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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO

RUBENS DOS SANTOS

POR QUE A GUERRA?


Análise dos motivos de conflitos armados segundo a psicanálise

São Paulo
2021
Freud, considerado o pai da psicanálise, foi um homem bastante influente em seu
tempo de vida trocando correspondências não só com seus discípulos estes que viriam a criar
vertentes nessa área de ensino como Jung, mas também com estudiosos extremamente
importantes de outros ramos da ciência, entre eles vale ressaltar Einstein um dos físicos mais
consagrados na história da humanidade. Nessa troca de cartas entre os dois eles irão falar
sobre o motivo de guerras e pequenos conflitos ainda existirem pelo mundo apesar de todos
os esforços e tentativas da diminuição de combates armados.
Em sua carta é possível notar várias partes relatando sobre diversas áreas de seu estudo
psicanalítico, assim o filósofo irá estender grande parte da sua escrita falando sobre pulsões e
suas vertentes, particularmente, denominadas de vida (Eros) e morte (Thanatos), que segundo
Freud (1923), uma dualidade existencial em que um deles será usado para a preservação
própria criando escudos para proteção do Eu, o outro busca levar a vida de volta ao estado do
pó, expressando-se então como uma força destrutiva aos outros organismos proporcionando
assim sua ida a guerra e conflito serve como forma de realizar essa pulsão específica, portanto
para evitá-la se deve usufruir da outra pulsão como dito na carta “Se a disposição à guerra é
um produto da pulsão de destruição, o mais fácil será apelar para o antagonista desta pulsão,
para o Eros” (FREUD, 1932, p. 72).
Além deste fator já exposto, podemos relacionar alguns trechos do texto com o
princípio do prazer e da realidade em que ocorre uma busca incessante e contínua pelo prazer
originária dos impulsos para evitar o desprazer sendo um dos possíveis o da raiva (FREUD,
1923), trazido então na carta com o trecho “[...] estão cuidadosamente armados e mantêm
unidos os seus partidários, em medida não escassa, pelo ódio contra todos os estranhos”
(FREUD, 1932, p. 72), então para o controle e autopreservação vai surgir o princípio da
realidade, para ainda assim buscar o prazer só que de forma mais longa e adequada para uma
vida em sociedade deixando de lado muitos fatores e impulsos que poderiam levar ao prazer,
tomando então uma rota mais longa e mais segura para o mesmo (1923) o que Freud irá
relatar como uma das formas de criar pessoas independentes que instiguem uma comunidade
a protestar contra os conflitos “[...] seria a de uma comunidade de homens que tivessem
submetido a sua vida pulsional à ditadura da razão.”
Portanto, pode-se então infelizmente dizer que o otimismo notado pelo autor ao dizer
que “[...] a atitude cultural e a angústia justificada face às consequências da guerra futura
ponham fim aos conflitos bélicos num prazo previsível.”(FREUD, 1932, p. 74). Estaria
fadado a se manter apenas como esperança, ainda mais distante não só pelo acontecimento
histórico ocorrido pouco tempo depois da troca de cartas, como também pelo melhor
entendimento do principal causador psíquico para a necessidade de destruição desenfreada
que será explicado na teoria conhecida como segunda tópica freudiana definida pela divisão
da mente entre três partes o id o eu e o supereu onde este último nasce após o complexo de
Édipo e se tornando então este “ideal de eu” (FREUD, 1923). Logo, então, pode-se dizer que:

O Super-eu nasceu de uma identificação com o modelo do pai. Toda identificação


assim tem o caráter de uma dessexualização ou mesmo sublimação. Parece que
também ocorre, numa tal transformação, uma disjunção instintual. O componente
erótico não mais tem a força, após a sublimação, de vincular toda a destrutividade a
ele combinada, e esta é liberada como pendor à agressão e à destruição. (FREUD,
1923, p. 38).

Portanto, o Eu tenta mediar o mundo e o Id tornando-o mais aceitável para o mundo,


enquanto este expressa a vontade do inconsciente a partir de suas ações e ao mesmo tempo é
rigorosamente posto contra o seu ideal pelo Supereu para ter seu valor confirmado, então ao
lutar contra as pulsões libidinosas do Id ele se mantém aberto a agressão do Supereu com os
impulsos de morte para a agressão ao exterior (FREUD, 1923).
Outro teórico que também expressa sobre a violência e a destruição seria Le Bon,
principalmente com seu texto focado nas massas intitulado como psicologia das massas onde
o teórico irá nos contar em como uma multidão perde a individualidade perdendo a sensação
de eu, moldando e guiando todas de uma certa forma e então tornando-se uma alma coletiva
(LE BON, 1895).
Com o surgimento desta hipótese, pode-se referir então os principais efeitos deste
fenômeno nas multidões, como primeiro encontra-se o fato de apenas pela quantidade de
membros presentes em uma multidão surge um sentimento de invencibilidade que seria antes
impossível como um único indivíduo deixando assim mais fácil ceder as pulsões que seriam
reprimidas antigamente, além do fato de anonimidade que vem junto com tamanha quantidade
de membro assim também sumindo com a responsabilidade individual (LE BON, 1895). Com
isso, vamos ao segundo fator que é chamado de contágio mental em que todos os sentimentos
e atos são contagiosos se espalhando para os outros membros do grupo sacrificando o seu
interesse pessoal pelo do coletivo (LE BON, 1895), e o último efeito notável será o da
sugestão enfraquecendo sua vontade única para realização de atos mais extremos pelo simples
fato de estar sendo parte de um grupo aliviando assim a pressão sentida por um único membro
se fosse realizar a mesma sozinha (LE BON, 1895).
Portanto, pode-se correlacionar essa teoria das massas explicando em como soldados
são submetidos a guerras e em confrontos armados, por facilitar então neste conjunto a
liberação da pulsão da morte na destruição do seu arredor, facilitando assim o ato de
assassinar o outro sem o peso da consciência que viria se fosse realizado sozinho e assim
continuando o ciclo de conflitos entre grupos distintos.
O último autor a ser citado neste trabalho será Michel Foucault com sua psicologia do
poder que irá mencionar como as guerras não são apenas conflitos externos contra invasores
ou por disputas de terra, mas também ações internas e sua continuação por outras fontes, neste
caso conhecida como poder político, nestes termos o autor descreve como:

O poder político, nessa hipótese, teria como função reinserir perpetuamente essa
relação de força, mediante uma espécie de guerra silenciosa e de reinseri-la nas
instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem, até nos corpos de uns e
de outros. (FOUCAULT, 1975-1976, p. 23)

De forma complementar a esta afirmação, o autor continua a discussão apontando que


isso seria algo considerado como a inversão do aforismo de Clausewitz, logo a política não se
passe de uma guerra continuada por outros meios resultando em que a decisão final deve vir
de um confronto armado onde armas seriam usadas como juiz e júri como prova de força.
Em suma, mesmo com seu pensamento de que mais pacifistas irão surgir pelo
descontentamento com as vítimas e atrocidades cometidas pelas máquinas de guerra mundial,
pode-se notar que não o ocorreu observando a reocupação do Talibã na capital Afegã de
Cabul, onde o grupo extremista neste conflito contra países como Estados unidos, França, a
Alemanha e o Reino Unido tentava retomar o controle da capital e expandir sua influência
para outras regiões do Oriente Médio, onde podemos ligar todo o conflito com os temas de
Thanatos em que a pulsão vai forçar a destruição daquilo diferente, do outro que não está no
ideal que seu supereu acredita, desse modo os atos extremistas são facilitados pelo número de
integrantes do grupo sendo assim mais fácil a sugestão para que tais atos aconteçam e então
concluindo que mesmo com a guerra finalizada pelo lado externo ainda acontecerão conflitos
internos onde por mais que todo o conflito seja desviado a outras instituições e desigualdades
internas ainda haverá um outro embate continuando assim um ciclo vicioso de conflitos
bélicos por terem se tornado parte da natureza humana e do mundo em que vivemos.
Referências Bibliográficas

LE BON, Gustave. Psicologia das Multidões. [S. l.]: Presses Universitaires de France, 1895.
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no College de France (1975-1976). 4º.
ed. São Paulo: Martin Fontes, 2005.
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. 1º.
ed. [S. l.]: Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. O Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925). 1º. ed. [S. l.]:
Companhia das letras, 2011.
FREUD, Sigmund. Porquê a guerra? – Reflexões sobre o destino do Mundo. Lisboa; Edições
70, 2017. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9789724422138/pageid/4. Acesso em:
1 out. 2021.
ZIMERMAN, Davia E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. São Paulo: Artmed
Editora S.A, 2001. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788536314143/pageid/2. Acesso em:
1 out. 2021.

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