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A CLÍNICA DA TRANSICIONALIDADE
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Quero começar este nosso encontro com uma referência a Saint
Exupéry e ao seu livro “O Pequeno Príncipe”, conhecido de todos nós e
que fala de um menino.
Neste livro há a seguinte passagem:
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maioria das mães permite a seus bebês algum
objeto especial, esperando que eles se tornem, por
assim dizer, apegados a tais objetos”.
A CLÍNICA DA TRANSICIONALIDADE
DWW escreve:
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intermediária da experiência, entre o polegar e o
ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação
de objeto, entre a atividade criativa primária e a
projeção do que já foi introjetado, entre o
desconhecimento primário da dívida e o
reconhecimento desta (diga ‘bigado’)”. (Winnicot,
1971)
Ele escreve:
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fenômenos transicionais, elementos básicos da clínica da
transicionalidade.
DWW considera que é necessário uma mãe “suficientemente boa”
para que o bebê possa evoluir do Princípio do Prazer para o Princípio de
Realidade (ou no sentido , e para além dela, da identificação primária
(Freud, 1923)). Esta mãe “começa com uma adaptação quase completa
às necessidades do bebê e, à medida que o tempo passa, adapta-se
cada vez menos completamente, de modo gradativo, segundo a
crescente capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela” (Winnicott,
1971, 1975). A “mãe suficientemente boa” propicia, desta forma, a ilusão
de que o seio dela faz parte do bebê e, principalmente, é criado por ele,
“de que ela está, por assim dizer, sob o controle mágico do bebê”
(Winnicott, 1971). A onipotência é uma experiência necessária ao bebê
nesta “vivência de ilusão”, que é criada de início pela mãe, a qual deverá,
também, desiludir gradativamente seu bebê. Esta desilusão necessária
só será possível se a mãe propiciou momentos suficientes de “ilusão”.
Green (Green, 1988), em seu livro “Sobre a Loucura Pessoal”, comenta
que “... o objeto transicional ganha existência e entra em função no
começo da separação entre a mãe e o bebê.”
DWW escreve:
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Os objetos e os fenômenos transicionais têm sua base nesta
experiência de “ilusão”. Este momento inicial do desenvolvimento do
bebê é possível pela capacidade da mãe “suficientemente boa” de se
adaptar às necessidades de seu bebê (possibilitando a “ilusão” de que
aquilo que ele cria existe realmente) e, ao mesmo tempo e
gradativamente, oferecendo a vivência de “desilusão”. Esta teoria da
“ilusão-desilusão”, assim como a noção de que o objeto transicional não
é externo e tampouco interno, introduz a importância do conceito de
“paradoxo”, presente em várias outras concepções de DWW. É
importante que o “paradoxo” seja aceito, tolerado e respeitado e não
“resolvido”, o que somente será possível pela fuga para o funcionamento
em nível puramente intelectual (através da cisão) e o indivíduo pagará
um alto preço por isto em termos de saúde mental.
Deixando um espaço temporal para amplas variações, DWW
sugere que os fenômenos transicionais começam a surgir por volta dos
quatro ou seis meses até oito ou doze meses de idade.
Em “Playing and Reality” (1971), DWW especifica e resume as
qualidades especiais de relacionamento do bebê com o objeto
transicional.
3) Ele nunca deve mudar, a menos que seja mudado pelo bebê;
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5) Contudo, deve parecer ao bebê que lhe dá calor, ou que se
move, ou que possui textura, ou que faz algo que pareça mostrar que tem
vitalidade ou realidade próprias;
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“Apresento como tema para discussão os motivos
pelos quais, na minha opinião, a capacidade para
usar um objeto é mais elaborada que a capacidade
para relacionar-se com objetos; o relacionar-se pode
ser com o objeto subjetivo, ao passo que o usar
implica que o objeto faz parte da realidade externa.
Pode-se observar a seguinte seqüência : 1) o sujeito
se relaciona com o objeto; 2) o objeto está em
processo de ser colocado no mundo pelo sujeito; 3)
o sujeito destrói o objeto; 4) o sujeito sobrevive à
destruição; e 5) 0 sujeito pode usar o objeto.
O objeto está sempre sendo destruído. A destruição
passa a ser o inconsciente pano de fundo do amor
por um objeto real, isto é, um objeto fora da área de
controle onipotente do sujeito.
O estudo deste problema envolve uma afirmação do
valor positivo da destrutividade. A destrutividade,
acrescida da sobrevivência do objeto à destruição,
coloca o objeto fora da área dos objetos criados
pelos mecanismos mentais projetivos do sujeito.
Desse modo, nasce um mundo de realidade
partilhada, que o sujeito pode usar, e a qual pode
enriquecer o sujeito com uma substância-outra-que-
não-eu (“other-than-me-substance”)”. (Winnicott,
1968)
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- ser conservado pela mãe (como “relíquia” de uma preciosa época
de sua vida)
- etc.
“RABISCOS CLÍNICOS”
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Existe uma série de situações psicopatológicas descritas por DWW
na área dos objetos e fenômenos transicionais. Nas situações de perda e
separação, por exemplo, podemos considerar a seguinte situação:
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o autor estabelece uma correlação entre a patologia da transicionalidade
e o uso de drogas.
E ainda:
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Para Paulina Kernberg (Outeiral, 1993), as observações clínicas
parecem indicar que os aspectos transicionais em crianças borderline
estão ausentes ou podem adquirir uma qualidade bizarra. Em
adolescentes borderline esta autora escreve que a história de aspectos
de transicionalidade é inexistente. O relato de um objeto transicional
pressupõe a aquisição de uma relação objetal positiva com a mãe que
possa ser internalizada; assim, a relação da criança com seu objeto
internalizado por ser reproduzida num mundo intermediário de
experiência.
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Peter Giovacchini é outro autor que estudou os aspectos da
patologia dos fenômenos e dos objetos transicionais, particularmente em
um artigo sobre “O Adolescente Borderline como um Objeto Transicional”,
onde considera que, sendo a adolescência “uma fase transicional da
vida”, esta etapa, principalmente nas patologias borderline, nos ilustra
muito significativamente a respeito as contribuições de Winnicott sobre o
tema. Ele chama a atenção, em especial, para as mães que usam seus
filhos como “objetos transicionais”. Este estudo é uma continuidade do
trabalho de Lili Lobel sobre os Objetos Transicionais na história da
infância de adolescentes borderline (“Um Estudo dos Objetos
Transicionais no Começo da História de Vida de Adolescentes
Borderline”), onde a ausência destes objetos foi encontrada em dezoito
dos vinte adolescentes estudados. Os trabalhos de Pauline Kernberg,
Peter Giovacchini e Lili Lobel estão publicados no livro “O Adolescente
Borderline”, que tive a oportunidade de ser o editor (Outeiral, 1993).
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relação dos objetos autistas com os objetos fetichistas, considerando -
em discordância com Greenacre (1970) - que estes últimos têm mais a
ver com os objetos autistas do que com os objetos transicionais de DWW
(nota 1). Ela relaciona também os objetos autistas com suas qualidades
obsessivas, com as origens da neurose obsessiva. Em um trabalho
publicado em 1983, e intitulado “Mecanismos obsessivos e psicose
infantil: seguimento de um caso”, tive oportunidade de apresentar
material clínico ilustrando esta observação de Frances Tustin.
TÉCNICA
Disse a mão:
- Estranho, não posso tocá-la!
Disse a boca:
- Engraçado, não consigo sentir o sabor!
Disse o ouvido:
- Esquisito, não consigo ouvi-la!
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2) O segundo grupo apresenta um predomínio dos elementos da
Posição depressiva, tal como descrita por Melanie Klein;
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psicanalista quer trocar a fechadura e o chaveiro, mais esperto,
experimenta outra chave. Com este chiste/exemplo Green introduz a
importância do setting se adequar às necessidades de cada paciente,
como um indivíduo em particular. O mesmo autor escreve em “O outro e
a experiência do self”, introdução do livro “The Privacy of the Self”, de
Masud Khan.
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Em “The Aims of Psycho-Analytical Treatment” (1965), DWW
escreve:
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No intitulado “Metapsychological and Clinical Aspects of
Regression Within the Psychoanalytic Set-Up” (1954), DWW descreveu
as três categorias de pacientes a que me referi antes, e que torno, agora
sinteticamente, a rememorar, particularmente em relação ao que
chamamos “a terceira categoria”:
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“analista suficientemente bom”. É fundamental, entretanto, compreender
que DWW refere-se a este ponto como um modelo tático e que DWW
(1989) diz textualmente:
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1. a partir da nova posição de força do ego, o ódio relacionado ao
fracasso ambiental inicial é sentido no presente e expresso;
1. há um retorno da regressão à dependência em um progresso
ordenado em direção à independência;
1. necessidades e desejos pulsionais tornam-se realizáveis com uma
vitalidade e um vigor genuínos.
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DWW coordenava uma reunião com Anna Freud à sua direita, o tempo todo
insistindo no objeto da realidade externa, e à sua esquerda Melanie Klein,
que enchia os ouvidos de todos com os objetos internos... O externo, o
interno... Nisto, Winnicott teria dito: Estou cheio destas mulheres! O externo,
o interno... não quero ter de escolher. Então, eu invento um terceiro objeto: o
objeto transicional”.
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“Bion nos disse que existem os ataques ao
vínculo - attack on linking - ou seja, tudo o que
começa a ligar-se, se desliga, por causa dos fatores
“menos K” (minus K); como conseqüência, no que
existe aí, o trabalho do analista é completamente
diferente. Aí, o trabalho do analista não pode
resumir-se em analisar, mas deve re-ligar. Eu diria
que, mais do que uma síntese, é uma análise ao
contrário; quer dizer, é a análise afetada por um
sinal de menos ( - ), de tal forma que não se trata de
decompor, mas de juntar, e juntar não é
inteiramente a mesma coisa que a síntese, pois a
síntese consiste em fazer uma totalidade, ao passo
que juntar consiste em criar uma nova religião ...
quando o psicótico tem um insight iluminado, trata-
se de um insight delirante. O caráter iluminador
corresponde ao que Bion diz quando se apóia na
citação de Freud, quando este diz: “Quando há
alguma coisa que eu não compreendo, eu me cego.”
4) Um último ponto (the last, but not the least) a fazer referência
corresponde ao que Green chama “vagamente” de estruturas não-
neuróticas. Para este autor nas estruturas neuróticas os pais lutar contra
suas próprias pulsões, permitindo à criança se haver com suas pulsões
internas, e existe “uma boa divisão de trabalho”: os pais ajudam a organizar
a satisfação das pulsões da criança, combinando as satisfações e as
inevitáveis frustrações em um equilíbrio. Nas estruturas não-neuróticas as
crianças, além de lutar contra suas próprias pulsões, têm de lutar contra as
pulsões do objeto (mãe/pai). As pulsões do objeto vão se manifestar
indiretamente sob a forma de sintomas: angústia da mãe, depressão da mãe,
ausência da função estruturante paterna, etc. A criança tem de se haver com
duas frentes: a interna e a externa. Esta observação se articula,
evidentemente, com a questão do ódio na contratransferência.
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olhar da mãe, vê a mãe. A criança (ou o paciente) torna-se, assim
(habilmente), dependente da percepção do olhar da mãe (ou do analista),
não podendo construir seu “objeto subjetivo”, tornando-se dependente do
objeto “objetivamente percebido”.
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BIBLIOGRAFIA
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Winnicott, D. (1971). O Brincar e a Realidade. Imago. Rio de Janeiro.
1975.
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