Você está na página 1de 4

A Hierarquia Administrativa – em especial, o Dever de Obediência por

Parte do Subalterno

O tema apresentado sobre a hierarquia administrativa aparece mencionado nos


manuais, nomeadamente pelo Professor Diogo Freitas do Amaral e pelo Professor João
Caupers, inseridos no capítulo sobre os Serviços Públicos, estes, que consistem em
“estruturas organizativas encarregadas de preparar e executar as decisões dos órgãos
das pessoas colectivas que prosseguem uma actividade administrativa pública.”1, e que
se organizam estruturalmente em três categorias: Horizontal, na medida em que se a
diferença entre os serviços reside essencialmente nas atividades praticadas, Territorial,
consoante o domínio territorial em que o serviço atua (seja continental ou periférico) e,
finalmente, Vertical, segundo um modelo estrutural de serviços em função de uma
distribuição destes por escalões, em que estejam relacionados entre si, seja por
supremacia ou subordinação). Este trabalho consistirá, essencialmente, na hierarquia
vertical que se verifica entre o superior hierárquico e o subalterno.
O Professor Freitas do Amaral define hierarquia como “o modelo de
organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com
atribuições comuns, ligados por um vínculo juridico que confere ao superior o poder de
direcção e impõe ao subalterno o dever de obediência”. Sucintamente, quer isto dizer
que é criado um vinculo juridico, designado por dever de obediência, entre dois agentes
(ou órgãos), o subalterno e o superior hierárquico, em que o primeiro tem que cumprir
com as ordens que o segundo lhe atribuir. Destacam-se assim três traços essenciais na
organização administrativa vertical. Num primeiro ponto, é necessário que exista um
vínculo juridico entre dois ou mais agentes, em que haja pelo menos um subalterno e
um superior. Seria inacreditável estabelecer-se uma relação hierárquica num só órgão ou
agente. Num segundo ponto, esse vínculo juridico supramencionado necessita de ser
constituído por um poder de direcção, que será prosseguido pelo superior, e um dever
de obediência, mantido pelo subalterno. Num terceiro e último ponto, é essencial que os
dois ou mais agentes ou órgãos em actuação prossigam em vista a assegurar as mesmas
atribuições ou finalidades.
Acrescenta-se ainda uma questão de se saber se o subalterno é sempre obrigado
a seguir as ordens do superior hierárquico. Naturalmente, sempre que de uma ordem por
parte do superior o subalterno incorra em crime, não deve o mesmo seguir a ordem,

1
CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo”.

Leonor Maria Campos Joaquim; Nº 56928; Turma B; Subturma 15. Página 1


aliás, nestas situações o mesmo dispõe de uma decisão totalmente livre recusar-se a
cumprir a ordem. No entanto, pergunta-se: e se a ordem proferida pelo superior for
livremente renunciada pelo subalterno apenas por um capricho seu, ou seja, de não
querer fazer aquela atividade ou cumprir a missão atribuída. Em primeiro lugar, a
posição hierárquica inferior do subalterno não significa obrigatoriamente que o mesmo
esteja compelido a cumprir todas as ordens a que esteja sujeito. O subalterno é que
decide, por livre arbítrio, se pretende ou não obedecer a determinada ordem, ou seja,
não está absolutamente obrigado a cumprir ordens, porém, o seu incumprimento e a
desobediência deste agente podem despertar sanções para actuação, ou até falta de
actuação, para este.
Relativamente ao superior, este beneficia essencialmente de um poder de
direcção, poder de supervisão e um poder disciplinar.. O primeiro traduz-se na
faculdade do agente superior dar ordens ou instruções, em matéria de serviço, ao agente
inferior. Enquanto que as ordens consistem em comandos individuais e concretos, que
podem ter a forma verbal ou escrita, as instruções, por outro lado, manifestam-se
enquanto comandos gerais e abstractos, em que na verificação futura de uma
determinada situação anteriormente prevista, os subalternos devem, ou melhor, estão
obrigados a agir mediante certas condutas pré-definidas. O poder de supervisão, por sua
vez, traduz-se na capacidade do superior poder revogar actos administrativos que o
subalterno tenha praticado. E, por último, o poder disciplinar que traduz-se na faculdade
de o superior poder sancionar o subalterno, consoante as infracções que o mesmo
pratique no exercício laboral. A este respeito veja-se o artigo 76º da Lei n.º35/2014, de
20 de Junho.
Quanto à base legal, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - Lei n.º
35/2014, de 20 de Junho – no número 8 do artigo 73º de epigrafe “Deveres do
trabalhador”, lê-se o disposto: “O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as
ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a
forma legal.”
Desta disposição legal, retiram-se três aspectos necessários para que haja um
dever de obediência. 2
Primeiro, é necessário que a ordem ou instruções provenham de um superior hierárquico
legitimo para o subalterno em causa. Ou seja, sentido nenhum teria uma ordem

2
AMARAL. Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo”.

Leonor Maria Campos Joaquim; Nº 56928; Turma B; Subturma 15. Página 2


proferida por um superior de um serviço público para um subalterno de um outro
serviço totalmente distante do primeiro mencionado. É necessário, para que se crie um
vinculo do dever obediência, uma relação efectivamente legitima entre os agentes em
confronto.
De seguida, a ordem ou instrução têm de ser dadas em objecto de serviço. Um exemplo
que, comummente, revela interesse para este ponto, é o de saber se a ordem dada ao
subalterno de ir buscar as crianças do superior hierárquico à escola corresponde a uma
ordem que pelo subalterno tenha de ser cumprido. Se não se tratar efectivamente de uma
tarefa próxima ao exercício laboral por parte do subalterno, então por este não necessita
de ser cumprida. Não existe um dever de obediência quando uma determina ordem seja
respeitante à vida privada do superior.
Finalmente, a ordem ou instrução têm de revestir a forma legalmente prevista.
Sucintamente, não há dever de obediência quando a uma ordem transmitida
verbalmente, era necessária a forma escrita. Porém, este último ponto levanta mais
questões acerca de saber se uma ordem que não revista a forma legalmente prevista,
pode (ou deve) ser acatada pelo subalterno. O legislador apenas atendeu às ordens que
levassem à pratica de um crime que fossem susceptíveis de serem incumpridas pelo
subalterno, sem que pela falta de cumprimento da ordem fossem-lhe aplicadas sanções.
E relativamente aos atos nulos, por exemplo, nos casos em que há falta da forma
legalmente prevista? A doutrina diverge. Numa Corrente Hierárquica, defendida por
Otto Mayer, o ato nulo não prejudica o dever de obediência, ou seja, a ordem, mesmo
que revestida de forma nula, devia de ser cumprida pelo subalterno. A Corrente
Legalista, defendida por Hariou e Jèze na França, e Orlando e Santi Romano em Itália,
não há dever de obediência: quando da ordem dada se venha a verificar a prática de um
crime para cumprir a ordem e quando a ordem transmitida seja ilegal.
Em Portugal, o Professor Freitas do Amaral pronunciou-se relativamente a uma
Corrente Legalista mitigada. Para o Professor não há dever de obediência nos casos em
que faltaria um (ou mais) requisitos dos três enumerados na Lei n.º 35/2014, de 20 de
Junho (acima analisados), tal como nos casos em que estejam respeitados todos os
requisitos, porém, do cumprimento da ordem resulte um ato criminoso, e ainda quando
a ordem resulte de um ato nulo (resulta do artigo 134º/1 do Código do Procedimento
Administrativo). Por sua vez, há dever de obediência sempre que, ou estejam
respeitados os três requisitos, ou nos casos em que haja um ato ilegal (que não seja
crime ou que se traduza na nulidade do ato), em que o subalterno tenha requerido a

Leonor Maria Campos Joaquim; Nº 56928; Turma B; Subturma 15. Página 3


confirmação por escrito ou tenha reclamado (antes do cumprimento da ordem) a
execução da ordem para que o mesmo não seja responsabilizado pelo ato ilegal
praticado. Cabe, no entanto, acrescentar que, nos casos em que haja uma ordem que
exija o cumprimento imediato, pode haver exclusão da responsabilidade desde que o ao
interessado a que seja competido o pedido da reclamação, o faça assim que a ordem seja
executada.
Concluindo o tema analisado, cabe salientar que o dever de obediência por parte
do subalterno não constitui um dever absoluto, ou seja, como analisado, tem as suas
exceções em que o mesmo não está compelido à execução de uma determinada ordem
apenas porque se encontra numa situação de subordinação face ao superior hierárquico.

Bibliografia

AMARAL, Diogo Freitas do. “Curso de Direito Administrativo - Vol. I”. 4º Ed.
Almedina. Coimbra. 2016.

CAUPERS, João. “Introdução ao Direito Administrativo”. 10ª Ed. Âncora Editora.


Lisboa. 2009.

Leonor Maria Campos Joaquim; Nº 56928; Turma B; Subturma 15. Página 4

Você também pode gostar