cima da cabeça dele. Uns flocos negros, mais negros do que a pele de ébano de Drizzt, caíra
em cima dele, e sentiu um estremeção tremendo a abalar-lhe a espinha.
Os outros olhavam, espantados, enquanto o corpo de Drizzt se adelgaçava até ficar da espessur
de um cabelo, tornando-se uma imagem bidimensional, e uma sombra do seu anterior ser.
Drizzt não compreendia o que se estava a passar, mas a fenda subitamente abriu-se diante dele.
Deslizou por ela, descobriu que o movimento na sua presente forma era apenas uma emanação da
vontade, e deslizou pelas curvas e recantos daquele pequeno canal como uma sombra desliza pela
face de uma rocha irregular. Ficou então numa longa caverna, de pé do outro lado da sua passagem.
Tinha caído uma noite sem luar, mas até mesmo isso parecia demasiado ofuscante para o drow
habitante das profundezas. Drizzt sentiu-se puxado para a saída, para a vastidão do mundo da
superfície. Os outros elementos do grupo começaram a deslizar da fenda e a entrar na caverna, u
após outro, com a sacerdotisa em último. Drizzt foi o primeiro a sentir o arrepio enquanto o seu
corpo recuperava a forma natural. Daí a pouco todos estavam a verificar ansiosamente as suas armas.
— Ficarei aqui — disse a sacerdotisa a Dinin. — Boa caçada. A Rainha Aranha estará
observar-vos.
Dinin avisou mais uma vez as suas tropas dos perigos da superfície, e depois avançou para a saída
da caverna, um pequeno orifício na encosta de uma grande montanha rochosa.
— Pela Rainha Aranha — proclamou Dinin. Respirou fundo e liderou o grupo até à saída, par
ficarem sob céu aberto.
Debaixo das estrelas! Enquanto os outros pareciam nervosos sob aquelas luzes reveladoras, Drizz
deu com o seu olhar a ser atraído para cima, para os inúmeros pontos de luz brilhante e mística.
Banhado na luz das estrelas, sentiu o coração mais leve e nem sequer deu pelo cantar alegre que era
trazido pelo vento nocturno, tão adequado ele parecia.
Dinin ouviu por fim a canção, e tinha suficiente experiência para nela reconhecer a voz dos elfos
da superfície. Agachou-se e vigiou o horizonte, detectando a luz de um único fogo na vasta extensão
de um vale arborizado. Fez sinal às tropas para entrarem em acção — ao mesmo tempo que sacudia
com vigor o maravilhamento dos olhos do irmão — e pô-los a caminho.
Drizzt conseguia ver a ansiedade nos rostos dos companheiros, tão em contraste com a sua própria
e inexplicável sensação de serenidade. Suspeitou desde logo de que haveria algo de muito errado na
situação. No fundo do coração, Drizzt sabia desde o momento em que saíra do túnel que este não er
o mundo vil que os mestres da Academia se tinham dado a tanto trabalho para descrever. Sentia-se
de facto estranho, sem um tecto de pedra por cima, mas não desconfortável. Se as estrelas, que
apelavam a cada fibra do seu coração, eram de facto avisos do que o dia seguinte poderia trazer,
como tinha dito o mestre Hatch’net, então seguramente o dia seguinte não seria assim tão terrível.
Apenas a confusão amortecia a sensação de liberdade que Drizzt sentia, pois ou ele tinha de
alguma maneira caído numa armadilha da percepção, ou eram os seus companheiros, incluindo o
irmão, quem estava a ver o que os rodeava com uma visão distorcida.
Isto caiu sobre Drizzt como mais um fardo sem resposta: seriam as suas sensações de conforto
aqui uma fraqueza, ou a verdade do coração?
— São semelhantes aos jardins de cogumelos da nossa terra — garantiu Dinin aos outros, enquanto
avançavam prudentemente pelos limites de um pequeno bosque. — Não são sencientes, ne
perigosos.
Mesmo assim, os mais jovens elfos negros ficavam em tensão e aprontavam as armas sempre que
um esquilo corria por um ramo de árvore acima das suas cabeças, ou quando um pássaro oculto
cantava no meio da noite. O mundo dos elfos negros era um mundo silencioso, muito diferente da
vida palpitante de uma floresta na Primavera, e no Subescuro praticamente tudo o que existia podia, e
quase certamente tentaria, fazer mal a qualquer outra coisa que invadisse o seu refúgio. Até o trinar
de uma cigarra parecia um alerta perigoso aos ouvidos dos drow.
O caminho seguido por Dinin estava certo, e depressa a canção dos elfos da superfície abafo
todos os outros sons, e a luz de um fogo tornou-se visível por entre as ramagens. Os elfos da
superfície eram a mais alerta de todas as raças, e um humano — ou até mesmo um intrometido
halfling — poucas hipóteses teria de os apanhar desprevenidos.
Mas nesta noite os assaltantes eram drow, mais hábeis na dissimulação do que o mais experiente
ladrão das vielas. Os seus passos não se deixavam ouvir, mesmo passando sobre folhas e ramos
secos, e as suas armaduras finamente trabalhadas e perfeitamente adaptadas aos corpos esguios
dobravam-se acompanhando os movimentos sem um único rangido. Sem serem notados, cercaram o
perímetro da pequena clareira onde os elfos da superfície dançavam e cantavam.
Fascinado pela pura alegria do divertimento dos elfos, Drizzt quase nem reparava nas ordens que
o irmão estava a dar no código gestual. Várias crianças dançavam no meio da reunião, apenas
discerníveis pelo tamanho dos corpos, e não eram mais livres de espírito do que os adultos que
acompanhavam. Pareciam todos tão inocentes, tão cheios de vida e de alegria, e tão obviamente
ligados uns aos outros por uma amizade mais profunda do que Drizzt alguma vez conhecera e
Menzoberranzan. Tudo tão diferente das histórias que Hatch’net lhes contara, dessas histórias de
gente vil e malévola.
Drizzt pressentiu, mais do que viu, que o seu grupo estava em movimento, espalhando-se para
obter maior vantagem. Mesmo assim, não tirava os olhos do espectáculo que tinha à frente. Dini
bateu-lhe no ombro e apontou para o pequeno arco que Drizzt tinha no cinturão, e depois deslizou
para a sua posição atrás de uns arbustos, mais ao lado.
Drizzt queria fazer parar o irmão e os outros, queria que esperassem e observassem os elfos da
superfície que tinham tanta pressa de considerar inimigos. Deu consigo com os pés colados ao chão e
a língua a pesar com uma súbita secura que lhe tinha chegado à boca. Olhou para Dinin e esperou que
o irmão tomasse erradamente a sua respiração ofegante por entusiasmo pela batalha iminente.
Depois, os ouvidos atentos de Drizzt ouviram o suave distender das cordas de uma dúzia de
pequenos arcos. A canção dos elfos durou por mais um segundo, até que vários do grupo caíram por
terra.
— Não! — gritou Drizzt em protesto, com as palavras a brotar de uma raiva profunda que ne
mesmo ele compreendia. Aquela recusa soou apenas como mais um grito de guerra dos guerreiros
drow, e antes que os elfos da superfície conseguissem sequer reagir, Dinin e os outros estavam em
cima deles.
Também Drizzt saltou para a clareira iluminada, com as armas na mão, embora não tivesse ainda
pensado qual seria o seu movimento seguinte. Apenas queria parar a batalha, pôr fim à cena que se
estava a desenrolar diante dos seus olhos.
Muito descontraídos na sua terra no meio da floresta, os elfos da superfície nem sequer estava
armados. Os guerreiros drow abriam caminho por entre as suas fileiras impiedosamente, decepando-
os e atacando os corpos caídos até muito depois de a chama da vida ter abandonado os seus olhos.
Uma fêmea aterrorizada, a fugir por onde podia, deu de caras com Drizzt. Drizzt enterrou as ponta
das armas na terra, procurando alguma forma de transmitir algum alívio.
A fêmea empinou-se então de repente, enquanto uma espada se lhe cravava nas costas, com a ponta
a aparecer do outro lado do corpo magro. Drizzt ficou a ver, horrorizado, enquanto o guerreiro drow
atrás da fêmea agarrava o punho da espada com as duas mãos e a fazia rodar selvaticamente. A fêmea
elfo olhou directamente para Drizzt nos últimos segundos de vida, com os olhos a implorar piedade.
A voz dela não era mais do que o nauseante gorgolejar do sangue.
Com o rosto inundado de êxtase, o guerreiro drow puxou a espada de novo para fora do corpo e
fê-la rodopiar, arrancando a cabeça da fêmea.
— Vingança! — gritou para Drizzt, com o rosto contorcido por uma expressão de fúria, os olhos
ardendo com uma luz que brilhava como demoníaca para o atónito Drizzt. O guerreiro ainda golpeo
mais uma vez o corpo sem vida, e depois afastou-se, em busca de mais uma morte.
Apenas um segundo depois, outro elfo, desta vez uma jovem fêmea, conseguiu fugir ao massacre e
correu na direcção de Drizzt, gritando uma única palavra vezes sem conta. O grito era na língua do
elfos da superfície, um dialecto desconhecido para Drizzt, mas quando olhou para aquele rosto
branco, onde corriam lágrimas, percebeu o que estava a dizer. Os olhos da criança estavam fixos no
corpo mutilado aos pés dele; a angústia sobrepunha-se até ao terror do iminente destino. Só podia
estar a gritar: «Mãe!»
Raiva, horror, angústia e uma dúzia de outras emoções avassalaram Drizzt nesse momento
horrível. Queria fugir aos seus sentimentos, perder-se no frenesim cego dos da sua raça e aceitar a
feia realidade. Como teria sido fácil deitar fora a consciência que tanto o magoava…
A criança elfo passou a correr por Drizzt, mas mal o viu, com o olhar ainda fixo na mãe morta, e
um largo golpe na parte de trás do pescoço. Drizzt ergueu a cimitarra, incapaz de distinguir entre
piedade e assassínio.
— Sim, meu irmão! — gritou-lhe Dinin, sobrepondo-se aos gritos dos outros, e soando ao
ouvidos de Drizzt como uma acusação. Drizzt levantou os olhos para ver Dinin, coberto de sangu
dos pés à cabeça e de pé no meio de uma pilha de elfos mortos. — Hoje conheces a glória do que é
ser um drow! — gritava Dinin, erguendo um punho vitorioso no ar. — Hoje, aplacamos a Rainh
Aranha!
Drizzt respondeu em concordância e depois rodou e recuou para dar um golpe fatal.
E quase o fez. Na sua raiva cega, Drizzt Do’Urden quase se tornou igual aos da sua gente. Quas
roubou a luz dos belos olhos brilhantes daquela criança. No último momento, a criança olhou para
ele, com os olhos a brilhar como um espelho do coração enegrecido de Drizzt. Nessa reflexão, ness
imagem invertida da raiva que guiava a sua mão, Drizzt Do’Urden encontrou-se a si mesmo.
Fez descer a cimitarra num golpe poderoso, observando Dinin pelo canto do olho, enquanto
espada passava inofensivamente ao lado da criança. No mesmo movimento, Drizzt usou a outra mão
para agarrar a criança pelos colarinhos e puxá-la para o chão, de cara para baixo.
A criança gritava, incólume, mas aterrorizada, e Drizzt viu Dinin a erguer de novo um punho no a
e a afastar-se dali.
Drizzt tinha de agir rapidamente; a batalha estava quase no fim. Usou as cimitarras com períci
perto das costas da criança, rasgando-lhe as vestes, mas sem tocar na pele sensível. Depois, usou o
sangue do cadáver sem cabeça para disfarçar o embuste, sentindo uma sombria satisfação com o
facto de que a mãe da criança teria gostado de saber que, ao morrer, tinha salvo a vida da filha.
— Fica quieta — sussurrou ao ouvido da criança.
Drizzt sabia que ela não conseguia perceber a sua língua, mas tentou manter um to
suficientemente tranquilizador, para que percebesse a ideia. Só podia esperar ter feito um bom
trabalho quando, um momento mais tarde, Dinin e vários outros vieram ter com ele.
— Bom trabalho! — disse Dinin, exuberante, estremecendo de pura excitação. — Um monte destes
iscos de orc mortos, e nem um de nós ferido! As matronas de Menzoberranzan ficarão muito
agradadas, ainda que não possamos levar nenhum saque desta desgraçada gente!
Olhou para a pilha aos pés de Drizzt e depois deu uma palmada no ombro do irmão.
— Será que pensavam que podiam escapar? — rugiu. Drizzt lutou o mais que pôde para disfarça
o nojo, mas Dinin estava tão exaltado com o banho de sangue que nem teria dado por nada, de
qualquer maneira. — Como, se estavas tu aqui? — prosseguiu. — Duas mortes para Drizzt!
— Uma morte! — protestou outro, avançando por trás de Dinin.
Drizzt apoiou as mãos firmemente nos punhos das armas e recuperou a coragem. Se este elfo negro
que se aproximava tinha percebido a dissimulação, Drizzt lutaria para salvar a criança. Mataria o
seus companheiros, e até o irmão, para salvar a pequena rapariga com os olhos brilhantes — até que
ele próprio fosse morto. Pelo menos então Drizzt não teria de testemunhar o assassinato daquel
criança.
Felizmente, o problema não surgiu.
— Drizzt apanhou a criança — disse o drow para Dinin —, mas quem apanhou a fêmea mais velh
fui eu. Atravessei-a com a minha espada antes mesmo que o teu irmão fosse capaz de puxar das
cimitarras!
Tudo aconteceu como um simples reflexo, um ataque inconsciente contra a maldade que o rodeava.
Drizzt nem se apercebeu bem do seu gesto enquanto o estava a executar, mas um momento mais tarde
viu o arrogante drow caído de costas, agarrado à cara e rugindo de dor. Só então Drizzt se apercebeu
da dor latejante da sua mão e olhou para ver que tinha os dedos firmemente agarrados ao punho
salpicado de sangue de uma cimitarra.
— Que vem a ser isto? — perguntou Dinin.
Pensando rapidamente, Drizzt nem respondeu ao irmão. Olhou para lá de Dinin, para a forma qu
azia contorcendo-se no chão, e transferiu toda a raiva que sentia no coração para uma praga que os
outros aceitariam e respeitariam:
— Se voltas a querer roubar-me uma morte — rugiu, com sinceridade a permear cada palavra
falsa — substituirei a cabeça decepada do morto pela tua!
Drizzt sabia que a criança elfo aos seus pés, apesar de se esforçar o mais que podia, começara a
estremecer ligeiramente, tentando conter os soluços, e por isso decidiu não abusar da sorte.
— Vamos lá, então — rosnou. — Deixemos este lugar. O fedor do mundo da superfície enche-me
a boca de fel!
Afastou-se rapidamente, e os outros, rindo, agarraram no colega ainda estonteado e seguiram-no.
— Até que enfim — murmurou Dinin enquanto via o irmão dar passos largos e tensos. — Até que
enfim que percebeste o que é ser um guerreiro drow!
Dinin, na sua cegueira, nunca compreenderia a ironia das suas palavras.
— Temos mais uma obrigação a cumprir antes de regressar a casa — explicou a sacerdotisa ao
grupo quando este chegou à entrada da caverna.
Só ela sabia do segundo objectivo do grupo de raide. — As matronas de Menzoberranza
pediram-nos que testemunhássemos o derradeiro horror do mundo da superfície, para que possamos
servir de aviso para os da nossa gente.
«A nossa gente?», pensou Drizzt, com os pensamentos negros de sarcasmo. Tanto quanto conseguia
ver, os atacantes já tinham testemunhado o horror da superfície: eram eles próprios!
— Ali! — gritou Dinin, apontando para o horizonte a leste.
Uma minúscula réstia de luz começava a delinear o perfil escuro de montanhas distantes. U
habitante da superfície nem teria dado por isso, mas os elfos negros viam-na claramente e todos eles,
incluindo Drizzt, recuaram instintivamente.
— É maravilhoso — atreveu-se Drizzt a notar, depois de apreciar o espectáculo por um momento.
O olhar de Dinin dirigiu-se-lhe, gelado, mas não mais do que o olhar que a sacerdotisa lhe lanço
também.
— Retirem o equipamento e as capas, e até as armaduras — instruiu a sacerdotisa. — Depressa.
Coloquem-nas à sombra da caverna, para não serem afectadas pela luz.
Quando essa tarefa foi cumprida, a sacerdotisa levou-os para fora, para a luz cada vez mais forte.
— Observem — comandou sinistramente.
O céu do leste ganhou um tom de rosa arroxeado, e depois totalmente cor-de-rosa, com a luz
fulgurante a fazer que os elfos negros tivessem de semicerrar os olhos desconfortavelmente. Drizz
queria negar aquele acontecimento, colocá-lo na mesma pilha de raiva que negava as palavras do
mestre de Lendas relativas aos elfos da superfície.
Então, aconteceu; a orla superior do sol surgiu por cima do horizonte. O mundo da superfície
acordou com o seu calor, com a sua energia dadora de vida. Esses mesmos raios de luz atacavam os
olhos dos drow com a fúria do fogo, abrindo caminho até órbitas não acostumadas a tal visão.
— Vejam! — gritava-lhes a sacerdotisa. — Sede testemunhas da extensão do horror!
Um por um, os guerreiros começaram a gritar de dor e caíram na escuridão da caverna, até Drizz
ficar sozinho ao lado da sacerdotisa, perante a luz nascente do dia. Na verdade, a luz doía tanto a
Drizzt como tinha magoado os seus companheiros, mas manteve-se firme, aceitando-a como o seu
purgatório, expondo-se à vista de todos enquanto o fogo penetrante lhe limpava a alma.
— Vem — disse a sacerdotisa para Drizzt, por fim, sem compreender as acções dele. — Já
testemunhámos. Podemos agora regressar ao lar.
— Lar? — respondeu Drizzt, estonteado.
— Menzoberranzan! — gritou a sacerdotisa, pensando que o macho estava confuso e quase se
sentidos. — Vem, antes que este inferno queime a carne sobre os teus ossos. Que os nossos primos
da superfície sofram com as chamas, punição adequada para os seus corações malévolos!
Drizzt riu-se desesperado. Punição adequada? Desejou poder arrancar mil daqueles sóis do céu
largá-los dentro de cada capela de Menzoberranzan, para aí ficarem a brilhar eternamente.
Mas depois, Drizzt já não conseguia aguentar mais a luz. Cambaleou entontecido para a caverna
envergou as vestes. A sacerdotisa tinha a orbe na mão e Drizzt foi de novo o primeiro a passar pela
estreita fenda. Quando todo o grupo se reuniu no túnel do outro lado, Drizzt assumiu a sua posição
como ponta de lança e liderou o grupo no caminho descendente para a escuridão crescente — de
regresso à escuridão das suas existências.
— Agradaram à deusa? — perguntou a Matrona Malice, com a pergunta a soar tanto como um
ameaça, como uma simples inquirição. Ao lado dela, as outras fêmeas da Casa Do’Urden, Briza
Vierna e Maya, observavam impassivelmente, escondendo a inveja.
— Nem um único drow pereceu — respondeu Dinin, com a voz impregnada da doçura da maldade
drow. — Cortámo-los e retalhámo-los! — quase se babava enquanto contava a chacina dos elfos,
como se isso lhe trouxesse de volta a luxúria do momento. — Mordemo-los e rasgámo-los!
— E tu? — interrompeu a matrona mãe, mais preocupada com as consequências para a posição da
sua família do que com o sucesso global do raide.
— Cinco! — respondeu Dinin orgulhosamente. — Matei cinco, todos fêmeas!
O sorriso da matrona entusiasmou Dinin. Depois, Malice assumiu um tom mais desdenhoso
assestando o olhar em Drizzt.
— E ele? — inquiriu, sem esperar que a resposta lhe agradasse. Malice não duvidava das proeza
do filho com as armas, mas acabara por começar a suspeitar de que Drizzt tinha demasiado da
constituição emocional de Zak para alguma vez ser um atributo em tais situações.
O sorriso de Dinin confundiu-a. Dinin avançou até junto de Drizzt e colocou um braç
descontraidamente por cima dos ombros do irmão.
— Drizzt só conseguiu uma morte — começou. — Mas foi uma criança fêmea.
— Apenas uma? — resmungou Malice.
Da sua sombra, a um canto, Zaknafein ouvia isto, descoroçoado. Queria calar as palavras d
Rapaz Mais Velho Do’Urden, mas estas mantinham-no em suspenso. De todos os males que Zak j
conhecera em Menzoberranzan, este teria de ser certamente o mais desolador. Drizzt tinha morto uma
criança.
— Sim, mas a maneira como o fez! — exclamou Dinin. — Abriu-a ao meio, e depois enviou toda a
fúria de Lolth para cima daquele corpo ainda palpitante! A Rainha Aranha deve ter apreciado essa
morte acima de todas as outras!
— Apenas uma — disse de novo a Matrona Malice, com o desprezo pouco aliviado.
— Deveria ter duas — prosseguiu Dinin. — Mas Shar Nadal, da Casa Maevret, roubou-lhe um
outra fêmea.
— Então Lolth verá com favor a Casa Maevret — argumentou Briza.
— Nãonão—respondeu
Maevret respondeuaoDinin. — Drizzt castigou Shar Nadal por essa acção. E o filho da Cas
desafio.
A memória desse momento ficou a pairar nos pensamentos de Drizzt. Desejava que Shar Nada
tivesse ripostado, para que assim pudesse ter dado vazão a toda a raiva. Mas mesmo esse
pensamento fazia correr ondas de culpa pelo corpo de Drizzt.
— Bom trabalho, meus filhos — rejubilou Malice, agora satisfeita por ambos terem actuado
adequadamente no raide. — A Rainha Aranha verá a Casa Do’Urden com favor por causa dest
evento. Há-de conduzir-nos à vitória sobre a casa desconhecida que procura destruir-nos.
Zaknafein saiu da sala de audiência de olhos baixos e com uma mão a acariciar nervosamente o
punho da arma. Zak recordou-se da vez em que tinha enganado Drizzt com a bomba de luz, em que
tivera Drizzt à sua mercê, indefeso e abatido. Poderia ter poupado o jovem inocente ao seu destino
horrendo. Poderia ter morto Drizzt ali mesmo, piedosamente, e tê-lo libertado das inevitávei
circunstâncias da vida em Menzoberranzan.
Zak fez uma pausa no corredor e voltou-se para observar a sala; Drizzt e Dinin estavam a sair
Drizzt lançou-lhe um único olhar acusador e depois virou-lhe ostensivamente as costas, seguindo por
outro corredor.
Aquele olhar trespassou o mestre de armas.
— E assim, chegámos a isto — murmurou para consigo. — O mais jovem guerreiro da Cas
Do’Urden, tão cheio do ódio que personifica a nossa raça, aprendeu a desprezar-me por aquilo que
sou.
Zak pensou mais uma vez nesse momento na sala de treino, nesse segundo fatídico em que a vida
de Drizzt estivera por um fio, suspensa de uma espada já apontada. Teria de facto sido um gesto
piedoso, se tivesse morto Drizzt nessa altura.
Com a dor do olhar penetrante do jovem drow ainda a feri-lo até ao coração, Zak não consegui
decidir se esse acto teria sido mais piedoso para com Drizzt ou para consigo mesmo.
— Deixa-nos — comandou a Matrona SiNafay quando entrou na pequena sala iluminada pelo brilh
de uma vela. Alton estremeceu perante essa ordem; afinal, aquele era o seu quarto! Alton lembrou a
si mesmo, prudentemente, que SiNafay era a matrona mãe da família, a reinante absoluta da Cas
Hun’ett. Com uns quantos pedidos de desculpas e vénias desajeitadas, saiu do quarto, recuando.
Masoj olhou para a mãe cautelosamente, enquanto esta esperava que Alton se afastasse. Pelo to
agitado de SiNafay, Masoj percebeu que a visita era importante. Teria feito algo que enfurecera a
mãe? Ou, mais provavelmente, teria sido Alton a fazê-lo? Quando SiNafay se virou por fim para ele
tinha o rosto banhado numa alegria malévola, e Masoj percebeu que a agitação dela era, na verdade,
excitação.
— A Casa Do’Urden errou! — disse SiNafay. — Perdeu o favor da Rainha Aranha!
— Como? — perguntou Masoj. Sabia que Dinin e Drizzt tinham regressado de um raide be
sucedido, um assalto de que toda a cidade falava em tons altamente elogiosos.
— Não conheço os pormenores — respondeu a Matrona SiNafay, conseguindo impor algum
calma à voz. — Alguém de entre eles, talvez algum dos filhos, fez qualquer coisa que desagradou a
Lolth. Isto foi-me dito por uma aia da Rainha Aranha. Tem de ser verdade!
— A Matrona Malice trabalhará rapidamente para corrigir a situação — raciocinou Masoj. — D
quanto tempo dispomos?
— O desagrado da Rainha Aranha não será demonstrado a Malice — respondeu SiNafay. — Pel
menos, não tão depressa. A Rainha Aranha sabe tudo. Sabe que planeamos atacar a Casa Do’Urden, e
só algum acidente imprevisível poderá informar a Matrona Malice da situação desesperada em que
se encontra antes de a sua casa ser arrasada! Temos de agir rapidamente — prosseguiu a Matrona
SiNafay. — Dentro de dez ciclos de Narbondel, teremos de assestar o primeiro golpe! A batalh
total começará pouco depois disso, antes que a Casa Do’Urden consiga perceber a ligação entre
sua perda e os nossos actos.
— E que súbita perda será essa? — perguntou Masoj, pensando, esperançado, já ter adivinhado
resposta.
As palavras da mãe chegaram ao seu coração como uma doce música.
— Drizzt Do’Urden — ronronou SiNafay. — O filho dilecto. Mata-o.
Masoj recostou-se na cadeira e cruzou os dedos magros atrás da cabeça, avaliando esta ordem.
— Não me deixes ficar mal — aviou SiNafay.
— Não o farei — garantiu-lhe Masoj. — Drizzt, embora jovem, já é um adversário formidável.
irmão, que já foi mestre de Melee-Magthere, nunca está longe dele — olhou para a Matrona Mãe
com os olhos a brilhar. — Posso matar também o irmão?
— Sê cauteloso, meu filho — respondeu SiNafay. — Drizzt Do’Urden é o teu alvo. Concentra o
teus esforços na morte dele.
— Farei como me mandas — respondeu Masoj, com uma profunda vénia.
SiNafay gostava da forma como o jovem filho cumpria os seus desejos sem questionar. Dirigiu-se
para a porta do quarto, confiante na capacidade de Masoj para desempenhar a tarefa.
— Se Dinin Do’Urden se intrometer no caminho, de alguma forma — disse, voltando-se de nov
para Masoj, para lhe dar um presente de recompensa pela obediência —, podes matá-lo também.
A expressão de Masoj revelou demasiado entusiasmo pela segunda tarefa.
— Não me falhes! — disse SiNafay mais uma vez, agora num tom de ameaça clara que fe
desinchar o peito de Masoj. — Drizzt Do’Urden deve morrer dentro de dez dias!
Masoj forçou-se a expulsar quaisquer pensamentos sobre Dinin, que o distrairiam, da cabeça.
— Drizzt tem de morrer — murmurou vezes sem conta, muito depois a de a mãe já ter saído. J
sabia como queria fazê-lo. Só tinha de ter esperança de que a oportunidade chegasse depressa.
A recordação terrível do raide à superfície perseguia Drizzt, assombrava-o enquanto vagueava pelas
salas de Daermon N’a’shezbaernon. Correra para fora da sala de audiências assim que a Matron
Malice lhe dera permissão para sair, e afastara-se do irmão assim que surgira a primeira
oportunidade, querendo apenas ficar sozinho.
As imagens perduravam: o brilho a apagar-se nos olhos da jovem elfo enquanto se ajoelhava sobre
o cadáver mutilado da mãe; a expressão aterrada da mulher elfo enquanto se contorcia em agonia,
com a espada de Shar Nadal a roubar-lhe a vida do corpo. Os elfos da superfície estavam ali, no
pensamentos de Drizzt; não conseguia afastá-los. Caminhavam ao seu lado enquanto vagueava, tão
reais como eram quando o grupo de ataque de Drizzt caíra sobre eles no meio da alegre cantoria co
que se divertiam.
Drizzt interrogou-se se alguma vez voltaria a estar só.
De olhos no chão, consumido pela sensação de perda e de vazio, Drizzt não reparava no caminho
que estava a seguir. Saltou para trás, surpreendido, quando ao virar uma esquina embateu contra
alguém.
Ficou frente a frente com Zaknafein.
— Estás em casa — disse o mestre de armas distraidamente, com o rosto inexpressivo a ocultar as
tumultuosas emoções que lhe rodopiavam na mente.
Drizzt interrogou-se se ele próprio conseguiria disfarçar uma careta de repulsa.
— Por um dia — respondeu, igualmente sem emoção, embora a sua raiva para com Zak fosse
igualmente intensa. Agora que Drizzt vira a ira dos elfos drow em primeira mão, os tão aclamados
feitos de Zak soavam-lhe ainda mais malévolos. — O meu grupo de patrulha regressa assim que
nascer a luz de Narbondel.
— Tão cedo? — perguntou Zak, genuinamente surpreendido.
— Fomos chamados — respondeu Drizzt, começando a avançar.
Zak agarrou-o por um braço.
— Patrulha geral? — perguntou.
— Patrulha específica — respondeu Drizzt. — Há actividade nos túneis a leste.
— E por isso chamaram os heróis… — riu-se Zak.
Drizzt não respondeu de imediato. Haveria sarcasmo na voz de Zak? Talvez inveja por Drizzt
Dinin terem autorização para sair e lutar, enquanto ele tinha de permanecer na Casa Do’Urden par
cumprir o seu papel como instrutor de combate da família? Seria a fome de sangue de Zak tão grande
que não conseguia aceitar bem os deveres que lhes tinham sido impostos a eles? Zak tinha treinado
Dinin e ele próprio, não tinha? E centenas de outros; tinha-os transformado em armas vivas, e
assassinos.
— Quanto tempo estarás fora? — insistiu Zak, mais interessado em saber por onde andaria Drizzt.
Drizzt encolheu os ombros.
— Uma semana, no máximo.
— E depois?
— Volto para casa.
— Isso é bom — disse Zak. — Ficarei mais contente por te ver dentro dos muros da Cas
Do’Urden.
Drizzt não acreditou numa única palavra.
Zak deu-lhe então uma palmada no ombro, num movimento súbito, inesperado, e destinado a testar
os reflexos de Drizzt. Mais surpreendido do que ameaçado, Drizzt aceitou a palmadinha se
responder, incerto da intenção do tio.
— Talvez possamos ir ao ginásio? — disse Zak. — Tu e eu, como em tempos?
«Impossível!», queria Drizzt gritar. Nunca mais voltaria a ser como tinha sido. Mas manteve esse
pensamentos para si e acenou em assentimento.
— Terei muito gosto — respondeu, interrogando-se secretamente sobre quanta satisfação sentiria
ao vencer Zaknafein. Drizzt conhecia agora a verdade acerca da sua gente, e sabia que era impotente
para mudar o que quer que fosse. Mas talvez pudesse fazer uma mudança na sua vida privada. Talvez
destruindo Zaknafein, a sua maior desilusão, Drizzt pudesse afastar-se da maldade que o rodeava.
— Também eu — disse Zak, com o tom amigável da voz a esconder os seus verdadeiros
pensamentos; pensamentos idênticos aos de Drizzt.
— Daqui a uma semana, então — disse Drizzt. E afastou-se, incapaz de continuar aquele encontr
com o drow que em tempos fora o seu mais querido amigo e que, viera a descobrir, era na verdade
tão traiçoeiro e malvado como todo o resto da sua gente.
— Por favor, minha Matrona — implorava Alton. — É meu direito. Imploro-te!
— Fica sossegado, tonto DeVir — retorquiu SiNafay, e havia piedade na sua voz, uma emoçã
raramente sentida e menos ainda revelada.
— Esperei durante…
— O teu momento está quase a chegar — contrariou SiNafay, com o tom a ficar cada vez mai
ameaçador. — Já uma vez tentaste isto.
O grotesco esgar de Alton fez surgir um sorriso na cara da matrona mãe.
— Sim… — disse SiNafay. — Sei da tua desajeitada tentativa de acabar com a vida de Drizz
Do’Urden. Se Masoj não tivesse chegado a tempo, o jovem guerreiro ter-te-ia provavelment
chacinado.
— Eu tê-lo-ia destruído! — rosnou Alton.
SiNafay não argumentou.
— Talvez tivesses ganho — disse —, mas apenas para depois seres exposto como assassino e
impostor, com a ira de toda a Menzoberranzan caindo sobre a tua cabeça!
— Não me importaria com isso.
— Ter-te-ias importado, sim, garanto-te! — troçou a Matrona SiNafay. — Terias deitado a perder
a tua hipótese de reclamar uma vingança mais ampla. Confia em mim, Alton DeVir. A tua vitória… a
nossa vitória… está a um passo.
— Masoj matará Drizzt, e talvez Dinin — resmungou Alton.
— Há outros Do’Urden à espera da mão pesada de Alton DeVir — prometeu a Matrona SiNafa
— Altas sacerdotisas.
Alton não conseguia afastar a desilusão que sentia por não lhe ser permitido ir atrás de Drizzt.
Queria desesperadamente poder matar aquele Do’Urden. Drizzt deixara-o embaraçado nesse dia n
seu quarto em Sorcere; o jovem drow deveria ter morrido rápida e silenciosamente. Alton queria
compensar esse erro.
Alton também não podia ignorar a promessa que a Matrona SiNafay acabara de lhe fazer. A idei
de matar uma ou mais das altas sacerdotisas da Casa Do’Urden não lhe desagradava de todo.
A suavidade da cama fortemente acolchoada, tão diferente do resto do mundo de pedra de
Menzoberranzan,
sobrepondo-se nãoimagens
até às deu adaDrizzt qualquer
carnificina alívio dao dor.
na superfície: Outro
espectro fantasma viera assombrá-lo,
de Zaknafein.
Dinin e Vierna tinham dito a Drizzt a verdade sobre o mestre de armas, sobre o seu papel na qued
da Casa DeVir, e sobre como Zak tinha apreciado profundamente chacinar outros drow — outro
drow que não tinham feito absolutamente nada contra ele, ou para merecer a ira dele.
Por isso, também Zaknafein entrava neste malévolo jogo da vida drow, nessa demanda
interminável por agradar à Rainha Aranha.
— Tal como eu tanto lhe agradei na superfície? — não conseguiu evitar de murmurar, com o
sarcasmo das palavras a dar-lhe uma pequena dose de consolo.
O consolo que Drizzt sentia por ter salvo a vida da criança elfo parecia um gesto minúsculo,
quando contraposto às maldades esmagadoras que o seu grupo de ataque exercera sobre o povo dela.
A Matrona Malice, sua mãe, apreciara tanto ouvir os relatos sanguinários! Drizzt lembrou-se d
horror nos olhos da criança elfo perante a visão da mãe morta. Ficaria ele, ou qualquer outro elfo
negro, tão devastado se desse com um tal espectáculo? Não era provável, pensou. Drizz
praticamente não tinha nenhuma ligação afectiva com a mãe, e a maioria dos drow estariam
demasiado atarefados a medir as consequências da morte das suas mães para a sua própria posição
para sentirem qualquer sentimento de perda.
Ter-se-ia Malice ralado se ele ou Dinin tivessem caído durante o raide? Mais uma vez, Drizz
sabia a resposta. A única coisa com que Malice se importava era como o raide teria afectado a sua
própria base de poder. Deliciara-se com a ideia de os filhos terem agradado à sua deusa maléfica.
Que favor daria Lolth à Casa Do’Urden se soubesse a verdade acerca das acções de Drizzt? Driz
não tinha maneira de avaliar quanto interesse teria Lolth, se algum tinha, pelo raide. Lolth continuav
a ser um mistério para ele, e um mistério que não tinha qualquer desejo de aprofundar. Ficaria irada
se soubesse a verdade do raide? Ou se soubesse a verdade sobre os pensamentos dele naquele
preciso momento?
Drizzt estremeceu ao pensar nos castigos que podia estar a atrair sobre si próprio, mas já tinha
decidido firmemente o seu rumo de acção, fossem quais fossem as consequências. Regressaria à
Casa Do’Urden dentro de uma semana. Então, iria à sala de treino para se reunir com o seu velh
professor.
Mataria Zaknafein daí a uma semana.
Embrenhado nas emoções de uma decisão intimamente sentida e perigosa, Zaknafein quase não ouvi
o assobio agudo enquanto passava a pedra de amolar pelo gume reluzente da sua espada.
A arma teria de estar perfeita, sem falhas ou mossas. Este gesto teria de ser completado se
malícia e sem raiva.
Um golpe limpo, e Zak ver-se-ia livre dos demónios dos seus próprios falhanços, e poderi
esconder-se mais uma vez dentro do santuário dos seus aposentos privados, no seu mundo secreto.
Um golpe limpo, e faria aquilo que deveria ter feito uma década antes.
— Se ao menos tivesse tido a coragem nessa altura — lamentava-se. — Quanta tristeza poderia te
poupado a Drizzt? Quanta dor terão os dias na Academia trazido a Drizzt, para ter mudado tanto?
As palavras murmuradas ecoavam no quarto vazio. Eram apenas palavras, agora inúteis, porque
Zak já tinha decidido que Drizzt estava para além do alcance da razão. Drizzt era um guerreiro drow,
com todas as malditas conotações que esse título carregava em si.
Já não havia escolha possível para Zaknafein, se desejava ainda dar algum valor à sua desgraçad
existência. Desta vez, não podia parar a espada a meio caminho. Tinha de matar Drizzt.
Entre as curvas e esquinas dos labirintos de túneis do Subescuro, deslizando na sua silenciosa
caminhada, encontravam-se os svirfnebli, os gnomos das profundezas. Nem bons, nem maus, e
deslocados naquele mundo inundado de maldade, os gnomos das profundezas sobreviviam e
prosperavam. Combatentes ferozes, hábeis no fabrico de armas e couraças, e mais sintonizados co
o cantar da pedra do que até mesmo os malévolos anões cinzentos, os svirfnebli prosseguiam o seu
trabalho de descobrir pedras e metais preciosos, apesar dos perigos que os espreitavam a cada
esquina.
Quando as notícias chegaram a Blingdenstone, o aglomerado de túneis e cavernas que compunha
cidade dos gnomos, de que um grande filão de pedras preciosas tinha sido descoberto a trinta
quilómetros para leste — em distâncias de vermes da rocha, thoqqua — o guarda-tocas Belwar
Dissengulp teve de trepar acima de uma dúzia de outros na sua posição para ver ser-lhe atribuído o
privilégio de liderar a expedição mineira. Belwar e todos os outros sabiam bem que a cinquenta
quilómetros para leste — em distâncias de vermes da rocha — levariam a expedição para
perigosamente perto de Menzoberranzan, e que só chegar lá implicaria uma semana de caminhada,
provavelmente por entre territórios de uma centena de inimigos. O medo não conseguia, porém,
sobrepor-se ao amor que os svirfnebli tinham pelas pedras preciosas, e cada dia passado no
Subescuro era sempre um risco, de qualquer forma.
Quando Belwar e os seus quarenta mineiros chegaram à pequena caverna descrita pelos grupos de
reconhecimento avançados, e onde encontraram as marcas dos gnomos a assinalar os tesouros,
descobriram que as notícias não tinham sido exageradas. O guarda-tocas, contudo, teve o cuidado de
não se mostrar excessivamente entusiasmado. Sabia que vinte mil elfos drow, o mais odiado e temido
inimigo dos svirfnebli, viviam a não mais de sete quilómetros dali.
Os túneis de fuga tornaram-se a primeira coisa a tratar, e fizeram-se construções suficientemente
altas para um gnomo de sessenta centímetros de altura, mas impróprias para algum perseguidor mais
alto. Ao longo de todas estas construções, os gnomos colocavam paredes de protecção, destinadas a
desviar um raio de luz ou a proporcionar alguma protecção contra as chamas de uma bola de fogo.
Depois, quando a verdadeira mineração começou por fim, Belwar manteve sempre um terço da sua
equipa de guarda, a todo o tempo, e passeava pela zona de trabalho sempre com uma mão sobre a

esmeralda mágica — a pedra de convocação — que trazia pendurada de uma corrente ao pescoço.
— Três grupos completos de patrulha — notou Drizzt para Dinin quando chegaram ao «campo»
aberto do lado leste de Menzoberranzan. Estalagmites carregadas de turfa salpicavam esta região d
cidade, mas não parecia agora tão aberta, com dezenas de drow ansiosos a patrulhá-la.
— Os gnomos não se devem encarar de ânimo leve — respondeu Dinin. — São poderosos
malévolos.
— Tão malévolos como os elfos da superfície? — teve Drizzt de o interromper, encobrindo o
sarcasmo com uma falsa exuberância.
— Quase — avisou o irmão sombriamente, sem detectar as conotações da pergunta de Drizzt.
Dinin apontou para o lado, para onde um contingente de fêmeas drow estava a chegar, para se reunir
ao grupo. — Sacerdotisas — disse. — E uma delas é uma alta sacerdotisa. Os rumores de que havi
actividade aqui devem ter sido confirmados.
Drizzt sentiu um forte arrepio a atravessá-lo, um torpor de excitação antes da batalha. Esse
entusiasmo era porém alterado e atenuado pelo receio, não de danos físicos, ou sequer dos gnomos.
Drizzt receava que este recontro pudesse vir a ser uma repetição da tragédia na superfície.
Sacudiu para longe os pensamentos mais negros e lembrou a si mesmo que desta vez, ao contrário
da expedição à superfície, a sua terra estava a ser invadida. Os gnomos tinham ultrapassado os
limites do reino drow. Se fossem tão malévolos como Dinin e todos os outros afirmavam,
Menzoberranzan não tinha outra opção senão responder pela força. Se…
A patrulha de Drizzt, o grupo mais aclamado de entre os machos, foi escolhida para liderar, e
Drizzt, como sempre, assumiu a posição dianteira. Ainda inseguro, não estava entusiasmado com a
missão e, quando começaram a avançar, considerou até a hipótese de fazer o grupo perder-se. Ou
talvez, pensou, pudesse contactar os gnomos em privado antes que os outros chegassem, e avisá-los
para fugirem.
Drizzt percebeu imediatamente o absurdo dessa ideia. Não poderia fazer desviar o curso d
máquina de guerra de Menzoberranzan do seu objectivo declarado, e não poderia fazer nada para
conter a fúria dos guerreiros drow, excitados e impacientes, que vinham atrás de si. Mais uma vez,
estava encurralado e à beira do desespero.
Masoj Hun’ett apareceu então, e tudo ficou melhor.
— Guenhwyvar! — chamou o jovem mago, e a grande pantera surgiu, correndo. Masoj deixou
criatura ao lado de Drizzt e recuou de novo para o seu lugar na fila.
Guenhwyvar não podia esconder a satisfação por ver Drizzt, tal como este não conseguia esconde
o seu próprio sorriso. Após o interregno da expedição à superfície, e depois do tempo que estivera
em casa, não via Guenhwyvar havia mais de um mês. Guenhwyvar ia dando pequenos encontrões
Drizzt enquanto avançava, quase deitando ao chão o magro drow. Drizzt respondeu com uma forte
palmada amigável, e depois fez festas atrás das orelhas da pantera.
Ambos se viraram subitamente para trás, conscientes dos olhares desagradados que estava
assestados sobre eles. Ali estava Masoj, de braços cruzados sobre o peito, com uma expressão de
claro desprezo a brilhar-lhe no rosto.

eu — Não usarei
próprio a pantera para matar Drizzt — murmurou o jovem mago para consigo. — Quero te
esse prazer!
Drizzt interrogou-se se seria apenas ciúme a suscitar aquele esgar de desprezo. Inveja dele e d
pantera, ou de tudo em geral? Masoj fora deixado para trás quando Drizzt fora à superfície. E nã
passara de um espectador quando o grupo de patrulha regressara vitorioso e em glória. Drizz
afastou-se um pouco de Guenhwyvar, sensível à dor do mago.
Assim que Masoj se afastou e foi assumir a sua posição, mais ao fim da fila, Drizzt ajoelhou-se
trocou um olhar com Guenhwyvar.
Drizzt deu consigo ainda mais feliz por ter a companhia de Guenhwyvar quando passaram para alé
dos túneis familiares das rotas de patrulha habituais. Havia um dito em Menzoberranzan segundo o
qual «ninguém está mais só do que o ponta de lança de uma patrulha drow», e Drizzt acabara por
compreender isso profundamente durante os últimos meses. Parou no extremo de uma larga abertura e
ficou completamente imóvel, concentrando os olhos e os ouvidos nos rastos que havia atrás de si.
Sabia que mais de quarenta drow se estavam a aproximar da sua posição, completamente preparados
para a batalha e agitados. Mesmo assim, Drizzt não conseguia detectar um único ruído, e nenhu
movimento era discernível nas grotescas sombras da pedra fria. Drizzt olhou para Guenhwyvar, que
esperava pacientemente ao seu lado, e começou a avançar de novo.
Conseguia sentir a presença quente do grupo de combate atrás de si. Essa sensação intangível era
única coisa que contrariava a sensação de que ele e Guenhwyvar estavam completamente sós.
— Esta câmara tem muitas saídas — gesticulou Dinin para Drizzt quando se reuniram de novo. — A
outras patrulhas estão a pôr-se em posição em volta dos gnomos.
— Não poderíamos parlamentar com eles? — perguntaram as mãos de Drizzt, quase
inconscientemente. Percebeu a expressão que alastrava agora na cara de Dinin, mas sabia que já er
tarde demais. — Não podemos mandá-los embora sem conflito?
Dinin agarrou-o pelo colarinho do piwafwi e puxou para perto, para demasiado perto, da sua
expressão i rada.
— Vou esquecer que fizeste essa pergunta — sussurrou, e deixou Drizzt cair de novo na pedra,
considerando o assunto encerrado. — Tu começarás o combate — gesticulou. — Quando vires o
sinal de trás, escurece o corredor e passa a correr pelos guardas. Vai em busca do chefe dos gnomos;
ele é que detém a força deles, com a pedra.
Drizzt não compreendia completamente a que poder dos gnomos o irmão se estava a referir, mas as
instruções pareciam razoavelmente simples, embora um pouco suicidárias.
— Leva a pantera, se ele te seguir — prosseguiu Dinin. — A patrulha inteira estará ao teu lado daí
a pouco. Os grupos restantes entrarão pelas outras passagens.
Guenhwyvar aninhou-se junto de Drizzt, mais do que pronta para o seguir em combate. Drizz
sentiu-se reconfortado por isso quando Dinin se foi embora, deixando-o sozinho mais uma vez na
frente. Poucos segundos depois, veio a ordem para atacar. Drizzt abanou a cabeça incrédulo quando
viu o sinal; que rapidamente tinham os guerreiros drow assumido as suas posições!
Espreitou os guardas gnomos, que ainda estavam na sua silenciosa vigília, sem fazerem ideia do
que os esperava.
convocou a magiaDrizzt
inata sacou
da suadas
raçaespadas
e largoue deu a Guenhwyvar
um globo umanopalmadinha
de escuridão corredor. de boa sorte; depoi
Guinchos de alarme ecoaram pelos túneis, e Drizzt carregou directamente para a escuridão, po
entre os guardas que não via e rebolando até se pôr de novo de pé do outro lado da escuridão da sua
magia, a apenas dois passos da pequena câmara. Viu uma dúzia de gnomos a correr por ali, tentando
preparar as defesas. Poucos deles, porém, prestaram qualquer atenção a Drizzt, porque os sons de
batalha surgiam de vários corredores laterais.
Um gnomo avançou com uma pesada albarda em direcção ao ombro de Drizzt. Drizzt levantou um
cimitarra para bloquear o golpe, mas ficou espantado com a força dos braços do diminuto gnomo.
Poderia ter desde logo morto este atacante com a outra cimitarra. Demasiadas dúvidas, e demasiada
recordações, porém, assombravam os seus gestos. Ergueu um pé e assestou-o na barriga do gnomo,
fazendo a pequena criatura rebolar para longe.
Belwar Dissengulp, que era o próximo na direcção de Drizzt, reparou na facilidade com que
ovem drow tinha despachado um dos seus melhores guerreiros, e soube que tinha chegado o
momento de usar a sua magia mais poderosa. Puxou da esmeralda de convocação que tinha ao
pescoço e lançou-a ao chão, aos pés de Drizzt.
Drizzt saltou para trás, sentindo as emanações da magia. Atrás de si, ouvia a aproximação dos
companheiros, dominando os guardas gnomos surpreendidos e correndo para se unirem a ele na
câmara. Depois, as atenções de Drizzt dirigiram-se para os padrões de calor do chão de pedra à su
frente. As linhas acinzentadas tremiam e ondulavam, como se a pedra estivesse, de certa forma, a
ganhar vida.
Os outros guerreiros drow passaram a correr por Drizzt, caindo sobre o líder dos gnomos. Drizz
não os seguiu, calculando que o que se estava a passar diante dos seus pés era mais crítico do que a
batalha que agora ressoava por todo o complexo.
Com quatro metros de altura e dois de largura, um monstro enorme e irado erguia-se agora diante
de Drizzt.
— Um Elementar! — ouviu alguém gritar mais ao lado. Drizzt olhou e viu Masoj, co
Guenhwyvar ao seu lado, a folhear um livro de encantamentos, aparentemente à procura de um feitiço
para combater este monstro inesperado. Para espanto de Drizzt, o assustado mago gaguejou uma
palavras e desapareceu.
Drizzt apoiou bem os pés no chão e avaliou o monstro, pronto a saltar para o lado a qualquer
momento. Conseguia sentir o poder daquela coisa, a força bruta da terra incorporada em braços e
pernas vivos.
Um braço grosso como um tronco girou, passando com um assobio por cima da cabeça de Drizzt e
abatendo-se contra a parede da caverna, despedaçando pedra.
— Não deixes que te acerte — murmurou Drizzt para si próprio, num sussurro que saiu como u
soluço desesperado. Enquanto o Elementar recolhia o braço, Drizzt espetou-lhe uma cimitarra
arrancando-lhe um pequeno pedaço, mal fazendo um arranhão. O elementar gritou de dor;
aparentemente, Drizzt podia de facto magoá-lo com as suas armas encantadas.
Ainda de pé no mesmo sítio, mais para o lado, o invisível Masoj estava a verificar o seu próximo

feitiço,
Talvez observando
o Elementaro espectáculo
conseguisse edestruir
à esperaDrizzt
de quecompletamente.
os combatentes Os
se enfraquecessem um de
ombros invisíveis ao outro.
Masoj
encolheram-se resignados. Decidiu deixar que a força dos gnomos fizesse o trabalho sujo por ele.
O monstro lançou um novo golpe, e depois outro, e Drizzt mergulhou para a frente e rebolou po
entre aquelas pernas que mais pareciam pilares de pedra. O Elementar reagiu rapidamente e bate
pesadamente com os pés, quase acertando no ágil drow, e provocando rachas enormes no chão, que
se prolongavam por muitos metros em todas as direcções.
Drizzt pôs-se rapidamente de pé, rodopiando e picando com as suas cimitarras nas costas do
Elementar, saltando depois de novo para fora do alcance deste enquanto o monstro girava, desferindo
novos golpes ferozes.
Os sons de batalha estavam cada vez mais distantes. Os gnomos tinham fugido — os que aind
restavam vivos —, mas os guerreiros drow estavam a persegui-los, deixando Drizzt sozinho a
enfrentar o Elementar.
O monstro voltou a bater com os pés, e o estrondo quase fez Drizzt saltar no ar; depois, avanço
pesadamente, usando as suas toneladas de peso como arma. Se Drizzt tivesse sido apanhado de
surpresa, mesmo que apenas por um segundo, ou se os seus reflexos não tivessem sido desenvolvidos
quase até à perfeição, teria sido seguramente esmagado. Mas conseguiu saltar para o lado do
monstro, recebendo apenas um golpe de raspão de um braço do Elementar.
Ergueram-se colunas de poeira devido ao impacto terrível; paredes e tectos da caverna racharam-
se deixaram cair lascas e pedras no chão. Enquanto o Elementar se punha de pé novamente, Drizz
recuou, ultrapassado por uma tão grande força.
Estava sozinho contra ele, ou assim pensava. Uma súbita bola de fúria quente envolveu a cabeç
do Elementar, com garras a rasgar profundas feridas na sua cara.
— Guenhwyvar! — gritaram Drizzt e Masoj em uníssono, com Drizzt entusiasmado por te
encontrado um aliado, e Masoj enraivecido. O mago não queria que Drizzt sobrevivesse a est
batalha, mas não se atreveria a lançar nenhum ataque mágico, quer para Drizzt quer para o Elementar,
quando a sua preciosa Guenhwyvar estava no caminho.
— Faz qualquer coisa, mago! — gritou Drizzt, reconhecendo a voz do mago e percebendo agor
que Masoj continuava ali.
O Elementar encolheu-se, dolorido, com o seu rugido a soar como o estrondo de rochedos
rebolar pela encosta de uma montanha rochosa. Enquanto Drizzt recuava para ajudar o amigo felino,
o monstro ergueu-se de novo, de forma quase impossivelmente rápida, e mergulhou de cabeça para o
chão.
— Não! — gritou Drizzt, percebendo que Guenhwyvar seria esmagada. Então, a pantera e
Elementar, em vez de embaterem contra a pedra, mergulharam nela!
As chamas roxas do fogo feérico desenhavam as silhuetas dos gnomos, mostrando o caminho aos
guerreiros drow e às suas espadas. Os gnomos contrariavam-nos com as suas próprias magias, na
maior parte truques de ilusão.
— Por aqui! — gritava um soldado drow, apenas para embater com a cara em cheio na pedra de
uma parede que antes apenas parecia a entrada para outro corredor.
Muito embora a magia dos gnomos conseguisse manter os elfos negros um pouco confundidos,
Belwar Dissengulp começou a recear. O seu Elementar, a sua mais forte magia e única esperança,
estava a demorar demasiado com um único guerreiro drow, lá longe na câmara principal. O guarda-
tocas queria ter o monstro ao lado quando começasse o combate principal. Deu ordens às suas forças
para formarem em posições defensivas sólidas, esperando que se pudessem aguentar.
Então, os guerreiros drow, não se deixando deter mais pelos truques dos gnomos, caíram sobre
eles, e a fúria sobrepôs-se aos receios de Belwar. Carregou com o seu pesado machado, sorrindo
sombriamente sempre que sentia a poderosa arma a rasgar carne drow.
Agora, toda a magia estava posta de parte, todas as formações e planos de batalha cuidadosamente
estudados se desfizeram por entre o selvático frenesim da refrega. Nada importava, a não ser atingir
o inimigo, sentir a lâmina de uma lança ou de uma espada a mergulhar em carne. Acima de todos os
outros, os gnomos das profundezas odiavam os drow, e em todo o Subescuro não havia nada de que
um elfo negro mais gostasse do que de retalhar um svirfnebli em pedacinhos.
Drizzt correu para o local, mas apenas uma parte do chão permanecia intacta.
— Masoj? — gritou, à espera de alguma resposta daquele que era o mais treinado em tão
estranhas magias.
Antes que o mago pudesse responder, o chão ergueu-se atrás de Drizzt. Saltou, com as arma
prontas para enfrentar o enorme Elementar.
Depois, assistiu, numa agonia impotente, quando a nuvem indistinta que fora a grande pantera, o
seu mais querido companheiro, deslizou pelos ombros do Elementar e se desfez ao aproximar-se do
chão.
Drizzt desviou-se de mais um golpe, embora os seus olhos nunca largassem a nuvem de neblina e
poeira que se começava a dissipar. Teria Guenhwyvar morrido? Teria o seu único verdadeiro amigo
desaparecido para sempre? Uma nova luz brilhou nos olhos cor de alfazema de Drizzt, uma raiv
primordial que fervilhava no seu corpo. Olhou de novo para o Elementar, sem medo.
— Estás morto — prometeu. E avançou.
O Elementar pareceu confuso, embora, evidentemente, não pudesse compreender as palavras de
Drizzt. Deixou cair um braço pesado na direcção de Drizzt, para esmagar aquele tolo adversário
Drizzt nem sequer ergueu uma espada em defesa, sabendo que nem toda a sua força poderia desviar
tal golpe. Quando o braço estava a chegar perto dele, saltou para a frente, ainda ao seu alcance.
A rapidez desse movimento surpreendeu o Elementar, e a fúria de golpes de cimitarra que se
seguiu deixou Masoj boquiaberto. O mago nunca vira tanta graciosidade em combate, tanta fluidez de
movimentos. Drizzt trepava e descia pelo corpo do Elementar, cortando e picando com as pontas das
armas, arrancando pedaços da pele de pedra do monstro.
O Elementar rugiu como uma avalanche e rodopiou em círculos, tentando apanhar Drizzt e esmagá
lo de uma vez por todas. A fúria cega concedeu, porém, novos níveis de perícia ao magnífico jovem
guerreiro, e o Elementar nada apanhou a não ser ar, ou o seu próprio corpo de pedra com os seus
pesados murros.
— Impossível — murmurou Masoj quando conseguiu recuperar o fôlego. Conseguiria o jove
Do’Urden vencer de facto um Elementar? Masoj vasculhou o resto da área. Vários drow e muito
gnomos jaziam mortos ou gravemente feridos, mas o grosso da batalha estava a afastar-se dali,
enquanto os pequenos gnomos fugiam pelos estreitos túneis de fuga que tinham aberto. Os drow,
enraivecidos para além do que mandaria o bom senso, seguiam-nos.
Guenhwyvar desaparecera. Nesta sala, apenas Masoj, o Elementar e Drizzt restavam com
testemunhas. O mago invisível sentiu a boca a desenhar um sorriso. Este era o momento certo par
atacar.
Drizzt pusera o Elementar em desequilíbrio, quase vencido, quando o raio rugiu na sua direcção,
com uma explosão de luz que o cegou e o fez voar contra a parede mais recuada da sala. Drizzt viu as
mãos a tremer, e a dança selvagem dos seus cabelos brancos diante dos olhos parados. Não sentia
nada — nenhuma dor, nenhuma golfada de ar revivescente a entrar-lhe nos pulmões — e nada ouvia,
como se a sua força de vida tivesse sido, de alguma forma, suspensa.
O ataque desfez o feitiço de invisibilidade de Masoj, e este surgiu de novo à vista, rindo
malevolamente. O Elementar, caído e transformado numa massa informe e desfeita, deslizou
lentamente de volta para a segurança do chão de pedra.
— Estás morto? — perguntou o mago a Drizzt, com a voz quebrando a surdez de Drizzt em onda
dramáticas. Drizzt não conseguia responder, e também nem sequer sabia a resposta. — Demasiado
fácil — ouviu Masoj a dizer, e suspeitou de que o mago se estivesse a referir a ele, e não ao
Elementar.
Depois, Drizzt sentiu um formigueiro nos dedos e nos ossos, e os pulmões incharam-lhe de
repente, engolindo uma massa de ar. Arquejou numa sucessão rápida de inspirações, e depois
recuperou o controlo do corpo e percebeu que sobreviveria.
Masoj olhou em volta, à cata de testemunhas, e não viu ninguém.
— Ora bem — murmurou enquanto via Drizzt recuperar os sentidos. O mago estav
verdadeiramente satisfeito por a morte de Drizzt não ter sido tão isenta de dor. Pensou noutro
encantamento que tornasse o momento mais divertido.
Uma mão — uma gigantesca mão de pedra — espreitou do chão precisamente nesse momento e
agarrou uma perna de Masoj, puxando-lhe os pés bem para o meio da pedra.
O rosto do mago contorceu-se num grito silencioso.
O inimigo de Drizzt salvara-lhe a vida. Agarrou numa das cimitarras caídas no chão e atacou o
braço do Elementar. A arma trespassou o braço e o monstro, com a cabeça a reaparecer entre Drizzt
e Masoj; o Elementar rugiu de raiva e puxou o mago capturado ainda mais para dentro da pedra.
Com ambas as mãos a empunhar a cimitarra, Drizzt atacou com toda a força que podia, abrindo
cabeça do Elementar ao meio. Desta vez, o cascalho não escorregou de novo para o seu plano
terreno; desta vez, o Elementar fora destruído.
— Tira-me daqui! — exigiu Masoj.
Drizzt olhou para ele, mal acreditando que Masoj ainda estivesse vivo, porque estava mergulhado
até à cintura em rocha sólida.
— Como… — gaguejou Drizzt. — Tu… — Nem sequer conseguia encontrar as palavras par
exprimir o espanto que sentia.
— Tira-me daqui — gritava o mago.
Drizzt andava para trás e para a frente, sem saber por onde começar.
— Os Elementares viajam entre planos — explicou Masoj, sabendo que teria de acalmar Drizzt s
alguma vez quisesse sair do chão. Sabia, também, que a conversa poderia ajudar a desviar as óbvias
suspeitas de Drizzt de que o raio de luz lhe tinha sido dirigido a ele, e não ao Elementar. — O chão
que um Elementar atravessa torna-se um portal entre o Plano Terreno e o nosso plano, o Plano
Material. A pedra afastou-se à minha volta quando o monstro me puxou, mas é muito desconfortável
— fez um esgar de dor quando a pedra lhe apertou mais um pé. — O portal está a fechar-se
rapidamente!
— Então, Guenhwyvar pode estar… — começou Drizzt a raciocinar.
Retirou a estatueta do bolso da frente de Masoj e inspeccionou-a cuidadosamente, para ver se
havia falhas no seu desenho perfeito.
— Dá-me isso! — exigiu Masoj, embaraçado e irado.
Relutantemente, Drizzt devolveu a estatueta. Masoj olhou-a rapidamente e meteu-a no bolso.
— Guenhwyvar saiu ilesa? — Drizzt tinha de perguntar.
— Isso não te diz respeito — retorquiu Masoj. Também o mago estava preocupado com a pantera,
mas, nesse momento, Guenhwyvar era o último dos seus problemas. — O portal está a fechar-se
disse de novo. — Vai chamar as sacerdotisas!
Antes que Drizzt pudesse afastar-se, uma laje de pedra atrás dele deslizou para o lado e o punho
duro como pedra de Belwar Dissengulp abateu-se com força contra a sua nuca.
— Os gnomos levaram-no — disse Masoj para Dinin quando o líder da patrulha regressou à caverna.
O mago ergueu os braços acima da cabeça, para dar à alta sacerdotisa e às suas assistentes uma visão
melhor da situação precária em que se encontrava.
— Por onde? — perguntou Dinin. — E porque te deixaram a ti vivo?
Masoj encolheu os ombros.
— Por uma porta secreta — explicou. — Algures na parede atrás de ti. Suspeito que também me
teriam levado a mim, só que… — Masoj olhou para o chão, que ainda o agarrava firmemente até à
cintura. — Os gnomos ter-me-iam morto, se não tivessem chegado vocês.
— Tens sorte, mago — disse a alta sacerdotisa a Masoj. — Memorizei um encantamento hoje
mesmo que te libertará da pedra.
Sussurrou as instruções às ajudantes e estas pegaram em bexigas de água e em bolsas de barro e
começaram a desenhar um quadrado com três metros de lado no chão em volta do mago aprisionado.
A alta sacerdotisa afastou-se para junto da parede da sala e preparou as suas preces.
— Alguns escaparam — disse-lhe Dinin.
A alta sacerdotisa percebeu. Murmurou um rápido encantamento de detecção e estudou a parede.
— Ali mesmo — disse.
Dinin e outro macho correram para o local e depressa detectaram o contorno quase imperceptível
da porta secreta.
Enquanto a alta sacerdotisa começava o seu encantamento, uma das ajudantes lançou a ponta de
uma corda a Masoj.
— Agarra-te — disse a ajudante — e sustém a respiração!
— Espera — começou Masoj a dizer. Mas o chão a toda a sua volta começou a transformar-se e
lama, e o mago deslizou para baixo.
Duas sacerdotisas, rindo, puxaram Masoj dali para fora, um segundo depois.
— Belo encantamento — notou o mago, cuspindo lama.
— Tem as suas aplicações — respondeu a alta sacerdotisa. — Especialmente quando combatemos
contra os gnomos e os seus truques com a pedra. Trouxe-o como precaução contra elementares
terrenos — olhou para pedaços de cascalho junto dos seus pés, que eram obviamente um olho e o
nariz de uma dessas criaturas. — Vejo que o meu encantamento não foi necessário para isso.
— Esse, destruí-o eu — mentiu Masoj.
— A sério? — disse a alta sacerdotisa, nada convencida. Conseguia ver, pelo corte da pedra, que
uma espada tinha feito aquele trabalho. Deixou o assunto cair quando o ruído de uma pedra a deslizar
os fez voltarem-se todos para a parede.
— Um labirinto — resmungou o guerreiro ao lado de Dinin quando espreitou para o túnel.
Como vamos encontrá-los?
Dinin reflectiu por um momento, e depois dirigiu-se a Masoj.
— Eles têm o meu irmão — disse, com uma ideia a vir-lhe à mente. — Onde está o teu gato?
— Por aí — disse Masoj, tentando empatar e adivinhando o plano de Dinin, mas não querend
realmente ver Drizzt resgatado.
— Trá-lo até mim — comandou Dinin. — O felino pode farejar Drizzt.
— Não posso… Quero dizer… — murmurou Masoj.
— Já, mago! — comandou Dinin. — A não ser que queiras que eu conte ao Conselho Governant
que alguns dos gnomos escaparam porque tu te recusaste a ajudar!
Masoj lançou a estatueta para o chão e chamou Guenhwyvar, sem realmente saber o que se
passaria depois. Teria o Elementar realmente destruí-do Guenhwyvar? A névoa apareceu,
transformando-se ao fim de poucos segundos no corpo tangível da pantera.
— Muito bem — disse Dinin, apontando para o túnel.
— Vai à procura de Drizzt! — ordenou Masoj à pantera.
Guenhwyvar farejou a área por um momento, e depois avançou pelo pequeno túnel, com a patrulha
drow em perseguição silenciosa.
— Onde… — começou Drizzt quando finalmente iniciou a longa subida desde as profundezas d
inconsciência.
Percebeu que estava sentado, e soube também que tinha as mãos atadas à sua frente.
Uma mão pequena mas inegavelmente forte agarrou-lhe os cabelos junto à nuca e puxou-lhe a
cabeça para trás bruscamente.
— Calado! — sussurrou-lhe Belwar asperamente; e Drizzt ficou surpreendido por ver que

criatura falava reduzida


Pela altura a sua língua. Belwar
da sala largou
e pelos Drizzt e virou-se,
movimentos nervosospara
dossegnomos,
reunir aosDrizzt
restantes svirfnebli.
percebeu que este
grupo tinha conseguido fugir.
Os gnomos começaram uma conversa em voz baixa, na sua própria língua, que Drizzt não
conseguia entender. Um deles fez ao gnomo que mandara Drizzt ficar calado, e que aparentemente era
o líder, uma pergunta acalorada. Outro manifestou o seu acordo e disse algumas palavras ásperas,
virando-se para Drizzt com um olhar perigoso nos olhos.
O líder deu uma palmada com força nas costas do outro gnomo que o fez rebolar por uma das duas
pequenas portas da sala, e depois pôs os outros em posições defensivas. Depois, dirigiu-se a Drizzt.
— Vens connosco para Blingdenstone – disse-lhe, com palavras hesitantes.
— E depois? — perguntou Drizzt.
Belwar encolheu os ombros.
— O rei decidirá. Se não me deres problemas, dir-lhe-ei para te deixar partir.
Drizzt riu cinicamente.
— Pois bem — disse Belwar — se o rei disser para te matar, assegurar-me-ei de que isso seja
feito com um único golpe limpo.
Drizzt riu-se outra vez.
— Pensas mesmo que eu acredito nisso? — perguntou. — Tortura-me agora e diverte-te. Esses são
os teus hábitos malévolos!
Belwar ia para lhe dar um murro, mas deteve-se, com a mão no ar.
— Os svirfnebli não torturam! — declarou, mais alto do que deveria. — Quem tortura são os elfo
drow! — e virou costas. Mas depois, voltou para trás: — Um único golpe limpo!
Drizzt descobriu que acreditava na sinceridade da voz do gnomo, e tinha de aceitar a promessa
como demonstração de uma misericórdia muito maior do que a que o gnomo teria recebido se a
patrulha de Dinin o tivesse capturado. Belwar virou costas para se afastar, mas Drizzt, intrigado,
precisava de saber mais sobre aquela curiosa criatura.
— Como aprendeste a minha língua? — perguntou.
— Os gnomos não são estúpidos — retorquiu Belwar, incerto de aonde quereria Drizzt chegar.
— Nem os drow — respondeu Drizzt com franqueza —, mas nunca ouvi a língua dos svirfnebli
falada na minha cidade.
— Houve em tempos um drow em Blingdenstone — explicou Belwar, agora quase com tant
curiosidade sobre Drizzt como a que Drizzt tinha acerca dele.
— Escravo… — calculou Drizzt.
— Convidado! — retorquiu Belwar. — Os svirfnebli não têm escravos!
Mais uma vez, Drizzt descobriu que não podia refutar a sinceridade na voz de Belwar.
— Como te chamas? — perguntou.
O gnomo riu-se na cara dele.
— Julgas-me estúpido? — perguntou Belwar. — Queres saber o meu nome para depois podere
usá-lo nalguma magia contra mim!
— Não — protestou Drizzt.
— Deveria matar-te agora mesmo, por me julgares estúpido! — resmungou Belwar, erguendo
ameaçadoramente o pesado machado.
Drizzt remexeu-se desconfortavelmente, sem saber o que o gnomo faria a seguir.
— A minha oferta mantém-se — disse Belwar, baixando o machado. — Se não me deres
problemas, direi ao rei que te deixe partir — Belwar acreditava tanto que isso realmente acontecesse
como Drizzt, por isso, com um encolher de ombros impotente, ofereceu a Drizzt a segunda melho
opção: — Ou então, um único golpe limpo.
Agitação num dos túneis fez Belwar afastar-se.
— Belwar — chamou um dos gnomos, correndo de regresso à pequena sala.
O líder dos gnomos olhou preocupado para Drizzt, para ver se o drow teria percebido o seu nome.
Drizzt manteve sensatamente a cabeça virada para outro lado, fingindo não estar a ouvir nada.
Tinha, de facto, ouvido o nome do líder dos gnomos, que tinha demonstrado misericórdia para
consigo. Belwar, dissera o outro gnomo. Belwar, um nome que Drizzt nunca mais esqueceria.
O ruído de luta numa das passagens chamou as atenções de toda a gente nesse momento, e vários
svirfnebli correram apressadamente de regresso à pequena sala. Drizzt percebeu, pela ansiedade
deles, que a patrulha drow não estava longe.
Belwar começou a gritar ordens, na maior parte para organizar a retirada pelo outro túnel que saía
da sala. Drizzt indagou-se sobre onde se encaixaria ele próprio nos pensamentos do gnomo. Decerto
Belwar não poderia esperar ser mais rápido do que a patrulha drow, se tivesse de arrastar consigo
um prisioneiro.
Então, o líder dos gnomos parou de falar e subitamente ficou muito quieto. Demasiado
subitamente.
As sacerdotisas drow tinham vindo à frente, com os seus feitiços insidiosos e paralisantes. Belwa
e outro gnomo tinham sido logo apanhados por um feitiço, e os restantes gnomos, percebendo isso,
desataram a fugir pela outra passagem.
Os guerreiros drow, com Guenhwyvar à frente, entraram de rompante na pequena sala. Qualque
alívio que Drizzt poderia ter sentido por ver o seu amigo felino incólume foi enterrado sob a visão
do massacre que se seguiu. Dinin e a suas tropas atacaram os gnomos desorganizados com a típica
selvajaria drow.
Em poucos segundos — segundos terríveis, que a Drizzt pareceram horas — apenas Belwar e
outro gnomo apanhado pelo feitiço da sacerdotisa restavam vivos na sala. Vários outros svirfnebli
tinham conseguido fugir pelo corredor de trás, mas a maior parte da patrulha drow já estava a
persegui-los.
Masoj foi o último a entrar na sala, parecendo um desgraçado com as suas vestes todas
enlameadas. Ficou à entrada do túnel e nem sequer olhou na direcção de Drizzt, a não ser par
reparar no facto de a sua pantera estar parada protectoramente ao lado do Segundo Rapaz da Cas
Do’Urden.
— Mais uma vez, estiveste à beira de esgotar a tua sorte, mas lá arranjaste mais alguma — disse
Dinin para Drizzt, enquanto cortava as cordas que o prendiam.
Olhando em volta para a carnificina naquela sala, Drizzt não tinha assim tanta certeza disso.
Dinin entregou-lhe as suas cimitarras, e depois virou-se para o drow que estava a vigiar os dois
gnomos paralisados.
— Acaba com eles — ordenou Dinin.
Um grande sorriso escancarou-se na cara do outro drow, e tirou uma faca dentada do cinturão.
Brandiu-a em frente à cara de um dos gnomos, provocando a criatura indefesa.
— Conseguem ver? — perguntou à alta sacerdotisa.
— Isso é o mais divertido do encantamento — respondeu a alta sacerdotisa. — O svirfnebli
percebe o que está para lhe acontecer. Neste preciso momento está a tentar libertar-se do que o
prende.
— Prisioneiros! — disse Drizzt.
Dinin e os outros viraram-se para ele, com o drow que empunhava o punhal fazendo uma careta ao
mesmo tempo de desprezo e de desilusão.
— Para a Casa Do’Urden? — perguntou Drizzt a Dinin, esperançado. — Poderíamos beneficia
de…
— Os svirfnebli não dão bons escravos — respondeu Dinin.
— Pois não — concordou a alta sacerdotisa, pondo-se ao lado do drow que empunhava a faca.
Fez um aceno ao guerreiro e o sorriso deste multiplicou-se por dez. Atacou com ferocidade. Já só
restava Belwar.
O guerreiro mostrou o punhal manchado de sangue e pôs-se em frente ao líder dos gnomos.
— Esse não! — protestou Drizzt, incapaz de suportar mais. — Deixem-no viver!
Drizzt queria dizer que Belwar não lhes poderia fazer mal nenhum, e que matar aquele gnomo
indefeso seria um acto de cobardia vil. Mas sabia que apelar à misericórdia da sua gente seria uma
perda de tempo.
A expressão de Dinin era agora mais de ira do que de curiosidade.
— Se o matares, nenhum gnomo restará para regressar à sua cidade e contar acerca da nossa força
— argumentou Drizzt, agarrando-se à única réstia de esperança que lhe restava. — Deveríamo
mandá-lo de volta para a sua gente, mandá-lo embora para lhes dizer que são loucos quando se
aventuram nos domínios dos drow!
Dinin olhou para a alta sacerdotisa, em busca de conselho.
— Parece bem pensado — disse ela, com um aceno de cabeça.
Dinin não tinha assim tanta certeza dos motivos do irmão. Sem tirar os olhos de Drizzt, disse par
o guerreiro:
— Então, corta as mãos ao gnomo.
Drizzt nem pestanejou, sabendo que, se o fizesse, Dinin decerto chacinaria Belwar.
O guerreiro colocou o punhal no cinturão e desembainhou a espada.
— Espera — disse Dinin, ainda a olhar para Drizzt. — Primeiro, libertem-no do encantamento
quero ouvi-lo gritar.
Vários drow avançaram para encostar as pontas das espadas ao pescoço de Belwar, enquanto a
alta sacerdotisa o libertava do feitiço. Belwar não se mexeu.
O guerreiro drow designado agarrou a espada com ambas as mãos, e Belwar, o bravo Belwar,
estendeu os braços e manteve-os imóveis à sua frente.
Drizzt desviou o olhar, incapaz de ver aquilo, e esperando, receando, os gritos do gnomo.
Belwar notou a reacção de Drizzt. Seria compaixão?
O guerreiro drow fez descer a espada. Belwar não desviou os olhos de Drizzt enquanto a espad
lhe cortava os pulsos, acendendo um milhão de fogos de agonia nos seus braços.
Belwar também não gritou. Não daria a Dinin essa satisfação. O líder dos gnomos olhou um
última vez para Drizzt, enquanto dois guerreiros drow o expulsavam da sala, e reconheceu a
verdadeira angústia, e o pedido de desculpa, que havia por detrás da fachada de impassibilidade do
ovem drow.
Enquanto Belwar saía, os elfos negros que tinham perseguido os gnomos fugitivos regressara
pelo outro túnel.

— Não conseguimos
Raios! apanhá-los
— resmungou nestas
Dinin. — passagens
Mandar demasiado
uma vítima pequenas
sem mãos — queixou-se
de volta um deles. er
para Blingdenstone
uma coisa, deixar membros saudáveis da expedição dos gnomos fugir era outra muito diferente. —
Quero-os apanhados!
— Guenhwyvar pode apanhá-los — proclamou Masoj. Depois, chamou a pantera para o seu lado e
olhou, ao mesmo tempo, para Drizzt.
O coração de Drizzt batia com força enquanto o mago dava palmadinhas na grande criatura.
— Vem, meu bichinho — disse Masoj. — Ainda há peças para caçar!
O mago observou Drizzt a estremecer perante aquelas palavras, sabendo que este não aprovav
que Guenhwyvar se envolvesse nessas tácticas.
— Foram-se? — perguntou Drizzt a Dinin, com a voz à beira do desespero.
— Estarão a correr de regresso a Blingdenstone — respondeu Dinin calmamente. — Se o
deixarmos.
— E voltarão aqui?
O seco ar de desprezo de Dinin reflectia o absurdo da pergunta do irmão.
— Tu voltarias?
— A nossa tarefa está, então, terminada — argumentou Drizzt, tentando em vão encontrar maneira
de obstar aos ignóbeis objectivos de Masoj para a pantera.
— O dia é nosso — concordou Dinin —, mas as nossas perdas também foram grandes. Aind
podemos encontrar algum divertimento, com a ajuda do bicho de estimação do mago.
— Divertimento — repetiu Masoj, claramente dirigindo-se a Drizzt. — Parte, Guenhwyvar, va
pelos túneis. Faz-nos saber com que velocidade consegue correr um gnomo assustado!
Poucos minutos depois, Guenhwyvar regressou à sala, arrastando um gnomo morto na boca.
— Volta para lá! — comandou Masoj quando Guenhwyvar deixou cair o corpo aos seus pés. —
Traz-me mais!
O coração de Drizzt parou ao ouvir o som do corpo a cair no chão de pedra. Olhou para os olho
de Guenhwyvar e viu neles uma tristeza tão profunda como a sua. O felino era um caçador, tão
honroso à sua maneira como Drizzt. Para o malévolo Masoj, porém, era apenas um brinquedo, e nad
mais; um instrumento para os seus perversos prazeres, matando sem outra razão que não fosse a
alegria do seu dono em matar.
Nas mãos de Masoj, Guenhwyvar não passava de um assassino.
Guenhwyvar fez uma pausa à entrada do pequeno túnel e olhou para Drizzt quase como a pedi
desculpa.
— Volta para lá! — gritou Masoj, dando um pontapé na pantera. Depois, também ele assestou o
olhar sobre Drizzt; um olhar vingativo. Masoj perdera a oportunidade de matar o jovem Do’Urden
teria de ser cuidadoso para explicar esse falhanço à sua impiedosa mãe. Decidiu preocupar-se co
esse desagradável encontro mais tarde. Por agora, pelo menos, tinha a satisfação de ver Drizzt
sofrer.
Dinin e os outros ignoravam o drama que se desenrolava ali entre Masoj e Drizzt; estava
demasiado entretidos na sua espera pelo regresso de Guenhwyvar; demasiado embrenhados nas suas

especulações
assassino; sobre asdistraídos
demasiado expressões
pelodehumor
terror macabro
que os gnomos teriamesse
do momento, ao perverso
ver aquele tão perfeito
humor drow que
fazia surgir risos quando deviam aparecer lágrimas.
Zaknafein Do’Urden: mentor, professor, amigo. Eu, na cega agonia das minhas próprias
frustrações, mais de uma vez não vi em Zaknafein nenhuma dessas qualidades. Terei
exigido dele mais do que ele podia dar? Esperaria perfeição numa alma atormentada?
Esperaria eu ver Zaknafein a manter-se fiel a padrões de conduta que estavam para além
das suas experiências, ou a padrões impossíveis à luz dessas experiências?
Eu poderia ter sido ele. Poderia ter vivido, aprisionado dentro de uma raiva impotente,

enterrado
toda sobna
a parte o assalto
minha quotidiano da maldade
própria família, que éencontrar
sem nunca Menzoberranzan
uma viae do
de mal
fugaque
na há por
minha
vida.
Parece lógico presumir que aprendemos com os erros dos nossos mais velhos. Isso, creio,
foi a minha salvação. Sem o exemplo de Zaknafein, também eu não teria encontrado via de
saída — não em vida.
Será este percurso que escolhi um percurso melhor do que a vida que Zaknafein levou?
Penso que sim, ainda que encontre o desespero vezes suficientes para, por vezes, desejar a
outra via. Teria sido mais fácil. A verdade, porém, nada é perante a auto-falsidade, e os
princípios não têm valor se o idealista não puder viver à altura dos seus próprios padrões.
Esta é, pois, a melhor via.
Vivo com muitas lamentações, pelo meu povo, por mim próprio, mas sobretudo pelo
mestre de armas, que agora está perdido para mim, e que me mostrou como — e porquê —
se usa uma espada.
Não há dor maior do que esta; nem o golpe de um punhal de lâmina dentada, nem o fogo
de uma exalação de um dragão. Nada queima o nosso coração como o vazio de perder
alguma coisa, ou alguém, antes de verdadeiramente termos aprendido o seu verdadeiro
valor. Muitas vezes ergo agora a minha taça num brinde fútil, numa desculpa para ouvidos
que já não ouvem:
«A Zak, aquele que inspirou a minha coragem.»
— Drizzt Do’Urden
— Oito drow mortos, um deles uma sacerdotisa — disse Briza à Matrona Malice na varanda da Cas
Do’Urden. Briza correra de regresso ao complexo com os primeiros relatos do recontro, deixando a
irmãs na praça central de Menzoberranzan, com os restantes que ali se reuniam à espera de mais
informação. — Mas quase o dobro de gnomos mortos, numa vitória clara.
— E os teus irmãos? — perguntou Malice. — Como se portou a Casa Do’Urden neste recontro?
— Tal como aconteceu com os elfos da superfície, Dinin abateu cinco — respondeu Briza. —
Dizem que liderou o principal assalto destemidamente, e que foi quem mais gnomos matou.
A Matrona Malice ficou radiante com essa notícia, embora suspeitando de que Briza, parad
pacientemente com um sorriso matreiro, lhe estava a esconder algo mais dramático.
— E Drizzt? — perguntou a matrona, sem paciência para os jogos da filha. — Quantos svirfnebl
lhe caíram aos pés?
— Nenhum — respondeu Briza, mantendo o sorriso. — Mas mesmo assim, o dia foi de Drizzt!
acrescentou rapidamente, vendo o esgar de raiva a surgir no rosto volátil da mãe. Malice não parecia
nada divertida.
— Drizzt derrotou um Elementar de terra — gritou Briza. — Quase sozinho, com apenas a ajud
menor de um mago! A alta sacerdotisa da patrulha atribuiu-lhe a ele essa morte!
A Matrona Malice ficou sem fôlego e virou costas. Drizzt sempre fora um enigma para ela, exími
no manejo das armas, mas faltando-lhe a atitude correcta e o respeito devido. E agora isto: u
Elementar terreno! A própria Malice vira um desses monstros a dizimar um grupo de patrulha inteiro,
matando uma dúzia de guerreiros experientes antes de se afastar. E no entanto, o filho, o seu
perturbante filho, tinha derrotado um deles sozinho!
— Lolth dar-nos-á o seu favor hoje! — comentou Briza, sem perceber bem a atitude da mãe.
As palavras de Briza deram uma ideia a Malice.
— Reúne as tuas irmãs — comandou. — Encontrar-nos-emos na capela. Se a Casa Do’Urde
ganhou tão claramente o dia nos túneis, talvez a Rainha Aranha nos agracie com alguma informação.
— Vierna e Maya esperam as notícias que vão chegando na praça da cidade — explicou Briza,
acreditando, erradamente, que a mãe se estava a referir a informações sobre a batalha. — Certamente
saberemos tudo dentro de uma hora.
— Quero lá saber de uma batalha contra gnomos! — desdenhou Malice. — Já me disseste tudo

que é importante
heroísmo dos teuspara a nossa
irmãos família;
em ganhos o resto
para nós. não importa. Temos de transformar astuciosamente o
— Para sabermos dos nossos inimigos! — exclamou Briza quando percebeu a ideia da mãe.
— Exactamente — respondeu Malice. — Para sabermos qual é a casa que ameaça a Cas
Do’Urden. Se a Rainha Aranha verdadeiramente nos favorecer hoje, poderá agraciar-nos com
informação de que precisamos para derrotar os nossos inimigos!
Pouco tempo depois, as quatros altas sacerdotisas da Casa Do’Urden reuniam-se em volta d
ídolo da aranha na antecâmara da capela. frente delas, numa taça do mais profundo ónix, ardia o
incenso sagrado — doce, mortífero e favorecido pelas yochlol, as aias de Lolth.
A chama passava por uma variedade de cores, do laranja ao verde, e depois ao vermelho radioso.
Depois, começou a ganhar forma, ouvindo as preces das quatro sacerdotisas e a urgência na voz da
Matrona Malice. O topo da chama, que já não dançava, suavizou-se e arredondou-se, assumindo
forma de uma cabeça calva, e depois esticou-se para cima, crescendo. A chama desapareceu,
consumida pela imagem da yochlol, uma pilha de cera semi-derretida com olhos grotescamente
alongados e uma boca descaída.
— Quem me convocou? — perguntou a pequena figura telepaticamente.
Os pensamentos da yochlol, demasiado poderosos apesar da sua estatura diminuta, ressoava
dentro das cabeças das drow reunidas.
— Fui eu, aia — respondeu Malice em voz alta, querendo que as filhas ouvissem. A matrona fez
uma vénia com a cabeça. — Sou Malice, leal servidora da Rainha Aranha.
Numa pequena explosão de fumo, a yochlol desapareceu, deixando atrás de si apenas cinzas ainda
ardentes de incenso na taça de ónix. Pouco depois, a aia reapareceu, em tamanho completo, por
detrás da Matrona Malice. Briza, Vierna e Maya sustiveram a respiração enquanto o ser colocav
dois tentáculos pegajosos sobre os ombros da mãe.
A Matrona Malice aceitou esses tentáculos sem responder, confiante na sua causa para convocar a
yochlol.
— Explica-me por que te atreveste a perturbar-me — disseram os insidiosos pensamentos da
yochlol.
— Para fazer uma simples pergunta — respondeu Malice silenciosamente, porque não era
precisas palavras para comunicar com uma aia. — Uma pergunta cuja resposta conheces.
— Essa questão interessa-te assim tanto? — perguntou a yochlol. — Arriscas-te a consequências
pesadas.
— É imperativo que eu saiba a resposta — respondeu a Matrona Malice.
As três filhas observavam, curiosas, ouvindo os pensamentos da yochlol, mas apenas podendo
calcular as respostas não faladas da mãe.
— Se a resposta é tão importante e conhecida das aias, e por isso da Rainha Aranha, não crês que
Lolth já ta teria dado se assim quisesse?
— Talvez, antes deste dia, a Rainha Aranha não me considerasse digna de saber — respondeu
Malice. — Mas as coisas mudaram.
A aia fez uma pausa e rolou os olhos alongados para dentro da cabeça, como se estivesse a
comunicar com algum plano distante.
— Saudações, Matrona Malice Do’Urden — disse a yochlol em voz alta depois de algun
momentos de tensão. A voz falada da criatura era calma e desmesuradamente suave, em contraste
com a grotesca aparência.
— As minhas saudações para ti e para a tua senhora, Rainha das Aranhas — respondeu Malice.
Malice lançou um sorriso seco para as filhas e continuou a não se voltar para enfrentar a criatura
atrás dela. Aparentemente, o cálculo de Malice acerca do favor de Lolth estava correcto.
— Daermon N’a’shezbaernon agradou a Lolth — disse a aia. — Os machos da tua casa ganhara
o dia, até acima das fêmeas que com eles viajaram. Tenho de aceitar a convocação de Malice
Do’Urden.
Os tentáculos deslizaram para longe dos ombros de Malice e a yochlol ficou rigidamente atrá
dela, à espera de ordens.
— Fico feliz por agradar à Rainha Aranha — começou Malice. Procurou a maneira mais adequad
de fazer a sua pergunta. — Convoquei-te, como disse, para obter a resposta a uma única e simples
pergunta.
— Pergunta então — incentivou a yochlol, com um tom de troça que disse a Malice e às filhas que
o monstro já sabia que pergunta seria.
— A minha casa está ameaçada, segundo os rumores que correm — disse Malice.
— Rumores? — a yochlol riu com um som malévolo, gutural.
— Confio nas minhas fontes — respondeu Malice, na defensiva. — Não te teria chamado se nã
acreditasse nessa ameaça.
— Continua — disse a Yochlol, divertida com tudo aquilo. — São mais do que rumores, Matrona
Malice Do’Urden. Outra casa tem planos de guerra contra ti.
O imaturo soluço de Maya fez recair olhares desdenhosos das irmãs e da mãe sobre ela.
— Diz-me que casa é essa — pediu Malice. — Se Daermon N’a’Shezbaernon agrado
verdadeiramente à Rainha Aranha neste dia, então peço a Lolth que revele quem são os nosso
inimigos, para que possamos destruí-los!
— E se essa outra casa também tiver agradado à Rainha Aranha? — divertiu-se a aia a perguntar.
— Pensas que Lolth a trairia, revelando-ta?
— Os nossos inimigos têm todas as vantagens — protestou Malice. — Conhecem a Cas
Do’Urden, e sem dúvida que nos observam todos os dias enquanto fazem os seus planos. Apena
pedimos a Lolth que nos dê o mesmo conhecimento que os nossos inimigos têm. Revela-nos quem são
e deixa-nos demonstrar que casa é mais merecedora da vitória.
— E se os teus inimigos forem mais fortes do que tu? — perguntou a aia. — Pediria a Matron
Malice Do’Urden de novo a intervenção de Lolth para salvar a sua desgraçada casa?
— Não! — gritou Malice. — Invocaríamos os poderes que Lolth nos deu para lutar contra o
nossos inimigos. Mesmo que os nossos inimigos sejam mais fortes, que Lolth tenha a certeza que
sofrerão grandes perdas se atacarem a Casa Do’Urden!
Mais uma vez a aia se recolheu, encontrando a ligação ao seu plano, um lugar mais escuro do que
Menzoberranzan. Malice agarrava firmemente a mão de Briza, à sua direita, e a de Vierna,

esquerda. Estas, por sua vez, passavam a confirmação da sua ligação a Maya, que encerrava o
círculo.
— A Rainha Aranha está agradada, Matrona Malice Do’Urden — disse por fim a aia. — Pode
confiar em que ela favorecerá a Casa Do’Urden mais do que os seus inimigos quando soar o clamo
da batalha… Talvez.
Malice estremeceu perante a ambiguidade dessa palavra final, aceitando de mau grado que Lolt
nunca fazia promessas, em momento algum.
— Então e a minha pergunta? — atreveu-se Malice a protestar. — A razão para te ter convocado?
Surgiu um relâmpago forte que roubou a visão às quatro sacerdotisas. Quando recuperaram
visão, viram a yochlol, de novo minúscula e a brilhar por entre as chamas da taça de ónix.
— A Rainha Aranha não dá uma resposta que já é conhecida! — proclamou a aia, com o puro
poder da sua voz do outro mundo a rasgar os ouvidos das drow.
O fogo irrompeu num novo relâmpago cegante e a yochlol desapareceu, deixando a preciosa taça
estilhaçada em dúzias de pedaços.
A Matrona Malice pegou num pedaço da taça quebrada e atirou-o contra a parede.
— Já conhecida? — gritou, enraivecida. — Conhecida por quem? Quem na minha família m
esconde esse segredo?
— Talvez aquela que o sabe não saiba que sabe — propôs Briza, tentando acalmar a mãe. — Ou
talvez essa informação tenha acabado de ser obtida e ela ainda não possa transmiti-la……
— Ela? — rugiu Malice. — De que «ela» estás tu a falar, Briza? Estamos todas aqui. Alguma da
minhas filhas é suficientemente estúpida para não perceber uma tão óbvia ameaça à nossa família?
— Não, Matrona! — gritaram em uníssono Maya e Vierna, aterradas com a ira crescente d
Malice, que começava a ameaçar ficar fora de controlo.
— Nunca vi nenhum sinal disso! — disse Vierna.
— Nem eu! — acrescentou Maya. — Tenho estado ao teu lado todas estas semanas, e nada mais vi
do que tu!
— Estás a querer dizer que me terá escapado alguma coisa? — rosnou Malice, com os punho
fechados.
— Não, Matrona! — gritou Briza por cima de todo o alarido, suficientemente alto para fazer para
a mãe por um momento e para desviar a atenção para a filha mais velha.
— Não será «ela», então — argumentou Briza. — «Ele». Um dos teus filhos pode ter a resposta
ou talvez Zaknafein, ou Rizzen.
— Sim, — concordou Vierna. — São apenas machos, demasiado estúpidos para compreender
importância de pequenos pormenores.
— Drizzt e Dinin têm estado fora de casa — acrescentou Briza. — Fora da cidade. No grupo d
patrulha deles há filhos de todas as casas poderosas, de todas as casas que se poderiam atrever a
ameaçar-nos!
O fogo nos olhos de Malice ainda brilhava, mas descontraiu-se com esta ideia.
— Tragam-mos assim que regressarem a Menzoberranzan — instruiu a Maya e Vierna. — E tu
disse depois para Briza — traz-me Rizzen e Zaknafein. Toda a família tem de estar presente, par

que—possamos saber
Os primos tudo o que
e soldados pudermos
também? saber! Briza. — Talvez alguém de fora da família mais
— perguntou
próxima tenha a resposta.
— Deveremos trazê-los todos, também? — ofereceu-se Vierna, com a voz esganiçada pela
excitação do momento. — Uma reunião de todo o clã, um conselho de guerra da Casa Do’Urden?
— Não — respondeu Malice. — Nem soldados, nem primos. Não acredito que esteja
envolvidos nisso; a aia ter-me-ia dito a resposta se ninguém da minha família directa a soubesse. É
minha a vergonha de fazer uma pergunta cuja resposta já deveria conhecer, cuja resposta alguém
dentro do círculo da minha família conhece — rangeu os dentes enquanto deixou prosseguir o
pensamento: — Não gosto de ser envergonhada!
Drizzt e Dinin chegaram a casa pouco depois, exaustos e satisfeitos por a aventura ter terminado. Ma
tinham passado o portão e entrado no corredor que levava aos seus quartos quando deram de caras
com Zaknafein, que vinha no sentido inverso.
— Então, o herói regressa — notou Zak, olhando directamente para Drizzt. Drizzt não deixou d
perceber o sarcasmo na voz dele.
— Cumprimos a nossa missão com sucesso — respondeu Dinin, mais do que um pouco perturbado
por ter sido excluído da saudação de Zak. — Liderei…
— Sei da batalha — garantiu-lhe Zak. — Tem sido contada vezes sem conta por toda a cidade. E
agora deixa-nos, Rapaz Mais Velho. Tenho uns assuntos pendentes com o teu irmão.
— Saio quando decido sair! — rosnou Dinin.
Zak olhou-o intensamente.
— Quero falar com Drizzt, e apenas com Drizzt. Por isso, vai-te.
A mão de Dinin dirigiu-se ao punho da espada, o que não era um gesto muito inteligente. Antes
mesmo que a arma deslizasse um centímetro para fora da bainha, Zak já lhe tinha assestado duas
bofetadas com uma mão. A outra mão tinha entretanto puxado de um punhal cuja ponta ficou
imediatamente encostada à garganta de Dinin.
Drizzt observou tudo isto espantado, certo de que Zak mataria Dinin se a coisa prosseguisse.
— Sai — disse Zak de novo. — Ou pagas com a vida.
Dinin ergueu as mãos no ar e recuou lentamente.
— A Matrona Malice saberá disto! — avisou.
— Eu próprio lhe direi — riu-se Zak. — Pensas que ela se incomodará por tua causa, tolo? N
que lhe diz respeito, a Matrona Malice considera que são os machos da família a determinar a su
própria hierarquia. Vai-te, Rapaz Mais Velho. E regressa apenas quando tiveres encontrado corage
para me desafiar.
— Vem comigo, irmão — disse Dinin a Drizzt.
— Temos assuntos a tratar — relembrou-lhe Zak.
Drizzt olhou para ambos, à vez, espantado pela vontade declarada de ambos de se matarem um ao
outro.
— Ficarei — decidiu. — Tenho, de facto, uns assuntos pendentes com o mestre de armas.
— Como queiras, herói — rosnou Dinin. Depois, girou sobre os calcanhares e desapareceu dali.
— Fizeste um inimigo — disse Drizzt a Zak.
— Já fiz muitos — riu-se Zak. — E farei muitos mais antes de terminar os meus dias! Ma
deixemos isso. As tuas acções inspiraram inveja no teu irmão. Tu é que deverias preocupar-te.
— Mas ele odeia-te claramente — argumentou Drizzt.
— Mas nada ganharia com a minha morte — respondeu Zak. — Não sou uma ameaça para Dinin
Já tu…
Deixou a palavra no ar.
— Porque haveria eu de o ameaçar? — protestou Drizzt. — Dinin nada tem que eu deseje.
— Tem poder — explicou Zak. — É agora o Rapaz Mais Velho, mas nem sempre foi.
— Matou Nalfein, o irmão que nunca conheci.
— Sabes disso? — perguntou Zak. — Talvez Dinin suspeite de que outro Segundo Rapaz siga
mesmo caminho que ele próprio tomou para se tornar o Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden.
— Basta — resmungou Drizzt, cansado de todo aquele estúpido sistema de ascensão. «Com
sabes tu isso tão bem, Zaknafein», pensou. «Quantos terás morto para chegar à tua posição?»
— Um Elementar de terra… — disse Zak, assobiando baixinho juntamente com as palavras.
Poderoso adversário, esse que derrotaste hoje — fez uma longa vénia, mostrando a Drizzt uma troç
evidente. — Que se seguirá para o jovem herói? Um demónio, se calhar? Um semi-deus? Decert
não haverá nada que…
— Nunca ouvi tanta palavra disparatada sair da tua boca — retorquiu Drizzt. Agora era a altur
para algum do seu próprio sarcasmo. — Será porque inspirei inveja em mais alguém para além do
meu irmão?
— Inveja? — exclamou Zak. — Vai limpar esse nariz, miúdo ranhoso! Uma dúzia de Elementare
de terra já caíram sob a minha espada! E demónios também! Não sobrestimes os teus feitos, nem a
tuas capacidades. És um guerreiro no meio de uma raça de guerreiros. Esquecer isso decerto te
acabará por ser fatal — terminou a frase com uma ênfase clara, quase num desafio, e Drizzt começou
a avaliar de novo até que ponto a sessão de «treino» marcada iria ser real.
— Conheço as minhas capacidades — respondeu Drizzt. — E as minhas limitações. Aprendi
sobreviver.
— Tal como eu — respondeu Zak. — Por muitos séculos!
— A sala de treino espera-nos — disse Drizzt calmamente.
— A tua mãe espera-nos — corrigiu Zak. — Convocou-nos a todos para a capela. Mas não
receies. Teremos tempo para o nosso encontro.
Drizzt passou por Zak sem mais uma palavra, suspeitando de que as suas espadas e as de Za
acabariam esta conversa por eles. Que era feito de Zaknafein, interrogava-se Drizzt. Seria este
mesmo professor que o tinha treinado todos aqueles anos antes da Academia? Drizzt não conseguia
pôr os sentimentos em ordem. Estaria a ver Zak de forma diferente devido às coisas que viera a saber
sobre as façanhas dele, ou haveria algo de verdadeiramente diferente, algo mais duro, nos modos do
mestre de armas, desde que Drizzt regressara da Academia?
O som de um chicote chamou Drizzt de regresso das suas cogitações.

Sou onão
— Isso teutem
patrono! — ouviu
qualquer Rizzen a —
consequência! dizer.
replicou uma voz feminina; a voz de Briza.
Drizzt deslizou até à esquina do cruzamento de corredores seguinte e espreitou. Briza e Rizze
enfrentavam-se, com Rizzen desarmado, mas Briza a segurar o seu chicote de cabeças de serpente.
— Patrono! — ria-se Briza. — Título sem significado… És apenas um macho que empresta a tu
semente à matrona, e não tens mais importância do que isso.
— Quatro vezes gerei — disse Rizzen, indignado.
— Três — corrigiu Briza, fazendo estalar o chicote para sublinhar esse ponto. — Vierna é filha de
Zaknafein, não tua! Nalfein está morto, e já só sobram dois. Desses, um é uma fêmea e está acima d
ti. Só Dinin está verdadeiramente abaixo da tua posição!
Drizzt encolheu-se para trás, contra a parede e olhou para o corredor que acabara de percorrer.
Sempre suspeitara de que Rizzen não era seu pai verdadeiro. O macho nunca lhe prestara qualque
atenção, nunca o admoestara nem o elogiara, nem lhe dera qualquer conselho ou treino. Ouvir Briza
dizê-lo, porém… E Rizzen a não negar!
Rizzen remexeu-se enquanto procurava alguma resposta para as palavras ofensivas de Briza.
— A Matrona Malice sabe dos teus desejos? — rosnou. — Sabe que a filha mais velha procur
roubar-lhe o título?
— Todas as filhas mais velhas procuram o título de matrona mãe — riu-se Briza na cara dele. —
A Matrona Malice seria uma tonta se não suspeitasse disso. E garanto-te que não o é. Retirar-lhe-ei
título quando estiver demasiado enfraquecida pela idade. Ela sabe disso e aceita o facto.
— Admites que a matarás?
— Se não for eu, será Vierna. E se não for Vierna, será Maya. São os nossos costumes, estúpid
macho. É a palavra de Lolth.
A raiva ardia dentro de Drizzt enquanto ouvia estas malévolas afirmações, mas manteve-se e
silêncio no corredor.
— Briza não esperará pela idade para roubar o poder à mãe — troçou Rizzen. — Não, se u
punhal puder apressar a transferência. Briza está desejosa do trono da casa!
As palavras seguintes de Rizzen saíram como um grito indecifrável, enquanto o chicote de sei
cabeças de serpente começava a bater-lhe, uma e outra vez.
Drizzt queria intervir, entrar de rompante e abatê-los a ambos, mas, evidentemente, não o poderia
fazer. Briza agia agora como lhe tinha sido ensinado, seguindo as palavras da Rainha Aranha, para
garantir o seu domínio sobre Rizzen. Mas não o mataria — Drizzt sabia disso.
Mas… e se Briza se deixasse entusiasmar no meio da excitação? E se realmente o matasse? N
vazio que começava agora a crescer-lhe no lugar do coração, Drizzt interrogou-se se isso realmente
lhe importaria.
— Deixaste-o escapar! — rugiu a Matrona SiNafay para o filho. — Aprenderás a não me desiludir!
— Não, minha matrona! — protestou Masoj. — Acertei-lhe em cheio com um raio de luz. Ne
sequer suspeitou de que o raio era dirigido a ele! Só não pude terminar o acto porque o monstro me
prendeu no portal para o seu próprio plano!
SiNafay mordeu o lábio, forçada a aceitar o argumento do filho. Sabia que tinha dado a Masoj um
missão difícil. Drizzt era um adversário poderoso, e matá-lo sem deixar um rasto evidente não seria
fácil.
— Hei-de apanhá-lo! — prometeu Masoj, com a determinação espelhada no rosto. — Tenho a
arma pronta; Drizzt estará morto antes do décimo ciclo, como me mandaste!
— Porque hei-de dar-te outra oportunidade? — perguntou-lhe SiNafay. — Porque hei-de acredita
que te sairás melhor da próxima vez?
— Porque eu quero vê-lo morto! — gritou Masoj. — Mais até do que tu, minha matrona. Quer
arrancar a vida de Drizzt Do’Urden! Quando estiver morto, quero arrancar-lhe o coração e exibi-l
como um troféu!
SiNafay não podia negar a obsessão do filho.
— Concedo-te, então — disse. — Apanha-o, Masoj Hun’ett. Pela tua vida, desfere o primeir
golpe contra a Casa Do’Urden e mata o seu segundo rapaz.
Masoj fez uma vénia, com um esgar que não lhe saía do rosto, e deslizou dali para fora.
— Ouviste tudo — gesticulou SiNafay quando a porta se fechou atrás do filho. Sabia que Maso
era bem capaz de ter ficado à escuta atrás da porta, e não queria que ele soubesse desta conversa.
— Ouvi — respondeu Alton no código silencioso, saindo de detrás de uma cortina.
— Estás de acordo com a minha decisão? — perguntaram as mãos de SiNafay.
Alton estava confuso. Não tinha alternativa senão submeter-se às decisões da sua matrona mãe,
mas não pensava que SiNafay tivesse sido sensata em mandar Masoj de novo atrás de Drizzt.
silêncio de Alton prolongou-se.
— Não aprovas — admitiu secamente a Matrona SiNafay.
— Por favor, Matrona Mãe — respondeu rapidamente Alton. — Não me atreveria…
— Estás perdoado — garantiu-lhe SiNafay. — Eu própria não estou muito certa de que devesse ter
dado a Masoj uma segunda oportunidade. Demasiadas coisas podem correr mal.
— Então, porquê? — atreveu-se Alton a perguntar. — A mim não me deste uma segunda
oportunidade, muito embora eu deseje ver Drizzt Do’Urden morto mais do que ninguém.
SiNafay lançou-lhe um olhar de troça, repondo-o no lugar.
— Duvidas do meu juízo?
— Não! — gritou Alton, em voz alta. Pôs uma mão sobre a boca e deixou-se cair de joelhos,
aterrorizado. — Nunca, minha matrona — gesticulou em silêncio. — Apenas não compreendo o
problema tão claramente como tu. Perdoa a minha ignorância.
O riso de SiNafay soou como o silvo de cem serpentes zangadas.
— Vemos este assunto da mesma maneira — assegurou a Alton. — Não daria a Masoj uma
segunda oportunidade, tal como não ta dei a ti.
— Mas… — começou Alton a protestar.
— Masoj irá atrás de Drizzt outra vez. Mas desta vez não irá sozinho — explicou SiNafay. — T
irás segui-lo, Alton DeVir. Mantém-no a salvo e termina o acto, ou pagarás com a vida.
Alton rejubilou com esta notícia de que iria poder finalmente saborear a vingança. A ameaça final
de SiNafay nem o preocupou.

— E poderia ser de outra forma? — perguntaram as suas mãos descontraidamente.


— Pensa! — rugiu Malice, com o rosto muito próximo, e o hálito quente a inundar o rosto de Drizzt
— Sabes de alguma coisa!
Drizzt encolheu-se, afastando-se da figura ameaçadora e olhou em volta nervosamente, para a
família reunida. Dinin, que tinha sido igualmente espremido pouco antes, estava de joelhos, com o
queixo apoiado nas mãos. Tentava em vão encontrar alguma resposta antes que a Matrona Malice se
decidisse a aumentar o nível das suas técnicas de interrogatório. Dinin não deixara de ver os
movimentos das mãos de Briza em direcção ao chicote de cabeças de serpente, e essa visão
enervante pouco fizera para lhe avivar a memória.
Malice deu uma estalada a Drizzt com força, e afastou-se.
— Um de vós ficou a saber a identidade dos nossos inimigos — gritou para os dois filhos. — L
fora, em patrulha, um de vocês viu uma pista, um sinal qualquer!
— Talvez tenhamos visto, mas sem sabermos o que era — propôs Dinin.
— Silêncio! — gritou Malice, com o rosto a brilhar de raiva. — Quando souberes a resposta
minha pergunta, poderás falar! Mas só então! — Voltou-se para Briza: — Ajuda Dinin a recuperar a
memória!
Dinin deixou cair a cabeça no meio dos braços, enrolou-se no chão à sua frente e ofereceu as
costas para aceitar a tortura. Fazer outra coisa só serviria para aumentar a ira de Malice.
Drizzt fechou os olhos e reviu os acontecimentos das suas muitas patrulhas. Remexeu-se
involuntariamente quando ouviu o estalar do chicote e o gemido do irmão.
— Masoj — murmurou Drizzt, quase inconscientemente. Levantou os olhos para a mãe, que ergue
uma mão para fazer parar Briza, para desgosto desta. — Masoj Hun’ett — disse Drizzt mai
claramente. — Durante o combate contra os gnomos, tentou matar-me.
Toda a família, e especialmente Malice e Dinin, se chegou para mais perto, ansiosa por ouvir cada
palavra de Drizzt.
— Quando lutei contra o Elementar… — explicou Drizzt, cuspindo a última palavra como u
insulto para Zaknafein. Depois, lançou um olhar irado para o mestre de armas e prosseguiu: — Masoj
Hun’ett deitou-me abaixo com um raio de luz.
— Podia estar a tentar acertar no monstro — insistiu Vierna. — Masoj insistiu sempre que tinh
sido ele a matar o Elementar, embora a alta sacerdotisa da patrulha tenha negado a pretensão dele.
— Masoj esperou — respondeu Drizzt. — Nada fez até eu começar a ter vantagem sobre
monstro. Depois largou a sua magia, tanto contra mim, como contra o Elementar. Penso que esperav
conseguir destruir-nos aos dois.
— Casa Hun’ett — murmurou a Matrona Malice.
— Quinta Casa — notou Briza. — Sob a Matrona SiNafay.
— Então é esse o nosso inimigo — disse Malice.
— Talvez não — disse Dinin, interrogando-se assim que disse estas palavras porque não tinha
deixado o assunto por ali. Tentar contrariar esta teoria só convidava a mais chicotadas.
A Matrona Malice não gostou da hesitação de Dinin, enquanto este reconsiderava o seu argumento.
— Explica-te! — exigiu.
— Maosj Hun’ett ficou zangado por ser excluído do raide à superfície — disse Dinin.
Deixámo-lo na cidade, apenas para testemunhar o nosso regresso triunfante — Dinin assestou o
olhos directamente no irmão. — Masoj sempre se mostrou invejoso de Drizzt e de todas as glória
que o meu irmão obteve, merecidas ou não. Muitos invejam Drizzt e gostariam de o ver morto.
Drizzt remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, sabendo que estas últimas palavras eram uma
ameaça clara. Olhou de relance para Zak e notou o sorriso trocista do mestre de armas.
— Tens a certeza do que dizes? — perguntou Malice a Drizzt, sacudindo-o dos seus pensamentos
privados.
— Há o gato — interrompeu Dinin. — O bicho de estimação mágico de Masoj Hun’ett, que n
entanto está sempre mais perto de Drizzt do que dele.
— Guenhwyvar patrulhou ao meu lado — protestou Drizzt —, na posição que tu mandaste assumir.
— Masoj não gosta que assim seja — retorquiu Dinin.
«Talvez seja por isso mesmo que puseste Guenhwyvar nessa posição», pensou Drizzt, mas
manteve isso para consigo. Estaria a ver conspirações onde apenas havia coincidências? Ou estari
este mundo tão cheio de intrigas retorcidas e de lutas silenciosas por poder?
— Tens a certeza das tuas palavras? — perguntou Malice mais uma vez a Drizzt, arrancando-o dos
seus pensamentos.
— Masoj Hun’ett tentou matar-me — afirmou. — Não sei as razões dele, mas não duvido d
intenção.
— É então a Casa Hun’ett — comentou Briza. — Um inimigo poderoso.
— Temos de saber mais sobre eles — disse Malice. — Mandem batedores! Quero saber quanto
soldados tem a Casa Hun’ett, quantos magos e, especialmente, quantas sacerdotisas!
— Se estivermos enganados… — disse Dinin. — Se não for a Casa Hun’ett a conspirar contr
nós…
— Não estamos enganados! — gritou-lhe Malice.
— A yochlol disse que um de nós conhece a identidade do nosso inimigo — argumentou Vierna.
— Tudo o que temos é a história de Drizzt com Masoj.
— A não ser que estejas a esconder alguma coisa — rosnou Malice para Dinin, numa ameaça tão
malévola e fria que fez desaparecer o sangue do rosto do Rapaz Mais Velho.
Dinin abanou a cabeça enfaticamente e chegou-se para trás, sem nada mais ter para acrescentar à
conversa.
— Preparem uma comunhão — disse Malice para Briza. — Temos de saber qual a posição d
Matrona SiNafay relativamente à Rainha Aranha.
Drizzt observou, incrédulo, enquanto os preparativos começavam a um ritmo frenético, com cada
ordem da Matrona Malice seguindo um rumo defensivo já bem treinado. Não era a precisão d
planeamento de batalha da sua família que surpreendia Drizzt; não esperava outra coisa daquele
grupo. Era o brilho sedento de sangue em todos os olhos.
— Insolente! — rugiu a yochlol. O fogo do braseiro espevitou e a criatura ficou atrás de Malice, de
novo colocando perigosos tentáculos sobre os seus ombros. — Como te atreves a convocar-me de
novo?
Malice e as filhas olharam em redor, à beira do pânico. Sabiam que a poderosa criatura não estava
a brincar com elas. A aia estava, desta vez, realmente irada com elas.
— A Casa Do’Urden agradou à Rainha Aranha, é verdade — respondeu a yochlol ao
pensamentos delas —, mas esse acto singular não dissipou o desagrado que a vossa família causou a
Lolth no passado recente. Não penses que tudo está perdoado, Matrona Malice Do’Urden!
Como se sentia agora pequena e vulnerável a Matrona Malice! O seu poder empalidecia diante d
ira de uma das servas pessoais de Lolth.
— Desagrado? — atreveu-se a murmurar. — como trouxe a minha família desagrado à Rainha
Aranha? Por que gesto?
O riso da aia irrompeu num faiscar de chamas e de aranhas a voar, mas as altas sacerdotisas
mantiveram-se imóveis. Aceitaram o calor e as coisas rastejantes como parte da sua penitência.
— Já te disse antes, Matrona Malice Do’Urden — troçou a yochlol com a sua boca caída. —
digo-te uma última vez: a Rainha Aranha não responde a perguntas cujas respostas já são conhecidas!
Numa explosão de energia que atirou as quatro fêmeas da Casa Do’Urden ao chão, a ai
desapareceu.
Briza foi a primeira a recompor-se. Afastou prudentemente o braseiro e abafou as brasas que ainda
restavam, fechando assim o portal para o Abismo, o plano da yochlol.
— Quem? — gritou Malice, de novo a poderosa matriarca. — Quem na minha família suscitou
ira de Lolth?
Malice parecia agora outra vez pequena, enquanto as implicações do aviso da yochlol se tornava
demasiado claras: a Casa Do’Urden estava prestes a entrar em guerra com uma família poderosa
Sem o favor de Lolth, a Casa Do’Urden provavelmente deixaria de existir.
— Temos de encontrar quem foi responsável por isto — instruiu Malice às filhas, certa de que
nenhuma delas estava envolvida.
Todas eram altas sacerdotisas; se alguma delas tivesse feito algo errado aos olhos da Rainha
Aranha, a yochlol convocada teria certamente exercido a punição imediatamente. Só por si, a ai
poderia
Briza ter arrasado
puxou a Casa
do chicote deDo’Urden.
cabeças de serpente.
— Hei-de obter a informação de que precisamos! — prometeu.
— Não! — deteve-a a Matrona Malice. — Não devemos revelar a nossa busca. Seja um soldad
ou um membro da Casa Do’Urden, o culpado estará treinado e endurecido contra a dor. Nã
podemos esperar que a tortura lhe arranque uma confissão; não quando ele sabe as consequências dos
seus actos. Temos de descobrir a causa do desagrado de Lolth imediatamente e de punir o
responsável. A Rainha Aranha tem de estar do nosso lado nas nossas lutas.
— Como vamos então descobrir o culpado? — queixou-se a filha mais velha, voltando a colocar o
chicote no cinturão, com relutância.
— Vierna e Maya, deixem-nos — instruiu a Matrona Malice. — Não digam nada acerca desta
revelações e não façam nada que sugira as nossas intenções.
As duas filhas mais novas fizeram uma vénia e saíram, nada satisfeitas com o seu papel
secundário, mas impotentes para fazer alguma coisa contra isso nesse momento.
— Primeiro, vamos ver — disse Malice para Briza. — Vamos ver se conseguimos saber quem é o
culpado observando à distância.
Briza compreendeu.
— A taça de vidência — disse. Correu da antecâmara para a capela. No altar central encontrou o
valioso objecto, uma grande taça dourada, cravejada de pérolas negras. Com as mãos a tremer, Briza
colocou a taça em cima do altar e procurou no mais sagrado dos compartimentos deste. Aquele era o
local onde se guardava uma apreciada jóia da família Do’Urden: um grande cálice de ónix.
Malice juntou-se então a Briza na capela e recebeu dela o cálice. Dirigindo-se à grande fonte qu
havia à entrada da grande sala, Malice mergulhou o cálice num fluido viscoso, que era a água
malfazeja da sua religião. Depois, cantou «Spiderae aught icor ven». Completado o ritual, Malice
regressou ao altar e despejou a água na taça dourada.
Ela e Briza sentaram-se para observar.
Drizzt pôs um pé na sala de treino de Zak pela primeira vez em mais de uma década, e sentiu-se
como se estivesse a regressar a casa. Tinha passado ali os melhores anos da sua jovem vida — quase

sempre ali. aApesar


continuaria de todas
experimentar as desilusões
ao longo da vida —que encontrara
Drizzt desde então
nunca esqueceria — faísca
a breve e que desem dúvida
inocência,
aquela alegria que conhecera quando era apenas um estudante na sala de treino de Zaknafein.
Zaknafein entrou e dirigiu-se ao seu antigo aluno. Drizzt nada viu de familiar ou reconfortante no
rosto do mestre de armas. Um sorriso de desprezo tomara agora sempre o lugar do antigo sorriso
franco. Era uma pose irada de quem odiava tudo à sua volta, e talvez Drizzt acima de tudo. Ou seri
que Zak sempre tivera aquele sorriso? Drizzt tinha de se interrogar. Teria a nostalgia embelezado as
suas recordações desses anos de treino? Seria o seu mentor, que tantas vezes lhe tinha reconfortado o
coração com uma gargalhada bem-disposta, na verdade o frio monstro que agora via à sua frente?
— O que mudou, Zaknafein? — perguntou Drizzt. — Tu, as minhas memórias ou as minha
percepções?
Zak pareceu nem ouvir a pergunta murmurada.
— Ah, o jovem herói regressou — disse. — O guerreiro das façanhas superiores à sua idade.
— Porque troças de mim? — protestou Drizzt.
— Aquele que matou horrores de garras — continuou Zak. Agora, tinhas as espadas nas mãos, e
Drizzt respondeu puxando das suas cimitarras. Não havia necessidade de perguntar quais as regra
daquele confronto, ou a escolha das armas.
Drizzt sabia, já sabia muito antes de ali ter chegado, que desta vez não haveria regras. Que a
armas seriam as suas armas de eleição, as lâminas que ambos tinham usado para matar tantos
inimigos.
— Aquele que matou um Elementar de terra — troçou Zak. Lançou um ataque cauteloso, u
simples golpe com uma espada. Drizzt desviou-a sem sequer pensar.
Fogos súbitos iluminaram os olhos de Zak, como se esse primeiro contacto tivesse apagado todo
os elos emocionais que até aí tinham refreado o seu ataque.
— Aquele que matou a criança dos elfos da superfície — gritou, como uma acusação, e não como
um elogio. Então surgiu o segundo ataque, maléfico e poderoso, um arco descendente sobre a cabeça
de Drizzt. — Que a matou para apaziguar a sua sede de sangue!
As palavras de Zak deixaram Drizzt emocionalmente abalado, baixando a guarda, envolvendo
seu coração em confusão como uma espécie de chicote mental perverso. Drizzt era, porém, u
guerreiro calejado, e os seus reflexos não registaram a distracção emocional. Uma cimitarra subiu
para aparar o golpe descendente da espada e para a desviar inofensivamente para o lado.
— Assassino! — acusou Zak abertamente. — Tiveste prazer ao ouvir os gritos da criança?
Avançou para Drizzt num ataque furioso, com as espadas a rodopiar e a atacar por todos os
ângulos.
Drizzt, enraivecido pelas acusações hipócritas, respondeu com igual fúria, gritando por nenhuma
razão em especial a não ser a de ouvir a raiva na sua própria voz.
Quem estivesse a observar aquele combate não teria fôlego durante os movimentos que se
seguiram. Nunca o Subescuro vira um combate tão feroz como este agora que dois mestres da espad
encenavam, cada um perseguindo o demónio que possuía o outro — e a si próprio.
A adamantite faiscava, havia gotas de sangue a espirrar de ambos os contendores, embora nenhum
deles sentisse dor, e nenhum soubesse que tinha ferido o outro.
Drizzt avançou com um ataque de lado com as duas lâminas, obrigando as espadas de Zak
afastar-se. Zak seguiu o movimento rapidamente, fez um círculo e ripostou contra as cimitarras de
Drizzt com força suficiente para fazer o jovem guerreiro desequilibrar-se. Drizzt deixou-se cair,
rebolou e voltou a erguer-se para enfrentar o adversário que carregava sobre ele.
Um pensamento tomou conta de Drizzt.
Ergueu-se, ergueu-se bem alto, e Zak fê-lo recuar. Drizzt sabia o que viria a seguir; provocou-o
abertamente. Zak manteve as armas de Drizzt ao alto por meio de diversas manobras combinadas.
Depois, avançou com o movimento que derrotara Drizzt no passado, pensando que o melhor que
Drizzt conseguiria seria ficar em igualdade, com a defesa em cruz baixa.
Drizzt executou a adequada defesa de cruz em baixa, como tinha de fazer, e Zak ficou expectante, à
espera de que o seu feroz oponente tentasse melhorar o movimento.
— Assassino de crianças! — rugiu, avançando para Drizzt.
Não sabia que Drizzt já encontrara a solução para aquele ataque.
Com toda a raiva que já conhecera, com todas as desilusões da sua jovem vida a acumular-se,
Drizzt apontou um pé a Zak. Aquele rosto trocista, de sorrisos fingidos e sedento de sangue.
Drizzt deu um pontapé mesmo entre os olhos de Zak, expelindo nesse movimento toda a raiva nu
único golpe.
O nariz de Zak ficou esmagado. Os olhos rebolaram para cima e explodiu-lhe sangue no rosto. Za
soube que estava a cair, que o demoníaco jovem guerreiro cairia sobre ele num relâmpago,
conquistando uma vantagem a que não se conseguiria opor.
— Então e tu, Zaknafein Do’Urden? — ouviu Drizzt a troçar, à distância, como se estivesse a cai
para longe. — Ouvi contar as tuas façanhas como mestre de armas da Casa Do’Urden! Com
Zaknafein gosta de matar!
A voz estava agora mais perto, enquanto Drizzt o cercava, e enquanto a fúria de Zak o chamava de
regresso à batalha.
— Ouvi contar sobre como o assassinato surge tão facilmente a Zaknafein! — acusava Drizzt co
desprezo. — O assassinato de sacerdotisas, de outros drow! Gostas assim tanto disso tudo?
Terminou a pergunta com um golpe de cada cimitarra, em ataques destinados a matar Zak, a matar
o demónio que existia em ambos.
Mas Zaknafein estava agora de novo plenamente consciente, odiando-se tanto a si mesmo como
Drizzt. No último momento, as suas espadas subiram e cruzaram-se, rápidas como um relâmpago,
fazendo os braços de Drizzt abrir-se amplamente. Depois, Zak terminou o movimento com u
pontapé, não tão forte devido à posição agachada em que estava, mas certeiro na direcção das
virilhas de Drizzt.
Drizzt ficou sem fôlego e cambaleou para trás, forçando-se a retomar a compostura quando viu
Zaknafein, ainda estonteado, a tentar pôr-se de pé.
— Gostas assim tanto disso tudo? — conseguiu perguntar outra vez.
— Gostar? — ecoou o mestre de armas.
— Dá-te algum prazer? — perguntou Drizzt com uma careta.
— Satisfação! — corrigiu Zak. — Mato! Sim, mato!
— Ensinas outros a matar!
— A matar drow! — rugiu Zak, e estava de novo perto da cara de Drizzt, com as armas ao alto,
mas à espera do próximo movimento dele.
As palavras de Zak deixaram Drizzt de novo numa nuvem de confusão. Quem era este drow qu
tinha à sua frente?
— Pensas que a tua mãe me deixaria viver se eu não servisse os seus maléficos intentos? — gritou
Zak.
Drizzt não compreendia.
— Odeia-me — disse Zak, mais controlado à medida que começava a perceber a confusão de
Drizzt. — Despreza-me por aquilo que sei.

Drizzt
— inclinou
Serás assim atão
cabeça
cegopara
paraum lado. que te rodeia? — gritou-lhe Zak na cara. — Ou já t
a maldade
consumiu, como consome todos eles, neste frenesim assassino a que chamamos vida?
— Esse frenesim que te agarrou a ti também! — retorquiu Drizzt, mas agora havia já pouc
convicção na sua voz. Se estava a compreender as palavras de Zak correctamente, se Zak apena
entrava no jogo assassino por causa do seu ódio pelos perversos drow, o máximo de que poderia
acusá-lo seria de cobardia.
— Não me prende nenhum frenesim — respondeu Zak. — Vivo o melhor que posso. Sobreviv
num mundo que não é meu, não é do meu coração — o lamento naquelas palavras, o descair da
cabeça enquanto admitia a sua impotência, pareceu familiar a Drizzt. — Mato… Mato os drow, par
servir a Matrona Malice. Para aplacar a raiva, a frustração que conheço na minha alma. Quando ouç
as crianças a gritar… — o olhar intenso de Zak pousou de novo em Drizzt, e de repente atacou co
uma fúria redobrada.
Drizzt tentou erguer as cimitarras, mas Zak fez uma delas saltar-lhe da mão e voar pela sala.
Correu acompanhando Drizzt enquanto este recuava, e deixou-o encostado a uma parede. A ponta da
espada de Zak fez surgir uma gota de sangue no pescoço de Drizzt.
— A criança está viva! — disse Drizzt quase sem fôlego. — Juro, não matei a criança elfo!
Zak descontraiu um pouco, mas continuou a segurar Drizzt firmemente, com a espada junto
garganta.
— Mas Dinin disse…
— Dinin foi enganado — respondeu Drizzt. — Enganado por mim. Fiz a criança deitar-se, para
poupar, e cobri-a com o sangue da mãe morta, para esconder a minha própria cobardia!
Zak deu um salto para trás, espantado.
— Não matei nenhum elfo, nesse dia — disse Drizzt. — E os únicos que desejei matar foram o
meus companheiros!
— Agora sabemos, então! — disse Briza, olhando fixamente para a taça, vendo a conclusão da
batalha entre Drizzt e Zaknafein e ouvindo cada palavra que diziam. — Foi Drizzt quem desagradou
Rainha Aranha.

— Suspeitaste
tivéssemos dele desde
esperanças sempre, tal como eu — respondeu a Matrona Malice —, embora amba
opostas.
— Prometia tanto! — lamentou Briza. — Como eu gostava que aquele tivesse aprendido o se
lugar, os seus valores. Talvez…
— Piedade? — replicou a Matrona Malice. — Mostras piedade, que ainda enfureceria mais
Rainha Aranha?
— Não, Matrona — respondeu Briza. — Apenas tive esperança de que Drizzt pudesse vir a se
usado no futuro, como tu usaste Zaknafein durante todos estes anos. Zaknafein está a ficar velho.
— Estamos prestes a ter uma guerra, minha filha — lembrou-lhe Malice. — Lolth tem de se
apaziguada. O teu irmão fez cair este destino sobre ele próprio; os gestos dele foram decisão sua.
— E decidiu erradamente.

As palavras atingiram Zaknafein com mais força do que a bota de Drizzt o fizera antes. O mestre d
armas atirou as espadas para o outro lado da sala e correu para Drizzt. Enterrou-o num abraço tão
intenso que o jovem drow precisou de um longo momento para perceber o que se estava a passar.
— Sobreviveste! — disse Zak, com a voz embargada pelas lágrimas. — Sobreviveste
Academia, onde todos os outros morreram! — Drizzt devolveu o abraço, hesitante, ainda se
perceber bem a profundidade da alegria de Zak. — Meu filho!
Drizzt quase desmaiou, esmagado pela admissão daquilo que sempre suspeitara, e mais ainda pelo
conhecimento de que não era o único naquele mundo escuro zangado com os usos dos drow. Não
estava só.
— Porquê? — perguntou Drizzt, afastando um pouco Zak. — Porque ficaste?
Zak olhou para ele com incredulidade.
— Para onde haveria eu de ir? Ninguém, nem mesmo um mestre de armas drow, sobreviveria por
muito tempo nas cavernas do Subescuro. Demasiados monstros, e outras raças, têm sede do sangue
doce dos elfos negros.
— Mas certamente terias outras opções.
— A superfície? — respondeu Zak. — Para enfrentar aquele doloroso inferno todos os dias? Não,
meu filho. Estou preso, tal como tu estás preso aqui.
Drizzt já temia essa afirmação. Já receara não encontrar nenhuma solução da parte do seu pai
recém-encontrado para o dilema que era a sua vida. Talvez não houvesse respostas.
— Dar-te-ás bem em Menzoberranzan — disse Zak, para o reconfortar. — És forte e a Matron
Malice encontrará um local adequado para os teus talentos, seja o que for que o teu coração deseje.
— Para viver uma vida de assassinatos, como tu viveste? — perguntou Drizzt, tentando futilmente
manter a raiva fora das suas palavras.
— Que escolhas temos diante de nós? — perguntou Zak, com os olhos em busca da pedra do chão.
— Não matarei drow — declarou Drizzt simplesmente.
Os olhos de Zak voltaram a fixar-se nele.
— Matarás — garantiu ao filho. — Em Menzoberranzan, ou matas ou és morto.
Drizzt desviou o olhar, mas as palavras de Zak seguiram-no e não podiam ser apagadas.
— Não há outra forma — prosseguiu o mestre de armas calmamente. — O nosso mundo é assim.
nossa vida é assim. Conseguiste escapar-lhe até aqui, mas depressa descobrirás que a tua sorte
mudará — agarrou o queixo de Drizzt com firmeza e forçou o filho a olhá-lo directamente.
— Quem me dera que fosse de outra maneira — disse Zak honestamente —, mas nem sequer é um
vida assim tão má. Não me arrependo de ter morto elfos negros. Vejo as mortes deles como uma
salvação desta existência malvada. Se têm tanta fé na sua Rainha Aranha, então que vão visitá-la!
O sorriso cada vez mais aberto de Zak desapareceu subitamente.
— Excepto no que toca às crianças — murmurou. — Muitas vezes ouvi os gritos de crianças
morrer, embora nunca, juro-te, tenha causado esses gritos. Sempre me interroguei se também elas
serão más, se já nascem más. Ou se é o peso do nosso mundo negro que as torce até que se
acostumem aos nossos negros costumes.

— Os costumes
Fizeram ambos da demoníaca
uma Lolth
pausa, cada um—sopesando
concordouasDrizzt.
realidades do seu próprio dilema. Zak foi que
falou a seguir, tendo-se havia muito conformado com a vida que lhe fora dada.
— Lolth… — riu-se. — Essa é uma rainha malévola. Sacrificaria tudo de boa vontade para pode
ficar cara a cara com ela!
— Quase acredito que serias capaz disso — murmurou Drizzt, encontrando um sorriso.
Zak afastou-se.
— Seria mesmo — e riu-se com gosto. — E tu também!
Drizzt atirou uma cimitarra ao ar, deixando-a rodopiar duas vezes antes de a agarrar e embainhar.
— É bem verdade! — gritou. — Mas já não estaria sozinho!
Drizzt vagueava sozinho pelo labirinto de Menzoberranzan, passando pelos aglomerados de
estalagmites, sob as pontas aguçadas das grandes lanças de pedra que pendiam do alto tecto da
caverna. A Matrona Malice tinha dado ordens claras a toda a família para permanecer dentro de
casa, receando uma tentativa de assassinato por parte da Casa Hun’ett. Demasiado acontecera já
Drizzt nesse dia para que fosse capaz de obedecer. Tinha de pensar, e ceder a esses pensamentos
blasfemos, mesmo em silêncio, numa casa cheia de sacerdotisas nervosas, poderia metê-lo em
sarilhos complicados.
Esta era a hora mais calma da cidade; a luz de Narbondel já era apenas uma pequena faixa na base
do pilar, e a maioria dos drow dormia confortavelmente dentro das suas casas de pedra. Pouco
depois de se ter escapulido pelo portão de adamantite da Casa Do’Urden, Drizzt começara
compreender a sabedoria da ordem de Malice. O sossego da cidade parecia-lhe agora o sussurro de
um predador pronto a atacar. Estava pronto a saltar sobre ele, vindo de trás, de cada uma das
esquinas que dobrava no seu percurso.
Não encontraria aqui abrigo onde pudesse verdadeiramente reflectir sobre os acontecimentos
desse dia, as revelações de Zaknafein, sua família em mais do que apenas sangue. Drizzt decidi
quebrar todas as regras — esse era o costume dos drow, afinal de contas — e sair da cidade, pelos
túneis que tão bem conhecia das suas semanas de patrulha.
Uma hora mais tarde, ainda estava a caminhar, perdido em pensamentos e sentindo-se
suficientemente seguro, pois estava bem dentro dos limites da região das patrulhas.
Entrou num corredor alto, com dez passos de largura e paredes irregulares, cheio de cascalho e
atravessado por muitas arcadas. Dava ideia de que aquela passagem teria sido em tempos muito mais
larga. O tecto perdia-se de vista, mas Drizzt já por ali atravessara bastantes vezes, muitas dela
passando pelas arcadas, e não pensou mais sobre o local.
Encarou o futuro, os tempos que ele e Zaknafein, seu pai, partilhariam, agora que não tinham mai
segredos a separá-los. Juntos, seriam imbatíveis, uma equipa de mestres de armas, ligados pelo metal
e pelas emoções. Compreenderia bem a Casa Hun’ett aquilo que ia enfrentar? O sorriso desaparece
da cara de Drizzt assim que considerou o que isso implicava: ele e Zak, juntos, a cortar a direito po
entre as fileiras da Casa Hun’ett com uma facilidade mortífera, dizimando fileiras de elfos drow. A
matar a sua própria gente.

paiDrizzt encostou-se
durante séculos. àNão
parede, compreendendo
queria agora emvivendo
ser como Zaknafein, primeiraapenas
mão a frustração
para matar,quenuma
consumira
esfera o
protectora de violência; mas que outras escolhas tinha à sua frente? Sair da cidade?
Zak recuara quando Drizzt lhe perguntara porque não tinha saído da cidade.
«Para onde iria?», murmurava agora Drizzt, fazendo eco das palavras de Zak. O pai afirmara qu
estavam ali presos, e assim parecia de facto a Drizzt.
— Para onde iria eu? — voltou a perguntar. — Viajar pelo Subescuro, onde a nossa gente é tão
odiada, e onde um único drow seria um alvo, por onde quer que passasse? Ou talvez para a
superfície, deixando que a bola de fogo queime os meus olhos para que não possa ver a minha
própria morte quando os elfos descerem sobre mim?
A lógica deste pensamento deixava Drizzt encurralado, tal como deixara Zak. Para onde poderia i
um elfo drow? Em parte alguma dos Reinos um elfo negro seria aceite.
Seria, pois, matar a única opção? Matar outros drow?
Drizzt deslizou pela parede, com o seu movimento físico um acto inconsciente, porque a sua mente
rodopiava pelo labirinto do futuro que o esperava. Demorou um momento a perceber que tinha as
costas contra alguma coisa que não era pedra.
Tentou saltar para a frente, agora alerta para o facto de tudo em seu redor não ser como devia.
Quando tentou avançar, os pés levantaram-se do chão e ficou de novo na posição srcinal.
Freneticamente, e antes de ter tempo para avaliar a situação complicada em que estava, Drizzt deito
ambas as mãos à nuca.
Também elas ficaram presas à corda translúcida que o sustinha. Então percebeu a sua insensatez, e
nem todos os puxões do mundo conseguiriam soltar-lhe as mãos da linha do pescador do Subescuro,
um caçador das cavernas.
— Louco! — troçou de si mesmo enquanto se sentia a ser puxado do chão.
Deveria ter suspeitado disto, deveria ter sido mais cuidadoso ao andar sozinho pelas cavernas.
Mas, ainda por cima, usara as mãos nuas! Olhou para baixo, para os punhos das cimitarras, agor
inúteis.
O pescador das cavernas puxava-o pela longa parede para as suas mandíbulas expectantes.

Masoj sorriu
começava prazenteiramente
a escassear e a Matronapara si próprio
SiNafay enquanto
não ficaria via seDrizzt
contente partir
falhasse da cidade.
de novo O tempd
na sua missão
destruir o Segundo Rapaz da Casa Do’Urden. Agora, a paciência de Masoj tinha aparentemente dad
frutos, porque Drizzt saíra sozinho, e saíra da cidade! Não haveria testemunhas. Parecia demasiad
fácil, até.
Ansiosamente, o mago tirou do bolso a estatueta e deixou-a cair no chão.
— Guenhwyvar! — chamou tão alto quanto se atreveu, olhando em volta para a casa de
estalagmites mais próxima, em busca de sinais de actividade.
O fumo negro surgiu e transformou-se pouco depois na pantera mágica de Masoj. Masoj esfrego
as mãos, considerando-se a si mesmo magnífico por ter concebido um fim tão perverso e irónico para
os heroísmos de Drizzt Do’Urden.
— Tenho um serviço para ti — disse ao felino. — Um serviço de que não gostarás!
Guenhwyvar deitou-se descontraidamente e bocejou, como se as palavras do mago não fosse
novidade nenhuma.
— O teu companheiro ponta de lança saiu em patrulha — explicou Masoj enquanto apontava par
o túnel. — Sozinho… É demasiado perigoso.
Guenhwyvar voltou a levantar-se, subitamente muito interessada.
— Drizzt não deveria andar por ali sozinho — prosseguiu Masoj. — Poderia ser morto…
As inflexões maldosas das palavras de Masoj disseram à pantera as suas verdadeiras intençõe
antes mesmo de ele as declarar.
— Vai ter com ele, meu bichinho de estimação — ronronou Masoj. — Encontra-o lá fora na
escuridão e mata-o!
Estudou a reacção de Guenhwyvar, avaliando o horror que entregara ao felino. Guenhwyvar fico
rígida, tão imóvel como a estatueta que a convocara.
— Vai! — mandou Masoj. — Não podes resistir às ordens do teu senhor! Sou o teu amo, se
animal irracional! Pareces esquecer isso demasiado vezes!
Guenhwyvar resistiu por um longo momento, o que era, em si mesmo, um gesto heróico, mas as
exortações do mago, o incessante poder das ordens do seu amo, sobrepuseram-se a quaisquer
sentimentos instintivos que a pantera pudesse ter.
Com uma relutância inicial, mas depois levada pelos desejos primordiais da caçada, Guenhwyva
saiu a correr por entre as estátuas encantadas que guardavam o túnel, e facilmente detectou o odor de
Drizzt.
Alton DeVir recostou-se atrás da maior estalagmite, desapontado com as tácticas de Masoj. Maso
deixaria que fosse o felino a fazer o trabalho por ele; Alton não poderia sequer testemunhar a morte
de Drizzt Do’Urden!
Passou os dedos pela poderosa varinha que a Matrona SiNafay lhe oferecera antes de sair atrás d
Masoj, nessa noite. Parecia que aquele objecto não iria desempenhar nenhum papel no destino de
Drizzt.
Alton consolou-se com o objecto, sabendo que teria muitas oportunidades para lhe dar o devido

uso, contra o que restasse da Casa Do’Urden.


Drizzt debateu-se durante a primeira metade da subida, pontapeando e sacudindo-se, tentando enfiar
os ombros debaixo de todas as fendas por onde passava, num esforço inútil por deter o puxar do
pescador das cavernas. Sabia desde o início, porém, e contra os instintos de guerreiro que se
recusavam a render-se, que não tinha qualquer hipótese de parar aquela subida incessante.
A meio caminho, com um ombro ensanguentado, o outro magoado, e com o chão a quase seis
metros abaixo dele, Drizzt resignou-se ao seu destino. Se conseguisse encontrar alguma hipótese
contra o monstro, semelhante a um caranguejo, que o esperava no fim da linha, seria no último
momento da subida. Por agora, a única coisa que podia fazer era esperar.
Talvez a morte não fosse uma alternativa assim tão má à vida que teria entre os drow, encurralado
na trama daquela sociedade negra. Até Zaknafein, tão forte e poderoso e com a sabedoria da idade,
nunca conseguira reconciliar-se com a sua vida em Menzoberranzan; que hipóteses teria Drizzt de o
conseguir?
Depois de ter deixado passar o seu pequeno momento de auto-comiseração, e quando o ângulo de
subida mudou, mostrando-lhe a beira do degrau final, o espírito de lutador que havia em Drizzt tomou
de novo o comando. O pescador das cavernas poderia vencê-lo, decidiu então, mas antes disso
haveria de levar com uma bota nos olhos!
Conseguia ouvir o barulho das oito pernas do monstro a bater no chão, ansiosamente. Drizzt j
tinha visto um pescador das cavernas, mas esse fugira antes que ele e a sua patrulha conseguissem
apanhá-lo. Imaginara-o nessa altura, tal como fazia agora, em combate. Duas das pernas terminava
em pinças terríveis que esmagavam as presas antes de as enviar para as mandíbulas.
Drizzt virou-se para ficar de frente para a parede, querendo ver aquela coisa assim que subisse até
ao degrau. O barulho das pernas a bater no chão tornou-se mais intenso, ecoando em uníssono com o
bater apressado do seu coração. Chegou ao degrau.
Espreitou para cima, apenas a uns trinta centímetros da longa probóscide do monstro, com a
mandíbula apenas uns centímetros mais atrás. As pinças estenderam-se para o agarrar antes que
pudesse pôr-se de pé; não teria hipótese de pontapear aquela coisa. Fechou os olhos, esperando mais
uma vez que a morte fosse preferível à vida em Menzoberranzan.
Um rugido familiar acordou-o dos seus pensamentos.
Deslizando pelo labirinto de arcadas, Guenhwyvar apareceu diante do pescador das cavernas e de
Drizzt, antes de este ter chegado ao fim do degrau. Este seria um momento de salvação ou de morte
para o felino, tão certamente como para Drizzt. Guenhwyvar viera até ali sob ordem directa de
Masoj, sem qualquer consideração pelo seu dever e agindo apenas de acordo com os seus instintos,
seguindo a magia que a compelia. Guenhwyvar não podia ir contra esse édito, essa premissa da sua
própria existência… até agora.
A cena diante da pantera, com Drizzt a apenas segundos da morte, deu a Guenhwyvar uma forç
que lhe era desconhecida, e que não fora prevista pelo criador da estatueta mágica. Esse instante de
terror deu a Guenhwyvar uma vida que ia para além dos limites da magia.
Quando Drizzt abriu os olhos, a batalha estava no auge. Guenhwyvar saltara para cima d
pescador das cavernas, mas quase lhe passara por cima, porque as seis pernas que restavam ao
monstro estavam presas à pedra pela mesma massa viscosa que mantinha Drizzt preso ao longo fio.
Destemido, o felino arranhava e mordia, numa bola de fúria à procura de uma abertura na carapaça
defensiva do pescador.
O monstro retaliava com as pinças, lançando-as por cima das costas com uma agilidade
surpreendente e conseguindo encontrar uma das pernas dianteiras de Guenhwyvar.
Drizzt já não estava a ser puxado; o monstro tinha outros assuntos a tratar.
As pinças cortavam a carne macia de Guenhwyvar, mas o sangue do felino não era o único fluido
escuro a manchar o fundo da caverna. Poderosas garras de felino rasgaram uma secção da carapaça,
e grandes dentes mergulharam por baixo dela. Enquanto o sangue do pescador das cavernas espirrava
para a pedra, as suas pernas começaram a escorregar.

Vendodoa massa
sangue viscosa
monstro se lhesobmisturava,
as pernas Drizzt
semelhantes a patas
percebeu de caranguejo
o que a dissolver-se
aconteceria enquanto
se um fio desse o
sangue
escorresse pelo filamento que o prendia, vindo na sua direcção. Teria de agir depressa, se chegasse
essa oportunidade; teria de estar pronto para ajudar Guenhwyvar.
O pescador tombou para um lado, fazendo Guenhwyvar rolar para longe e levando Drizzt
sacudir-se, embatendo na parede.
Mas o sangue continuava a escorrer pela linha, e Drizzt sentiu o filamento a perder capacidade
para o agarrar, enquanto o líquido entrava em contacto com ele.
Guenhwyvar estava de novo de pé, enfrentando o pescador, à procura de um ponto de ataque por
entre as pinças que o esperavam.
Drizzt ficou com uma mão livre. Puxou de uma cimitarra e carregou em frente, mergulhando
ponta da espada num flanco do monstro. O pescador saltou, com o estremeção e o fluxo contínuo de
sangue a libertar Drizzt completamente do filamento. O drow era suficientemente ágil para encontra
um ponto de apoio antes de cair para longe, mas a cimitarra caiu no chão da caverna.
A diversão de Drizzt levara o monstro a abrir as defesas por um momento, e Guenhwyvar não
hesitou. O felino carregou sobre o inimigo, com os dentes encontrando o mesmo pedaço de carne a
descoberto onde já antes se tinham cravado. Perfuraram mais fundo, por debaixo da pele, esmagando
órgãos, enquanto as garras mantinham as pinças afastadas.
Quando Drizzt subiu de novo até ao mesmo nível do combate, o pescador das cavernas estremeci
com o estertor da morte. Drizzt levantou-se e foi pôr-se ao lado do amigo.
Guenhwyvar recuou a cada passo de Drizzt, com as orelhas baixas e mostrando os dentes.
Inicialmente, Drizzt pensou que a dor de alguma ferida estivesse a cegar o felino, mas um exame
rápido pôs de parte essa ideia. Guenhwyvar só tinha um ferimento, e não era grave. Drizzt já a vir
com feridas piores.
Guenhwyvar continuava a recuar, e a rosnar, enquanto o incessante martelar da ordem de Masoj,
regressada após o instante de terror, lhe ecoava no coração. A pantera debatia-se contra a pressão,
tentava ver Drizzt como aliado, e não como presa, mas toda aquela pressão…
— Que se passa, minha amiga? — perguntou Drizzt suavemente, resistindo à tentação de puxa
pela cimitarra que lhe restava para se defender. Ajoelhou-se. — Não me reconheces? Tantas vezes
combatemos juntos!
Guenhwyvar baixou-se e flectiu as pernas traseiras, preparando-se, como Drizzt bem sabia, par
saltar. Mesmo assim, Drizzt não puxou da espada, e nada fez para ameaçar o felino. Tinha de confiar
em que Guenhwyvar seria fiel à ideia que tinha, de que a pantera era tudo aquilo em que sempre
acreditara. O que poderia estar agora a guiar aquelas reacções estranhas? O que levara Guenhwyva
a ir até ali, àquela hora tardia?
Drizzt encontrou as respostas quando recordou os avisos da Matrona Malice sobre as saídas d
Casa Do’Urden.
— Masoj enviou-te para me matares! — disse secamente. O tom da sua voz confundiu o felino, que
se descontraiu um pouco, ainda não preparado para saltar. — Mas tu salvaste-me, Guenhwyvar.
Resististe a essa ordem.
O rugido de Guenhwyvar protestou.
— Poderias ter deixado que o pescador das cavernas tivesse feito esse trabalho por ti —
respondeu Drizzt — mas não o fizeste! Carregaste contra ele e salvaste-me a vida! Luta contra ess
ordem, Guenhwyvar! Lembra-te de mim como teu amigo, como melhor companheiro do que Masoj
Hun’ett alguma vez poderá ser!
Guenhwyvar recuou mais um passo, apanhada numa encruzilhada que ainda não conseguiria
resolver. Drizzt observou as orelhas do felino a subir e soube que estava a vencer a competição.
— Masoj reivindica a tua posse — prosseguiu, confiante em que o felino, por meio de alguma
forma de inteligência que não podia conhecer, compreendia o significado das suas palavras. — Eu
reivindico-me teu amigo. Sou teu amigo, Guenhwyvar, e não lutarei contra ti.
Avançou, de braços abertos inofensivamente, com a cara e o peito completamente expostos.
— Mesmo que isso me custe a vida!
Guenhwyvar não atacou. As emoções apoderavam-se do felino com mais força do que qualquer
encantamento mágico; as mesmas emoções que tinham levado Guenhwyvar a entrar em acção quando
vira Drizzt prestes a cair nas garras do pescador das cavernas.
Guenhwyvar deu um passo atrás e depois saltou, indo de encontro a Drizzt e deitando-o abaixo
com uma sucessão de pancadas e mordidelas brincalhonas.
Os dois amigos tinham vencido mais uma vez; tinham vencido os inimigos desse dia.
Quando Drizzt fez uma pausa nas saudações para avaliar tudo o que acontecera, contudo,
compreendeu que uma das vitórias ainda não estava completa. Guenhwyvar estava agora no seu
próprio espírito, mas continuava presa por outro, que não merecia a pantera, que a escravizara numa
vida que Drizzt já não podia aceitar.
Nenhuma da confusão que seguira Drizzt Do’Urden nessa noite até fora de Menzoberranzan restav
agora. Pela primeira vez na sua vida, via o caminho que tinha de seguir, o caminho para a liberdade.
Recordou-se dos avisos de Zaknafein, e das mesmas alternativas impossíveis que este
contemplara, sem qualquer solução.
Para onde poderia, de facto, ir um elfo drow?
— É pior ficar encurralado numa mentira — murmurou distraidamente.
A pantera pôs a cabeça de lado, sentindo de novo que as palavras de Drizzt estavam carregadas de
importância. Drizzt devolveu o olhar curioso com outro que se tornou subitamente sombrio.
— Leva-me ao teu amo — pediu. — Ao teu falso amo.
Zaknafein afundou-se na cama e caiu num sono fácil; era o descanso mais confortável que jamais
conhecera. Os sonhos vieram-lhe nessa noite, um corrupio de sonhos. Mas, longe de tumultuosos,
apenas lhe davam mais conforto. Zak estava agora livre do seu segredo, da mentira que tinha
dominado cada dia da sua vida adulta.
Drizzt sobrevivera! Nem a tão temida Academia de Menzoberranzan conseguira vergar o espírit
indómito do jovem e o seu sentido de moralidade. Zaknafein Do’Urden já não estaria sozinho. O
sonhos que lhe povoavam a mente mostravam-lhe as mesmas radiantes possibilidades que tinham
seguido com Drizzt para fora da cidade.
Lado a lado se ergueriam, invencíveis, dois como se fossem um, contra as perversas fundações de
Menzoberranzan.
Uma dor acutilante num pé fez Zak despertar do sono. Viu imediatamente Briza, aos pés da cama
com o chicote de cabeças de serpente na mão. Instintivamente, procurou a espada.
A arma não estava lá. Vierna estava do outro lado do quarto, segurando-a. Do outro lado, May
pegava na outra espada.
Como tinham elas entrado tão dissimuladamente? — interrogou-se Zak. Silêncio mágico, se
dúvida; mas mesmo assim estava surpreendido por não ter sentido a presença delas a tempo. Nunca
nada o tinha apanhado desprevenido — acordado ou adormecido.
Nunca até então tinha dormido tão profundamente, tão pacificamente. Talvez, em Menzoberranzan,
esses sonhos agradáveis fossem perigosos.
— A Matrona Malice quer ver-te — anunciou Briza.
— Não estou devidamente vestido — respondeu Zak descontraidamente. — O meu cinturão e a
minhas armas, se fazem favor.
— Não fazemos favores! — retorquiu Briza, mais para as irmãs do que para Zak. — Nã
precisarás das tuas armas.
Zak pensava de outra forma.
— Vem daí — ordenou Briza, enquanto levantava o chicote.
— Se fosse a ti, assegurava-me bem das intenções da Matrona Malice antes de agir tã
ousadamente — avisou Zak.
Briza, lembrando-se da força do macho que agora estava a ameaçar, baixou o chicote. Zak saiu da

cama, assestando
reacções delas paraomelhor
mesmoavaliar
olharquais
intenso alternadamente
seriam emMalice
as intenções de Maya ao
e chamá-lo.
em Vierna, observando as
Rodearam-no quando saíram do quarto, mantendo uma distância cautelosa, mas de alerta, e
relação ao letal mestre de armas.
— Deve ser coisa séria — notou Zak para consigo, de forma a que Briza, que ia à frente, nã
pudesse ouvir. Briza virou-se e fez-lhe um sorriso malévolo que nada fez para dissipar as suspeitas
dele.
Nem a Matrona Malice o fez, inclinada para a frente no seu trono, expectante, enquanto entrava
na sala.
— Matrona — saudou Zak, com uma vénia e puxando uma parte da camisa de dormir, para mostrar
que não estava adequadamente vestido. Queria que Malice percebesse os seus sentimentos e
relação ao facto de ser ridicularizado a uma hora tão tardia.
A matrona não respondeu à saudação. Recostou-se no trono e com uma mão magra coçou o queixo
pontiagudo, enquanto os olhos se fixavam em Zak.
— Talvez me pudesses dizer por que razão me chamaste — atreveu-se Zak a dizer, com a voz
ainda marcada por uma ponta de sarcasmo. — Preferia regressar ao meu sono. Não deveríamos dar
Casa Hun’ett o benefício de um mestre de armas cansado.
— Drizzt foi-se — rosnou Malice. Essa notícia assentou em Zak como uma bofetada. Endireitou-se
e o sorriso trocista desapareceu-lhe do rosto. — Saiu de casa sem ordem minha — prosseguiu
Malice.
Zak descontraiu-se visivelmente; quando Malice anunciara que Drizzt «se fora», pensara e
primeiro lugar que ela e as suas perversas consortes o tivessem expulsado ou morto.
— É um rapaz com personalidade — notou Zak. — Decerto regressará em breve.
— Personalidade… — repetiu Malice, com um tom que não dava a essa descrição nenhuma aur
positiva.
— Ele regressa — disse Zak de novo. — Não é preciso alarmarmo-nos, nem há necessidade d
medidas tão extremas.
Olhou intensamente para Briza, embora soubesse bem que a Matrona Mãe o tinha chamado po
algo mais do que simplesmente para lhe contar que Drizzt tinha saído de casa.
— O Segundo Rapaz desobedeceu à Matrona Mãe — disse Briza numa interrupção ensaiada.
— Tem personalidade — disse Zak outra vez, tentando não se rir. — É apenas uma falta menor.
— E quão repetidamente ele parece tê-las… — comentou Malice. — Tal como outro macho cheio
de personalidade da Casa Do’Urden.
Zak fez uma nova vénia, assumindo as palavras de Malice como um elogio. Malice já tinha
castigo dele decidido, se era que pretendia de facto castigá-lo. Os seus gestos, neste julgamento —
porque era disso que se tratava — seriam irrelevantes.
— O rapaz desagradou à Rainha Aranha! — rugiu Malice, abertamente irada e cansada d
sarcasmo de Zak. — Nem mesmo tu foste tolo o suficiente para fazer uma coisa dessas!
Uma nuvem negra passou pelo rosto de Zak. Esta reunião era, de facto, grave; a vida de Drizz
podia estar em jogo.
— Mas tu já sabes desse crime — prosseguiu Malice, descontraindo-se de novo. Gostava de ve
Zak preocupado e na defensiva. Encontrara-lhe o ponto mais vulnerável. Era a sua vez de brincar.
— Sair da casa? — protestou Zak. — Um pequeno erro de avaliação. Lolth não se preocupari
com um assunto tão trivial.
— Não finjas ignorância, Zaknafein. Sabes bem que a criança elfo vive!
Zak ficou sem fôlego. Malice sabia! Com mil raios, Lolth sabia!
— Estamos prestes a entrar em guerra — prosseguiu Malice calmamente. — E não estamos na
boas graças de Lolth. Temos de corrigir essa situação — olhou directamente nos olhos de Zak. —
Conheces os nossos costumes e sabes que temos de fazer isto.
Zak acenou em sinal de concordância com a cabeça, encurralado. Alguma coisa que pudesse fazer
agora para mostrar discordância só seria pior para Drizzt — se era que as coisas ainda podiam ficar
piores para Drizzt.
— O Segundo Rapaz tem de ser punido — disse Briza.
Mais uma interrupção ensaiada, como Zak bem sabia. Interrogou-se quantas vezes teriam Briza
Malice praticado para este encontro.
— Devo então puni-lo? — perguntou Zak. — Não chicotearei o rapaz; isso não me compete.
— O castigo dele não é da tua alçada — disse Malice.
— Então, porque me perturbaram o sono? — perguntou Zak, tentando parecer alheado do
problemas de Drizzt, mais para bem de Drizzt do que para seu próprio bem.
— Pensei que gostarias de saber — respondeu Malice. — Tu e Drizzt tornaram-se tão chegado
hoje, na sala de treino. Pai e filho.
Ela tinha visto! — percebeu Zak. Malice, e provavelmente aquela malvada Briza, tinham assistid
a todo o encontro! A cabeça de Zak pendeu quando percebeu que tinha involuntariamente
desempenhado um papel importante na situação perigosa de Drizzt.
— Uma criança elfo vive — recomeçou Malice lentamente, despejando cada palavra com um
clareza dramática. — E um jovem elfo tem de morrer por isso.
— Não! — a palavra escapou-se de Zak antes que percebesse que a tinha dito. Tentou encontrar
uma via de fuga. — Drizzt era jovem, não compreendia…
— Sabia exactamente o que estava a fazer! — gritou Malice. — E não se arrepende das sua
acções! É tão parecido contigo, Zaknafein! Demasiado parecido contigo!
— Então, pode aprender — argumentou Zak. — Não tenho sido um fardo para ti, Mali… Matron
Malice. Ganhaste sempre com a minha presença. Drizzt não é menos hábil do que eu; pode ser-no
valioso!
— Perigoso para nós — corrigiu Malice. — Tu e ele juntos? Essa ideia não me agrada.
— A morte dele só ajudará a Casa Hun’ett — avisou Zak, agarrando-se a tudo o que podia par
contrariar as intenções da matrona.
— A Rainha Aranha exige a morte dele — respondeu Malice com severidade. — E deve se
aplacada, se Daermon N’a’shezbaernon quiser ter alguma esperança contra a Casa Hun’ett.
— Imploro-te, não mates o rapaz.
— Simpatia? — troçou Malice. — Isso não se adequa a um guerreiro drow, Zaknafein. Perdeste
tua vontade de lutar?
— Estou velho, Malice.
— Matrona Malice! — protestou Briza, mas Zak lançou-lhe um olhar tão gelado que a sacerdotis
baixou o chicote antes mesmo de começar a usá-lo.
— E mais velho ficarei se Drizzt for morto.
— Também não desejo isto — concordou Malice. Mas Zak reconheceu a mentira. Malice nã
queria saber de Drizzt, nem de nada, a não ser conquistar o favor da Rainha Aranha. — Mas não vej
alternativa. Drizzt irritou Lolth, e tem de ser aplacada antes da nossa guerra.
Zak começava a compreender. Esta reunião nada tinha a ver com Drizzt.
— Oferece-me em sacrifício no lugar dele — disse.
O sorriso estreito de Malice não conseguiu esconder a surpresa fingida. Isto era o que desejar
desde o início.
— És um guerreiro com provas dadas — argumentou a matrona. — O teu valor, como tu próprio já
admitiste, não pode ser subestimado. Sacrificar-te à Rainha Aranha aplacá-la-ia, mas que vazio
ficaria na Casa Do’Urden, depois de morreres?
— Um vazio que Drizzt poderá preencher — respondeu Zak. Esperava secretamente que Drizzt, a
contrário dele, conseguisse encontrar uma maneira de fugir a tudo aquilo, alguma maneira de escapar
às maquinações de Malice.
— Tens a certeza disso?
— É meu igual em combate — garantiu-lhe Zak. — E ficará mais forte também, para além do qu
Zaknafein alguma vez conseguiu.
— Estás disposto a fazer isso por ele? — desdenhou Malice, quase a babar-se de antecipação.
— Sabes bem que sim — respondeu Zak.
— Sempre o mesmo tonto — concluiu Malice.
— Para teu desagrado — prosseguiu Zak, inalterado. — Sabes que ele faria o mesmo por mim.
— É jovem — disse suavemente Malice. — Será ensinado a portar-se melhor do que isso.
— Como tu me ensinaste a mim? — disparou Zak.
O sorriso vitorioso de Malice tornou-se uma careta.
— Aviso-te, Zaknafein — rugiu no auge da sua raiva —, se fizeres alguma coisa para perturbar a
cerimónia para aplacar a Rainha Aranha… Se, no fim da tua vida, decidires irritar-me uma últim
vez, entregarei Drizzt a Briza. Ela e os seus brinquedos torturadores tratarão de o entregar a Lolth!
Sem medo, Zak manteve a cabeça erguida.
— Ofereci-me, Malice — quase cuspiu para ela. — Diverte-te com isso enquanto podes. No fi
de tudo, Zaknafein estará em paz; a Matrona Malice Do’Urden estará sempre em guerra!
Estremecendo de fúria, com o seu momento de triunfo roubado por essas simples palavras, Malice
só conseguiu sussurrar:
— Levem-no!
Zak não ofereceu resistência quando Vierna e Maya o amarraram ao altar em forma de aranha d
capela. Observava sobretudo Vierna, vendo uma ponta de simpatia saltitar nos seus olhos calmos.
Também ela poderia ter sido como ele, mas quaisquer esperanças que tivesse tido nessa
possibilidade tinham ficado soterradas havia muito sob as pregações intermináveis da Rainha
Aranha.
— Estás triste — notou Zak para Vierna.
Vierna endireitou-se e puxou com força uma das cordas que o prendiam, obrigando-o a fazer uma
careta de dor.
— É uma pena — respondeu Vierna tão friamente como pôde. — A Casa Do’Urden tem d
entregar muito para pagar pelo erro estúpido de Drizzt. Teria gostado de vos ver juntos em combate.
— A Casa Hun’ett não teria apreciado essa visão — respondeu Zak com uma piscadela de olho.
— Não chores, minha filha.
Vierna deu-lhe uma bofetada.
— Leva as tuas mentiras para o túmulo!
— Podes negar o que quiseres, Vierna — foi tudo o que Zak se deu ao trabalho de responder.
Vierna e Maya afastaram-se do altar. Vierna esforçava-se por disfarçar o seu descontentamento e
Maya mordia um dedo, divertida, enquanto Malice e Briza entravam na sala. A matrona mãe vestia
sua túnica cerimonial mais importante, preta e parecendo uma teia, esvoaçando à sua volta. Briza
trazia um cofre sagrado.
Zak não prestou atenção enquanto iniciavam o ritual, com cânticos de louvor à Rainha Aranha,
oferecendo as suas esperanças de aplacá-la. Zak tinha, nesse momento, as suas próprias esperanças.
— Vence-os a todos — murmurou. — Faz mais do que apenas sobreviver, meu filho, como eu
sobrevivi. Vive! Sê verdadeiro para o chamamento do teu coração.
Os braseiros ganharam vida com um rugido; a sala brilhou. Zak sentiu o calor, soube que o
contacto com o plano mais escuro tinha sido estabelecido.
— Recebe isto… — ouviu a Matrona Malice a cantar; mas expulsou as palavras da cabeça
continuou as preces finais da sua vida.
O punhal em forma de aranha ergueu-se acima do peito de Zak. Malice segurava o instrumento co
as suas mãos esguias, com o brilho da pele transpirada a ganhar o reflexo laranja dos fogos, num
fulgor irreal.
Irreal, como a transição da vida para a morte.
Quanto tempo teria passado? Uma hora? Duas? Masoj andava para trás e para diante pela extensã
entre os dois aglomerados de estalagmites, apenas a uns metros da entrada para o túnel por onde
Drizzt, e depois Guenhwyvar, tinham entrado.
— O felino já deveria ter regressado, por esta altura — resmungou o mago, à beira da
impaciência.
O alívio inundou-lhe o rosto pouco depois, quando a grande cabeça negra de Guenhwyva
espreitou a saída do túnel, por detrás de uma das grandes estátuas guardiãs. A pelagem em volta das
mandíbulas do grande felino estavam claramente húmidas de sangue fresco.
— Está feito? — perguntou Masoj, quase incapaz de conter um grito de satisfação. — Drizz
Do’Urden está morto?
— Nem por isso — foi a resposta. Drizzt, apesar de todo o seu idealismo, teve de se permitir
uma gota de prazer enquanto uma nuvem de horror apagava os fogos de excitação da cara do sinistro
mago.
— Que vem a ser isto, Guenhwyvar? — perguntou Masoj. — Faz o que te mando! Mata-o já!
Guenhwyvar ficou a olhar inexpressivamente para Masoj, e depois deitou-se aos pés de Drizzt.
— Admites que tentaste matar-me, então? — perguntou Drizzt.
Masoj mediu a distância até ao adversário: três metros. Poderia ser capaz de lançar um feitiço.
Talvez. Masoj já vira como Drizzt se movia, com rapidez e certeza, e tinha pouca vontade de tentar o
ataque, se conseguisse encontrar outra forma de escapar à situação. Drizzt ainda não desembainhara
uma espada, embora as mãos do jovem guerreiro repousassem descontraidamente sobre os punhos
das cimitarras embainhadas.
— Compreendo — disse Drizzt calmamente. — A casa Hun’ett e a Casa Do’Urden estão prestes
entrar em guerra.
— Como sabes disso? — disparou Masoj, sem pensar, demasiado chocado por esta revelação
para pensar que Drizzt poderia ter simplesmente dito aquilo para o levar a uma admissão.
— Sei de muito, mas importo-me com pouco — respondeu Drizzt. — A Casa Hun’ett deseja faze
a guerra contra a minha família. Por que razão, não faço ideia.
— Para vingança da Casa DeVir! — foi a resposta que veio de outra direcção.
Alton, de pé ao lado de um aglomerado de estalagmites, olhava para Drizzt.
Um sorriso espraiou-se no rosto de Masoj. Os ventos tinham mudado tão rapidamente!
— A Casa Hun’ett não quer saber da Casa DeVir para nada — respondeu Drizzt, sem perder
compostura perante este novo desenvolvimento. — Já aprendi o suficiente sobre os usos do nosso
povo para saber que o destino de uma casa não preocupa nenhuma outra.
— Mas preocupa-me a mim! — gritou Alton, lançando para trás o capuz da capa e revelando a
cara hedionda, marcada pelo ácido em troca de um disfarce. — Sou Alton DeVir, único sobrevivente
da Casa DeVir! A Casa Do’Urden morrerá pelos seus crimes contra a minha família, a começar po
ti!
— Nem sequer era nascido quando essa batalha teve lugar — protestou Drizzt.
— Isso não importa nada! — riu-se Alton. — És um Do’Urden, um porco Do’Urden! Isso é tudo
que importa.
Masoj atirou a estatueta de ónix para o chão.
— Guenhwyvar! — ordenou. — Vai-te!
O felino olhou por cima da espádua para Drizzt, que lhe fez sinal de aprovação.
— Vai-te! — gritou de novo Masoj. — Sou o teu amo! Não podes desobedecer-me!
— Não és dono deste felino — disse Drizzt calmamente.
— Quem é, então? — perguntou Masoj, irritado. — Tu?
— Guenhwyvar — respondeu Drizzt. — Só Guenhwyvar. Esperava que um mago tivesse um
melhor compreensão da magia que o rodeia.
Com um rugido surdo que poderia passar por uma gargalhada trocista, Guenhwyvar saltou d
pedra até à estatueta e dissipou-se nela, desaparecendo.
O felino desceu o percurso do túnel planar, em direcção ao seu lar no Plano Astral. Antes,
Guenhwyvar sempre estivera ansiosa por fazer esta viagem, para escapar aos malévolos comandos
dos seus amos drow. Desta vez, porém, o felino hesitava a cada passo, olhando para trás, para o
ponto de escuridão que era Menzoberranzan.
— Negociarás? — propôs Drizzt.
— Não estás em posição de negociar — riu-se Alton, puxando da varinha que a Matrona SiNafa
lhe tinha dado.
Masoj interrompeu-o:
— Espera — disse. — Talvez Drizzt mostre ser valioso na nossa luta contra a Casa Do’Urden
olhou directamente para o jovem guerreiro. — Trairias a tua família?
— Não creio — desdenhou Drizzt. — Como já te disse, pouco me importa o conflito que s
avizinha. Por mim, que a Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden se danem ambas. O que certament
acontecerá! Mas as minhas preocupações são pessoais.
— Deves ter algo para nos oferecer em troca — explicou Masoj. — Caso contrário, qu
negociação esperas poder fazer?
— Tenho de facto algo para vos dar em troca — respondeu Drizzt, com a voz muito calma. — As
vossas vidas.
Masoj e Alton olharam um para o outro e começaram a rir muito alto, embora houvesse um rasto
de nervosismo nas gargalhadas.
— Dá-me a estatueta, Masoj — prosseguiu Drizzt, imperturbável. — Guenhwyvar nunca t
pertenceu e não te servirá mais.
Masoj deixou de rir.
— Em troca — prosseguiu Drizzt, antes que o mago pudesse responder —, sairei da Cas
Do’Urden e não participarei no combate.
— Os cadáveres não lutam — troçou Alton.
— E levarei outro Do’Urden comigo — retorquiu-lhe Drizzt. — Um mestre de armas. Decerto
Casa Hun’ett ganhará um boa vantagem se tanto Drizzt como Zaknafein…
— Silêncio! — gritou Masoj. — O gato é meu! Não preciso de regatear com um desgraçad
Do’Urden! Estás morto, tonto, e o mestre de armas da Casa Do’Urden seguir-te-á em breve para
túmulo!
— Guenhwyvar é livre — rugiu Drizzt.
As cimitarras surgiram-lhe nas mãos. Nunca tinha lutado contra um mago, e muito menos contr
dois, mas lembrava-se vivamente, de encontros no passado, de como os seus feitiços mordiam.
Masoj já tinha começado a entoar um encantamento, mas mais preocupante era Alton, que estava mais
fora de alcance e a apontar a varinha.
Antes que Drizzt se decidisse por um curso de acção, o assunto foi resolvido. Uma nuvem de fum
engoliu Masoj e este caiu para trás, com o encantamento interrompido pelo choque.
Guenhwyvar estava de volta.
Alton estava fora do alcance de Drizzt; não podia esperar chegar perto do mago antes que este
disparasse alguma coisa com a varinha, mas para os músculos tensos de Guenhwyvar essa distância
não era assim tão grande. As pernas traseiras apoiaram-se solidamente e depois soltaram-se como
molas, lançando a pantera predadora no ar.
Alton apontou a varinha a tempo para o seu novo atacante e libertou um poderoso raio,
chamuscando o peito de Guenhwyvar. Mas seria precisa mais força do que a de apenas um raio para
deter a feroz pantera. Espantada, mas ainda a lutar, Guenhwyvar embateu contra o mago sem rosto,
fazendo-o cair para trás do aglomerado de estalagmites.
O relâmpago da varinha também deixou Drizzt estonteado, mas continuou a perseguir Masoj e s
podia esperar que Guenhwyvar tivesse sobrevivido. Correu junto à base do outro aglomerado de
estalagmites e ficou cara a cara com Masoj, mais uma vez ocupado a conjurar um encantamento.
Drizzt não abrandou; baixou a cabeça e arremeteu contra o seu oponente, com as cimitarras a abrir
caminho.
Deslizou através do adversário — através da imagem de Masoj!
Drizzt caiu pesadamente na pedra e rebolou para o lado, tentando escapar ao ataque de magia que
sabia que aí viria.
Desta vez, Masoj, uns seis metros mais atrás do local onde estava a sua imagem, não estav
disposto a correr o risco de falhar o alvo. Lançou uma saraivada de mísseis mágicos de energia que
voaram certeiros para interceptar o guerreiro que se esgueirava. Embateram em Drizzt, fazendo-o
saltar e ferindo-o por baixo da pele.
Mas Drizzt conseguiu sacudir a dor entorpecente e recuperar o equilíbrio. Agora sabia onde estav
o verdadeiro Masoj, e não tinha nenhuma intenção de o perder de vista.
Com um punhal na mão, Masoj viu a aproximação dele. Drizzt não compreendia: por que razão não
estava o mago a preparar outro feitiço? A queda tinha reaberto a ferida de Drizzt no ombro, e os
raios mágicos tinham-lhe feito um golpe no flanco e numa perna. As feridas, porém, não eram graves,
e Masoj não tinha qualquer hipótese em combate físico contra ele. O feiticeiro ficou à frente dele,
despreocupado, de punhal na mão e um sorriso malévolo no rosto.
De cara para baixo na pedra fria, Alton sentiu o calor do seu próprio sangue a correr livremente
pelos orifícios derretidos que eram os seus olhos. O felino estava mais acima no aglomerado, ainda
não totalmente recuperado do raio de luz.
Alton forçou-se a levantar e ergueu a varinha para um segundo ataque… Mas a varinha estav
partida ao meio!
Freneticamente, recuperou a outra parte e segurou-a diante dos olhos, incrédulo. Guenhwyva
estava de novo a caminho, mas Alton nem reparou.
As pontas brilhantes da varinha, uma força qualquer que crescia dentro dela, fascinavam-no.
— Não podes fazer isso! — protestava Alton, murmurando.
Guenhwyvar saltou precisamente no momento em que a varinha explodiu.
Uma bola de fogo rugiu na noite de Menzoberranzan, e pedaços de rocha saíram disparados contr
as paredes e o tecto da caverna. Drizzt e Masoj foram deitados ao chão.
— Agora, Guenhwyvar não pertence a ninguém — troçou Masoj, atirando a estatueta para o chão.
— E nenhum DeVir resta para clamar vingança contra a Casa Do’Urden — rugiu Drizzt e
resposta, com a raiva a fazer recuar o desespero.
Masoj tornou-se o foco dessa raiva, e o seu riso trocista conduziu Drizzt até ele numa corrid
furiosa. Assim que Drizzt ficou ao seu alcance, Masoj estalou os dedos e desapareceu.
— Invisível — rugiu Drizzt, cortando o ar inutilmente à sua frente. Os esforços inúteis fizera
abrandar a fúria cega e percebeu que Masoj já não estava à sua frente. Como devia estar a parece
um idiota para Masoj! Que vulnerável!
Agachou-se para escutar. Apercebeu-se de um cântico distante, vindo de cima, da parede da
caverna.
Os instintos de Drizzt disseram-lhe para saltar para o lado, mas o seu novo entendimento do
magos disse-lhe que Masoj teria previsto esse movimento. Fingiu ir para a esquerda e ouviu a
palavras em crescendo do encantamento. Enquanto o raio de luz se abatia com estrondo e
inofensivamente ao seu lado, Drizzt correu em frente, esperando que a visão regressasse a tempo de
apanhar o mago.
— Raios te partam! — gritou Masoj, percebendo o engano assim que disparara, errando o alvo.
raiva deu imediatamente lugar ao terror, assim que viu Drizzt correndo pela pedra, saltando por cima
do cascalho e ziguezagueando por entre as estalagmites, com a graça de um felino à caça.
Masoj revolveu os bolsos à procura dos componentes do próximo feitiço. Tinha de ser rápido.
Estava a seis metros do chão da caverna, empoleirado numa estreita saliência, mas Drizzt estava
avançar depressa, muito depressa!
O chão abaixo dele nem parecia existir nos pensamentos conscientes de Drizzt. A parede da
caverna ter-lhe-ia parecido impossível de trepar, se estivesse num estado de espírito mais racional,
mas agora não se importava com isso. Guenhwyvar estava perdida. Guenhwyvar fora-se.
Aquele malévolo mago empoleirado na saliência, aquela personificação do mal, provocara isso.
Drizzt saltou para a parede, descobriu que tinha uma mão livre — devia ter deixado cair uma das
cimitarras — e apanhou um ponto de apoio. Não seria o suficiente para um drow racional, mas a
mente de Drizzt ignorou os protestos dos músculos dos dedos em tensão. Só lhe faltavam três metros.
Outra saraivada de raios de energia abateu-se sobre Drizzt, martelando-lhe a cabeça em rápid
sucessão.
— Quantos feitiços te restam, mago? — ouviu-se a si próprio a dizer em desafio, enquanto
ignorava a dor.
Masoj caiu para trás quando Drizzt olhou para ele, quando a luz ardente daqueles olhos cor de
alfazema caiu sobre ele como um anúncio de morte. Vira Drizzt em combate muitas vezes, e essa
visão do jovem guerreiro em combate assolara-o durante todo o planeamento do seu assassinato.
Mas Masoj nunca vira Drizzt verdadeiramente enraivecido. Se o tivesse visto, nunca teri
concordado com tentar matá-lo. Se tivesse visto, teria dito à Matrona SiNafay que se fosse sentar e
cima de uma estalagmite.
Que feitiço se seguiria? Que feitiço poderia deter o monstro que era Drizzt Do’Urden?
Uma mão, rebrilhando com o calor da fúria, agarrou a borda da saliên-cia. Masoj pisou-a com o
calcanhar da bota. Os dedos partiram-se — o mago sabia que os dedos tinham de estar partidos —,
mas Drizzt estava impossivelmente de pé à sua frente, e a lâmina de uma cimitarra mergulhara-lhe
entre as costelas.
— Os dedos estão partidos! — gaguejou o mago moribundo em protesto.
Drizzt olhou para a mão e apercebeu-se da dor pela primeira vez.
— Talvez estejam — disse distraidamente. — Mas hão-de sarar.
Coxeando, Drizzt encontrou a outra cimitarra e abriu caminho cautelosamente por sobre o cascalho
de um dos pés de estalagmite. Lutando contra o medo do seu coração magoado, forçou-se a espreitar
por cima da pedra para toda a destruição. O lado de trás do pé de estalagmite brilhava feericamente
com o calor residual, o que era um farol para a cidade que começava a acordar.
Lá se ia a dissimulação.
Pedaços de Alton DeVir estavam espalhados no chão, em volta das vestes fumegantes do mago.
— Encontraste a paz, ó Sem Rosto? — murmurou Drizzt, exalando o que restava da sua ira
Recordou o ataque que Alton tinha lançado contra ele, todos aqueles anos antes na Academia. O
mestre sem rosto e Masoj tinham explicado o incidente como um teste para um guerreiro e
preparação.
— Quanto tempo carregaste o teu ódio… — murmurou Drizzt, olhando para os pedaços do corpo
desfeito.
Mas Alton DeVir já não era uma preocupação. Vasculhou o resto do cascalho solto, procurando
algum vestígio do destino de Guenhwyvar, sem ter a certeza de como uma criatura mágica se sairia
de um tal desastre. Não restava nenhum sinal do felino, nada que sequer sugerisse que Guenhwyva
alguma vez ali tivesse estado.
Drizzt recordou a si mesmo conscientemente que não havia esperança, mas a elasticidade dos seus
passos ansiosos desmentia o rosto consternado. Correu de novo pelo aglomerado de estalagmites e
em volta da estalagmite seguinte, onde Masoj e ele tinham estado quando a varinha explodira.
Avistou imediatamente a estatueta de ónix.
Pegou-lhe com cuidado. Estava quente, como se também ela tivesse sido apanhada pela explosão,
e conseguiu sentir que a magia tinha diminuído. Drizzt quis então convocar o felino, mas não se
atreveu, sabendo que a viagem entre os planos exercia uma grande pressão sobre Guenhwyvar. Se o
felino tinha sido ferido, Drizzt calculou que o melhor seria dar-lhe algum tempo para recuperar.
— Oh, Guenhwyvar — lamentou-se. — Minha amiga, minha brava amiga.
Meteu a estatueta no bolso.
Só lhe restava esperar que Guenhwyvar tivesse sobrevivido.
Drizzt voltou para trás, para junto do corpo de Masoj Hun’ett. Não tivera outra opção senão matar
adversário; Masoj definira as linhas de batalha.
Esse facto pouco importava para desfazer a sensação de culpa de Drizzt, enquanto olhava para o
cadáver. Tinha morto outro drow, tinha tirado a vida a gente da sua gente. Estaria encurralado, tal
como Zaknafein tinha sido encurralado durante tantos anos, num círculo de violência que nunca teria
fim?
— Nunca mais — prometeu Drizzt ao cadáver. — Nunca mais matarei um elfo drow.
Virou costas, enojado, e assim que voltou os olhos para os silenciosos e sinistros aglomerados de
estalagmites da vasta cidade drow, soube que não sobreviveria por muito tempo em Menzoberranzan
se quisesse manter essa promessa.
Um milhão de possibilidades rodopiou na mente de Drizzt enquanto caminhava pelas ruas e
caminhos serpenteantes de Menzoberranzan. Pôs esses pensamentos de parte, impedindo-os de lhe
embotarem o sentido de alerta. A luz espalhava-se agora por Narbondel; o dia drow estava a
começar, e começava a haver actividade em cada esquina da cidade. No mundo dos habitantes da
superfície, o dia era o tempo mais seguro, em que a luz expunha os assassinos. Na escuridão eterna
de Menzoberranzan, as horas de dia dos elfos negros eram ainda mais perigosas do que a noite.
Drizzt escolheu o caminho cuidadosamente, afastando-se muito das cercas de cogumelos das casas
mais nobres, entre as quais estava a Casa Hun’ett. Não encontrou mais adversários e chegou
segurança da Casa Do’Urden pouco tempo depois. Correu pelo portão, passou pelos soldado
surpreendidos sem uma palavra de explicação, e afastou os guardas abaixo da varanda.
A casa estava estranhamente sossegada; Drizzt esperava que estivessem já todos a pé e a postos,
com a batalha iminente. Não pensou segunda vez sobre a estranha calma e seguiu directamente para a
sala de treino e para os aposentos privados de Zaknafein.
Parou à porta de pedra da sala de treino, com a mão firmemente pousada no ferrolho. Que iri
propor ao pai? Que partissem? Ele e Zaknafein pelos perigosos trilhos do Subescuro, lutando quand
tivessem de lutar e fugindo ao fardo da culpa da sua existência sob as regras drow? Drizzt gostara
dessa ideia, mas agora não tinha tanta certeza, parado diante da porta, de que pudesse convencer Za
a seguir esse caminho. Zak poderia ter partido dali a qualquer altura, durante os séculos da sua vida;
mas quando Drizzt lhe perguntara por que razão permanecera ali, o calor fugira do rosto do mestre de
armas. Estariam de facto prisioneiros da vida que lhes era proporcionada pela Matrona Malice
pela sua corte malévola?
Drizzt afastou esses pensamentos com uma careta; não fazia sentido estar a pensar nisso, com Zak a
apenas alguns passos de distância.
A sala de treino estava tão sossegada como o resto da casa. Demasiado sossegada. Drizzt não
esperara que Zak ali estivesse, mas faltava ali algo mais do que o pai. A presença do pai também
desaparecera.
Soube que alguma coisa estava errada, e cada passo que dava para o quarto de Zak era mai
apressado que o anterior, até que deu consigo a correr. Entrou de rompante, sem bater primeiro, e
sem se surpreender por encontrar a cama vazia.
«Malice deve tê-lo mandado à minha procura», pensou. «Raios, meti-o em sarilhos!» Virou-se
para sair, mas algo lhe chamou a atenção e o manteve no quarto: o cinturão de Zak.
O mestre de armas nunca sairia do quarto, nem mesmo para quaisquer funções dentro da Cas
Do’Urden, sem as espadas. «A tua arma é o companheiro mais fiável», dissera-lhe Zak milhares d
vezes. «Mantém-na sempre a teu lado.»
— Casa Hun’ett? — murmurou Drizzt, interrogando-se se a casa rival teria atacado magicament
durante a noite, enquanto ele estava lá fora a lutar contra Alton e Masoj. O complexo estava, porém,
sereno; decerto os soldados teriam sabido se alguma coisa assim tivesse acontecido.
Drizzt pegou no cinturão e inspeccionou-o. Não tinha sangue e a fivela estava normalmente
desapertada. Nenhum inimigo o tinha arrancado a Zak. A bolsa do mestre de armas também estava ao
lado, intacta.
— Que se passou, então? — perguntou Drizzt em voz alta. Voltou a colocar o cinturão com as
espadas ao lado da cama, mas enfiou a bolsa em volta do pescoço e virou-se, sem saber para onde ir
a seguir.
Tinha de saber do resto da família, percebeu antes sequer de sair do quarto. Talvez então este
enigma se tornasse mais claro.
O temor foi crescendo enquanto Drizzt descia o longo e decorado corredor para a antecâmara d
capela. Teria Malice, ou alguma delas, feito mal a Zak? Por que razão? A ideia parecia-lhe ilógica,
mas incomodava-o a cada passo, como se um sexto sentido estivesse a avisá-lo.
Não havia sinal de ninguém.
As portas da antecâmara giraram, abrindo-se mágica e silenciosamente, quando Drizzt ergueu um
mão para bater. Viu primeiro a matrona mãe, sentada confortavelmente no seu trono ao fundo da sala,
com um sorriso acolhedor.
O desconforto de Drizzt não diminuiu quando entrou. Estava ali a família toda: Briza, Vierna
Maya ao lado da mãe, Rizzen e Dinin mais afastados, junto à parede, à esquerda. Toda a família.
Excepto Zak.
A Matrona Malice estudou cuidadosamente o filho, notando as suas muitas feridas.
— Dei-te ordens para não saíres de casa — disse para Drizzt, mas sem tom de censura. — Aonde
te levaram as tuas viagens?
— Onde está Zaknafein? — perguntou Drizzt, em resposta.

— Responde
cinturão. à Matrona
Drizzt olhou-a Mãe! —
fixamente gritou-lhe
e ela recuou, Briza, com
sentindo o chicote
o mesmo deamargo
gelo serpentes
quebem
Zakàlhe
vista n
lançar
na noite anterior.
— Dei-te ordens para não saíres de casa — repetiu Malice, mantendo-se calma. — Porque m
desobedeceste?
— Tinha assuntos a tratar — respondeu Drizzt. — Assuntos urgentes. Não quis incomodar-te co
eles.
— A guerra está próxima, meu filho — explicou Malice. — Estás vulnerável quando andas na
cidade sozinho. A Casa Do’Urden não se pode dar ao luxo de te perder agora.
— Os meus assuntos tinham de ser tratados sozinho — respondeu Drizzt.
— Estão arrumados?
— Estão.
— Então, quero confiar que não me desobedecerás novamente.
As palavras saíram calmas, mas Drizzt percebeu imediatamente a ameaça que havia nelas.
— Passemos então a outros assuntos — prosseguiu Malice.
— Onde está Zaknafein? — atreveu-se Drizzt a perguntar novamente.
Briza resmungou uma praga qualquer em surdina e puxou o chicote do cinturão. A Matrona Malice
estendeu uma mão na direcção dela, para a fazer parar. Precisavam de tacto, e não de brutalidade,
para manter Drizzt sob controlo numa altura tão delicada. Haveria muitas oportunidades para o
castigar depois de a Casa Hun’ett ter sido devidamente derrotada.
— Não te preocupes com o que é feito do mestre de armas — respondeu Malice. — Trabalha par
o bem da Casa Do’Urden neste preciso momento; numa missão pessoal.
Drizzt não acreditou numa única palavra. Zak nunca teria partido sem o cinturão e as armas.
verdade pairava sobre os pensamentos de Drizzt, mas não queria admiti-la.
— A nossa preocupação é com a Casa Hun’ett — continuou Malice, dirigindo-se a todos. — O
primeiros ventos de guerra podem soprar hoje mesmo.
— Os primeiros ventos já sopraram — interrompeu Drizzt.
Todos os olhos caíram sobre ele e sobre os seus ferimentos. Queria continuar a discussão sobre
Zak, mas sabia que isso só o meteria a ele e a Zak, se Zak ainda estivesse vivo, em mais sarilhos.
— Entraste em combate? — perguntou Malice.
— Sabem quem é o Sem Rosto? — perguntou Drizzt.
— Mestre da Academia — respondeu Dinin. — De Sorcere. Tivemos negócios com el
frequentemente.
— Foi-nos de alguma utilidade no passado — disse Malice. — Mas não mais do que isso, creio. É
um Hun’ett. Gelroos Hun’ett.
— Não — respondeu Drizzt. — Em tempos, pode ter sido; mas Alton DeVir é o seu nome. Era
seu nome.
— A ligação! — rugiu Dinin, percebendo subitamente. — É essa a ligação; Gelroos deveria mata
Alton DeVir na noite da queda da Casa DeVir!
— Parece que Alton DeVir mostrou ser mais forte do que ele — riu-se Malice, e tudo se torno

àmais claroVoltou
família. para ela. — Apara
a olhar Matrona SiNafay
Drizzt. Hun’ett
— Lutaste comaceitou-o
ele? e usou-o para sua vantagem — explicou
— Está morto — respondeu Drizzt.
A Matrona Malice riu-se com prazer.
— Menos um mago com que lidar — notou Briza, voltando a colocar o chicote no cinturão.
— Dois — corrigiu Drizzt, embora sem qualquer tom de fanfarronice na voz. Não estav
orgulhoso das suas acções. — Masoj Hun’ett já não existe.
— Meu filho! — gritou Malice. — Deste-nos uma grande vantagem nesta guerra!
Olhou para toda a família, infectando-os todos, excepto Drizzt, com o seu entusiasmo. — A Cas
Hun’ett pode até decidir não nos atacar agora, sabendo da sua desvantagem. Mas não os deixaremo
passar sem resposta. Destruí-los-emos hoje e tornar-nos-emos a Oitava Casa de Menzoberranzan
Desgraçados sejam os inimigos da Casa Do’Urden! Temos de agir imediatamente, minha família
começou Malice a conjecturar, esfregando as mãos de contentamento. — Não podemos esperar por
um ataque. Temos de ser nós a tomar a ofensiva! Alton DeVir desapareceu; o elo que justificava a
guerra não existe mais. Certamente o Conselho Governante sabia das intenções dos Hun’ett, e co
ambos os seus magos mortos e perdido o elemento de surpresa, a Matrona SiNafay movimentar-se-
rapidamente para deter a batalha.
A mão de Drizzt enfiou-se inconscientemente na bolsa de Zak, enquanto os outros se aproximava
de Malice e dos seus planos.
— Onde está Zak? — perguntou Drizzt novamente, por cima da agitação.
O silêncio caiu tão abruptamente como antes se instalara a agitação.
— Não te diz respeito, meu filho — disse-lhe Malice, mantendo-se delicada apesar do
descaramento de Drizzt. — Agora, és tu o mestre de armas da Casa Do’Urden. Lolth perdoou a tu
insolência; não tens crimes a pesar sobre ti. A tua carreira pode começar do zero, até gloriosas
alturas!
As palavras de Malice dilaceraram Drizzt tão profundamente como as cimitarras o poderiam te
feito.
— Mataste-o — murmurou, com a verdade demasiado horrenda para ser contida num pensamento
mudo.
O rosto da matrona brilhou subitamente, quente de raiva.
— Tu é que o mataste! — respondeu. — A tua insolência exigia o pagamento de uma reparação à
Rainha Aranha!
A língua de Drizzt estava enrolada atrás dos dentes.
— Mas tu estás vivo — continuou Malice, descontraindo-se de novo na cadeira — mesmo apesa
de a criança elfo viver.
Dinin não foi o único a conter um grito de surpresa audível na sala.
— Sim. Sabemos da tua dissimulação — desdenhou Malice. — A Rainha Aranha sempre soube
Exigiu uma reparação.
— E sacrificaste Zaknafein? — disse Drizzt ofegante, quase incapaz de fazer sair as palavras d
boca. — Entregaste-o a essa maldita Rainha Aranha?

— Se fosse
Esquece a ti, tinha
Zaknafein. Não cuidado
tens de com a maneiracom
te preocupar comoisso.
falasOlha
da Rainha Lolth
pela tua — meu
vida, avisou Malice.
filho guerreiro
Todas as glórias te são propostas, uma posição de honra.
Drizzt estava de facto a olhar para a sua própria vida nesse momento; para o caminho que lhe era
proposto e que lhe ofereceria uma vida de batalhas, uma vida a matar drow.
— Não tens outra opção — disse-lhe Malice, vendo o seu conflito interior. — Ofereço-te agora
tua vida. Em troca, tens de fazer o que te mando, como Zaknafein fez em tempos.
— Sim, mantiveste o teu acordo com ele! — rugiu Drizzt sarcasticamente.
— Mantive — protestou a Matrona Malice. — Zaknafein foi de sua livre vontade para o altar, po
ti!
As palavras dela atingiram Drizzt e deixaram-no atordoado por um momento. Não aceitaria
culpa pela morte de Zaknafein! Seguira a única via que lhe fora possível, na superfície contra o
elfos e aqui na cidade malévola.
— A minha proposta é boa — disse Malice. — Faço-ta aqui, diante de toda a família. Ambos
teremos a ganhar com esse acordo. Mestre de Armas?
Um sorriso abriu-se no rosto de Drizzt quando olhou para os olhos frios da Matrona Malice, u
sorriso que esta interpretou como de aceitação.
— Mestre de armas? — repetiu Drizzt. — Não me parece…
Mais uma vez, Malice não compreendeu bem.
— Vi-te em combate — argumentou. — Dois magos! Estás a subestimar-te.
Drizzt quase deu uma gargalhada perante a ironia das palavras dela. Pensava que ele iria falhar tal
como Zak tinha falhado, que cairia na armadilha tal como Zak caíra, para nunca mais dali sair.
— Tu é que me estás a subestimar, Malice — disse Drizzt com uma calma ameaçadora.
— Matrona! — exigiu Briza. Mas conteve-se, vendo que Drizzt e toda a gente a estava a ignora
enquanto o drama se desenrolava.
— Pedes-me que sirva os teus desígnios malévolos — prosseguiu Drizzt. Sabia, mas não s
importava, que todos estavam nervosamente a levar as mãos às armas ou a preparar encantamentos;
que estavam à espera do momento adequado para atacar aquele blasfemo tonto; já o consideravam
morto. Aquelas memórias de infância, da agonia das chicotadas, lembraram-lhe o castigo pelas suas
acções. Os dedos de Drizzt fecharam-se então em volta de um objecto redondo, dando-lhe coragem,
se bem que teria prosseguido em frente mesmo sem ele. — Os teus desígnios são mentiras, tal como
tu. Não, tal como o teu povo é uma mentira!
— A tua pele é tão escura como a minha! — lembrou-lhe Malice. — És um drow, ainda que nunca
tenhas aprendido o que isso significa!
— Ah, mas eu sei bem o que isso significa.
— Então, age de acordo com as regras! — exigiu a Matrona Malice.
— As tuas regras? — rugiu Drizzt em resposta. — Mas as tuas regras também são um maldit
mentira, uma mentira tão grande como essa nojenta aranha que vocês aclamam como uma divindade!
— Verme insolente! — gritou Briza, erguendo o chicote.
Drizzt atacou primeiro. Puxou o pequeno objecto, o pequeno globo de cerâmica que tinha na bols

de —
Zak.
Amaldiçoados sejam todos! — gritou enquanto atirava a bola para o chão de pedra. Fechou os
olhos com força quando a pedrinha dentro da bola de cerâmica, encantada por um poderoso feitiço
emanador de luz, explodiu na sala e atacou os olhos sensíveis dos seus familiares. — E amaldiçoada
seja também a danada Rainha Aranha!
Malice recuou precipitadamente, derrubando o pesado trono com um estrondo pesado sobre a
pedra. Gritos de agonia e de raiva vinham de cada canto da sala enquanto a luz súbita atingia os
drow estonteados.
— Apanhem-no! — rugiu Malice, ainda a tentar recompor-se da queda desamparada. — Quero-o
morto!
Os outros mal tinham ainda recuperado o suficiente para cumprir as ordenas, e Drizzt já estav
fora dali.
Trazido pelos ventos silenciosos do Plano Astral, o chamamento chegou. A entidade da pantera
levantou-se, ignorando as dores, e notou a voz familiar, reconfortante.
O felino partiu então, correndo com todo o coração e força para responder ao chamamento do seu
novo amo.
Pouco tempo depois, Drizzt saiu de um pequeno túnel, com Guenhwyvar ao seu lado, e avançou pel
pátio da Academia, para olhar para Menzoberranzan uma última vez.
— Que local é este — perguntou baixinho ao felino — a que chamo lar? Esta é a minha gente, pel
cor da pele e por herança, mas não sou familiar deles. Estão perdidos, e estarão para sempre.
Quantos outros haverá como eu? Gostava de saber… — murmurou, olhando uma última vez.
Almas condenadas, como a de Zak. Pobre Zak. Faço isto por ele, Guenhwyvar; parto, quando ele nã
conseguiu partir. A vida dele foi a minha lição, um negro pergaminho rabiscado com preço pesado
pago às promessas malignas da Matrona Malice.
— Adeus, Zak! — gritou, com a voz erguendo-se num desafio final. — Meu pai… Consola-t
sabendo, como eu sei, que da próxima vez que nos encontrarmos, numa vida depois desta, não será
certamente no fogo infernal a que os nossos familiares estão condenados!
Drizzt fez sinal ao felino para entrar no túnel, na entrada para o Subescuro selvagem. Vendo os
movimentos fáceis da pantera, percebeu de novo o quanto era afortunado por ter encontrado um
companheiro de espírito como o seu, um verdadeiro amigo. O caminho não seria fácil para ele e para
Guenhwyvar, para lá das fronteiras vigiadas de Menzoberranzan. Estariam desprotegidos e sós, ma
melhor, segundo os cálculos de Drizzt; muito melhor do que alguma vez estariam entre a maldade dos
drow.
Drizzt entrou no túnel atrás de Guenhwyvar e deixou Menzoberranzan para trás.
FIM DO PRIMEIROVOLUME
A LENDA DE DRIZZT

A TRILOGIA DO ELFO NEGRO:


Pátria
Exílio
Refúgio
A TRILOGIA DAS PLANÍCIES GELADAS:
Fragmento de Cristal

Rios de Prata
A Jóia Encantada
LEIA NAS PRÓXIMAS PÁGINAS UM EXCERTO DO 2º VOLUME DA TRILOGIA DE R. A. SALVATORE

EXILIO

Os leitores de Harry Potter cresceram. E esta é a série que vão ler.


Após renegar a sua própria família e partir para longe de Menzoberranzan, a sua pátria, Drizzt te
que aprender a sobreviver e conquistar um novo lar no imenso labirinto dos túneis subterrâneos onde
se ocultam criaturas das trevas. Mas o verdadei ro perigo parte da sua própria raça e Drizzt terá que
estar atento a sinais de perseguição, pois os elfos negros não são um povo misericordioso... Venha
descobrir Drizzt, o elfo negro, uma das personagens mais lendárias da fantasia. E acompanhe-o n
épica e intrépida jornada para longe de um mundo onde não tem lugar... em busca de outro, na
superfície, onde talvez nunca o aceitem.
Mais informações em
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PRELÚDIO

O monstro arrastava-se pelos silenciosos corredores do Subescuro, com as suas oito pernas
escamosas roçando ocasionalmente pela rocha. Não se encolhia com os seus próprios ruídos
retumbantes, sem recear o rumor revelador. Nem fugia em busca de protecção, antevendo o assalto
de outro predador. Porque até mesmo nos perigos do Subescuro esta criatura só conhecia a
segurança, confiante na sua capacidade para derrotar qualquer inimigo. O seu hálito fedia a veneno
mortal, os gumes afiados das suas garras cavavam profundas feridas na rocha e as filas de dentes
semelhantes a lanças que se alinhavam na mandíbula letal eram capazes de rasgar as mais fortes
couraças. Mas o pior de tudo era o olhar do monstro, o olhar de um basilisco, que era capaz de
transmutar em pedra sólida qualquer coisa viva em que assentasse.
Esta criatura, enorme e terrível, estava entre as maiores do seu género. Não sabia o que era o
medo.
O caçador viu o basilisco a passar, tal como já antes o vira nesse mesmo dia. O monstro de oito
pernas era aqui um intruso, invadindo o domínio do caçador. Vira o basilisco matar vários dos seus
rothe — as pequenas criaturas semelhantes a vacas que forneciam a sua mesa — com o hálito
venenoso, e o resto da manada fugira cegamente pelos túneis intermináveis, possivelmente para não
mais voltar.
O caçador estava zangado.
Observava agora o monstro a avançar pela passagem estreita, precisamente o caminho que o
caçador suspeitara que ele tomaria. Desembainhou as armas, ganhando confiança, como sempre,
assim que sentiu como eram equilibradas. O caçador possuía-as desde a infância, e mesmo passadas

quase
seriam três décadas
de novo deà uso
postas constante, quase não mostravam quaisquer sinais de desgaste. Agora,
prova.
O caçador voltou a embainhar as armas e esperou pelo som que o haveria de fazer entrar e
acção.
Um uivo gutural fez o basilisco parar. O monstro espreitou para a frente, curioso, embora os seus
olhos fracos pouco conseguissem perceber para além de um ou dois metros. O uivo ouviu-se de novo
e o basilisco agachou-se, à espera que o adversário, a sua próxima vítima, saltasse para a sua frente
para morrer.
Bem mais atrás, o caçador saiu do seu esconderijo, correndo com uma rapidez quase impossível
pelas pequenas brechas e saliências das paredes do corredor. Com a sua capa mágica, o piwafwi,
estava invisível e indistinguível da pedra; e, com os seus movimentos ágeis e bem treinados, não
fazia um único ruído.
Chegou impossivelmente silencioso, e impossivelmente depressa.
O uivo ouviu-se de novo, vindo de diante do basilisco, mas não estava mais próximo. O monstro
impaciente avançou, ansioso por começar a matança. Quando o basilisco passou por debaixo de uma
arcada baixa, um globo impenetrável de escuridão absoluta envolveu-lhe a cabeça e o monstro parou
subitamente e deu um passo para trás, tal como o caçador já sabia que faria.
O caçador caiu-lhe então em cima. Saltou da parede da passagem, executando três acçõe
diferentes antes mesmo de atingir o objectivo. Primeiro, lançou um feitiço simples que contornou a
cabeça do basilisco com chamas púrpura e azuis brilhantes. Depois, puxou o capuz para tapar a cara,
porque não precisava dos olhos em combate e, contra um basilisco, um olhar a direito só o poderia
derrotar. Finalmente, puxando as cimitarras mortíferas, aterrou sobre as costas do monstro e trepou
usando as escamas para chegar à cabeça.
O basilisco reagiu assim que as chamas dançantes lhe contornaram a cabeça. Não queimavam, ma
o contorno que desenhavam fazia dele um alvo fácil. O basilisco virou-se para trás, mas antes que a
cabeça tivesse girado metade do percurso, a primeira cimitarra já lhe tinha mergulhado num dos
olhos. A criatura recuou e sacudiu-se, tentando chegar ao atacante. Expelia vapores letais e sacudia a
cabeça em todas as direcções.
O caçador foi mais rápido. Manteve-se atrás da mandíbula, longe do alcance mortal. A segunda
cimitarra encontrou o outro olho do monstro, e depois o caçador libertou toda a sua fúria.
O basilisco era o intruso; tinha morto os seus rothe! Golpe após golpe furioso abateu-se sobre
cabeça couraçada do basilisco, arrancando escamas e mergulhando em busca de carne por baixo
delas.
O basilisco percebeu o perigo que corria, mas mesmo assim acreditava que venceria. Sempre
vencera. Se ao menos conseguisse apontar o hálito venenoso ao caçador furioso.
O segundo adversário, um adversário felino que rugia, caiu então sobre o basilisco, atirando-se
sem medo contra a mandíbula cujos contornos estavam bem delineados pelos fogos mágicos. O
grande felino agarrou-se sem dar qualquer importância aos vapores tóxicos, pois era um animal
mágico, imune a tais ataques. Garras de pantera cavaram linhas profundas nas gengivas do basilisco,
deixando o monstro beber do seu próprio sangue.
Por detrás da enorme cabeça, o caçador investiu uma e outra vez, cem vezes, e ainda mais.
Selvaticamente, cruelmente, as cimitarras abatiam-se contra a armadura de escamas, rasgando a
carne e penetrando o crânio, abatendo o basilisco até à escuridão da morte.
Muito depois de o monstro já estar caído e imóvel é que o golpear das cimitarras ensanguentadas
abrandou.
O caçador retirou o capuz e inspeccionou a pilha desfeita de massa pegajosa aos seus pés e as
nódoas quentes de sangue nas espadas. Ergueu as cimitarras a escorrer sangue no ar e proclamou a
vitória com um grito de exultação primevo.
Era o caçador, e esta era a sua casa!
Depois de despejar toda a raiva nesse grito, porém, o caçador olhou para o companheiro e ficou
envergonhado. Os olhos enormes da pantera julgavam-no, ainda que a pantera o não fizesse. O felino
era o único elo do caçador com o passado, com uma existência civilizada que o caçador em tempos
conhecera.
— Vem, Guenhwyvar — murmurou enquanto embainhava de novo as cimitarras. Deliciou-se co
o som destas palavras enquanto as pronunciava. Era a única voz que ouvira em mais de uma década.
Mas, cada vez que agora falava, as palavras pareciam ainda mais estranhas e chegavam-lhe co
dificuldade.
Perderia essa capacidade, também, como perdera quase todos os outros aspectos da sua anterior
existência? Isso era coisa que o caçador receava muito, porque sem a sua voz não poderia convocar
a pantera.
Então ficaria verdadeiramente só.
Pelos longos corredores do Subescuro seguiram o caçador e o seu felino, sem fazer um ruído, se
fazer mexer uma pedra. Juntos, tinham aprendido a conhecer os perigos deste mundo de sussurros.
Juntos tinham aprendido a sobreviver. Apesar desta vitória, contudo, o caçador não sorria, nesse dia.
Não temia inimigos, mas já não tinha a certeza se a sua coragem vinha da confiança ou se vinha da
apatia que sentia em viver.
Talvez a sobrevivência não bastasse.
Lembro-me vivamente do dia em que me afastei da cidade onde nasci, da cidade da minha
gente. Todo o Subescuro estava diante de mim — uma vida de aventura e de excitação,
cheia de possibilidades que me enchiam o coração. Mais do que isso, porém, deixei
Menzoberranzan com a crença de que poderia agora viver a minha vida de acordo com os
meus princípios. Tinha Guenhwyvar ao meu lado, e as minhas cimitarras à cintura. O meu
futuro, cabia-me a mim decidi-lo.
Mas aquele
fatídico, aindadrow,
malo entrado
jovem Drizzt Do’Urden
na décima que década
quarta se afastava
de de Menzoberranzan
vida, nesse dia
não podia imaginar a
verdade do tempo, de como a sua passagem parece tornar-se mais lenta quando os
momentos não são partilhados com outros. Na minha exuberante juventude, olhava com
expectativa para vários séculos de vida que tinha pela frente.
Como se medem séculos, quando uma simples hora parece um dia, e um único dia parece
um ano?
Para além das cidades do Subescuro, há comida para aqueles que sabem como encontrá-
la, e segurança para os que sabem esconder-se. Mais do que qualquer outra coisa, no
entanto, para além das cidades fervilhantes do Subescuro, há a solidão.
Enquanto me tornava uma criatura dos túneis vazios, a sobrevivência tornava-se mais
fácil e mais difícil ao mesmo tempo. Ganhei a destreza física e a experiência necessárias
para continuar a viver. Conseguia derrotar praticamente tudo o que se aventurasse nos
meus domínios, e aqueles poucos monstros que não conseguia derrotar, conseguia
certamente fugir ou esconder-me deles. Não demorei muito, porém, a descobrir um inimigo
mortal que não poderia derrotar, nem de que poderia fugir. Seguia-me para onde quer que
fosse — na verdade, quanto mais longe eu fugia, mais ele me cercava. O meu inimigo era a
solidão, o interminável, incessante silêncio dos corredores mudos.
Olhando agora para isso, tantos anos passados, dou comigo espantado e boquiaberto
perante as mudanças que sofri sob uma tal existência. A própria identidade de todo o ser
pensante é definida pela linguagem, pela comunicação entre esse ser e os que o rodeiam.
Sem esse elo, estava perdido. Quando deixei Menzoberranzan, decidi que a minha vida
seria baseada em princípios, com a minha força a aderir a crenças inquebrantáveis. No
entanto, após apenas alguns meses sozinho no Subescuro, o único objectivo da minha
sobrevivência era a minha sobrevivência. Tornara-me uma criatura de instintos, calculista
e manhosa, mas não pensante, não usando a minha mente para nada mais do que dirigir a
próxima morte.
Guenhwyvar salvou-me, creio. O mesmo companheiro que me arrancara a uma morte
certa sob as garras de inúmeros monstros salvou-me de uma morte pelo vazio — menos
dramática, talvez, mas não menos fatal. Dei comigo a viver para esses momentos em que o
felino podia andar ao meu lado, quando tinha outra criatura viva para ouvir as minhas
palavras, por muito fatigadas que se tivessem tornado. Para além de qualquer outro valor,
Guenhwyvar tornou-se o meu relógio, pois sabia que o felino só podia vir do seu Plano
Astral durante meio-dia, dia sim, dia não.
Só depois de as minhas provações terem terminado me apercebi de como esse um quarto
do meu tempo tinha sido realmente crítico. Sem Guenhwyvar, não teria encontrado a
determinação para prosseguir, nunca teria mantido a força para sobreviver.
Mesmo quando Guenhwyvar estava ao meu lado, dava comigo a ficar cada vez mais
ambivalente em relação a lutar. Começara secretamente a esperar que uma qualquer
criatura do Subescuro se mostrasse mais forte do que eu. Poderia a dor de uma presa ou de
uma garra ser maior do que a do vazio e do silêncio?
Penso que não.
— Drizzt Do’Urden
A Matrona Malice Do’Urden remexeu-se inquieta no trono de pedra da pequena e escura antecâmar
da grande capela da Casa Do’Urden. Para os elfos negros, que mediam a passagem do tempo e
décadas, este era um dia para ser marcado nos anais da casa de Malice: o décimo aniversário do
conflito em aberto entre a família Do’Urden e a Casa Hun’ett. A Matrona Malice, que nunca perdi
uma celebração, tinha um presente especial preparado para os seus inimigos.
Briza Do’Urden, a filha mais velha de Malice, uma grande e forte fêmea drow, andava para trás

para
—diante na antecâmara,
Já deveria impaciente,
ter acabado, o que não
por esta altura era invulgarenquanto
— resmungou, nela. dava um pontapé num pequeno
banco de três pernas. Este rebolou e virou-se, rasgando um pedaço de estofo de musgo.
— Paciência, minha filha — respondeu Malice, um pouco em tom de reprimenda, embor
partilhasse dos sentimentos de Briza. — Jarlaxle é cauteloso.
Briza virou costas perante a menção desse ultrajante mercenário, e dirigiu-se às portas de pedra
ricamente trabalhadas. Malice não deixou de perceber o significado das acções da filha.
— Não aprovas Jarlaxle e o seu bando — comentou sem emoção a Matrona Mãe.
— São uns vadios sem casa — rosnou Briza em resposta, mas ainda sem se virar para a mãe.
Não há lugar em Menzoberranzan para vadios sem casa. Perturbam a ordem natural da noss
sociedade. E são machos!
— Servem-nos bem — lembrou-lhe Malice.
Briza quis argumentar com o custo extremo de contratar mercenários, mas, sensatamente, manteve
a boca fechada. Ela e Malice andavam em oposição continuamente, praticamente desde o início d
guerra Do’Urden – Hun’ett.
— Sem os Bregan D’aerthe, não poderíamos tomar nenhuma atitude contra os nossos inimigos
prosseguiu Malice. — Usar os mercenários, os vadios sem casa, como lhes chamas, permite-no
fazer a guerra sem implicar a nossa Casa como perpetradora.
— Então, porque não despachar o assunto? — perguntou Briza, regressando rapidamente par
unto do trono. — Matamos uns quantos soldados Hun’ett, eles matam uns quantos dos nossos.
entretanto, ambas as casas continuam a recrutar substitutos! Assim, nunca acaba! Os únicos
vencedores deste conflito são os mercenários de Bregan D’aerthe… E seja lá qual for o bando que
Matrona SiNafay Hun’ett tiver contratado… E que se andam a alimentar dos cofres de ambas a
Casas!
— Olha o tom, minha filha — rugiu Malice, num irado aviso. — Estás a falar com uma Matron
Mãe.
Briza virou costas de novo.
— Devíamos ter atacado a Casa Hun’ett imediatamente, na noite em Zaknafein foi sacrificado
atreveu-se a resmungar.
— Esqueces as acções do teu irmão mais novo nessa noite — respondeu Malice sem se alterar.
Mas a Matrona Mãe estava enganada. Nem que vivesse outros mil anos, Briza nunca esqueceria a
acções de Drizzt na noite em que renegara a família. Treinado por Zaknafein, o amante favorito de
Malice e considerado o melhor mestre de armas de toda a Menzoberranzan, Drizzt atingira um níve
de destreza no combate que estava muito para além do normal entre os drow. Mas Zak dera também a
Drizzt as atitudes perturbadoras e blasfemas que Lolth, a divindade da Rainha Aranha dos elfo
negros, não poderia tolerar. Por fim, os modos sacrílegos de Drizzt tinham provocado a ira de Lolth,
e a Rainha Aranha, por sua vez, exigira a sua morte.
A Matrona Malice, impressionada pelo potencial de Drizzt como guerreiro, agira entã
ousadamente em favor de Drizzt e oferecera a Lolth o coração de Zaknafein, para a compensar pelo
pecados do filho. Perdoara a Drizzt na esperança de que este emendasse os seus comportamentos e
viesse a substituir o mestre de armas deposto.
Em troca, no entanto, o ingrato Drizzt traíra-os a todos e fugira para o Subescuro; um gesto que nã
só deixava a Casa Do’Urden despojada do seu único potencial mestre de armas, mas que també
colocava a Matrona Malice e o resto da Casa Do’Urden longe do favor de Lolth. No desastroso fina
de todos os seus esforços, a Casa Do’Urden perdera o seu excelente mestre de armas, o favor d
Lolth e o seu potencial novo mestre de armas. Não fora um dia bom.
Felizmente, a Casa Hun’ett sofrera desaires semelhantes nesse mesmo dia, perdendo ambos o
seus magos numa tentativa falhada de matar Drizzt. Com ambas as casas enfraquecidas e caídas e
desgraça junto de Lolth, a guerra esperada transformara-se numa série calculada de raides
dissimulados.
Briza nunca esqueceria.
Uma pancada na porta da antecâmara fez Briza e a mãe estremecerem, acordando-as das sua
memórias desses tempos fatídicos. A porta abriu-se e Dinin, o Rapaz Mais Velho da Casa, entrou.
— Saudações, Matrona Mãe — disse Dinin, com os modos adequados e fazendo uma profund
vénia. Queria que as suas notícias fossem uma surpresa, mas o sorriso que acabou por se lhe abrir no
rosto revelou tudo.
— Jarlaxle regressou! — murmurou Malice, radiante.
Dinin virou-se para a porta aberta e o mercenário, que esperava pacientemente no corredor, entrou
com ar decidido. Briza, sempre espantada com os maneirismos invulgares do mercenário, abanou a
cabeça enquanto Jarlaxle passava por ela. Quase todos os elfos negros de Menzoberranzan s
vestiam de uma forma discreta e prática, com vestes adornadas pelos símbolos da Rainha Aranha ou
com cotas de malha leves sob as pregas dos seus mantos mágicos de camuflagem, ospiwafwi.

Jarlaxle, arrogante
Menzoberranzan. Estavaelonge
espalhafatoso,
da norma da seguia poucos
sociedade drow edos costumes
exibia dos habitantes
essas diferenças de
abertamente,
desafiadoramente. Não trajava um manto, nem uma veste longa, mas uma capa curta e brilhante que
exibia todas as cores do espectro, tanto à luz como ao espectro infravermelho dos olhos sensíveis ao
calor. A magia daquela capa só podia ser calculada, mas os que estavam mais próximos do chefe dos
mercenários diziam que era de facto muito valiosa.
A capa de Jarlaxle não cobria os braços e era tão curta que o estômago magro e fortemente
musculado ficava bem à vista de todos. Usava uma pala sobre um olho, ainda que os observadores
mais atentos percebessem que era ornamental, pois mudava-a frequentemente de um olho para o
outro.
— Minha cara Briza — disse Jarlaxle por cima do ombro, notando o interesse desdenhoso da alt
sacerdotisa pela sua chegada. Girou sobre os calcanhares e fez uma vénia, fazendo rodopiar o chapéu
de abas largas — outra singularidade, ainda mais invulgar porque o chapéu era adornado por penas
monstruosas de uma diatryma, uma ave gigantesca do Subescuro.
Briza suspirou e virou costas perante a visão da cabeça inclinada do mercenário. Os elfos dro
usavam o cabelo branco e espesso como sinal da sua posição e afiliação à Casa. Jarlaxle, o vadio,
não usava cabelo nenhum e, do ângulo de visão de Briza, a cabeça rapada parecia uma bola de ónix
polido.
Jarlaxle riu-se em silêncio perante a desaprovação continuada da filha mais velha da Cas
Do’Urden e voltou-se de novo para a Matrona Malice, com as suas muitas jóias a tilintar e com a
botas duras e brilhantes a ressoar a cada passo. Briza notou isso também, pois sabia que aquelas
botas, e aquelas jóias, só pareciam fazer barulho quando Jarlaxle queria que o fizessem.
— Está feito? — perguntou a Matrona Malice, antes que o mercenário pudesse sequer iniciar
saudação devida.
— Minha cara Matrona Malice — respondeu Jarlaxle com um suspiro condoído, sabendo qu
podia deixar de lado as formalidades, tendo em conta as grandes novidades que trazia. — Duvidaste
de mim? Fico evidentemente ferido no meu coração.
Malice desceu do trono, com os punhos cerrados em sinal de vitória.
— Dipree Hun’ett está morto! — proclamou. — A primeira vítima nobre da guerra!
— Esqueces Masoj Hun’ett — notou Briza. — Chacinado por Drizzt há dez anos. E Zaknafei
Do’Urden — teve de acrescentar, contra o que mandaria o bom senso —, morto pelas tuas próprias
mãos.
— Zaknafein não era nobre por nascimento — desdenhou Malice para a sua impertinente filha.
Mas as palavras de Briza tinham-na, mesmo assim, espicaçado. Malice decidira sacrifica
Zaknafein no lugar de Drizzt, contra as recomendações de Briza.
Jarlaxle pigarreou, para aliviar a tensão. O mercenário sabia que tinha de terminar os seu
assuntos e sair da Casa Do’Urden o mais depressa possível. Sabia bem — embora os Do’Urden nã
o soubessem — que a hora marcada estava a aproximar-se.
— Há ainda o assunto do meu pagamento — relembrou a Malice.
— Dinin tratará disso — respondeu Malice com um gesto da mão, sem desviar os olhos do olha
fixo e pernicioso da filha.
— Com a vossa licença, então — disse Jarlaxle, acenando para o Rapaz Mais Velho.
Antes que o mercenário desse o primeiro passo em direcção à porta, Vierna, a segunda filha de
Malice, entrou de rompante na sala, com o rosto a brilhar fortemente no espectro infravermelho,
acalorada por uma óbvia exaltação.
— Raios… — murmurou Jarlaxle.
— Que se passa? — perguntou a Matrona Malice.
— A Casa Hun’ett — gritou Vierna. — Há soldados no nosso complexo! Estamos a ser atacados!
No pátio, para lá do complexo das cavernas, quase quinhentos soldados da Casa Hun’ett — uns bon
cem mais do que os que a Casa Hun’ett supostamente deveria ter — seguiam na esteira de raios de
luz que tinham escancarado os portões de adamantite da Casa Do’Urden. Os trezentos e cinquent
soldados da Casa Do’Urden acorreram dos aglomerados de estalagmites que serviam de sua
casernas, para conter o ataque.
Em inferioridade numérica, mas treinados por Zaknafein, os soldados Do’Urden formaram e
posições defensivas ordenadas, protegendo os seus magos e sacerdotisas, para que estes pudessem
lançar os seus encantamentos.
Um contingente inteiro de soldados da Casa Hun’ett, fortalecido por encantamentos voadores
rodopiou pela parede da caverna que abrigava os aposentos nobres da Casa Do’Urden. Pequeno
arcos de mão dispararam e fizeram reduzir-se as fileiras da força voadora com dardos mortíferos,
envenenados. A surpresa dos invasores voadores, porém, fora conseguida, e as tropas Do’Urden
depressa se viram colocadas numa posição precária.
— Hun’ett não tem o favor de Lolth! — gritou Malice. — Não se atreveriam a atacar abertamente!
Estremeceu perante o som de um retumbante raio, e depois outro, e depois ainda outro.
— Ah, sim? — lançou-lhe Briza.
Malice fez um olhar ameaçador à filha, mas não teve tempo para prosseguir a discussão. O método
normal de ataque por uma casa drow implicava um assalto por soldados combinado com uma
barragem mental pelas sacerdotisas mais elevadas da Casa atacante. Malice, porém, não senti
nenhum ataque mental, o que lhe dizia, sem margem para dúvidas, que era de facto a Casa Hun’et
que estava à sua porta. As sacerdotisas Hun’ett, tendo perdido o favor da Rainha Aranha, não
podiam, aparentemente, usar os seus poderes conferidos por Lolth para lançar um ataque mental.
Malice e as filhas, que também tinham perdido o favor da Rainha Aranha, não teriam tido quaisque
esperanças de derrotar um tal ataque.
— Porque se atreveriam a atacar? — interrogou-se Malice em voz alta.
Briza compreendeu o raciocínio da mãe.
— São ousados, de facto — respondeu. — Esperar que os seus soldados sozinhos possa
eliminar todos os membros da nossa Casa…
Toda a gente que estava na sala, todo o drow de Menzoberranzan conhecia os castigos brutais e
absolutos que seriam exercidos contra qualquer Casa que falhasse na tentativa de erradicar outra
Casa. Estes ataques não eram mal vistos, mas ser apanhado a fazê-los era decididamente punido.
Rizzen, o actual patrono da Casa Do’Urden, entrou então na antecâmara, com uma expressã
sombria.
— Estamos em desvantagem numérica e mal posicionados — disse. — A nossa derrota será
rápida, receio bem.
Malice nunca aceitaria essa notícia. Agrediu Rizzen com um golpe que o fez deslizar pelo chão até
ao meio da sala; depois, virou-se para Jarlaxle:
— Tens de chamar o teu bando! — gritou Malice para o mercenário.
— Matrona… — gaguejou Jarlaxle, obviamente confundido. — Bregan D’aerthe é um grup
secreto. Não nos imiscuímos em guerras abertas. Fazê-lo levar-nos-ia a incorrer na ira do Conselh
Governante!
— Pagar-te-ei o que desejares — prometeu a desesperada Matrona Mãe.
— Mas o custo…
— Tudo o que desejares! — repetiu Malice.
— Uma tal acção… — recomeçou Jarlaxle.
Mais uma vez, Malice não o deixou terminar o argumento.
— Salva a minha Casa, mercenário — rosnou. — Os teus ganhos serão enormes; mas aviso-te: o
teus custos se falhares serão ainda maiores!
Jarlaxle não gostava de ser ameaçado, especialmente por uma matrona mãe caída em desgraça,
cujo mundo estava prestes a desabar à sua volta. Mas aos ouvidos do mercenário, a doce palavra
«ganhos» tinha mil vezes mais peso do que uma ameaça. Após dez anos consecutivos de recompensas
exorbitantes obtidas com o conflito Do’Urden – Hun’ett, Jarlaxle não duvidava da intenção d
Malice, nem da sua capacidade para pagar o prometido, tal como também não tinha dúvidas de que
este acordo se mostraria mais lucrativo do que o acordo que tinha firmado com a Matrona SiNafa
Hun’ett, pouco antes, nessa mesma semana.
— Como queiras — disse Jarlaxle para a Matrona Malice, com uma vénia e um rodopiar d
vistoso chapéu. — Verei o que posso fazer.
Uma piscadela de olho para Dinin fez o Rapaz Mais Velho seguir o mercenário enquanto este saí
da sala.
Quando os dois saíram para a varanda que dava para o pátio do complexo Do’Urden, viram que
situação era ainda mais desesperada do que Rizzen descrevera. Os soldados da Casa Do’Urden
os que restavam vivos — estavam encurralados dentro e em volta de um dos grandes aglomerados de
estalagmites que serviam de apoio ao portão frontal.
Um dos soldados voadores Hun’ett saltou para a varanda assim que viu um nobre Do’Urden, ma
Dinin despachou-o com uma única e estonteante rotina de ataque.
— Muito bem — comentou Jarlaxle, fazendo um aceno de aprovação para Dinin. Avançou para
dar uma palmada de elogio no ombro do Rapaz Mais Velho, mas Dinin esgueirou-se.
— Temos outros assuntos — lembrou secamente a Jarlaxle. — Chama as tuas tropas, e be
depressa. Receio bem que a Casa Hun’ett ganhe o dia.
— Mantém-te sereno, meu amigo — riu-se Jarlaxle.

Puxou de um
instrumento pequeno
estava apito queafinado
magicamente trazia ao pescoço e soprou.
exclusivamente Dinin
para os não ouviu
ouvidos nenhum som,
dos membros do clãporque
Bregano
D’aerthe.
O Rapaz Mais Velho Do’Urden observou com espanto enquanto Jarlaxle soprava calmamente um
cadência específica, e depois viu com ainda maior espanto mais de uma centena de soldados Hun’et
a voltarem-se contra os seus camaradas.
Os Bregan D’aerthe só deviam fidelidade a Bregan D’aerthe.
— Não nos podiam atacar — dizia Malice teimosamente, andando para trás e para diante n
antecâmara. — A Rainha Aranha não os ajudaria numa tal aventura.
— Estão a vencer sem a ajuda da Rainha Aranha — relembrou-lhe Rizzen, encolhendo-s
prudentemente no canto mais afastado da sala, enquanto dizia essas palavras indesejadas.
— Disseste que eles nunca atacariam! — rosnou Briza para a mãe. — Precisamente enquanto no
explicavas a nós por que razão não os podíamos atacar a eles!
Briza recordava-se bem dessa discussão, pois fora ela quem sugerira um ataque frontal à Cas
Hun’ett. Malice ralhara-lhe asperamente e publicamente por isso, e agora Briza queria devolver-lh
a humilhação. A voz dela escorria sarcasmo enquanto apontava cada palavra à mãe:
— Será que a Matrona Malice Do’Urden se enganou?
A resposta de Malice veio sob a forma de um olhar que mostrava algo entre a raiva e o terror.
Briza devolveu o olhar sem ambiguidade e subitamente a Matrona Mãe da Casa Do’Urden já não s
sentia tão invencível e segura dos seus actos. Começou a avançar nervosamente, um momento mais
tarde, quando Maya, a mais nova das filhas Do’Urden, entrou na sala.
— Romperam as defesas e entraram na casa! — gritou Briza, presumindo o pior. Agarrou o seu
chicote de cabeças de serpente. — E ainda nem sequer preparámos a nossa defesa!
— Não! — corrigiu Maya rapidamente. — Nenhum inimigo passou da varanda. A batalha virou-se
agora contra os Hun’ett!
— Como eu bem sabia que haveria de ser — observou Malice, recompondo-se e falando
claramente para Briza. — Louca é a Casa que avança sem o favor de Lolth!
Apesar desta proclamação, porém, Malice calculou que algo mais do que o julgamento da Rainh
Aranha tinha entrado em jogo no pátio. O seu raciocínio levou-a inevitavelmente a Jarlaxle e ao se
bando de mercenários pouco dignos de confiança.
Jarlaxle saltou da varanda e, usando as suas capacidades inatas de drow, levitou até ao chão da
caverna. Não vendo nenhuma necessidade de se envolver pessoalmente numa batalha que estava
obviamente sob controlo, Dinin descontraiu-se e ficou a ver o mercenário, avaliando tudo o que
acabara de transpirar. Jarlaxle tinha jogado com ambos os lados, lançando-os um contra o outro, e
mais uma vez o mercenário e o seu bando eram os únicos verdadeiros vencedores. Os Brega
D’aerthe eram inegavelmente sem escrúpulos, mas tinha de admitir que eram também inegavelmente
eficazes.
Dinin descobriu que gostava daquele renegado.
— A acusação foi devidamente entregue à Matrona Baenre? — perguntou Malice a Briza quando
luz de Narbondel, a estalagmite magicamente iluminada que servia de relógio de Menzoberranzan,
começou a subir pela pedra, marcando a alvorada de um novo dia.
— A Casa reinante já esperava a visita — respondeu Briza com um esgar. — Toda a cidade fala
do ataque e de como a Casa Do’Urden repeliu os invasores da Casa Hun’ett.
Malice tentou futilmente esconder o sorriso vaidoso. Apreciava a atenção e a glória que sabia que
seria concedida à sua Casa.
— O Conselho Governante será reunido hoje mesmo — prosseguiu Briza. — Sem dúvida par
grande pesar da Matrona SiNafay Hun’ett e dos seus filhos condenados.
Malice acenou em concordância. Eliminar uma casa rival em Menzoberranzan era perfeitament
aceitável entre os drow. Mas falhar na tentativa, deixar nem que fosse uma única testemunha de
sangue nobre viva para fazer uma acusação, srcinava o julgamento do Conselho Governante,
concitando uma ira que trazia a destruição absoluta no seu encalço.
Viraram-se ambas para a porta ornamentada quando ouviram bater.
— Foste convocada, Matrona — disse Rizzen, entrando. — A Matrona Baenre mandou um disc
para te levar.
Malice e Briza trocaram olhares cheios de esperanças, mas nervosos. Quando o castigo caíss
sobre a Casa Hun’ett, a Casa Do’Urden subiria para o oitavo lugar na hierarquia da cidade, um
posição muito desejável. Só as matronas mães das primeiras oito casas tinham direito a um lugar no
Conselho Governante da cidade.
— Já? — perguntou Briza para a mãe.
Malice limitou-se a encolher os ombros em resposta e seguiu Rizzen para fora da sala e até
varanda da casa. Rizzen ofereceu-lhe uma mão para ajudar, que ela teimosa e imediatamente afastou
com um gesto seco. Com o orgulho bem visível em cada movimento, Malice passou por cima d
varanda e flutuou até ao pátio, onde a maioria dos soldados que lhe restavam estava reunida. O disco
flutuante, brilhando a azul, com as insígnias da Casa Baenre, pairava logo à saída dos portões de
adamantite do complexo da Casa Do’Urden.
Malice caminhou orgulhosamente por entre a pequena multidão reunida; os elfos negros
tropeçavam uns nos outros, tentando sair do caminho de Malice. Este era o dia dela, decidira, o di
em que conseguiria obter o seu lugar no Conselho Governante, posição que tanto merecia.
— Matrona Mãe, acompanhar-te-ei pela cidade — ofereceu-se Dinin, que estava ao portão.
— Ficarás aqui com o resto da família — corrigiu-o Malice. — A convocatória foi apenas para
mim.
— Como podes saber? — interrogou Dinin, mas percebendo que tinha ultrapassado os seus limite
de posição assim que as palavras lhe saíram da boca.
Quando Malice virou o seu olhar de censura para ele, já Dinin tinha desaparecido por entre
multidão de soldados.
— Haja respeito — resmungou Malice em surdina, instruindo os soldados que estavam mais perto
para retirarem uma secção do portão fechado. Com um olhar final e vitorioso aos seus súbditos,
Malice saiu e sentou-se no disco flutuante.
Não era a primeira vez que Malice aceitava um tal convite da Matrona Baenre, e por isso nã
ficou minimamente surpreendida quando várias sacerdotisas saíram das sombras para rodearem o
disco flutuante numa guarda protectora. A última vez que Malice fizera esta viagem fora às cegas,
sem realmente compreender as intenções de Baenre ao chamá-la. Desta vez, no entanto, Malic
cruzou os braços desafiadoramente e deixou que os mirones curiosos a vissem em todo o esplendor
da sua vitória.
Malice aceitou os olhares orgulhosamente, sentindo-se claramente superior. Mesmo quando o
disco chegou à fabulosa vedação semelhante a uma teia da Casa Baenre, com os seus mil guardas
marchar e com as suas estruturas enormes de estalagmites e estalactites, o orgulho de Malice não
diminuiu.
Era agora do Conselho Governante, ou seria daí a pouco; já não tinha de se sentir intimidada e
parte nenhuma da cidade.
Ou, pelo menos, assim pensava.
— A tua presença é exigida na capela — disse-lhe uma das sacerdotisas Baenre quando o disco
parou junto às escadas serpenteantes de um dos grandes edifícios abobadados.
Malice desceu do disco e começou a subir os degraus polidos. Assim que entrou, reparou numa
figura sentada numa das cadeiras junto ao altar central elevado. A drow que estava sentada, e que era
a única outra pessoa visível na capela, aparentemente não tinha notado que Malice entrara. Estav
sentada confortavelmente, bem recostada, observando a grande imagem no topo da cúpula, enquanto
esta mudava de formas, parecendo primeiro uma aranha gigante e depois uma bela fêmea drow.
Enquanto se aproximava, Malice reconheceu as vestes de uma matrona mãe, e presumiu, como
desde que entrara, que se tratava da Matrona Baenre, a mais poderosa personagem de toda
Menzoberranzan, à sua espera. Malice seguiu até aos degraus do altar, surgindo por detrás da drow
sentada. Sem esperar por um convite, avançou ousadamente, passando para a frente da outra matrona
mãe, para a saudar.
Não foi, porém, a forma envelhecida e emaciada da Matrona Baenre que Malice encontrou n
centro da capela Baenre. A matrona mãe sentada não era mais velha do que os anos normais dos
drow, nem tão enrugada e seca como um cadáver. Na verdade, esta drow não era sequer mais velha
do que Malice, e era bastante pequena. Malice reconheceu-a bem demais.
— SiNafay! — gritou, quase caindo.
— Malice… — respondeu a outra, calmamente.
Mil possibilidades perturbantes passaram pela cabeça de Malice. SiNafay Hun’ett deveria esta
encolhida em terror na sua casa condenada, à espera da aniquilação da sua família. E no entanto, ali
estava sentada confortavelmente, nos aposentos mais exclusivos da família mais importante de
Menzoberranzan!
— O teu lugar não é aqui! — protestou Malice, com os punhos magros cerrados ao lado do corpo.
Considerou as possibilidades de atacar a rival ali mesmo, de esganar SiNafay com as suas própria
mãos.
— Mantém-te calma, Malice — respondeu descontraidamente SiNafay. — Estou aqui a convite d
Matrona Baenre, tal como tu.
A menção da Matrona Baenre e o relembrar do sítio onde estavam acalmaram consideravelmente
Malice. Uma pessoa não podia agir como lhe apetecesse na capela da Casa Baenre! Malice avanço
para o lado oposto do altar e sentou-se, sem que o seu olhar deixasse por um momento o rosto
sorridente de SiNafay Hun’ett.
Após alguns minutos intermináveis de silêncio, Malice teve de dizer o que lhe ia na mente.
— Foi a Casa Hun’ett que atacou a minha família na última escuridão de Narbondel — disse.
Tenho muitas testemunhas desse facto. Não pode haver quaisquer dúvidas!
— Nenhumas — respondeu SiNafay, com a sua concordância a apanhar Malice de surpresa.
— Admites os teus actos? — espantou-se Malice.
— Assim é — disse SiNafay. — Nunca o neguei.
— E, no entanto, vives — rosnou Malice. — As leis de Menzoberranzan exigem justiça contra ti
a tua Casa.
— Justiça? — SiNafay riu-se perante essa ideia absurda. A justiça nunca fora mais do que um
mera fachada e um meio de manter a aparência de ordem na caótica Menzoberranzan. — Agi
conforme a Rainha Aranha me exigiu.
— Se a Rainha Aranha tivesse aprovado os teus métodos, terias saído vitoriosa — raciocino
Malice.
— Não é assim — interrompeu outra voz.
Malice e SiNafay voltaram-se no momento em que a Matrona Baenre apareceu magicamente
sentada confortavelmente na cadeira mais afastada do altar.
Malice quis gritar para a ressequida matrona mãe, tanto por espiar a conversa delas, como por
aparentemente refutar as suas pretensões contra SiNafay. Mas Malice conseguira sobreviver ao
perigos de Menzoberranzan durante quinhentos anos, em primeiro lugar, porque compreendia os
perigos de irritar alguém como a Matrona Baenre.
— Proclamo os meus direitos de acusação contra a Casa Hun’ett — disse calmamente.
— Concedidos — respondeu a Matrona Baenre. — Tal como disseste, e como SiNafay concordou,
não restam quaisquer dúvidas.
Malice virou-se triunfante para SiNafay, mas a matrona mãe da Casa Hun’ett continuo
descontraída e despreocupada.
— Mas então porque está ela aqui? — gritou Malice, com um tom à beira de uma violênci
explosiva. — SiNafay é uma marginal. É…
— Ninguém pôs em causa as tuas palavras — interrompeu a Matrona Baenre. — A Casa Hun’et
atacou e falhou. As penalidades para um tal acto são bem conhecidas e assentes, e o Conselho
Governante reunir-se-á hoje mesmo para garantir que a justiça seja feita.
— Então, porque está SiNafay aqui? — perguntou Malice.
— Duvidas da sabedoria do meu ataque? — perguntou SiNafay a Malice, tentando conter um
gargalhadinha.
— Foste derrotada — relembrou-lhe Malice secamente. — Só isso deveria bastar-te par
resposta.
— Foi Lolth que exigiu o ataque — disse a Matrona Baenre.
— Porque foi então a Casa Hun’ett derrotada? — perguntou teimosamente Malice. — Se a Rainh

Aranha…
— Eu não disse que a Rainha Aranha tivesse dado a sua bênção à Casa Hun’ett — interrompeu
Matrona Baenre, num tom vagamente irado.
Malice remexeu-se na cadeira, lembrando-se do seu lugar e dos seus apuros.
— Só disse que Lolth exigiu o ataque — prosseguiu a Matrona Baenre. — Durante dez anos, tod
a Menzoberranzan teve de sofrer o espectáculo da vossa guerra privada. A intriga e a excitação já se
perderam há muito tempo, deixem que vos garanta a ambas. O assunto tinha de ser decidido.
— E foi — declarou Malice, levantando-se da cadeira. — A Casa Do’Urden mostrou-se vitoriosa
e exijo os direitos de acusação contra SiNafay Hun’ett e a sua família!
— Senta-te, Malice — disse SiNafay. — Há aqui mais em jogo do que os teus simples direitos d
acusação.
Malice olhou para a Matrona Baenre, em busca de confirmação, muito embora, tendo em conta
presente situação, não pudesse duvidar das palavras de SiNafay.
— Está feito — disse-lhe a Matrona Baenre. — A Casa Do’Urden venceu, e a Casa Hun’e
desaparecerá.
Malice deixou-se cair de novo na cadeira, sorrindo trocista para SiNafay. Mesmo assim,
matrona mãe da Casa Hun’ett não parecia minimamente preocupada.
— Assistirei à destruição da tua Casa com grande prazer — garantiu Malice à rival. Depois
voltou-se para a Matrona Baenre: — Quando será exercido o castigo?
— Já foi feito — respondeu a Matrona Baenre misteriosamente.
— Mas SiNafay está viva! — gritou Malice.
— Não — corrigiu a velha matrona mãe. — Vive aquela que em tempos foi SiNafay Hun’ett.
Agora Malice começava a compreender. A Casa Baenre sempre fora oportunista. Seria que
Matrona Baenre estava a roubar as sacerdotisas da Casa Hun’ett para as acrescentar às sua
próprias?
— Vais tu dar-lhe guarida? — atreveu-se Malice a perguntar.
— Não — respondeu calmamente a Matrona Baenre. — Essa tarefa compete-te a ti.
Os olhos de Malice arregalaram-se. De todos os muitos deveres que já recebera nos seus dia
como alta sacerdotisa de Lolth, não conseguiria recordar-se de nenhum tão intragável.
— Mas ela é minha inimiga! E pedes-me que lhe dê guarida?
— É tua filha — respondeu secamente a Matrona Baenre. Depois, o tom da voz tornou-se mai
suave e um sorriso seco abriu-se-lhe nos lábios. — A tua filha mais velha, que regressou de viagens
a Ched Nasad ou outra cidade qualquer da nossa gente.
— Porque estás a fazer isto? — perguntou Malice. — É uma coisa sem precedentes!
— Isso não é completamente verdade — respondeu a Matrona Baenre. Os dedos tamborilaram
sua frente enquanto se recostava, mergulhando nos pensamentos, relembrando algumas das estranhas
consequências da interminável fiada de batalhas dentro da cidade drow.
— À primeira vista, as tuas observações estão correctas — continuou a explicar a Malice. — Ma
decerto és sensata o suficiente para saber que muitas coisas ocorrem por detrás das aparências em
Menzoberranzan. A Casa Hun’ett deve ser destruída, e isso não se pode alterar; e todos os nobres d

Casa
— fezHun’ett terãopor
uma pausa de ser
um chacinados. Afinal
momento, para de contas,de
se assegurar é aque
única coisacompreenderia
Malice civilizada que se pode fazeo
plenamente
significado da sua afirmação seguinte: — Pelo menos, têm de parecer ter sido chacinados.
— E tu tratarás disso? — perguntou Malice.
— Já tratei — tranquilizou-a a Matrona Baenre.
— Mas com que finalidade?
— Quando a Casa Hun’ett iniciou o seu ataque contra ti, invocaste a Rainha Aranha nas tuas lutas
— perguntou a Matrona Baenre directamente. A perguntou intrigou Malice, e a resposta esperad
perturbou-a mais do que um pouco. — E quando a Casa Hun’ett foi repelida — prosseguiu a Matron
Baenre friamente —, deste louvores à Rainha Aranha? Invocaste alguma aia de Lolth no teu moment
de vitória, Malice Do’Urden?
— Estou aqui a ser julgada? — gritou Malice. — Sabes a resposta, Matrona Baenre — Olhou par
SiNafay desconfortavelmente enquanto respondia, receando estar a deixar escapar algum
informação valiosa: — Estás ciente da minha situação relativamente à Rainha Aranha. Não me atrev
a convocar uma yochlol até ter tido algum sinal de ter recuperado o favor de Lolth.
— E não viste nenhum sinal — notou SiNafay.
— Nenhum, a não ser a derrota da minha rival — rosnou-lhe Malice de volta.
— Isso não foi nenhum sinal da Rainha Aranha — garantiu a Matrona Baenre a ambas. — Lolt
não se envolveu nas vossas lutas. Apenas exigiu que acabassem!
— E está satisfeita com o resultado? — perguntou directamente Malice.
— Isso ainda está por saber — retorquiu a Matrona Baenre. — Há muitos anos, Lolth deixou clar
que deseja que a Matrona Malice se sente no Conselho Governante. A partir da próxima luz d
Narbondel, assim será.
O queixo de Malice ergueu-se com orgulho.
— Mas vê se entendes o teu dilema — repreendeu-a a Matrona Baenre, erguendo-se na cadeira
Malice encolheu-se imediatamente. — Perdeste mais de metade dos teus soldados — explicou
Matrona Baenre. — E não tens uma grande família a rodear-te e a apoiar-te. Governas a oitava Cas
da cidade, e no entanto toda a gente sabe que não estás nos favores da Rainha Aranha. Quanto tempo
crês que a Casa Do’Urden poderá manter a sua posição? O teu lugar no Conselho Governante está e
perigo, antes mesmo de o assumires!
Malice não poderia refutar a lógica da velha matrona mãe. Ambas conheciam bem os costumes de
Menzoberranzan. Com a Casa Do’Urden tão obviamente diminuída, qualquer outra Casa menor e
breve tiraria partido da oportunidade para melhorar a sua posição. O ataque da Casa Hun’ett nã
seria o último combate travado no complexo Do’Urden.
— Por isso, entrego-te SiNafay Hun’ett… Shi’nayne Do’Urden… Uma nova filha, uma nova alt
sacerdotisa — disse a Matrona Baenre. Depois, voltou-se para SiNafay, para prosseguir
explicação, mas Malice deu consigo subitamente distraída por uma voz que a chamava nos seus
pensamentos, numa mensagem telepática.
— Mantém-na apenas enquanto precisares dela, Malice Do’Urden — dizia a mensagem. Malice
olhou em volta, tentando perceber a srcem da mensagem. Numa anterior visita à Casa Baenr
conhecera o leitor de mentes da Matrona, um animal telepático. A criatura não estava à vista, mas a
Matrona Baenre também não estivera à vista quando Malice entrara na capela. Malice olhou e
volta, observando as cadeiras em redor do altar, uma a uma, mas as peças de mobiliário de pedra
não mostravam sinais de quaisquer ocupantes.
Uma segunda mensagem telepática não lhe deixou dúvidas:
— Saberás quando for o momento certo.
— …e os restantes cinquenta soldados da Casa Hun’ett — estava agora a Matrona Baenre a dizer
— Concordas, Matrona Malice?
Malice olhou para SiNafay, com uma expressão que tanto podia ser de aceitação, como de ironi
maldosa.
— Concordo — respondeu.
— Vai, então, Shi’nayne Do’Urden — instruiu a Matrona Baenre a SiNafay. — Reúne os teu
soldados restantes no pátio. Os meus magos vos farão chegar à Casa Do’Urden em segredo.
SiNafay lançou um olhar desconfiado na direcção de Malice, e depois saiu da grande capela.
— Compreendo — disse Malice à sua anfitriã assim que SiNafay saiu.
— Não compreendes coisa nenhuma — gritou-lhe a Matrona Baenre em resposta, subitament
irada. — Fiz por ti tudo o que posso, Malice Do’Urden! Era desejo de Lolth que tivesses assento n
Conselho Governante, e tratei de que, com grande custo pessoal meu, assim seja!
Malice soube então, para além de qualquer dúvida, que a Casa Baenre tinha incitado a Cas
Hun’ett à acção. Até que ponto chegaria a influência da Matrona Baenre? — interrogou-se Malice
Talvez a envelhecida Matrona Mãe também tivesse previsto, e possivelmente disposto, as acções de
Jarlaxle e dos soldados de Bregan D’aerthe, que tinham sido o factor decisivo da batalha.
Tinha de descobrir a verdade sobre essa possibilidade, prometeu a si mesma. Jarlaxle tinha
metido os seus gananciosos dedos bem fundo na sua bolsa.
— Mas basta — prosseguiu a Matrona Baenre. — Agora, estás entregue a ti própria. Ainda nã
recuperaste o favor de Lolth, e essa é a única maneira de tu e a Casa Do’Urden sobreviverem!
O punho de Malice apertou o braço da cadeira com tanta força que quase esperou ouvir a pedra
estalar sob os dedos. Tinha esperado, com a derrota da Casa Hun’ett, pôr os gestos blasfemos do
filho mais novo para trás.
— Sabes o que precisa de ser feito — disse a Matrona Baenre. — Corrige o erro, Malice
Avancei por ti. Não tolerarei mais falhas!
— As disposições foram-nos explicadas, Matrona Mãe — disse Dinin a Malice quando est
regressou ao portão de adamantite da Casa Do’Urden. Dinin seguiu Malice através do complexo
depois levitou ao lado dela até à varanda exterior dos aposentos nobres da casa.
— Toda a família está reunida na antecâmara — prosseguiu Dinin. — Mesmo o membro mais
recente — acrescentou com uma piscadela de olho.
Malice não respondeu à fraca tentativa de humor do filho. Empurrou Dinin para o lado secamente e
avançou de modo brusco pelo corredor central, mandando a porta da antecâmara abrir-se com uma
única e poderosa palavra. A família afastou-se do seu caminho enquanto passava em direcção ao
trono, no outro extremo da mesa em forma de aranha.
Esperavam uma longa reunião, para serem informados da nova situação com que se deparavam e
dos desafios que teriam de vencer. Em vez disso, receberam uma breve visão da ira que ardia dentro
de Matrona Malice. Olhou fixamente para cada um deles, deixando que cada um ficasse a saber, par
além de quaisquer dúvidas, que não aceitaria nada menos do que o que ia exigir. Com a voz a soar
como se tivesse a boca cheia de pedras, rosnou:
— Encontrem Drizzt e tragam-mo!
Briza ia começar a protestar, mas Malice lançou-lhe um olhar tão completamente gélido e
ameaçador que as palavras lhe fugiram da boca. A filha mais velha, teimosa como a mãe e sempre
pronta para uma discussão, desviou os olhos. E mais ninguém na sala, ainda que todos partilhasse
das preocupações de Briza, fez qualquer menção de querer argumentar.
Malice deixou-os então a tratar de lidar com os pormenores de como haveriam de cumprir essa
tarefa. Os pormenores não importavam muito a Malice.
O único papel que esperava desempenhar em tudo aquilo era o de cravar o punhal cerimonial no
peito do filho mais novo.
BIOGRAFIA

R. A. Salvatore é um autor norteamericano conhecido pelos seus romances da sérieForgotten


ealms e Vector Prime, pertencente à série New Jedi Order do universo Star Wars. O seu primeiro
romance, The Crystal Shard , foi publicado em 1988, ao qual se seguiram várias trilogias,
alcançando a popularidade com a sua criação de uma das personagens mais famosas da fantasia, o
elfo negro Drizzt Do’Urden. R. A. Salvatore vive em Massachusetts, EUA, com a mulher e trê
filhos.
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DIÁRIO DE UMA OBSESSÃO

Claire Kendal

Os fãs de Gone Girl irão arrepiar-se com este thriller sobre poder e perseguição.

Clarissa está cada vez mais assustada com o seu colega Rafe. Ele não a deixa em paz e recusa-se
aceitar “não” como resposta. Está sempre presente.
Ser convocada para ser jurada é um alívio. A sala do tribunal é um abrigo seguro, um lugar onde
Rafe não pode estar. Mas à medida que uma narrativa de rapto e violação se desenrola, Clariss
começa a ver paralelismos entre a sua situação e a da jovem na barra das testemunhas. Se quer
sobreviver, Clarissa terá que expor o seu perseguidor. Ao desenredar o macabro e perverso conto de
fadas que Rafe teceu em torno deles, descobre que o final que ele visiona é mais aterrador do que ela
poderia alguma vez imaginar. Mas como é que alguém pode proteger-se de um inimigo que mais
ninguém consegue ver?
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