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Alfenas-MG
2016
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES: DO BÊ-A-BÁ AO
LETRAMENTO
INTRODUÇÃO
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Historicamente, sempre se depositou na escola uma grande esperança para a
resolução dos problemas sociais e econômicos das nações. Consequentemente, se esses
problemas não são resolvidos, a culpa recai sobre a escola, ou seja, no fracasso da
escolarização. Considerando-se a escola como instituição responsável pela alfabetização
e os índices de alfabetização como indicativos de progresso da sociedade, se a
alfabetização fracassa, consequentemente, a sociedade também fracassa.
Algumas décadas do século XX foram necessárias para que se chegasse à
conclusão de que, como cita Cook-Gumperz (1991, p.46) “o sucesso educacional e não
apenas a alfabetização é que leva à oportunidade econômica”. Assim, “a escolarização
moderna transformou o aprendizado em uma habilidade técnica universal e
estandardizada” a chamada “escolarização profissional”, ou seja, com um currículo
consistente, aprovado pela sociedade dominante com um plano organizado de instrução
tanto para professores como para os alunos. Nessa perspectiva, a alfabetização torna-se
a base para o aprendizado para uma série de outras habilidades. Retoma-se então o
conceito de alfabetização como “igualdade de oportunidades”, sendo que a partir da
alfabetização, portas serão abertas para o sucesso.
Para Soares (2004), nos últimos dez anos, as concepções ampliadas sobre o
fenômeno da alfabetização contribuíram para o surgimento de mais um termo:
alfabetizados funcionais, e a adoção dessa terminologia já indica um novo conceito que
se acrescenta ao de ser alfabetizado, simplesmente.
De acordo com Vóvio (2014) “ a alfabetização funcional diz respeito ao
processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita para fins específicos, para a
realização de tarefas cotidianas, do âmbito profissional e da convivência comunitária”.
O surgimento desse termo tem origem na década de 1930, nos Estados Unidos, quando
os recrutas do exército, mesmo possuindo habilidades de leitura e escrita não
conseguiam compreender instruções para a realização de suas tarefas militares (VÓVIO,
2014). Porém, esse termo somente ocupa espaço no cenário mundial a partir de 1960,
através da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura) e OEA (Organização dos Estados Americanos) que incorporam o conceito
como parâmetro para o enfrentamento do analfabetismo e promoção da alfabetização.
Diante desse fato, alfabetizar-se passa a significar não apenas ter habilidade de
decodificação do signo linguístico, mas também abrange o conhecimento de mundo do
indivíduo e seus modos particulares de compreensão.
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Nesse contexto surge o novo termo letramento para designar os usos e funções
sociais da escrita. Nesse sentido, pode-se observar que o letramento são as práticas de
escrita e da leitura socialmente localizadas, porque dependem dos contextos sociais em
que se inscrevem, como assevera ainda Street (1984).
A linguagem escrita não é algo inato do ser humano, sendo necessário que para que
se dominem as habilidades de leitura e escrita, esse conhecimento seja mediado por
outra pessoa mais “experiente” que já tenha adquirido o código escrito. Neste caso a
mediação é realizada pelos professores alfabetizadores.
Para Marcelo (2009) a “ sabedoria popular” crê que para se ensinar basta saber a
matéria. Ora, se os professores atingiram em sua formação o nível superior obviamente
dominam as habilidades de leitura e escrita, sendo plenamente capazes de ensiná-las.
Entretanto o autor assevera que outros conhecimentos são imprescindíveis para que se
ensine algo a alguém. Assim Marcelo (2009, p.119) elenca os conhecimentos
necessários para que se ensine: “conhecimento do contexto (onde se ensina), dos alunos
(a quem se ensina), de si mesmo e também de como se ensina.
O “calcanhar de Aquiles” na formação inicial de futuros professores é o que Roldão
(2005) denomina “Metáfora do duplo funil”, ou seja, para professores da Educação
Infantil ou anos iniciais do Ensino Fundamental é necessário mais conhecimento
pedagógico (como se ensina) do que conhecimento conteudinal (conhecimento sobre o
que se ensina). Conforme “sobem-se os degraus” da escolarização o inverso acontece,
aumentando-se o conhecimento conteudinal em detrimento ao conhecimento
pedagógico. O que se ignora no entanto, é que os professores responsáveis pela
formação dos futuros professores da Educação Infantil e anos iniciais,não dominam com
destreza os conhecimentos pedagógicos, uma vez que para chegarem as universidades
“subiram vários degraus” em sua escolarização tendo como ênfase os conhecimentos
conteudinais. Nessa perspectiva os futuros professores recebem uma formação falha
nesse aspecto.
No ensino da leitura e escrita o conhecimento pedagógico sobre a língua deve ser
desenvolvido concomitantemente com o conhecimento conteudinal, visto que a cada
nova demanda social ampliam-se os conceitos e as formas de ensinar.
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A aquisição da linguagem escrita não deve resumir-se somente a aplicação das
técnicas de decifração do código escrito (métodos de alfabetização), pois como visto
anteriormente, sabe-seque somente o domínio dessa habilidade não é suficiente para que
o sujeito tenha uma relação com a escrita em sua vida cotidiana.
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relação que o professor tem com o seu próprio letramento é um fator preponderante no
seu trabalho com os alunos.
Pesquisas revelam que o sucesso do ensino do letramento está atrelado às condições
de letramento dos professores (Terzi, 2000). Entretanto um novo ponto de reflexão
surge: quais práticas letramento esses professores experimentaram em suas vidas?
Considerando a faixa etária das pessoas que ingressam hoje, no ano de 2016, nos cursos
de Pedagogia, podemos afirmar que poucos vivenciaram práticas de letramento em sua
vida escolar, principalmente nos anos iniciais de alfabetização, visto que a incorporação
desse novo conceitos às práticas pedagógicas é algo muito recente, algo de 10 anos
atrás, porém que até hoje não se efetivou nas práticas pedagógicas.
Kagan (1992, apud Marcelo, 1998) considera que os professores em formação
possuem crenças pessoais sobre o ensino, a imagem de um bom professor, de si mesmo
como professores e de lembranças enquanto alunos de si mesmos. Essas crenças ,
muitas vezes, acompanham esses professores em suas práticas de ensino,tendo a ser
uma reprodução do que vivenciaram enquanto estudantes.
Marcelo (1998) denomina o processo de mudança no desenvolvimento profissional
dos professores de “dimensão pessoal da mudança”, ou seja, a forma como as inovações
impactarão as crenças e os valores dos professores a fim de que ele posteriormente
incorpore-as em suas práticas de sala de aula.
Abandonar práticas solidificadas não é algo muito simples. Isso talvez explique o
real motivo do conceito de letramento enquanto prática social ainda não tenha sido
incorporada em nossas escolas apesar de tantos programas de formação de professores
nesse tema.
Marcelo (2009) coloca o professor enquanto consumidor de “fast-food”, ou seja, as
propostas de inovação são promovidas por instâncias políticas que tanto planejam como
regulam a educação e o professor somente aplica essas inovações. Aqui no Brasil a
existências de lemas como “Toda criança lendo e escrevendo até os 8 anos de idade” ou
“Toda criança alfabetizada na idade certa’ adentram os espaços escolares e tornam o
processo de alfabetização algo ainda mais polêmico do que já é, deixando os professores
no impasse do que ensinar, como ensinar e quando ensinar.
Lembrando que o letramento é um conceito que traz implicitamente ideologias,
crenças e valores, todas as políticas públicas que envolvem a alfabetização vêm
impregnadas da relação alfabetização – progresso econômico.
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Tôrres (2009) aponta uma nova questão levantada por Joice Kim (2003) em
resposta ao artigo “What’s ‘new’ in the New Literacy Studies” de Street (2003b). A
autora chama a atenção para o problema da “ transferibilidade”, ou seja, a transposição
didática, ou como as teorias do letramento são transpostas para a prática em sala de
aula. Esse seria um grande entrave na concepção do Letramento como prática social.
Apesar de atualmente os currículos oficiais abordarem o letramento como forma de
inclusão social, respeitando-se os diversos contextos e culturas, o que encontramos no
dia a dia das escolas é a leitura e escrita como forma de exclusão logo nos anos iniciais
de escolarização que se prolongam durante os anos subsequentes gerando o insucesso e
o abandono escolar. Isso justifica-se por essa falta de transferabilidade para as práticas
de sala de aula de forma convincente, capazes de causar a “dimensão pessoal da
mudança” (Marcelo, 1995b apud Marcelo, 1998, p.63).
Marcelo (1998) baseado nas ideias de Guskey (1986) propõe que a mudança das
crenças e valores dos professores só se modificam a partir do momento que eles
percebem resultados positivos na aprendizagem de seus alunos. Nesse sentido o
professor precisa ser visto além de um mero aplicador de inovações, mas sim como um
sujeito construtor das situações de aprendizagem.
Nesse sentido a formação de professores passa pelo modelo de um currículo
integrado que possibilite a aquisição de “instrumentos teóricos, técnicos e práticos que
lhe permitem desempenhar uma prática reflexiva, capaz de dar resposta à diversidade de
exigências com que é confrontada a escola de hoje e do futuro” (ALONSO &SILVA,
2005, p.49).
Referências:
ALONSO, L.; SILVA, C. (2005). Questões Críticas Acerca da Construção de um
Currículo Formativo Integrado. In L. Alonso & M. C. Roldão (Orgs.). Ser Professor
do 1.º Ciclo: Construindo a Profissão (pp. 43-63). Coimbra: Edições Almedina, SA –
Universidade do Minho / Centro de Estudos da Criança.
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GEE. J. P. Social linguistics and literacies: ideology indiscourses. Londres: The
Falmer Press, 1990.