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EDUCAÇÃO 

DE JOVENS E ADULTOS: QUE EDUCAÇÃO 
É ESSA? 

Maria da Glória Carvalho Moura 1 

Resumo  Abstract 

O trabalho apresenta aspectos históricos da Educação  The  article present  historical aspects  of the Youths 


de Jovens e Adultos­EJA, à luz da legislação, especifi­  and Adult Education ­EJA, by the legislation, specifi­ 
camente da Lei de Diretrizes  e Bases da Educação  cally on the “Law 4024/61” about the National Educati­ 
Nacional ­ LDBEN, n. 4 024/61, da Lei da Reforma de  on rights – LDBEN, and the  “Law 5 692/71” of the 
ensino de primeiro e segundo grau n. 5 692/71 e da  school and High school Teach reform and the new Law 
nova Lei, n. 9 394/96. Busca a compreensão dos mui­  9394/96. It’s shows to understanding one of the many 
tos “porquês” do presente, dentre estes, “Que educa­  “why’s” in the present questions, between them, what 
ção é essa?”, refletindo o que vem a ser aluno jovem e  it real mean, “ Which education is that one?” reflec­ 
aluno adulto, bem como a formação do professor com  ting, yet, what’s coming be in the young student and 
enfoque especial para o educador de pessoas jovens e  adult student, all well as, the process of educator for­ 
adultas. Pretende­se fomentar a discussão, com vistas  mation with special attention to educator of the per­ 
à construção da consciência coletiva das funções da  sons Youth and Adults, We intends to foment the dis­ 
EJA, como meio de revitalizar seu significado.  cussion, to construction of the collective conscience 
of the functions of EJA, like a form to invigorate your 
Palavras­chave: Educação de Jovens e Adultos. Lei  signification. 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Forma­ 
ção do educador em EJA.  Keywords: The Education of Youths and Adults. Law 
about National Education rights. The Educator's for­ 
mation in EJA. 

Introdução  As pesquisas divulgadas pelo INEP, a 
cada ano, revelam que de cada cem crian­ 
ças que dão entrada no Ensino Fundamen­ 
A  discussão  “Que  educação  é  essa?”  tal, quarenta não conseguem concluir e quan­ 
Com foco na Educação de Jovens e Adultos­  do o fazem, não lêem e nem escrevem de 
EJA, poderia ser analisada como uma refle­  forma adequada. Portanto, a escola existe, 
xão sobre a seguinte problemática: segundo  mas em termos de aprendizagem está dei­ 
as  estatísticas  divulgadas  pelos  meios  de  xando muito a desejar. 
comunicação, existem poucas crianças fora  Essa constatação leva a outros questi­ 
das  escolas  desse  imenso  país,  chamado  onamentos: se as crianças não aprendem ou 
Brasil. Contudo, o que precisa ser urgente­  não chegam a concluir o Ensino Fundamen­ 
mente discutido é o que estão fazendo lá?  tal dentro da faixa etária obrigatória, sete a

*Artigo recebido em: maio de 2007. 
*Aceito em junho: de 2007. 

Doutora em Educação pela UFRN – Professora da Universidade Federal do Piauí – UFPI ­ Centro de Ciências da 
Educação – CCE ­ Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – DMTE. E­mail: glorinha_m@yahoo.com.br. 

Linguagens, Educação e Sociedade  ­  Teresina, Ano 12, n. 16, p. 51 ­ 64, jan./jun. 2007  51 


catorze anos, criam uma nova demanda que  BEN, n. 4 024, de 20 de dezembro de 1961 
se dirigem as escolas que oferecem o Ensi­  se deu em torno da defesa marcante da inici­ 
no Fundamental na modalidade EJA. Mas,  ativa privada nas atividades de ensino, trans­ 
Que educação é essa? Esta indagação guiou  formando o debate partidário em ideológico 
o roteiro deste artigo, centrado em três as­  o que na opinião dos educadores da época 
pectos que considerados fundamentais para  desfavorecia a democratização da educação 
a compreensão do sentido da EJA: o legal, a  brasileira, ao possibilitar a destinação de re­ 
visão de aluno e a formação de professores.  cursos  às  escolas  particulares  (MOURA 
Enquanto educador (a) de crianças, jo­  2003).  Mesmo assim, finalmente, pela pri­ 
vens e adultos em qualquer nível de ensino  meira vez definia­se um desenho estrutural da 
não se pode esquecer que, para entender o  educação do país, em todos os níveis e mo­ 
sentido da Educação, nos dias atuais, é im­  dalidades de ensino. 
portante conhecer os precedentes de nossa  Essa Lei tinha como objetivo “proporcio­ 
época, pois o conhecimento da história é fru­  nar ao educando a formação adequada ao 
to das dinâmicas sociais, políticas, filosófi­  desenvolvimento  de  suas  potencialidades 
cas, jurídicas, econômicas e culturais. E é  como elemento de auto­realização, qualifica­ 
esse movimento ritmado que permite o co­  ção para o trabalho e preparo para o exercí­ 
nhecimento e a compreensão da realidade.  cio consciente da cidadania”. Estabelecia, ain­ 
Com a EJA não poderia ser diferente, e  da, como sendo função do sistema educacio­ 
em  sendo  assim,  farei  um  rápido  passeio  nal, a formação do cidadão incluindo a qualifi­ 
pelos seus antecedentes históricos à luz da  cação para o trabalho, embora esse aspecto 
legislação, especificamente da nossa primei­  da educação tenha sido pouco enfatizado em 
ra Lei  de Diretrizes e Bases  da Educação  seus artigos. No que se refere ao então Ensi­ 
Nacional­LDBEN, n. 4 024/61; da Lei da Re­  no Supletivo se mostrou omissa não lhe dedi­ 
forma, n. 5 692/71, que estabeleceu as dire­  cando nenhum capítulo específico. 
trizes e bases para o ensino de primeiro e  A redefinição na mudança estrutural do 
segundo grau e da nova LDBEN n. 9 394/96,  sistema de ensino se deu sob o regime dita­ 
aprovada após oito anos de debates tendo a  torial que se instalou no país em 31 de março 
frente o Congresso Nacional.  de 1964, tendo início um longo período de ad­ 
Ressalte­se que a intencionalidade não  ministração  centralizadora  e  incontestável. 
é fazer um detalhamento exaustivo sobre as  Experiências educacionais consideradas po­ 
bases legais da EJA, mas oferecer elemen­  liticamente  perigosas  foram  proibidas  pelo 
tos necessários à compreensão dos muitos  governo, seus idealizadores cassados, pre­ 
“porquês” do presente, dentre estes, “Que  sos, exilados ou arbitrariamente aposentados. 
educação é essa?”, seguida de uma reflexão  Sobre esse aspecto Werebe (1994) afirma: 
sobre o que vem a ser o aluno jovem e o alu­  “a adoção de uma pedagogia que visava a 
no adulto, concluindo com algumas conside­  despertar o espírito criador dos alunos, levan­ 
rações  sobre  a  formação  desejável  do  (a)  do­os a pesquisar e a não aceitar passivamen­ 
educador (a) para a EJA.  te o conhecimento recebido, não poderia ter 
sido tolerada num regime militar autoritário, 
Educação de Jovens e Adultos: aspectos  como o que vigorava no país” (p. 211). 
legais Desse modo é evidente a quebra de di­ 
reitos, como a título de exemplo pode­se ci­ 
O foco das discussões da Lei de Diretri­  tar: a extinção da União Nacional dos Estu­ 
zes e Bases da  Educação Nacional – LD­  dantes – UNE; criação do Ato Institucional n.5,

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o temido AI­5/68, como ficou conhecido, que  cando o desenvolvimento cultural e educati­ 
retirou todas as garantias individuais, públi­  vo no Brasil. 
cas ou privadas até então conquistadas, dele­  O conflito entre universidades e o poder 
gando ao presidente da República poderes  vigente fez emergir uma pressão política que 
para atuar como executivo e legislativo, bem  conduziu ao surgimento da Lei 5 692 de 20 
como,  o  Decreto­lei  n.  477/69  que  proibia  de dezembro de 1971, oficialmente denomi­ 
veementemente docentes, discentes e de­  nada Lei da Reforma do Ensino de primeiro 
mais funcionários das escolas a participar de  e  segundo  grau,  após  um  longo  processo 
qualquer manifestação de caráter político e  embrionário intermediado por ciclos de de­ 
ideológico.  bates com a participação da sociedade civil. 
No entanto, a negação da participação  Em geral, a estrutura do ensino brasilei­ 
dos segmentos populares e ainda, o controle  ro passou por mudanças e o então Ensino 
rígido sobre os grupos de oposição ao regi­  Supletivo ganha capítulo próprio, cuja finali­ 
me, propiciou o crescimento econômico do  dade, artigo 24, compreendia o suprimento 
produto interno bruto­PIB, o chamado “mila­  da “escolarização regular para os adolescen­ 
gre brasileiro” construído com o auxílio de  tes e adultos que não a tenham seguido ou 
vários mecanismos como: arrocho salarial,  concluído na idade própria”, além da garan­ 
elevação da taxa de inflação, duplo e triplo  tia de estudos de atualização para os que ti­ 
emprego  nas  áreas  de  educação  e  saúde  vessem seguido o ensino regular e retornas­ 
(MONLEVADE, 2001).  sem à escola buscando se aperfeiçoar. 
A Constituição de 1969 mantém em seu  O aumento da oferta dos cursos e exa­ 
texto praticamente todo o viés restritivo da  mes supletivos para os jovens e adultos nos 
carta anterior, mas, pela primeira vez, usa a  estados e municípios, bem como na iniciati­ 
expressão “direitos de todos e dever do es­  va privada resultou da massificação da repe­ 
tado” para a educação, retoma o vínculo dos  tência, no ensino de primeiro grau surgindo 
recursos  para  os  municípios  beneficiários  muitos cursos de qualidade duvidosa. 
com parcelas menores na repartição de im­  Esses cursos visavam à preparação dos 
postos, responsáveis legalmente pela oferta  alunos para os exames, se estendendo às 
do Ensino Fundamental os quais, deveriam  instituições privadas de terceiro grau, princi­ 
destinar  20%  dos  impostos  arrecadados  palmente no Sudeste do país, trazendo enor­ 
para a educação (BRASIL, 2000).  mes prejuízos, como era de se esperar, para 
Contudo, no texto constitucional de 1969,  a educação, ao possibilitarem a entrada no 
a vigilância se fez sentir de forma explícita em  mercado  de  trabalho  de  professores  com 
relação às atividades docentes. As escolas  qualificação adquirida em cursos aligeirados, 
viviam sob rígido controle dos agentes políti­  com carga horária reduzida. 
cos  do  Estado  sendo  publicados  à  época  Objetivando uma melhor operacionaliza­ 
vários atos institucionais contra a liberdade  ção do Ensino Supletivo, o Conselho Fede­ 
docente,  como  já  mencionado,  dentre  os  ral de Educação publicou o parecer n. 699/ 
quais, a instalação de processos arbitrários  72 explicitando: doutrina, filosofia e caracte­ 
ordenando a demissão ou aposentadorias de  rísticas, em observância à nova Lei, definin­ 
professores, fazendo com que os profissio­  do quatro funções básicas para o então En­ 
nais remanescentes fossem obrigados a tra­  sino Supletivo, a saber: 
balhar “sob o risco da censura e delação”  1. Suplência com a função compensató­ 
(ARANHA, 1996, p. 212). A escola democrá­  ria, recuperar o tempo perdido por meio 
tica não tem espaço neste contexto prejudi­  de cursos e exames, respeitando o cri­

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tério de idade para efeito de certificação,  gular para jovens e adultos, com característi­ 
18  e  21  anos  respectivamente  para  o  cas e modalidades adequadas às suas ne­ 
ensino de primeiro e segundo grau;  cessidades e disponibilidades, garantindo­se 
2. Suprimento com a função de aperfei­  aos que forem trabalhadores as condições 
çoamento ou atualização;  de acesso e permanência na escola” (ARTI­ 
3. Aprendizagem voltada para a forma­  GO 4º, inciso VII) sugerindo assim, a realiza­ 
ção metódica do trabalho, desenvolvida  ção de ações integradas complementares, 
pelas empresas ou instituições por es­  estimuladas pelo poder público, com vistas 
tas criadas e mantidas;  ao acesso e permanência do aluno à escola. 
4. Qualificação tendo como base obriga­  O Parecer n. 11/ 2000, do Conselho Na­ 
tória os cursos e não os exames visava  cional de Educação que trata das Diretrizes 
a profissionalização, sem preocupar­se  Curriculares para a EJA, contempla desde os 
com a educação geral. Buscando, assim,  aspectos pontuais até a fundamentação teó­ 
o perfil de trabalhador, fiel ao sistema.  rica, fazendo jus à dignidade do tema mere­ 
A partir desse parecer foram ratificadas  cendo destaque: 
as diferenças entre o chamado Ensino Re­  1. A defesa de Educação Básica gratuita 
gular e o Ensino Supletivo, notadamente no  como direito público subjetivo dos jovens 
currículo, pois, no segundo, respeitadas as  e adultos; ingresso limitado ao Ensino Fun­ 
funções, a formação profissional era permiti­  damental e Ensino Médio dos jovens com 
da sem a educação geral ou vice­versa. A  15 e 17 anos respectivamente; 
fonte de inspiração era o mercado de traba­  2. Substituição da nomenclatura “Ensino 
lho sem foco na transformação das estrutu­  Supletivo” pela expressão “Educação de 
ras sociais e econômicas do país, deixando  Jovens e Adultos”; 
claro o caráter político e excludente da refor­  3. Reafirma a EJA como parte constituti­ 
ma da educação básica.  va da Educação Básica; 
Atualmente, a EJA está fundamentada na  4. Reforça a necessidade de contextua­ 
LDBEN n. 9 394 de 20 de dezembro de 1996,  lização curricular e metodológica e for­ 
artigos 37 e 38 que lhe conferem a dignida­  mação docente para a EJA, por se tra­ 
de  própria  com  maior  amplitude. Além  de  tar de uma modalidade com especifici­ 
assegurar a oferta de oportunidade escolar  dade própria devendo receber um trata­ 
aos jovens e adultos, fora da idade prioritária  mento conseqüente; 
prevista em lei, estabelece a necessidade de  5. Defende três funções para a EJA: re­ 
uma abordagem pedagógica diferenciada da  paradora reconhecimento do sujeito e de 
que normalmente é aplicada no trabalho com  seu direito a educação básica indepen­ 
crianças, incluindo conteúdos, metodologias,  dente de idade; equalizadora responsá­ 
tipologias organizacionais e sistemáticas de  vel pelo retorno do aluno à escola; e qua­ 
avaliação.  lificadora  aponta  para  uma  educação 
A idéia é que a escola considere as ex­  permanente  e continuada  para toda  a 
periências construídas nas relações de tra­  vida. Determina ainda, que sejam obe­ 
balho e no contexto social, respeitando os  decidos os princípios de eqüidade, dife­ 
diferentes  perfis  do  aluno  jovem  e  adulto  rença e proporção. 
como determinam os artigos 1º, 2º e 3º que  Convém deixar claro que a nova LDBEN 
tratam da Educação e dos Princípios e fins  amplia o conceito da EJA como um proces­ 
da Educação Nacional. O texto legal torna  so que dura toda a vida e que se relaciona 
obrigatório a “oferta de educação escolar re­  com a escola e outras unidades sociais.

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Nesse  caso,  ao  organizar  a  Proposta  para os professores do sistema público 
Curricular para o Ensino Fundamental e Mé­  de ensino, tendo em vista sua expansão, 
dio na modalidade EJA a ênfase não pode  por que não dizer implosão, nos últimos 
ser dada na aproximação dos conteúdos des­  anos, principalmente após incentivo do 
tes cursos, com conteúdos dos cursos diur­  Governo  Federal,  denominado  inicial­ 
nos sob pena de transformá­los em progra­  mente “Programa Recomeço”, hoje co­ 
mas de qualidade duvidosa.  nhecido como “Fazendo Escola”. 
E, em sendo assim, por se tratar de uma  2. Com a expansão da obrigatoriedade 
tarefa complexa, requer esforços de grupos  da Educação Básica a toda população 
articulados, tanto no âmbito da esfera gover­  escolarizável (art. 208 da Constituição 
namental quanto da sociedade civil organi­  Federal de 1988) os jovens e adultos fo­ 
zada, tendo o olhar voltado para setores vul­  ram convidados a retornar à escola a fim 
neráveis da sociedade, localizados nas peri­  de preencherem a lacuna deixada pela 
ferias urbanas e áreas rurais.  falta de acesso, permanência e oportu­ 
Nessa perspectiva, uma Proposta Curri­  nidade, reparando uma injustiça social 
cular para o Ensino Fundamental de pesso­  que é secular. 
as jovens e adultas, com vistas à construção  3. A função da obrigatoriedade até en­ 
de identidades não pode deixar de ser ela­  tão assimilada pela comunidade educa­ 
borada pelo coletivo da escola, ou seja, pen­  tiva, como exclusiva da faixa etária de 07 
sada pela escola e para a escola.  a 14 anos 2  se estende ao público com 
faixa etária superior a 15 anos comple­ 
Educação de Jovens e Adultos: público  tos  ao  estabelecer  que  “o  acesso  ao 
alvo  Ensino Fundamental é direito público e 
subjetivo,  podendo  qualquer  cidadão, 
Antes de buscar compreender o público  grupo de cidadãos, associação comuni­ 
alvo da EJA levanta­se alguns pontos básicos  tária, organização sindical, entidade de 
sobre  o  sentido  da  educação  oferecida  as  classe ou outra legalmente constituída e, 
pessoas jovens e adultas, abordando em se­  ainda,  o  Ministério  Público,  acionar  o 
guida questões relacionadas com aspectos  poder público para exigi­lo”, Art 5. da nova 
específicos do que vem a ser o aluno jovem e  LDBEN. 
o aluno adulto no contexto atual e do lugar ocu­  4. Como educação institucionalizada a 
pado por estes na Instituição escolar.  EJA é uma modalidade de ensino da Edu­ 
Pode­se apontar inúmeras razões que  cação  Básica  e  está  sob  a  égide  dos 
explicitam a urgência de um debate aprofun­  princípios da LDBEN n. 9394/96, sendo 
dado, com  todos os  setores da  sociedade  inadmissível, após mais de uma década 
sob o sentido da EJA, na busca de constru­  de sua promulgação, ainda ser concebi­ 
ções identitárias, trazendo transparência para  da isolada dos demais níveis de ensino. 
o seu público alvo e a sociedade em geral,  5. Determinados setores sociais fazem 
que ainda nem se deu conta de sua necessi­  uso da sua deslegitimação para reduzi­ 
dade lhe conferindo a devida importância.  la à condição inicial de educação com­ 
1. A educação institucionalizada de pes­  pensatória, distanciando­a de suas ver­ 
soas jovens e adultas já é uma realidade  dadeiras funções. 


Lei n. 11 114/2005 altera os artigos 6º, 30, 32 e 87 § 3º inciso I da Lei n. 9.394/96, tornando obrigatório o início do 
Ensino Fundamental aos seis anos de idade.

Linguagens, Educação e Sociedade  ­  Teresina, Ano 12, n. 16, jan./jun. 2007  55 


Ressalte­se que para chegar a essa com­  tiveram que abandona­la para trabalhar a fim 
preensão um longo processo deve ser trilha­  de garantir sua subsistência e de sua família 
do. Nesse sentido, o que proponho é fomen­  e, posteriormente na vida adulta retornam aos 
tar essa discussão com vistas à construção  bancos escolares na tentativa de resgatar o 
da consciência coletiva das verdadeiras fun­  tempo perdido e exercer de fato e de direito 
ções da EJA, como meio de revitalizar seu  sua cidadania. 
significado 3 , perante a sociedade e principal­  Nessa linha de pensamento, o público 
mente diante dos professores que com seu tra­  potencial que freqüenta os cursos da EJA em 
balho e dedicação enfrentam as dificuldades  sua grande maioria é formado por pessoas 
próprias do cotidiano de uma sala de aula.  jovens e adultas, com trajetória escolar irre­ 
Esse enfrentamento complexo é resultan­  gular, estão fora do mercado formal de traba­ 
te  da  forma  dispersa  de  como  a  EJA  vem  lho e sobrevivem de subempregos no mer­ 
sendo tratada ao longo do percurso histórico  cado informal. Contudo, são dotados de pe­ 
do ensino do país, originando um tipo de es­  culiaridades próprias relacionadas com o gru­ 
cola que não dá conta da especificidade dos  po etário, interesses, motivações, experiên­ 
jovens e dos adultos que a procuram, por não  cias de vida e expectativas no campo pesso­ 
conseguir compreender os diferentes perfis  al e profissional. 
dos seus alunos.  A contextualização desse público é fun­ 
damental para que o (a) educador (a) tome 
a)  Aluno  jo vem  e  aluno  ad ulto !  Eis  a  conhecimento de como podem dispor do seu 
grande questão  tempo e espaço. “Ser reconhecido como cri­ 
ança, jovem, adolescente, adulto ou idoso faz 
Colocar em pauta para discussão a situ­  parte de importantes intercâmbios e signifi­ 
ação do jovem e do adulto que necessita de  cações relativos ao indivíduo e à cultura da 
oportunidade educacional, no Brasil, um país  qual ele participa” (BRASIL, 2000). 
marcado pelas desigualdades sociais, eco­ 
nômicas e culturais e uma tradição política  b) Afinal! Que jovem é esse? 
pouco democrática, sem contar com os ele­ 
vados índices de analfabetismo e baixos ní­  Para os profissionais que trabalham com 
veis de escolarização, adicionados às pre­  a educação escolarizada de jovens e adul­ 
cárias  condições  de  vida  da  população,  é  tos, falar de jovem, sem dúvida, é pensar em 
falar de miséria social, sinônimo de desem­  pessoas a partir dos 15 anos de idade, re­ 
prego e subemprego que levam as famílias  manescentes do  ensino diurno, que  só se 
ao enfrentamento de grandes dificuldades  permite tê­los na escola até essa idade. A 
para manter os filhos na escola.  pesquisadora Sposito (1992) enfoca o desa­ 
A maioria desses alunos presentes na  fio em que vive essa população entre o códi­ 
escola se encontram fora da faixa etária obri­  go de regras definido para a infância e para 
gatória, prevista em lei, gerando uma nova  o mundo adulto, tendo como parâmetro sua 
demanda de alunos com trajetória escolar de  condição de pobreza, um dos muitos moti­ 
insucesso  no Ensino  Fundamental  diurno.  vos que fazem com que os jovens assumam 
Essa nova demanda se juntou aos milhões  responsabilidades  atribuídas  aos  adultos, 
de pessoas jovens e adultas que não freqüen­  abandonando a escola no período que coin­ 
taram a escola por falta de oportunidade, ou  cide com a escolarização obrigatória. 


Significado aqui se refere à idéia, o conceito de EJA.

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Embora não se possa negar que os jo­  jovem, falar do aluno adulto é procurar esse 
vens, atualmente, têm maiores possibilidades  entendimento pela visão da classe social a 
de acesso à escola, seu percurso educacio­  que pertence, incluindo­se os valores, as et­ 
nal é marcado pela descontinuidade, tendo  nias, o gênero, bem como, a diversidade de 
em vista que a escola a que têm acesso não  participação na sociedade, sobrepondo­se à 
oferece condições propícias de aprendiza­  idade cronológica e o nível de escolaridade 
gem. Então, é desse jovem que se está fa­  que possuem. 
lando, de origem humilde, filho de pais com  Esse adulto é oriundo de um público que 
nível de instrução escolar incipiente ou sem  ficou durante muito tempo sonhando com o 
nenhuma passagem pela escola.  momento de retornar à escola, alimentando 
Dentro deste contexto, a possibilidade de  o desejo e expectativas de concluir algo que 
obter um certificado, que facilite sua entrada  teve inicio na infância ou nem chegou a co­ 
no mercado de trabalho e inserção na socie­  meçar por falta de oportunidades. Nesse sen­ 
dade letrada com direito a exercer conscien­  tido, os professores afirmam que ele, o adul­ 
temente sua cidadania, se constitui em um ins­  to: Assemelha­se ao jovem, com a diferença 
trumento motivador para os jovens, descobrin­  de não mais almejar boa situação financeira 
do por meio deste, outros atrativos para retor­  e  profissional,  vendo­o  como  uma  pessoa 
nar à escola. Como nos dizem os professo­  consciente, responsável e decidida, desejo­ 
res 4 de EJA da Rede Pública Municipal de Te­  sa por recuperar os estudos, que busca seus 
resina, Capital do Estado do Piauí: buscar uma  objetivos.Contudo, com aprendizagem lenta. 
formação profissional; namoro; drogas; fazer  Então, entender a história desse aluno, 
amigos; vencer, mas a realidade é cruel. Eles  construída na dureza da vida, com base em 
se sentem impotentes no mundo competitivo.  muitas privações e direitos negados, dentre 
Tudo isso gera desânimo, baixa auto­estima,  estes, a educação, é fundamental para a su­ 
causando  sérios  problemas  à  comunidade  peração dessa diversidade. É papel da es­ 
escolar. Este é o perfil do jovem na represen­  cola,  aceitar  o  desafio  de  desconstruir  as 
tação dos professores razão pela qual requer  muralhas simbólicas solidificadas ao longo da 
uma proposta urgente de currículo capaz de  história desse aluno, que se encontra no di­ 
desconstruir e desmistificar esse perfil. Isso  zer dos professores, esquecido pelas autori­ 
implica, segundo Macedo (2002) “numa ‘polí­  dades educacionais. 
tica de sentido’ e numa ‘política de conheci­  Nesse cenário, não se pode esquecer 
mento’ a respeito do currículo, como uma éti­  que a EJA é uma modalidade da Educação 
ca opcionada e clara” (p.36).  Básica, portanto, é Ensino Fundamental. O 
Estado como sujeito do dever deve fazer cum­ 
c) Então! Quem é o adulto?  prir o que está posto na Lei n. 9 394/96, e 
oferecer a este público uma escola com con­ 
O perfil do adulto que freqüenta os cur­  dições de funcionamento, capaz de devolver 
sos da EJA está claramente relacionado às  a auto­estima do aluno que retorna a ela, na 
responsabilidades assumidas por ele no con­  visão dos professores, como alguém que ain­ 
texto social e ao baixo nível de escolaridade  da acredita que é capaz e que através da 
que possuem. Nesse sentido, embora igual­  aprendizagem da leitura e da escrita vai es­ 
mente excluído da escola que nem o aluno  tar mais preparado para atuar na sociedade 


Dados preliminares colhidos em pesquisa realizada junto aos professores e professoras da Rede Pública Municipal 
de Teresina, Capital do Estado do Piauí, doravante chamados de professores, durante a sensibilização para 
formação do grupo colaborador da nossa pesquisa.

Linguagens, Educação e Sociedade  ­  Teresina, Ano 12, n. 16, jan./jun. 2007  57 


complexa da qual faz parte, buscando refa­  conteúdos escolares. 
zer seu percurso escolar de forma igualitária.  O segundo grande desafio é que a es­ 
cola precisa ser idealizada para o aluno e 
d )  Al uno   jo vem   e  alu no   ad u lt o !  Que  não este para a escola, tendo em vista que o 
lugares ocupam na Instituição escolar?  seu público alvo já tem experiências de vida 
acumuladas e responsabilidades definidas. 
Os lugares ocupados pelo aluno jovem e  A escola tem o dever de respeitar essas indi­ 
o aluno adulto, na Instituição escolar estão re­  vidualidades  e  aproveitar  seus  interesses 
lacionados com a identidade do curso da EJA.  para se tornar, realmente, uma escola volta­ 
Evidentemente que, a visibilidade da identida­  da para o aluno e não uma Instituição com 
de de um curso, pressupõe­se que seja dada  um volume de conhecimento desconhecidos 
pelo entendimento de seu público, consideran­  e difíceis de serem aprendidos e utilizados 
do seus saberes, interesses e necessidades  no seu contexto de vida. 
de aprendizagem, a fim de elaborar propos­ 
tas coerentes com sua especificidade.  A  formação  do   educado r  de  jovens  e 
Como parte integrante da educação bá­  adultos: que formação? 
sica, os objetivos gerais do Ensino Funda­ 
mental, na modalidade EJA, são os mesmos 
do ensino ofertado aos alunos na idade apro­  As reflexões aqui apresentadas privile­ 
priada. Contudo, os jovens e adultos têm ca­  giam três dimensões de considerada relevân­ 
racterísticas próprias que devem ser contem­  cia para explicitação da formação do educa­ 
pladas nas propostas de trabalho. Segundo  dor como um processo político, social e cul­ 
os professores, um percentual considerável  tural, que ultrapassa o fazer pedagógico, com 
de alunos durante anos, repetiu até a exaus­  enfoque especial para o educador de pesso­ 
tão a mesma série. São essas especificida­  as jovens e adultas. A saber: 
des marcantes que precisam ser identifica­  1. A localização da formação do educa­ 
das e trabalhadas para que não provoque si­  dor de EJA no contexto da Educação bra­ 
tuações de desconforto, levando­os mais uma  sileira; 
vez a abandonar a escola.  2. As tendências de formação que expli­ 
O primeiro grande desafio, portanto, é a  cam os processos educativos e emba­ 
reconstrução do elo positivo com a Instituição  sam as práticas educacionais; 
escolar que deverá repensar sua proposta,  3. A Educação que se pretende, na pers­ 
direcionando o foco para as expectativas e  pectiva de superar as contradições fa­ 
modos de ser próprios dos jovens e adultos.  zendo um contraponto com o posiciona­ 
Cremos que por ser um espaço especialmen­  mento dos professores sobre: que alu­ 
te propício para a educação da cidadania, a  nos desejam formar e que professores 
Instituição Escolar seja a via de acesso para  querem ser, com destaque para o papel 
a compreensão dessas informações. Assim,  do professor da EJA. 
é de suma importância o entendimento de que  Pretende­se,  assim,  contribuir  para  a 
o valor da escola para os alunos jovens e os  busca e definição do entendimento de uma 
alunos adultos transcende as expectativas in­  nova concepção sobre a formação do edu­ 
telectuais. Resgatando essa imagem positi­  cador de pessoas jovens e adultas, que pos­ 
va, o aluno promove a auto­estima de si pró­  sa dar sentido à prática educativa desenvol­ 
prio e a sociabilidade que a escola pode ofe­  vida na escola à luz das teorias existentes e 
recer, terminando por encontrar sentido nos  da legislação em vigor.

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a) A formação do educador de pessoas  mais, a outros menos” (PAIVA, 2000, p. 44). 
jovens e adultas: visão histórica  Durante os duzentos anos de domina­ 
ção jesuítica, os professores eram bem re­ 
A educação de pessoas jovens e adul­  munerados,  tanto  pela  sociedade  política, 
tas encontra suas raízes históricas na própria  representada pelo governo, quanto pela so­ 
origem do país, ainda no Brasil – Colônia pela  ciedade civil, a própria Companhia de Jesus. 
ação dos jesuítas que deram início as suas  O ensino era gratuito, com exceção do mi­ 
atividades docentes, em solo brasileiro, alfa­  nistrado nos seminários, espaço de forma­ 
betizando adolescentes e adultos mais do  ção do clero, que era pago e os estabeleci­ 
que crianças.  mentos mantidos pelas famílias. 
Essa educação se dava sob forte influ­  Com a expulsão dos jesuítas de Portu­ 
ência  do  proselitismo  religioso,  visando  à  gal e das colônias em 1.759, pelo Marquês 
evangelização, seu principal objetivo e a adap­  de Pombal, toda a estrutura organizacional 
tação dos adultos ao regime “dos colonizado­  da educação passa por modificações. O sis­ 
res portugueses, que necessitavam de mão  tema jesuítico foi substituído e o Estado as­ 
de obra para a lavoura e atividades extrativis­  sume pela primeira vez os encargos com a 
tas”  (MOURA,  2003,  p.  26).  Dessa  forma,  educação (ROMANELLI, 1985). 
pode­se dizer que as primeiras atividades de  O processo de laicização do ensino é 
ensino no nosso país foram desenvolvidas por  instalado  com  a  chegada  dos  professores 
professores para pessoas jovens e adultas.  régios  nas  principais  cidades  da  Colônia. 
O professor jesuíta recebia uma forma­  Estes professores em geral eram desprepa­ 
ção sólida com dupla função, catequizar e  rados com relação ao domínio dos conteú­ 
educar, resultante de catorze anos de estu­  dos das matérias que ensinavam, bem como 
dos. Só assim estaria apto para exercer a  no aspecto pedagógico, tornando o ensino 
função docente de ensino superior, que de  de má qualidade por conta da improvisação 
maneira geral só acontecia após completar  e da baixa remuneração recebida. 
trinta anos de idade (BRZEZINSKI, 1987).  Como se vê, o descaso com a formação 
No entanto, esta formação cuidadosa  do docente para “as escolas de primeiras le­ 
não se aplicava ao magistério das “escolas  tras” continuava, mas mesmo com o despre­ 
de ler e escrever”, ficando estas a critério da  paro  do  professor  e  a  desorganização  do 
criatividade  do  professor.  Contudo,  essas  ensino, provocada pela reforma pombalina, 
escolas funcionavam como suporte para or­  a visão de homem que a escola formava à 
ganização do sistema de ensino, sob uma  época, atendia as exigências da sociedade 
estrutura hierárquica rígida pautada em prin­  colonial, naquele momento da história. 
cípios religiosos, voltados para a visão da  Apesar disso, a escola destinada à for­ 
sociedade portuguesa.  mação do educador só foi criada após a pro­ 
Assim, o interesse em alfabetizar os ha­  mulgação do Ato Adicional de 1 834, trans­ 
bitantes da  terra, tendo em  vista,  que nem  ferindo para as províncias a responsabilida­ 
mesmo em Portugal o povo era alfabetizado,  de pela organização dos sistemas de ensi­ 
tinha um propósito, que foi se transformando  no – primário e secundário – e formação de 
no percurso da história da educação do Brasil  professores. 
em “uma atitude cultural de profundas raízes:  Dessa forma, o início da institucionali­ 
pelas letras se confirma a organização da so­  zação da formação docente no Brasil, se dá 
ciedade. Essa mesma organização vai deter­  no século XIX com a criação da primeira Es­ 
minar  os graus  de  acesso  às  letras,  a  uns  cola Normal de Niterói, em 1 835, na provín­

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cia do Rio de Janeiro.  b)  A  formação  do  educador:  um  novo 
No entanto, a intencionalidade de formar  perfil 
professores estava relacionada com a cria­ 
ção de um espaço propício para propagação  As exigências da formação do professor 
dos princípios de ordem e ‘civilização’ do ide­  para o exercício do magistério na Educação 
al conservador, fazendo com que o povo in­  Básica estão definidas, atualmente, nos arti­ 
corporassem os ideais da classe dominante  gos 13, 61, 62, 63, 67 e 87 da nova LDBEN e 
como se fossem seus. “Por isso, era neces­  nos pareceres e resoluções do CNE/CEB, 
sário colocar ordem no mundo da desordem  que fazendo valer o que determina o artigo 
– ‘civilizar’ – para melhor conhecer e contro­  90  da  referida  Lei,  estabelecendo  normas 
lar o povo” (VILLELA, 2000, p. 106).  orientadoras dos cursos nessa área. 
Nesse sentido, fica evidenciado que a  No artigo 13, estão definidas as obriga­ 
formação do professor vinculava­se mais ao  ções dos professores, reconhecendo a im­ 
processo de dominação do que propriamen­  portância de sua contribuição, em um esfor­ 
te de instrução, já que a única diferença visí­  ço coletivo, na elaboração de propostas, com 
vel entre o currículo da Escola Normal e o da  foco na aprendizagem do aluno e nas neces­ 
escola de primeiras letras, se fazia sentir na  sidades educacionais da população. Aponta 
metodologia lancasteriana 5 , cujas caracterís­  ainda, para a importância do contexto social 
ticas estavam perfeitamente de acordo com  que dá sentido à autonomia da escola e res­ 
os propósitos políticos dos conservadores. O  significado ao trabalho docente, sem descon­ 
quadro geral supramencionado mostra que  siderar o projeto da instituição, mesmo por­ 
todas essas iniciativas se voltavam para o  que nesta ótica ele é construído coletivamen­ 
chamado ensino regular.  te, levando em consideração as exigências 
A preocupação com a formação do pro­  da sociedade atual, articulado com os ansei­ 
fessor de jovens e adultos só se manifesta  os da comunidade. 
oficialmente com o advento da Lei 5 692/71,  O artigo 61 retoma, no que se refere à 
no artigo 32, que define: “o pessoal docente  formação de professores, o artigo n. 01 da 
do ensino supletivo terá preparo adequado  LDBEN, que diz: “A educação abrange os 
às  características  especiais  desse  tipo  de  processos formativos que se desenvolvem na 
ensino, de acordo com as normas estabele­  vida familiar, na convivência humana, no tra­ 
cidas pelos Conselhos de Educação”.  balho, nas instituições de ensino e pesquisa, 
A expressão, “preparo adequado às ca­  nos  movimentos  sociais e  organização  da 
racterísticas especiais da clientela” não tra­  sociedade civil e nas manifestações cultu­ 
duz necessariamente o seu significado, pois  rais”, objetivando adequar os cursos às fina­ 
de maneira geral, os professores que atuam  lidades e modalidades de cada uma das eta­ 
nesta modalidade de ensino possuem a mes­  pas da educação básica, considerando as 
ma qualificação do professor do ensino diur­  características próprias de cada faixa etária, 
no e em quase sua totalidade não passaram,  os ritmos de aprendizagens e a forma de in­ 
em seus cursos de formação inicial por ne­  serção no mundo social. 
nhuma disciplina voltada, especificamente,  Já o artigo 62 determina que a formação 
para a problemática da EJA.  aceitável para o exercício da docência na Edu­ 
cação básica deverá efetivar­se em nível supe­ 
rior com graduação plena, eliminando, portan­ 


Método que enfatizava a formação religiosa e os hábitos disciplinares de hierarquia e ordem.

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to, os cursos de licenciaturas curtas até então  leis não são cumpridas neste país. 
existentes. Contudo, no mesmo texto admite  Em face dessa realidade, as expectativas 
“como formação mínima para o exercício do  sobre a formação do professor de EJA voltam­ 
magistério na educação infantil e nas quatro  se para as atuais exigências da legislação, que 
primeiras séries do ensino fundamental, a ofe­  garante a habilitação e educação permanente 
recida em nível médio, na modalidade Normal”.  do professor, quando afirma no artigo 61, que a 
Contradizendo à primeira vista, o § 4º.  formação de profissionais da educação, terá 
Art: 87 das disposições transitórias, que de­  que ser dada de modo a atender os objetivos 
termina até o ano de 2.007, final da Década  dos diferentes níveis e modalidades de ensino, 
da Educação, que somente será admitido no  incluindo­se aí os jovens e adultos. 
quadro de professores da rede pública, mu­  Dessa forma, necessita incorporar as 
nicipal e estadual de ensino “professores ha­  singularidades  que  são  peculiares  desta 
bilitados em nível superior ou formados por  modalidade de ensino, não ficando restrita 
treinamento em serviço”.  apenas, as exigências  formativas próprias 
Essa interpretação fez com que algumas  dos demais níveis de ensino. 
instituições formadoras optassem pela extinção  Diante disso, as instituições formadoras, 
imediata do Curso que habilitava professores  sobretudo as universidades, tem o dever de 
para o exercício do magistério das séries inici­  se integrar no resgate desta dívida social, 
ais do Ensino Fundamental, em nível médio,  abrindo espaços para a formação do profes­ 
fazendo com que o CNE, por meio do Parecer  sor de EJA, fazendo valer o que diz o Pare­ 
n. 1/99 e Resolução n. 2/99, reafirmasse os ní­  cer n. 04/98, quando lembra a “sensibilização 
veis e as perspectivas de formação prevista nos  dos sistemas educacionais para reconhecer 
termos da Lei (SOARES, 2002).  e acolher a riqueza da diversidade humana” 
É importante esclarecer que a nova Lei  (BRASIL, 2000). 
substituiu a antiga habilitação de Magistério  Essa perspectiva implica a disponibili­ 
por um Curso, desafiando os sistemas a re­  dade de espaços próprios para estes profis­ 
pensarem suas bases, contemplando a diver­  sionais nos sistemas de ensino, estadual e 
sidade  e  desigualdades  de  oportunidades  municipal, nas universidades e demais insti­ 
educacionais no país e não com uma medi­  tuições  formadoras,  bem  como  na  própria 
da legal que venha a se tornar mais um ele­  escola. Trata­se, portanto, de estimular for­ 
mento de exclusão social. O seu reconheci­  mas de pensamentos e ações que possibili­ 
mento como modalidade Normal do Ensino  tem um elo entre as instituições formativas 
Médio (RESOLUÇÃO n. 03/CNE), retoma o  com as organizações da sociedade, abrin­ 
que já estava determinado no artigo 62 da  do­se um horizonte interinstitucional colabo­ 
LDBEN, mantendo a desejabilidade da for­  rativo de significado social para a formação 
mação inicial em cursos de licenciaturas sem  do professor. Delineiando­se um projeto de 
desconhecer a formação admitida por lei”,  educação escolar que inclua a diversidade e 
conforme pronunciamento do Plano Nacional  elimine qualquer forma de discriminação em 
de Educação (BRASIL, 1999).  todos os níveis e modalidades de ensino. 
O artigo 67 trata da política de valoriza­ 
ção do magistério, ampliando para além da  Considerações conclusivas: 
formação inicial e continuada, na medida que  compartilhando significados 
inclui condições de trabalho, plano de carrei­ 
ra e salários condizentes com a importância  Iniciei  este diálogo com um  questiona­ 
social da profissão docente. Infelizmente as  mento: Que educação é essa? Essa educa­

Linguagens, Educação e Sociedade  ­  Teresina, Ano 12, n. 16, jan./jun. 2007  61 


ção que vem sofrendo, em sua trajetória histó­  mento é de grandes transformações e as mu­ 
rica, um processo permanente de redefinições  danças estão ocorrendo de forma acelerada, 
de suas fronteiras, tendo o seu termo alterado  os nossos jovens e adultos precisam está pre­ 
na nova LDBEN, para Educação de Jovens e  parados para o amanhã que se desconhece 
Adultos,  assumindo  uma  dimensão  mais  e nem se pode prevê o que irá acontecer. 
abrangente, em virtude da presença massiva  Sendo assim, a oferta de Ensino Funda­ 
de jovens nos cursos oferecidos para essa  mental de qualidade, na modalidade EJA é 
modalidade de ensino da educação básica,  uma necessidade urgente, pois, se todos são 
nos últimos anos, gerando uma nova deman­  iguais perante a Lei, o ensino oferecido às 
da e com ela maiores preocupações.  pessoas jovens e adultas deve proporcionar 
Como se pode ver, a nova terminologia  as mesmas condições materiais e humanas 
tem um sentido abrangente, contudo do pon­  ao oferecido nos cursos chamados regulares, 
to de vista legal, quase sempre é limitado. Na  respeitando­se as diferenças de estilo, tem­ 
Lei 5 692/71 o termo se apresenta como en­  po, lugar e ritmo de aprendizagem, mediante 
sino, referindo­se a educação formal, mes­  as variedades de formas apropriadas a este 
mo tendo garantido em seu texto que “pode­  tipo de aluno, observando características pró­ 
ria ser dada no lar e na escola”.  prias e necessidades de aprendizagens. 
A Lei 9 394/96 traduz a educação esco­  No contexto mencionado, percebe­se que 
lar em tipologias específicas, desenvolvidas  existe uma longa trajetória histórica em torno 
de preferência  em instituições  educativas,  da formação de professores em nosso país, 
abrangendo conceitos estruturantes como:  são experiências acumuladas que não devi­ 
Prática Social, Mundo do Trabalho, Movimen­  am  ser  ignoradas,  mas  aproveitadas  como 
tos Sociais e Manifestações Culturais.  referencial para evitar a repetição de erros que 
É sintomático no contexto mencionado,  venham posteriormente produzir efeitos nega­ 
que a escola precisa repensar sua função  tivos sobre a formação do docente. 
social. No caso específico da EJA, já está  Nesse sentido, lembramos as Licencia­ 
mais do que na hora de assumir as funções  turas Curtas instaladas nos anos 70 e os cur­ 
definidas pelas Diretrizes Curriculares para  sos aligeirados que se proliferaram recente­ 
a Educação de Jovens e Adultos, a fim de  mente. O primeiro, sob o pretexto de resolver 
atender os imperativos dos novos tempos.  o problema da falta de professores e o se­ 
Tendo como horizonte essa perspectiva,  gundo, atender as perspectivas de formação 
deve­se oferecer uma educação que prepa­  previstas nos termos da legislação em vigor. 
re os jovens e adultos, não só para garantir  Medidas como estas, que se fixam ape­ 
um emprego e a empregabilidade, mas, so­  nas na problemática da formação, desconsi­ 
bretudo, que não separe escola e socieda­  derando condições de trabalho, questões sa­ 
de,  conhecimento e  trabalho a  fim de  que  lariais e de carreira, terminam promovendo 
possam assumir posturas éticas, no desen­  desigualdades regionais, no que se refere à 
volvimento de responsabilidades, com com­  qualidade da educação oferecida aos grupos 
promisso, posicionamento crítico e reconhe­  excluídos dos benefícios de uma sólida edu­ 
cimento de seus direitos e deveres.  cação básica, dentre estes, as pessoas jo­ 
Dessa forma, os professores e alunos  vens e adultas. 
constroem competências para se adaptarem  O  desafio  recorrente  na  formação  do 
às exigências do mundo moderno contribuin­  educador de jovens e adultos, de forma a aten­ 
do para a elevação dos níveis de escolarida­  der o caráter emergencial, se faz necessário 
de da população. Tendo em vista que o mo­  a aproximação da formação inicial dos futu­

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ros  docentes  com  a  formação  continuada  no  novo  milênio.  Sendo  necessário,  em 
para os que já estão em exercício da função.  suma, uma profunda reflexão crítica e realis­ 
Nesse sentido, as universidades e de­  ta sobre a necessidade de se pensar a EJA 
mais instituições formadoras devem ter como  como política pública inclusiva, na perspecti­ 
meta principal, formar profissionais com ca­  va de educação permanente e continuada, 
pacidade para cuidar de seu próprio desem­  colocando o seu público alvo no centro de 
penho, promovendo uma formação geral e  suas ações sem, contudo, oferecer uma edu­ 
pedagógica consistente, que os habilite a ofe­  cação  pobre  para  os  pobres.  Precisamos, 
recer com qualidade uma educação igualitá­  portanto, deixar no anonimato velhos paradig­ 
ria para crianças, jovens e adultos.  mas da educação e assumir os novos que se 
Esse é o maior desafio a ser enfrentado  descortinam garantidos pela nova Lei. 

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