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O QUE É EDUCAÇÃO BÁSICA1

Nalú Farenzena
FACED/UFRGS, versão 2022

Na estrutura da educação brasileira, há dois níveis: Educação Básica e Educação Superior.


A Educação Básica foi introduzida com a Lei nº 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). A Educação Básica é formada de três etapas: educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio.
Conforme a LDB, são finalidades da Educação Básica “[...] desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (art. 22). Tal abrangência reitera a importância
de uma educação escolar mais alargada acessível ao conjunto da população e demanda que as
etapas da Educação Básica formem “[...] um conjunto orgânico e seqüencial [...]” (CURY, 2002, p.
170).

EDUCAÇÃO INFANTIL
Destina-se às crianças de zero a cinco anos de idade, compreendendo a creche – para
crianças de zero a três anos – e a pré-escola – para crianças de quatro e cinco anos (e para as de seis
anos, quando as crianças completam essa idade durante o ano letivo). Essa subdivisão deve-se às
peculiaridades do cuidado e da educação das crianças nas diferentes faixas etárias, tendo
implicações para as exigências institucionais no atendimento a essas diferenças. No texto original
da Constituição de 1988, o atendimento das crianças em creches e pré-escolas estava previsto para a
faixa etária de zero a seis anos. No ano de 2005, a LDB foi modificada prevendo o atendimento das
crianças de seis anos no ensino fundamental. A Emenda Constitucional nº 53/2006 veio a
determinar que a educação infantil abranja o atendimento às crianças de zero a cinco anos de idade.
A criação de uma etapa para a educação das crianças de zero a seis anos, hoje cinco anos,
foi feita pela LDB, coerente com o preceito constitucional de que um dos deveres do Estado para
com a educação seria a garantia de atendimento em creches e pré-escolas. Pela primeira vez uma
constituição brasileira estabeleceu direito/dever quanto à educação infantil. Na legislação da
educação, historicamente estava contemplada apenas a pré-escola.
Mais recentemente, com a aprovação da Emenda nº 59/2009 à Constituição da República, a
educação básica das crianças e adolescentes na faixa etária dos quatro aos 17 anos tornou-se
obrigatória; portanto, a pré-escola tornou-se de frequência obrigatória. Foi prevista a
progressividade na implantação dessa nova obrigatoriedade, até 2016, ou seja, é preceito
plenamente vigente.

ENSINO FUNDAMENTAL
O ensino fundamental possui nove anos de duração. A Lei nº 11.274/2006 estabeleceu essa
duração, sendo que anteriormente eram oito anos, no mínimo. A extensão do ensino fundamental
para nove anos exigiu processos de transição que variaram entre diferentes sistemas e redes
escolares do país. Até a edição da Emenda nº 59/2009 à Constituição Federal, o ensino fundamental
era a etapa obrigatória da educação escolar brasileira. Essa obrigatoriedade atingia as crianças a
partir de seis anos de idade e os adolescentes. Cabe observar que o ensino fundamental “regular”
pode ser aberto ao atendimento de jovens maiores de 18 anos e de adultos, mesmo considerando-se
a possibilidade de oferta de educação na modalidade jovens e adultos.
O termo ensino fundamental foi consagrado na Constituição Federal de 1988 e nessa foi
enunciado como obrigatório, equivalendo ao anterior ensino de 1º grau. Esse último, criado pela Lei
nº 5.692/1971, reunindo os extintos níveis primário e ginásio, constituía a etapa da educação

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Texto didático elaborado para as disciplinas da Área de Política de Gestão da Educação do
DEE/Faced/UFRGS.

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obrigatória. Antes da criação do 1º grau, a educação obrigatória era o ensino primário, o qual, com
base nas determinações da Lei nº 4.024/1961 (a primeira LDB), poderia ter de quatro a seis anos.

ENSINO MÉDIO
O ensino médio deve ter no mínimo três anos de duração. Constitui etapa obrigatória da
educação básica para adolescentes até 17 anos de idade, desde a Emenda Constitucional nº 59/2009
(a plena implantação dessa obrigatoriedade foi prevista até 2016). Antes disso, a legislação
preceituava a progressividade na extensão da universalização e da gratuidade do ensino médio
como dever do Estado.
O termo ensino médio está presente desde longa data na educação brasileira. Na primeira
LDB (Lei nº 4.024/1961) designava três cursos distintos – o secundário, o técnico e o normal, cada
qual com dois ciclos, o ginasial e o colegial, comumente com quatro e três anos de duração,
respectivamente. Com a reforma promovida pela Lei nº 5.692/1971, o segundo ciclo (colegial)
passou a constituir o 2º grau, esse com três ou quatro séries. Até 1982, o 2º grau deveria oferecer
educação geral e habilitação profissional. No processo de reforma, essa habilitação profissional foi
desdobrando-se em plena, parcial ou básica, conforme a maior ou menor carga horária e
aprofundamento de estudos para a habilitação profissional (ou formação especial). Com a edição da
Lei nº 7.044/1982, a habilitação profissional deixou de ser compulsória, determinando-se, contudo,
a oferta de programas de preparação para o trabalho nos cursos que não a oferecessem.
Conforme a atual LDB, o ensino médio deve propiciar a formação geral, pelo qual podemos
chamar de ensino médio/formação geral aquele que não oferece habilitação profissional. Na
legislação vigente, contudo, é possível a oferta de ensino médio/formação geral articulado ao ensino
técnico, bem como o ensino médio/formação geral articulado à formação para docência na educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (ensino normal de nível médio). Magistério
As possibilidades de articulação entre o médio e o técnico mudaram no processo de
regulamentação da LDB. No texto dessa última lê-se que “[...] o ensino médio, atendida a formação
geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (art. 36-A). Assim,
fica posicionado no ensino médio e, portanto, na Educação Básica, o ensino técnico. A LDB prevê
três modalidades de articulação entre o técnico e o médio: a integrada, a concomitante e a
subsequente.
Em fevereiro de 2017, a Lei nº 13.415 alterou preceitos da LDB referentes ao currículo do
ensino médio (lembremos que sua origem foi uma Medida Provisória de 2016). Uma das mudanças
foi a determinação de ampliação progressiva da carga horária, de 800 para 1.400 horas anuais, com
prazo de cinco anos para implantação de 1.000 horas anuais; 2022 marca o momento em que a
reforma do ensino médio deve ser implantada, a começar pelo 1º ano, segundo cronograma
divulgado pelo Ministério da Educação. Parte das mudanças se refere a definições ligadas à Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual contempla, entre outros aspectos: direitos e objetivos
de aprendizagem (ou competências e habilidades) para quatro áreas do conhecimento – linguagens,
matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas; língua portuguesa e
matemática obrigatórias nos três anos; estudo da língua inglesa como obrigatório; estudos e práticas
de educação física, arte, sociologia e filosofia obrigatórios; a base nacional comum deverá ocupar
no máximo 1.800 horas da carga horária total. Além da BNCC, o currículo do ensino médio deverá
ser composto pela oferta de itinerários formativos – linguagens, matemática, ciências da natureza,
ciências humanas e sociais aplicadas, formação técnica e profissional. Neste último itinerário
formativo, é facultada atuação de “profissionais com notório saber reconhecidos pelos sistemas de
ensino” (inciso V do art. 61 da LDB), licença bastante questionável. O processo de implementação
das mudanças curriculares deveria iniciar no segundo ano de homologação da BNCC (homologação
ocorrida com a Resolução nº 04/2018 do CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação, Câmara de
Educação Básica). A Lei nº 13.415/2017 também cria uma Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio de Tempo Integral. Essa reforma do ensino médio merece ser examinada
com atenção, sem deixar de considerar que seus propositores e defensores usaram e usam

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argumentos que “[...] aproximam a última etapa da educação básica à visão mercantil da escola
pública e contrariam seu caráter público, inclusivo e universal.” (SILVA; SHEIBE, 2017, p. 19).

MODALIDADES NA EDUCAÇÃO BÁSICA


As modalidades importam em atendimentos afeitos a peculiaridades que podem dizer
respeito a uma população específica ou a objetivos de formação mais especializada ou
complementar. No primeiro caso, encontramos a educação de jovens e adultos, a educação especial,
a educação indígena, a educação básica do campo e a educação quilombola. No segundo caso, a
educação profissional.
A educação de jovens e adultos (EJA) enseja a escolarização daqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental ou médio. Contempla cursos de EJA e
exames. Os cursos e os exames são acessíveis para estudantes maiores de 15 anos (ensino
fundamental) e de 18 anos (ensino médio).
A educação especial destina-se aos educandos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento ou altas habilidades e deve estar contemplada em todas as etapas da educação. A
legislação estabelece a sua oferta preferencial na rede regular de ensino e em classes comuns,
embora ainda possibilite a oferta desta modalidade em classes e escolas especiais.
A educação indígena destina-se ao atendimento da população indígena, tem normas e
ordenamento jurídico próprios e diretrizes curriculares no sentido do ensino intercultural e
bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e
manutenção de sua diversidade étnica.
Pode-se identificar a inserção da educação profissional na Educação Básica de três modos:
ensino técnico – concomitante, integrado ou sequencial ao ensino médio; formação inicial e
continuada de trabalhadores articulada ao ensino fundamental ou médio; preparação básica para o
trabalho no ensino fundamental e médio.
A educação básica do campo é uma modalidade singularizada pelo atendimento às
populações rurais e pela adequação da organização escolar e do currículo aos contextos do meio
rural.
A educação quilombola destina-se ao atendimento das populações quilombolas, urbanas e
rurais.

OBRIGATORIEDADE ESCOLAR
A emenda nº 59/09 à Constituição da República determinou a obrigatoriedade
escolar para a faixa etária dos quatro aos dezessete anos de idade, a ser implementada
progressivamente, até 2016. Na redação da Constituição Federal, ficou determinado, no
inciso I do art. 208, que é dever do Estado garantir “educação básica obrigatória e gratuita
dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. A partir de 2007, iniciando-se
com a entrada em vigor do FUNDEB, uma série de políticas foi sinalizando a priorização
da educação básica, do que são exemplos, além do Fundo, o progressivo atendimento às
etapas da educação básica pelos programas nacionais de alimentação escolar, livro didático,
transporte do escolar e dinheiro direto na escola. O Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, de 2007, se enquadra também nesta linha de priorização da educação
básica. Com essa mudança no enquadramento da obrigatoriedade escolar, a priorização do
gasto público também é redefinida, passa a abranger a pré-escola, o ensino fundamental e o
ensino médio, para crianças a partir de 4 anos de idade e adolescentes.
Complementarmente, o parágrafo 3º do art. 212 da Constituição preceitua: “A distribuição
dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere à universalização e à garantia do padrão de qualidade e

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equidade, nos termos do plano nacional de educação”. A oferta de programas
suplementares de alimentação escolar, material didático e transporte escolar para toda a
educação básica (não apenas para a faixa etária atingida pela obrigatoriedade) é agora
também consagrada na Constituição da República.

UMA TAREFA FEITA E MUITAS POR FAZER


A inserção da Educação Básica na legislação resulta, sobretudo, da luta de entidades,
movimentos e educadores que se mobilizaram, no processo de elaboração da LDB, para garantir
uma concepção que (re)forçasse a democratização da educação. A idéia subjacente é de que todos
devem ter acesso a uma educação que é considerada de base, significando, de outra parte, que
seletividades na oferta educacional em qualquer das etapas negam os direitos de cidadania e
sonegam o desenvolvimento e a formação prometidos nos fins da Educação Básica. A legislação
nos oferece diretrizes e bases consistentes, resta a efetivação da extensão da Educação Básica de
qualidade a todos através de políticas públicas sistemáticas e ousadas, que fraturem a tradição
excludente e estruturem uma base tangível de inclusão social. No momento político de ruptura
institucional pelo qual passa o Brasil, a educação como direito humano e como direito de cidadania
é paradigma que precisa ser defendido de modo contundente, diante de ideários neoliberais e
retrógrados que têm ganhado força em diferentes esferas da sociedade e do Estado.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988 (com emendas).
BRASIL. Lei nº 13.005, de 13 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, p.
168-200, set. 2002.
SILVA, Mônica Ribeiro da; SHEIBE, Leda. Reforma do ensino médio: pragmatismo e lógica
mercantil. Revista Retratos da Escola. Brasília, v. 11, n. 20, p. 19-31, jan./jun. 2017.

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