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Biomecânica e Treinamento de Corrida

Biomecânica e
Treinamento de Corrida

Professora Carina Helena Wasem Fraga


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Biomecânica e Treinamento de Corrida

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Biomecânica e Treinamento de Corrida

SUMÁRIO
Introdução 4
Incidência de lesão 4
Caracterização biomecânica da corrida 5
Características cinemáticas da corrida 5
Atividade eletromiográfica na corrida 15
Características dinâmicas da corrida 18
Força de reação do solo 20
Pressão plantar 24
Fatores de interferência nas variáveis da corrida 26
Interferência da velocidade nas características da corrida. 26
Corrida em aclives e declives 31
Considerações finais 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 34

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as variáveis biomecânicas na corrida para a melhora do


INTRODUÇÃO rendimento e o controle da incidência de lesões.

A corrida realizada em longas distâncias (corrida de INCIDÊNCIA DE LESÃO


fundo) é uma atividade que se tornou extremamente
popular no mundo. Geralmente, como forma de exercício Com a grande popularidade da corrida, surgiu um
físico, ela é praticada com dois objetivos possíveis. Ela número relativamente alto de lesões associadas à prática
pode ser praticada como estratégia para que a pessoa desta modalidade. As lesões na corrida de longa distância
se mantenha fisicamente ativo e melhore sua qualidade acometem predominantemente membros inferiores.
de vida ou como exigência de modalidades esportivas Diferentes regiões podem apresentar lesão na prática da
nas quais se busca velocidade ou resistência na corrida, corrida, mas, aparentemente, a maioria está associada à
por exemplo, 100 metros rasos ou maratonas. Nestas aplicação crônica de cargas externas ao aparelho locomotor
circunstâncias descritas anteriormente, a corrida é (VAN GENT et al., 2007).
praticada por ela mesma, como um fim, mas ela também
pode ser praticada como estratégia de condicionamento Em estudo conduzido por BRUNET et al. (1990), os
e preparação física para a prática de alguma modalidade autores investigaram, a incidência de dores em 1505
na qual a corrida seja o meio de obtenção de melhores corredores recreacionais e atletas. Foi verificado que 49%
resultados, como, por exemplo, no futebol ou no handebol. dos homens e 48% das mulheres apresentaram dores
na região do joelho, seguido por 31% e 40% reportando
Seja como for, é inquestionável que sua popularidade dores na região da perna e 35% e 34% apresentando
está cada vez maior. Quando uma pessoa busca a corrida, dores na região lombar. A importância em averiguar a
ou seja, se engaja em um grupo de corrida, é importante incidência de dores reside no fato de que as lesões por
ter claro de que forma essa pessoa pode ser preparada overuse geralmente manifestam, em seus estágios iniciais,
para correr distâncias cada vez maiores. Neste sentido, dores acompanhadas de diminuição na eficiência funcional
primeiramente é necessário conhecer a mecânica da da região afetada.
corrida, saber de que forma a pessoa corre, como os
músculos atuam, como potencia é produzida durante a Em uma revisão sistemática dos relatórios que
corrida para o deslocamento. É a partir do conhecimento investigaram a incidência de lesões na corrida de longa
destas características da biomecânica da corrida, que duração, observou-se que as lesões que acometiam
seremos capazes de escolher as melhores estratégias membros inferiores variaram entre 19,4% a 79,3%, nos
nos momentos certos para desenvolver a capacidade da 17 estudos investigados. Na análise das estruturas mais
pessoa em realizar esta corrida de forma cada vez mais acometidas em membros inferiores, as regiões mais
eficiente. Por outro lado, também é importante conhecer afetadas variaram com valores oscilando de 7.2% a 50.0%
os efeitos que esta forma de deslocamento gera sobre o para o joelho, 9.0% a 32.2% para a perna, 5.7% a 39.3%
aparelho locomotor, para que os limites do mesmo possam para o pé e 3.4% a 38.1% para a coxa (VAN GENT et al.,
ser respeitados e uma lesão não ocorra em alguma 2007). As lesões mais comuns são fraturas por estresse,
estrutura do corpo. Sem conhecer a sobrecarga da corrida, estresse medial da tíbia (canelite), condromalácia patelar,
fica difícil controlar as forças a fim de proteger o corpo fasciitis plantar e tendinite no tendão calcâneo (NIGG,
contra alguma lesão. 1986; WARREN e JONES, 1987; TAUNTON et al., 2002;
HRELJAC, 2004; VAN GENT et al., 2007).
Por conta disso, o objetivo deste módulo é caracterizar
as variáveis biomecânicas da corrida, discutir os fatores que Os fatores que influenciam o surgimento de lesões
interferem na mecânica da corrida, para, posteriormente, na corrida podem ser agrupados em três categorias:
analisar a influencia que o treinamento apresenta sobre aspectos de treinamento, anatômicos (antropométricos)
e biomecânicos (HRELJAC, 2004). Na categoria de

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treinamento, se enquadram o controle de variáveis como alterações posturais e anatômicas e/ou a relação com o
a frequência semanal, a duração, a quilometragem e a volume de corrida da sessão de treinamento e da semana.
velocidade de corrida (VAN GENT et al., 2007). Dentre
as variáveis que compõem os aspectos antropométricos CARACTERIZAÇÃO BIOMECÂNICA DA
estão: arco longitudinal medial alto (pé cavo), diferenças CORRIDA
no comprimento de segmentos e desalinhamento
dos segmentos inferiores, entre outros. Nos fatores
Com o intuito de conhecer as características
biomecânicos observam-se dois tipos de variáveis, as
biomecânicas da corrida, a seguir serão apresentados
cinéticas e as cinemáticas. As variáveis cinéticas envolvem
dados cinemáticos, dinâmicos e eletromiográficos desta
o controle das magnitudes da Força de Reação do Solo
forma de locomoção. As variáveis cinemáticas refletem
(FRS) e a distribuição de pressão plantar. As variáveis
e descrevem de que forma a corrida acontece. Assim,
cinemáticas estão relacionadas às amplitudes de movimento
pode-se descrever como o corpo se desloca no espaço
na articulação do tornozelo, mais especificamente à
ou realizar uma análise das variações angulares nas
magnitude e à velocidade de pronação durante a corrida
articulações durante a corrida. As variáveis dinâmicas
(HRELJAC, 2004).
refletem as forças produzidas e recebidas pelo aparelho
locomotor durante a corrida. Faz parte da análise dinâmica
As alterações nas estruturas do aparelho locomotor,
determinar a magnitude das forças recebidas durante a
como diferença no comprimento dos segmentos inferiores,
aterrissagem, bem como determinar as forças e os torques
altura de arco plantar, tornozelo varo ou valgo, não
articulares produzidos para gerar propulsão no movimento.
necessariamente implicam que ocorrerá a lesão no aparelho
Por último, por meio da análise eletromiográfica (EMG) são
locomotor, pois não houve uma resposta sistemática entre
avaliadas as atividades musculares segundo solicitação do
os estudos correlacionando tais alterações às lesões. Um
sistema nervoso para oferecer controle no movimento. A
fator que sistematicamente foi identificado como fator de
análise EMG é principalmente usada para determinar a
risco é o gênero. As mulheres apresentaram um risco geral
complexa coordenação das ações musculares ao longo
maior de adquirir uma lesão no aparelho locomotor como
do ciclo de execução de movimento. Quando este é o
consequência da prática de corrida de longa duração.
intuito, a análise torna-se muito mais temporal do que de
Por outro lado, os homens apresentaram sistemático
intensidade na corrida (AMADIO e DUARTE, 1996).
maior risco de lesão com o aumento de quilometragem
semanal, enquanto que nas mulheres não houve a mesma
consistência nesta relação. Contudo, de uma forma geral Características cinemáticas da corrida
corredores com altas quilometragens de corrida semanal,
de ambos os gêneros, apresentam maior risco de A locomoção pode ser feita em diferentes velocidades.
desenvolver algum tipo de lesão (VAN GENT et al., 2007). Para cada velocidade de deslocamento, existe uma forma
de locomoção mais eficiente. Em velocidades baixas, a
Estes resultados podem ser um indicador de que as marcha é a forma mais eficiente, em velocidades moderadas
diferentes lesões possivelmente dependam da associação a corrida em velocidade submáxima se torna mais indicada
de vários fatores e, mesmo assim, o risco de desenvolver e em velocidades altas, o mais eficiente seria o Sprint. Na
alguma lesão pode ser distinto para os diferentes Figura 1 observa-se o consumo de oxigênio em diferentes
corredores de longa distância, pois alguns corredores velocidades de deslocamento. Note que existe uma fase de
podem apresentar maior suscetibilidade a determinadas intersecção na qual ainda é mais econômico andar do que
lesões em função de alguma alteração antropométrica correr, mas com os aumentos progressivos na velocidade,
apresentada. Outra conjectura possível é que a presença observa-se uma inversão, ou seja, nestas velocidades
de uma alteração estrutural não necessariamente significa é mais econômico correr do que andar. O ser humano
que a lesão se manifestará, pois o risco de lesão parece é capaz de se locomover até certa velocidade de forma
depender das interações de outros fatores, como outras eficiente e econômica, por meio da marcha. Para alcançar
velocidades mais altas de locomoção, é mais indicado que

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a corrida seja adotada. Esse comportamento pode ser


observado em todos os seres humanos; a diferença está
na velocidade na qual essa transição ocorre que varia de
pessoa para pessoa.

Figura 2: Ilustração do ciclo da passada contendo duas fases de apoio e


duas fases aéreas, em uma corrida a 5m/s. Adaptado de ENOKA (2000).

Se considerado apenas um segmento, observa-se que,


em uma passada, este apresentará uma fase de apoio e
uma fase de balanço (Figura 2). A fase de balanço ocorre
com o segmento se deslocando como um pêndulo no

Figura 1: Relação entre a captação de oxigênio e a velocidade de


sentido do deslocamento, em preparação para a nova fase
deslocamento na marcha e na corrida. Adaptado de McARDLE, KATCH de apoio. Já a fase de apoio é um momento de contato
e KATCH (1998).
com o solo (Figura 3). Na corrida a fase de apoio sempre
será simples, ou seja, sempre ocorrerá com o contato de
Uma vez compreendida a necessidade da corrida, um único pé com o solo de cada vez. Durante o apoio,
vejamos suas principais características, iniciando pelas ocorrem fases distintas. Na marcha, o contato com o solo
cinemáticas. A caracterização cinemática mais simples se inicia com o calcanhar (Entrada do calcanhar). Após
envolve a análise do ciclo da passada. A corrida é um este contato, o pé será aplanado no solo (Aplanamento
movimento cíclico, ou seja, envolve a realização de um do pé) e todo o peso do corpo será acomodado sobre
determinado movimento repetidas vezes. Na corrida, o o apoio (Médio apoio). Conforme o peso é acomodado
movimento que uma pessoa realiza repetidas vezes é a sobre o apoio, o segmento contralateral se encontra em
passada (Figura 2). A passada se inicia quando um dos fase de balanço. Em seguida, ocorre a perda de contato
pés entra em contato com o solo e termina quando ocorre do calcanhar com o solo (Saída do calcanhar). O contato
o contato deste mesmo pé novamente. Portanto, em uma com o solo vai progressivamente diminuindo até o pé ser
passada da corrida temos uma fase de apoio com o pé elevado do solo (Saída dos dedos) (ENOKA, 2000; NORDIN
direito, uma fase aérea, uma fase de apoio com o pé e FRANKEL, 2003).
esquerdo, outra fase aérea e o ciclo termina quando o pé
direito volta a tocar o solo. Uma característica importante
da corrida e que a define, é a presença da fase aérea.
A fase aérea é uma fase na qual o corpo perde contato
completamente com o solo e o corpo é projetado para
frente (LEES, 2001; HALL, 2009). Figura 3: Ilustração das fases de apoio da Marcha, segundo NORDIN e
FRANKEL (2003).

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médio-pé em alguma situação específica, como,


Ocorrem algumas variações na marcha de diferentes por exemplo, corrida com o pé descalço ou em
indivíduos, mas a maioria das pessoas apresenta as esteira (WANK, FRICK & SCHMIDTBLEICHER, 1998;
cinco fases durante o apoio. Por outro lado, na corrida, JUNGERS, 2010; LIEBERMAN et al., 2010).
em velocidades submáximas, é possível observar duas
técnicas distintas de inicio de contato com o solo, a partir Na Figura 4, observa-se uma linha que representa a
das quais, as demais fases não se alteram muito. Essa duas trajetória do Centro de Pressão (COP), ou seja, o ponto
técnicas dão nome a dois tipos distintos de corredores: os de aplicação do vetor resultante da Força de Reação do
corredores de retropé e os corredores de médio-pé (Figura Solo (MOCHIZUKI e AMADIO, 2003). Para ficar mais claro,
4). Os corredores de retropé iniciam o contato com o solo o que é o COP, imagine que na planta do pé em contato
com o calcanhar para depois passar pelas fases de apoio com o solo, cada molécula em contato está aplicando
descritas anteriormente. Já os corredores de médio-pé uma força sobre o solo. A soma vetorial de todas estas
iniciam o contato com o solo com o pé mais aplanado, ou forças resulta em uma força resultante que o pé aplica
seja, a fase de entrada do calcanhar não é realizada; o pé de força sobre o solo. Essa força resultante é chamada
como um todo é apoiado logo no inicio, para depois seguir de Força de Reação do Solo (FRS). A linha pontilhada
para as demais fases (CAVANAGH e LAFORTUNE, 1980; nas duas técnicas de movimento (Figura 4) representa
CLARKE, FREDERICK e COOPER, 1983b). o COP a cada instante de tempo. Esses pontos todos
determinam a linha de trajetória do COP ao longo do
tempo. Observe como na técnica de retropé, os primeiros
pontos se encontram na região posterior do pé (retropé),
indicando que a resultante da FRS esta sendo aplicada
no retropé inicialmente. Já na técnica de médio-pé, os
pontos mais a esquerda já se encontram na região média
do pé (médio-pé). Isso não significa que o calcanhar não
se encontra apoiado sobre o solo, mas que a resultante
da força que o pé aplica sobre o solo se encontra mais
anteriorizada, pois o pé foi posicionado no solo de forma
mais aplanada logo de início. Após esse contato inicial,
nas duas técnicas há o deslocamento anterior do COP,
conforme as fases de apoio seguintes vão acontecendo.
A parte em cinza da Figura 4 ilustra a variação que foi
encontrada na resposta de posicionamento do COP, nos
diferentes sujeitos. Note como há uma grande variação
Figura 4: Ilustração das duas técnicas de movimento: corrida em retropé na técnica de movimento entre os indivíduos, indicada
(a) e corrida em médio-pé (b). Adaptado de CAVANAGH e LAFORTUNE
(1980). pela área bem maior da variação no instante inicial de
contato com o solo (região posterior ou média do pé na

Essas duas técnicas podem ser observadas em Figura) (MILLER, 1990, ENOKA, 2000). Isso denota a

corredores quando em velocidade submáxima. grande variação existente entre corredores com relação

A maioria dos corredores é de retropé, mas a estas duas técnicas. Mesmo tendo dez corredores de

ninguém é exclusivamente corredor de retropé ou retropé, pode-se esperar que cada um destes corredores

de médio-pé, embora exista uma predominância apresente diferenças consideráveis na forma como essa

na técnica. Existe uma flexibilidade na adaptação técnica é implementada, ou seja, cada corredor tem uma

do indivíduo às condições de corrida. Isso técnica particular, que pode ser categorizada em técnica

significa que uma pessoa que corre com a de retropé ou de médio-pé.

técnica de retropé, pode assumir uma técnica de

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A velocidade de deslocamento do corpo depende de


dois fatores: o comprimento de passada e da frequência
de passada. O comprimento de passada é a extensão
medida em metros do início ao fim de uma passada e a
frequência de passada é a quantidade de passadas que
uma pessoa realiza por intervalo de tempo, por exemplo,
passadas por minuto. Portanto, em um exemplo hipotético,
se uma pessoa tiver um comprimento de passada de 2
metros e tiver uma frequência de passada de 180 passadas
por minuto, isso significa que a pessoa desenvolve 360
metros por minuto (180 x 2= 360), ou seja, 21 km/h,
aproximadamente.

Figura 5: gráfico da relação de comprimento de passada e do ritmo ou


Na Figura 5, observa-se o comportamento do frequência de passada para o desenvolvimento de diferentes velocidades
de corrida. Adaptado de HALL (2009).
comprimento e da frequência de passada conforme a
velocidade aumenta na corrida. São vários os fatores que
determinam o comprimento de passada, como: estatura Quando a pessoa muda a velocidade de corrida,
do corredor, comprimento de segmentos inferiores, há um comportamento médio esperado das variáveis
composição do músculo, calçado de corrida, características comprimento e freqüência de passada (Figura 5). Para
do piso de corrida, flexibilidade articular, estado de fadiga, explicar o comportamento médio, considere uma pessoa
histórico de lesões, inclinação do piso, entre outros correndo em velocidade baixa. Ao aumentar a velocidade
(CAVANAGH e KRAM, 1990; HALL, 2009). Isso significa que de corrida para uma velocidade moderada, tanto o
cada corredor apresenta uma relação distinta de frequência comprimento como a frequência de passada irão aumentar,
e de comprimento de passada, mas esta relação será ainda mas nesta condição o comprimento aumentará mais que
influenciada pelas condições de corrida e pelo estado do a frequência, em média. Já se a velocidade aumentar
corredor. Portanto, a escolha da relação de comprimento de uma velocidade moderada para uma velocidade alta
e de frequência que um corredor irá adotar, dependerá de ou máxima, novamente ocorrerá aumento nas duas
uma complexa harmonia entre os fatores citados e outros variáveis, mas desta vez o aumento mais pronunciado
mais, com o intuito de minimizar o gasto energético na será da frequência. Isso ocorre, pois há um limite para
velocidade de corrida (CAVANAGH e WILLIAMS, 1982), ou o aumento do comprimento de passada pelas questões
seja, um sujeito corre de uma determinada maneira, pois antropométricas, a partir do qual os aumentos de
aparentemente é a mais econômica para este sujeito, na velocidade se darão predominantemente pelo aumento da
velocidade escolhida e na condição ambiental presente no freqüência de passada (ENOKA, 2000).
momento.
Conforme discutido anteriormente, são vários os
fatores que determinam a relação de comprimento e de
frequência de passada que uma pessoa irá adotar em uma
determinada velocidade. Aparentemente, a escolha do
aparelho locomotor por uma relação de frequência e de
comprimento de passada é determinada preferencialmente
por questões de economia de energia, em velocidades
submáximas. As demais variáveis como tipo de piso,
velocidade e características antropométricas, entre outras,
entrarão numa complexa análise que determinará qual
a frequência e o comprimento de passada que serão

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mais econômicos para o corredor a partir das condições no quadril, quando seus valores angulares aumentam, por
impostas (CAVANAGH e KRAM, 1990). exemplo, saindo de -20 para 30 graus, isso denota um
movimento de flexão de quadril; já, se os valores estiverem
A análise cinemática pode ser mais aprofundada, de diminuindo ou se tornando mais negativos significa que
forma a investigar não apenas o deslocamento do corpo, está ocorrendo uma extensão no quadril.
mas também o deslocamento dos segmentos ou a variação
dos ângulos das articulações envolvidas no movimento. A Figura 7 ilustra um registro feito do plano sagital, de
A forma mais usada é a descrição, em um dos planos uma pessoa correndo, por meio de uma câmera estática. As
anatômicos de execução de movimento, por exemplo, no variações angulares estão apresentadas em uma passada,
plano sagital, das variações angulares das articulações acompanhando apenas um dos segmentos, perna direita
(Figura 6). Para que os movimentos possam ser descritos, ou esquerda. Por isso, observa-se a divisão da passada em
é necessário adotar um referencial para as variações fase de apoio e em fase de balanço (SCHACHE, BLANCH e
angulares. A Figura 6 ilustra os ângulos referenciais para MURPHY, 2000).
as três articulações de membros inferiores (quadril, joelho
e tornozelo) quando o movimento é analisado no plano
sagital.

Figura 7: Variação angular na articulação do quadril e a rotação da


pelve, no ciclo da passada da corrida. Adaptado de SCHACHE, BLANCH
e MURPHY (2000).

Figura 6: Ilustração dos segmentos dos membros inferiores para


referenciar os ângulos das articulações do quadril, do joelho e do Do ponto de vista da análise da fase de apoio, o
tornozelo, no plano sagital. mesmo geralmente é dividido em uma fase de absorção
(primeira metade da fase de apoio) e em uma fase de
A partir desta referência, o ângulo do quadril é propulsão (segunda metade da fase de apoio). Conforme
formado pelo segmento coxa em relação a uma linha é possível observarmos na Figura 7, no início da fase de
vertical imaginária. Geralmente este ângulo é denominado apoio, o quadril se encontra em flexão. Após ocorrer a
de ângulo da coxa, pois não representa efetivamente o acomodação da massa corporal sobre o apoio, momento
ângulo entre a coxa e o tronco, mas para facilitar a nossa no qual geralmente não há grande variação angular,
discussão, neste texto o ângulo entre a coxa e o eixo o quadril inicia uma extensão até o final do apoio. Isso
vertical será chamado de ângulo do quadril. Portanto, no ocorre devido ao corpo se deslocar para frente em relação
quadril um ângulo zero significa que o tronco está alinhado ao pé fixado no chão. No início da fase de balanço, ocorre
com o segmento coxa. Se o ângulo em um instante no eventualmente ainda uma pequena extensão do quadril,
tempo for positivo, isso significa que o quadril encontra- em continuação à extensão iniciada durante o apoio, a
se em flexão; se o ângulo tiver um valor negativo, isso partir da qual ocorre a flexão do quadril para trazer pé a
significa que o quadril se encontra em hiperextensão. Ainda frente em preparação para o novo apoio. Eventualmente,

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a quantidade de flexão pode ser maior que a necessária de corrida submáxima, estes eventos estarão presentes
para o alinhamento do segmento em preparação ao novo em todos os sujeitos (NOVACHEK, 1998).
apoio. Por conta disso, ocorrerá certa quantidade de
extensão no quadril no final da fase de balanço até ajustar A Figura 8 apresenta a variação angular na articulação
o posicionamento do segmento para o novo apoio. Esta do joelho durante a fase de apoio e a fase de balanço. O
última extensão de quadril está relacionada à velocidade ângulo do joelho é o ângulo formado pelo segmento coxa
com a qual o balanço é realizado, que por sua vez, está e perna. Geralmente o ângulo usado para a análise da
associada à velocidade de corrida. Assim, quanto maior for corrida é o ângulo complementar ao ângulo interno e não
a velocidade de corrida, maior terá que ser a velocidade o ângulo interno propriamente dito. Isso significa que o
angular para a realização da flexão do quadril no balanço ângulo zero determina a extensão total do joelho, ou seja,
e maior será a amplitude final de movimento durante coxa e perna alinhadas. A partir daí, se o ângulo aumentar,
esta flexão, exigindo maior quantidade de extensão o joelho estará realizando uma flexão, se o ângulo diminuir,
de quadril em preparação para o apoio. Com relação à estará ocorrendo uma extensão de joelho.
pelve, note que a mesma permanece em anteversão ao
longo de todo o ciclo da passada, apresentando pequenas
variações angulares que parecem estar intimamente
associadas aos movimentos do quadril. Os movimentos
de pelve são pequenos para a conservação de energia e
a manutenção da eficiência na corrida. Essa anteversão
promove um aumento na curvatura lombar, que por sua
vez produzirá uma sobrecarga maior na coluna lombar
Figura 8: Variação angular na articulação do joelho no ciclo da passada
– não necessariamente alta, mas maior (MILLIRON e da corrida. Adaptado de McNAIR & MARSHALL (1994).
CAVANAGH, 1990; NOVACHEK, 1998; SCHACHE, BLANCH
e MURPHY, 2000; DURWARD, BAER e ROWE, 2001). O joelho inicia o contato com o solo com uma pequena
quantidade de flexão. O contato com o solo não ocorre
Essa caracterização é importante, pois é através dela que com o joelho estendido. A partir desta pequena flexão,
se torna possível a análise da locomoção, no caso da corrida, ocorre uma flexão maior ainda, que tem como objetivo
em diferentes populações com características distintas ou acomodar o peso do corpo sobre o apoio, promover certa
em condições diferentes das apresentadas anteriormente, desaceleração e absorver as cargas mecânicas transmitidas
como, por exemplo, corredores com condromalácia ou ao aparelho locomotor pela aterrissagem do corpo vindo
corrida em aclives ou declives. Outro ponto importante da fase aérea. Após essa flexão, ocorre a extensão do
é que a análise apresentada anteriormente reflete um joelho até o final da fase de apoio. Essa extensão do
comportamento médio. Obviamente, há diferenças joelho contribui para a propulsão na corrida. Na fase de
individuais presentes de um corredor para o outro e que balanço ocorre uma grande magnitude de flexão, até,
se manifestam na forma de amplitudes diferentes de aproximadamente, a metade da fase de balanço. Da
movimento, velocidades angulares diferentes ou, ainda, metade da fase de balanço até o início do novo apoio, o
presença ou ausência de alguns movimentos articulares joelho realizará uma extensão para alinhar os segmentos
sutis. Pode-se citar, por exemplo, a realização de pequena em preparação ao novo apoio desta mesma perna. Essa
flexão de quadril no início da fase de apoio, durante a grande quantidade de flexão no joelho tem uma função
acomodação da massa corporal sobre o solo. Por outro importante: diminuir o comprimento do segmento para
lado eventos como a extensão do quadril na fase de apoio, tornar mais fácil o seu balanceio. Com a flexão do joelho,
e a flexão do quadril na fase de balanço são invariáveis a massa do segmento é aproximada do eixo de rotação
durante a corrida e aparecem na maioria, senão em do quadril, que é entorno do qual o balanço ocorre.
todos os corredores saudáveis sem acometimentos Com o segmento mais curto e a massa mais próxima do
osteomioarticulares. Portanto, em uma mesma velocidade quadril, o momento de inércia do segmento será menor

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e assim a fase de balanço pode ocorrer com um gasto


de energia menor. Para exemplificar essa diminuição no O tornozelo inicia o contato com uma pequena
gasto energético, imagine uma vassoura suspensa que quantidade de flexão plantar, devido ao contato do
será balançada de um lado para o outro com uma das calcanhar com o solo. Logo após o contato do calcanhar,
mãos. Se o cabo da vassoura for empunhado pela sua ocorre uma pequena flexão plantar como consequência
extremidade mais alta, uma quantidade maior de energia do aplanamento do pé. Com o pé todo apoiado no solo,
terá que ser produzida para balançar a vassoura, quando inicia-se uma flexão dorsal causada pelo avanço da tíbia
comparado com a situação em que a mão se encontra sobre o pé, por conta da flexão do joelho. Após o pico
segurando o cabo na sua metade. Com o cabo mais curto de dorsiflexão, ocorre uma flexão plantar até o final do
fica muito mais fácil balançar a vassoura de um lado para apoio para promover a propulsão para a fase aérea. Na
o outro. Novamente, vale lembrar que esse é um padrão fase de balanço, o tornozelo realiza uma gradativa flexão
médio, pois podem ocorrer variações entre indivíduos dorsal até o alinhamento para o novo contato (McNAIR &
que apresentam magnitudes maiores de movimento e/ MARSHALL, 1994; DURWARD, BAER e ROWE, 2001).
ou momentos ligeiramente diferentes. É claro que quando
a corrida é feita em outras circunstancias, isso também Conforme visto anteriormente, há dois tipos de
poderá produzir uma técnica de movimento diferente corredores: os de retropé e os de médio-pé. Essas duas
(MILLIRON e CAVANAGH, 1990; McNAIR & MARSHALL, técnicas de movimento interferem na característica das
1994; NOVACHEK, 1998; DURWARD, BAER e ROWE, variações angulares no tornozelo. Por exemplo, essas
2001). técnicas de movimento afetam o posicionamento inicial do
tornozelo no instante de contato com o solo. O tornozelo
A Figura 9 ilustra as variações angulares que ocorrem no pode estar em flexão plantar ou até mesmo em flexão
tornozelo durante o ciclo da passada da corrida. Conforme dorsal no inicio do contato. Isso determinará a presença
pode ser visto no referencial, o ângulo do tornozelo é ou não do movimento de flexão plantar causado pelo
formado pelos segmentos perna e pé, correspondente ao aplanamento do pé. Muitos corredores apoiam o pé no
ângulo interno. A partir desse referencial, um ângulo de 90º solo já praticamente aplanado. Estes não realizarão flexão
significa que os dois segmentos encontram-se dispostos plantar no inicio do contato. Já a flexão dorsal e a flexão
como na posição anatômica. Dessa posição, se o ângulo plantar que a seguem são basicamente as mesmas, com a
for menor que 90º significa que o tornozelo encontra- diferença que as amplitudes máximas de flexão plantar e
se em flexão dorsal, e se o ângulo for maior que 90º, de flexão dorsal serão diferentes (MILLIRON e CAVANAGH,
o tornozelo estará em flexão plantar. Da mesma forma, 1990; NOVACHEK, 1998).
a diminuição do ângulo do tornozelo denota uma flexão
dorsal no tornozelo e o aumento deste ângulo denota uma Na articulação do tornozelo, outro movimento que
flexão plantar no tornozelo. merece ser discutido é a supinação e a pronação. A
supinação e a pronação são movimentos complexos e que
envolvem, na verdade, a movimentação da articulação
subtalar. O movimento de supinação ocorre na articulação
subtalar levando o tornozelo a uma posição em inversão,
adução e flexão plantar, enquanto que a pronação ocorre
levando o tornozelo a uma posição em eversão, abdução
e flexão dorsal. É evidente que analisar e investigar estes
Figura 9: Variação angular na articulação do tornozelo no ciclo da passada movimentos todos em conjunto é complexo e exige uma
da corrida. Adaptado de McNAIR & MARSHALL (1994).
análise tridimensional. Por isso, geralmente, usa-se a
análise de um ângulo para representar os movimentos
de pronação e supinação. A Figura 10 ilustra o ângulo do
retropé, que geralmente é usado para discutir a pronação.

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Esta análise envolve o registro do plano frontal durante supinação até o final do apoio. Estes corredores realizam
realização da corrida. Marcadores no calçado e no tendão pouca ou nenhuma pronação. Já os pronadores excessivos
calcâneo servem como os segmentos que formarão o são aqueles que já iniciam o contato com o solo em
ângulo do retropé. Na figura 10, valores de ângulos pronação e continuam a fazer pronação até mais da
positivos indicam supinação, enquanto que valores metade da fase de apoio. Estes corredores não realizam
negativos indicam pronação do tornozelo (EDINGTON, supinação. Os pronadores excessivos podem apresentar
FREDERICK e CAVANAGH, 1990). características um pouco distintas na pronação, mas
todos eles apresentam um ou mais dos fatores que os
caracterizam desta forma: não iniciam o contato em
supinação, a pronação no início do apoio é em maior
amplitude ou mais rápida, ou não realizam supinação
ou retardam a supinação (NIGG, 1986; EDINGTON,
FREDERICK e CAVANAGH, 1990). Os corredores que
apresentam um ou mais destes fatores são classificados
como pronadores. Os corredores pronadores excessivos
são mais comuns do que os corredores supinadores. Um
dos fatores que pode causar o excesso de pronação é a
altura do arco plantar. É considerado que um arco plantar
baixo permite o desabamento do tornozelo em valgo, que,
Figura 10: Movimentos de supinação e pronação em corredores
supinadores, normais e pronadores. Análise feita a partir do ângulo por sua vez, leva ao excesso de pronação. Inversamente,
do retropé, como indicador de pronação. Adaptado de NIGG (1986) e o arco plantar alto, por apresentar uma menor mobilidade,
EDINGTON, FREDERICK e CAVANAGH (1990).
traz como consequência a pronação menor (WILLIAMS et
al., 2001). Contudo, a relação da altura do arco plantar e
O movimento tido como normal é aquele que inicia
da pronação é complexa. A presença de um arco plantar
com o tornozelo em supinação. Nos primeiros 30 a 40
baixo em um corredor não é garantia de que este seja
ms após o contato o tornozelo realiza uma pronação, na
um corredor que apresenta pronação excessiva. Há
qual permanece durante grande parte do apoio e no final
outros tantos fatores que podem interferir no excesso de
da fase de apoio, o tornozelo volta fazer supinação, mas
pronação nesta população, como, por exemplo, o calçado,
permanece ainda em pronação (EDINGTON, FREDERICK
a técnica de movimento ou até mesmo a interação do
e CAVANAGH, 1990). Diferente do que se imagina, o
sujeito com o calçado afetando a técnica de corrida da
movimento de pronação no início do apoio é de fundamental
pessoa (BUTLER, DAVIS e HAMILL, 2006). Portanto, deve-
importância para a desaceleração do corpo e absorção
se ter cuidado ao classificar uma pessoa em pronação
das cargas mecânicas logo no início do contato (forças
excessiva pautada apenas na altura de arco plantar, pois
de impacto). Portanto, a ausência de pronação diminui a
outros fatores interferem nessa questão.
dissipação das cargas mecânicas e aumenta a transmissão
de choque através dos membros inferiores (STACOFF et
Atenção especial tem sido dada aos pronadores
al., 1988 e PERRY e LAFORTUNE, 1995).
excessivos, pela comunidade científica, provavelmente
pela maior ocorrência desse tipo de corredores e por
Embora a sequência de movimento descrita
conta da grande incidência de lesões na corrida. A base
anteriormente seja o que se denomina como normal,
da preocupação reside no fato de que os movimentos de
há duas outras formas de execução de movimento, que
pronação interferem nos movimentos da tíbia e do fêmur,
acaba por classificar os corredores como supinadores ou
uma vez que trata-se de uma cadeia fechada. Portanto,
pronadores excessivos. Os corredores normais geralmente
ao movimentar o tornozelo em pronação e supinação,
são classificados como apresentando uma pisada neutra.
movimentos de rotação serão gerados na tíbia e no
Os supinadores são aqueles corredores que iniciam o
fêmur. A Figura 11 ilustra de que forma esses movimentos
contato com o solo em supinação e permanecem em
ocorrem. Quando ocorre a supinação ou inversão,

12
Biomecânica e Treinamento de Corrida

concomitantemente ocorre a rotação lateral da tíbia e a


rotação medial do fêmur. Por outro lado, quando ocorre a
pronação ou eversão, a mesma está associada à rotação
medial da tíbia e à rotação lateral do fêmur (INMAM et al.,
1981; McCLAY e MANAL, 1998). O excesso de pronação
vem sendo sistematicamente associada ao surgimento
de lesões. O mecanismo envolve a associação de alguns
fatores. Para entender este mecanismo, primeiramente
é importante lembrar que o joelho apresenta associado
aos seus movimentos de flexão e extensão, rotações
mediais e laterais da tíbia, respectivamente. No início,
até aproximadamente a metade da fase de apoio, ocorre
a flexão do joelho e a pronação subtalar. Em ambos os
movimentos, a rotação medial da tíbia é uma consequência.
Da metade para o final da fase de apoio, ocorre a extensão
do joelho e a supinação subtalar, com uma rotação lateral
da tíbia associada a ambos. Portanto, observe que por se
tratar de uma cadeia fechada, os movimentos do tornozelo
deveriam estar sincronizados com os movimentos do
joelho. Contudo, se a pessoa apresenta excesso de Figura 11: Modelo representativo da ação da articulação tornozelo
realizando os movimentos de supinação (direita) e de pronação
pronação, eventualmente, na segunda metade do apoio, (esquerda). Adaptado de INMAM et al. (1981).
por exemplo, poderá não ocorrer a supinação, significando
que a extensão do joelho forçará uma rotação lateral da É muito comum a incidência de lesões na corrida ser
tíbia na região proximal, enquanto que na região distal, a associada ao excesso de pronação quando, na verdade,
tíbia permanecerá medialmente rodada. Com isso, ocorre pode ser que a pronação excessiva não seja a causa do
uma sobrecarga em torção que pode acometer a tíbia ou o problema. A causa do problema pode não estar em quanto
joelho (JAMES e JONES, 1990). a tíbia roda medialmente e sim quanto os movimentos
de pronação estão sincronizados com os movimentos
de joelho. A análise da sincronia é o que alguns autores
denominam de coupling, ou seja, movimento conjugado
ou pareado, mas que no presente texto será referido como
sincronia. A Figura 12 ilustra os movimentos do joelho,
da tíbia e do tornozelo sincronizados da forma adequada
e não sincronizados temporalmente. Seria esperado que
os movimentos de flexão do joelho, de rotação medial da
tíbia e pronação ocorressem simultaneamente, ou seja,
sincronizados temporalmente. Isso seria considerado
como normal. O que não seria normal ou seria considerado
inadequado é que os três movimentos não estivessem
sincronizados. Por exemplo, a flexão do joelho alcançou
sua amplitude máxima temporalmente antes que a
pronação e a rotação medial da tíbia parassem de ocorrer.
Essa não sincronização resulta no surgimento de forças de
torção que sobrecarregaria alguma estrutura interna nos
membros inferiores, como por exemplo, o joelho.

13
Biomecânica e Treinamento de Corrida

Os membros superiores são muito menos investigados


do que os membros inferiores. O registro da característica
de deslocamento de membros superiores é um pouco
mais complexo, pois os mesmos se movimentam no plano
transversal e sagital simultaneamente. Isso significa que
técnicas tridimensionais devem ser adotadas para posterior
reconstrução dos deslocamentos. A Figura 13 remonta
a variação angular do ombro e do cotovelo no ciclo da
passada da corrida. O ângulo do ombro corresponde ao
Figura 12: Sincronia normal e anormal entre os movimentos de flexão ângulo formado pelo segmento braço e o eixo vertical e
e extensão do joelho, de rotação lateral e medial da tíbia e de eversão
(pronação) e inversão (supinação).
o ângulo do cotovelo é formado pelos segmentos braço
e antebraço. No ângulo do ombro, o ângulo zero indica
que o braço está ao longo do corpo. Os valores positivos
Com base nessa discussão surge uma questão
de ângulo indicam flexão e os valores negativos indicam
interessante: será que necessariamente as pessoas que
extensão de ombro. No ângulo do cotovelo, o zero indica
apresentam pronação excessiva seriam também pessoas
a extensão total do cotovelo. O ângulo aumentando indica
que apresentam movimentos não sincronizados durante
flexão e o ângulo diminuindo indica extensão do cotovelo.
a corrida? Aparentemente, não. O fato de um corredor
apresentar uma amplitude de pronação maior não é
garantia de que ela também apresente uma sincronia
anormal, pois a sincronia aparentemente é semelhante
entre os chamados pronadores excessivos e os corredores
de pisada tida como neutra (McCLAY e MANAL, 1997;
1998). Isso levanta a questão de que talvez o excesso
de pronação não seja realmente a causa da incidência de
lesões observadas na corrida. As questões que envolvem
a sincronia de movimentos dos segmentos inferiores
são complexas e ainda não estão suficientemente Figura 13: Variações angulares do ombro e do cotovelo durante ciclo da
passada na corrida. Adaptado de ENOKA (2000).
compreendidas para que conclusões possam ser tomadas.
Mas talvez seja o momento de deixar de considerar as
No início do apoio, o braço encontra-se aproximadamente
amplitudes de movimento maiores em pronação como
ao longo do corpo e o cotovelo encontra-se em flexão. Ao
algo potencialmente lesivo. Outra questão que vale a
longo da fase de apoio, tanto o ombro como o cotovelo
pena ser pontuada é que a sincronia da flexão do joelho
são fletidos. Essa flexão continua e alcança um pico de
com a pronação e a extensão do joelho com a supinação
flexão no início da fase de balanço, momento a partir do
é extremamente sujeito dependente, ou seja, os
qual ambos iniciam uma extensão. O ombro estende mais
diferentes tipos de corredores podem apresentar diversas
rapidamente para depois flexionar mais lentamente até
formas de sincronia, tornando mais difícil encontrar
o final da fase de balanço. Já o cotovelo estende mais
um comportamento que seja válido para um grupo de
lentamente que o ombro, por outro lado, flexiona mais
corredores. Por último, a sincronia aparentemente é
rapidamente. O instante de máxima extensão não coincide
influenciada de modo positivo pelo aumento da velocidade
nas duas articulações (ENOKA, 2000).
de corrida. Há evidências de que, em velocidades
maiores de corrida, o início da extensão do joelho ocorre
Associando os movimentos de membros superiores
temporalmente mais sincronizado com a ressupinação, na
com os movimentos de membros inferiores, nota-se
segunda metade da fase de apoio (DE WIT e DE CLERCQ,
que os movimentos são simétricos entre os membros
2000).
superiores e inferiores, porém a simetria é contralateral.

14
Biomecânica e Treinamento de Corrida

Isso significa que a flexão de quadril da perna esquerda função, diminuir o momento de inércia do segmento para
ocorre simultaneamente à flexão do ombro direito. Uma que a extensão do ombro possa ocorrer mais facilmente
das principais funções dessa sincronia contralateral (DURWARD, BAER e ROWE, 2001).
é compensar os momentos angulares criados pelos
membros inferiores pelos membros superiores. Quando Atividade eletromiográfica na corrida
o quadril esquerdo realiza a flexão, este movimento cria
uma rotação na pelve no sentido horário. Para que essa
Para entender de que forma os músculos atuam na
rotação não ocorra, o ombro contralateral realiza uma
corrida, não basta recorrer à anatomia e à cinesiologia;
flexão, resultando numa rotação no sentido anti-horário.
é necessário investigar a ação destes músculos
Portanto, os movimentos de membros superiores têm a
durante a corrida. Para tanto, deve ser utilizada a
principal função de compensar os momentos angulares
ferramenta chamada eletromiografia. Os estudos usando
criados pelos membros inferiores. Com isso, as maiores
eletromiografia buscam principalmente a caracterização
velocidades de corrida serão acompanhadas por maiores
temporal das ações musculares, ou seja, visa entender em
amplitudes de movimento dos membros inferiores, com
quais momentos, no ciclo da passada, os músculos são
aumentos correspondentes da amplitude de movimento
acionados. A Figura 14 ilustra uma passada e uma fase
dos membros superiores (DURWARD, BAER e ROWE,
de apoio adicional na corrida: nota-se uma fase de apoio,
2001).
uma fase de balanço e uma nova fase de apoio com o
mesmo pé. As barras pretas representam que o músculo
Outra função que geralmente é atribuída aos movimentos
encontra-se ativo naquela fase da passada.
de membros superiores é a adição de propulsão à corrida.
Analisando os dois segmentos simultaneamente, observa-
se que enquanto um dos segmentos é movimentado para
frente e para cima, o outro segmento é movimentado
para trás e para cima. O resultado final seria uma efetiva
e significativa propulsão para cima, que auxilia o corpo
a se elevar do solo. Por outro lado, nenhuma propulsão
pode ser atribuída aos membros superiores para frente,
pois enquanto um dos segmentos é movimentado para
frente, o outro segmento é movimentado para trás. Isso
Figura 14: Ativação EMG dos músculos de membros inferiores durante o
faz com que a propulsão para frente de um dos segmentos ciclo da passada na corrida. As barras indicam que o músculo apresenta-
seja anulada pela propulsão para trás do outro segmento se ativo e a ausência de barra indica que o músculo encontra-se inativo.
Adaptado de MANN e HAGY (1980) e NOVACHECK (1998).
(DURWARD, BAER e ROWE, 2001). Uma vez que a
propulsão para frente proveniente dos membros superiores
é muito pequena, não há razão em sugerir a um corredor Este tipo de análise se torna possível realizando o
que ele movimente seus segmentos superiores para envoltório linear do sinal e adotando um valor mínimo de
frente ao invés do movimento natural por ele executado atividade como referencial para considerar a ativação do
(HINRICHS, 1990). músculo. Se a atividade muscular estiver acima deste valor,
o músculo será considerado ativo, estimulado pelo sistema
Da mesma forma como o ombro e o quadril atuam nervoso para produzir tensão. Se a atividade estiver abaixo
em sincronia, o cotovelo e o joelho atuam de forma do valor referencial, considera-se que o músculo encontra-
sincronizada também. Essa sincronia pode ser observada se inativo. Esse tipo de análise, como o feito na Figura
nas velocidades angulares e nas amplitudes de movimentos 14, não permite determinar quanto de tensão está sendo
das duas articulações. Por exemplo, a flexão do joelho da produzida pelos músculos. Esta análise busca entender
fase de balanço é importante para diminuir o momento de que forma o sistema nervoso coordena as ações dos
de inércia do segmento, conforme visto anteriormente. De diferentes músculos durante o ciclo da passada da corrida.
forma análoga, a flexão de cotovelo apresenta a mesma

15
Biomecânica e Treinamento de Corrida

Analisando o comportamento geral, nota-se que a


atividade dos músculos não é contínua: eles apresentam
fases de atividade e de inatividade. Aliás, é possível notar
que a atividade dos músculos se concentra entorno de
um evento: o contato com o calcanhar. Note como as
atividades se iniciam instantes antes do contato com
o solo e terminam pouco após o contato com o solo e
antes da saída dos dedos. Esse comportamento pode ser
observado em quase todos os músculos, com exceção de
apenas dois músculos, o reto da coxa e o tibial anterior, nos
quais a atividade apresenta uma característica diferente
de ativação (MANN e HAGY, 1980; NOVACHECK, 1998).
Para entender a função da ativação destes músculos, os
Figura 15: Variações angulares do quadril e as atividades EMG dos
dados EMG devem ser associados aos dados de variação
músculos glúteo máximo, ísquiotibiais e reto da coxa, ao longo do ciclo
angular das articulações nas quais estes músculos atuam. da passada. Adaptado de NOVACHECK (1998) e SCHACHE, BLANCH e
MURPHY (2000).
A figura 15 apresenta as variações angulares do quadril
e as atividades EMG de músculos extensores do quadril,
glúteo máximo e ísquiotibiais, e de um músculo flexor do Os músculos extensores e flexores do quadril
quadril, o reto da coxa, ao longo do ciclo da passada. Para representados pelo músculos ísquiotibiais e glúteo máximo
entender a ativação destes músculos é importante lembrar e pelo reto da coxa, respectivamente, concentra sua
que a atividade EMG, na verdade, nada mais é que a ativação entorno da primeira metade da fase de apoio.
somatória de todos os potenciais de ação que estiverem ao Todos eles, no entanto, iniciam sua ativação instantes
alcance do eletrodo de EMG. O inicio da atividade EMG não antes de ocorrer o contato com o solo. Esse é o conceito
significa que a produção de tensão começou exatamente conhecido como pré-ativação muscular. Quando o
no mesmo instante. Existe um retardo eletromecânico que corpo aterrissa da fase aérea, os músculos devem estar
significa que com o inicio da estimulação, o músculo leva imediatamente preparados para controlar as articulações e
cerca de 50ms para iniciar a produção de tensão. Isso se impedir o colapso do corpo ao solo. Lembrando que existe
dá em função das diferentes velocidades em ocorrem os um retardo eletromecânico entre a ativação muscular e
eventos elétricos e mecânicos. Da mesma forma, após a produção de tensão, se o sistema nervoso iniciasse a
terminada a estimulação nervosa do músculo, o mesmo estimulação muscular junto com o contato com o solo,
continuará a produzir tensão por mais algum tempo (HALL, não seria possível controlar a sobrecarga mecânica no
2009). momento do apoio. Desta forma a pré-ativação muscular
garante que os músculos estejam produzindo tensão
e garantindo a adequada rigidez nas articulações em
preparação para a acomodação do peso do corpo sobre o
apoio. Outro comportamento importante é a co-contração
presente na articulação. A co-contração é a contração
simultânea de músculos que apresentam ações opostas na
articulação. Neste caso, ter o glúteo máximo (extensor do
quadril) simultaneamente ativo com o reto da coxa (flexor
do quadril), no inicio do contato, garante a rigidez maior
à articulação, que, por sua vez, aumenta a estabilidade
articular de forma ativa. Esses comportamentos de pré-
ativação e de co-contração estão presentes em todos os

16
Biomecânica e Treinamento de Corrida

músculos e em todas as articulações de membros inferiores


na corrida (McCLAY, LAKE e CAVANAGH, 1990). A atividade dos ísquiotibiais e do reto da coxa já foi
discutido. Os músculos monoarticulares do quadríceps
A ativação dos extensores do quadril no final da fase de apresentam uma atividade característica e bem marcada
balanço é importante para controlar a flexão do quadril por na primeira metade da fase de apoio. O quadríceps
meio de uma contração excêntrica e iniciar a extensão do também apresenta pré-ativação, o que significa que ele
quadril que alinhará os segmentos para o início do apoio. é acionado no final da fase de balanço. Considerando que
Esse comportamento é principalmente causado pela ação na primeira metade do apoio, o joelho se encontra em
dos ísquiotibiais. Uma vez que o quadril se encontra em flexão, isso significa que o quadríceps encontra-se ativo
flexão no início do contato com o solo, os extensores do para controlar a quantidade de flexão do joelho por meio
quadril estariam garantindo o controle da articulação para de uma contração excêntrica. Porém, na segunda metade
impedir que o quadril flexione significativamente mais e da fase de apoio, durante a extensão do joelho, o músculo
inicie a extensão de quadril característica da fase de apoio. quadríceps não se encontra ativo. Esse comportamento é
Além disso, com o contato com o solo surge um torque conhecido paradoxo do quadríceps, ou seja, um músculo
que tende a lançar o tronco a frente por inércia. A ação extensor do joelho não está ativo na extensão do mesmo.
dos extensores do quadril no início do apoio também pode Lembrando que a segunda fase do apoio é a fase de
auxilia neste controle do tronco. Dos músculos analisados propulsão, como o joelho é estendido se o quadríceps não
na Figura 15, os ísquiotibiais parecem ser os únicos que está ativo? Esse comportamento do quadríceps pode ser
prolongam sua atividade para a segunda metade da fase explicado por meio do ciclo alongamento-encurtamento
de apoio, significando que o mesmo está atuando em (CAE), segundo o qual o músculo, durante a contração
contração concêntrica para estender o quadril. O músculo excêntrica na primeira metade da fase de apoio, acumulou
reto da coxa apresenta uma atividade bem marcada logo energia em seus componentes elásticos que pôde ser
nos momentos iniciais da fase de balanço. Essa atividade restituída na segunda metade da fase de apoio. Esse
é importante para desacelerar o quadril que se encontra acúmulo e restituição de energia elástica permitem que a
em extensão e acelerar o quadril em flexão para a fase de extensão do joelho ocorra com menor gasto de energia,
balanço (McCLAY, LAKE e CAVANAGH, 1990). pois o quadríceps não está ativo durante a extensão do
joelho (McCLAY, LAKE e CAVANAGH, 1990).
A figura 16 apresenta as variações angulares do joelho
e as atividades EMG de músculos extensores do joelho, A atividade do reto da coxa nos instantes iniciais da
reto da coxa e quadríceps, e dos músculos flexores do fase de balanço atua também na articulação do joelho.
joelho, os ísquiotibiais, ao longo do ciclo da passada. Portanto, o reto da coxa ao mesmo tempo em que
desacelera a flexão do joelho, atua acelerando o quadril
para a fase de balanço. De forma semelhante, a atividade
de ísquiotibiais na segunda metade da fase de balanço tem
a função de desacelerar a flexão do quadril e a extensão
do joelho e iniciar a extensão do quadril em preparação
para a fase de apoio (McCLAY, LAKE e CAVANAGH, 1990).

tA figura 17 apresenta as variações angulares do


tornozelo e as atividades EMG de músculo gastrocnêmio,
flexor plantar, e do músculo tibial anterior, flexor dorsal, ao
longo do ciclo da passada.
Figura 16: Variações angulares do joelho e as atividades EMG dos
músculos ísquiotibiais, reto da coxa e nos ventres monoarticulares
do quadríceps, ao longo do ciclo da passada. Adaptado de McNAIR &
MARSHALL (1994) e NOVACHECK (1998).

17
Biomecânica e Treinamento de Corrida

que mais vezes tivesse que realizar magnitudes altas de


força. No caso do tibial, não tanto pela força exigida, mas
sim pelo tempo no qual ele permanece ativo, ele começa
apresentar dores relacionadas provavelmente à fadiga.
Caso isso ocorra, a diminuição da velocidade de corrida
e da duração da sessão de treinamento já serviria para
diminuir a exigência de força do músculo. Talvez, não
seja o caso de realizar algum treinamento específico, pois
dificilmente a especificidade da atuação do tibial anterior
pode ser reproduzida em outro treinamento que não a

Figura 17: Variações angulares do tornozelo e as atividades EMG dos


corrida.
músculos gastrocnêmio e tibial anterior, ao longo do ciclo da passada.
Adaptado de McNAIR & MARSHALL (1994) e NOVACHECK (1998).
Em várias circunstâncias nas ações musculares pode ser
observada a realização de contrações excêntricas seguidas
O gastrocnêmio inicia sua atividade ainda na fase de imediatamente por contrações concêntricas. É o caso do
balanço e continua ativo até quase o final da fase de apoio. glúteo máximo, do gastrocnêmico e do quadríceps. Isso
Na fase de balanço final, o gastrocnêmio atua em conjunto denota que o uso do CAE é predominantemente a forma
com o tibial anterior para estabilizar o pé em preparação do aparelho locomotor em gerar propulsão na corrida. O
para a fase de apoio. No início do contato, por conta da CAE é treinável, o que significa que o treinamento bem
co-contração, o gastrocnêmio auxilia na estabilização do aplicado pode aumentar a eficiência dos músculos em usar
tornozelo para receber a descarga do peso do corpo e, em esta forma de produção de energia para gerar propulsão.
seguida, por meio de uma contração excêntrica, controla a Ao fazer isso, o músculo seria capaz de produzir mais força
flexão dorsal do tornozelo que ocorre na primeira metade de forma passiva, o que permite a diminuição de gasto
da fase de apoio. Na segunda metade da fase de apoio, de energia para uma mesma velocidade de deslocamento.
o gastrocnêmio realiza uma contração concêntrica para Isso é o conceito conhecido como economia de corrida
acelerar e propulsionar o corpo. Já o músculo tibial anterior (PAAVOLAINEN et al., 1999). Características mais
é um dos músculos que por mais tempo permanece ativo aprofundadas sobre a economia de corrida e o treinamento
no ciclo da passada da corrida. No início do apoio, o tibial do CAE são abordadas no módulo de treinamento funcional.
anterior atua na desaceleração para o aplanamento do pé.
Posteriormente, a atividade do tibial anterior durante a fase
de apoio atua em contração concêntrica para auxiliar na
Características dinâmicas da corrida
flexão dorsal do tornozelo, conforme a tíbia avança sobre
A dinamometria é a área de investigação da
o pé. Ao longo de toda a fase de balanço o tibial anterior
Biomecânica cujo objetivo central é a determinação
apresenta atividade visando controlar a flexão plantar e
das forças que produzem o movimento. As forças mais
iniciar a flexão dorsal em preparação à nova fase de apoio
facilmente medidas e investigadas com maior frequência
(McCLAY, LAKE e CAVANAGH, 1990).
são as forças externas. A importância em analisar as forças
externas reside no fato de que somente com a aplicação
Em pessoas destreinadas que iniciam um programa
de uma força é possível iniciar ou alterar o movimento
de atividade física aeróbia como a caminhada ou a
de um corpo. Portanto, para que um corpo se desloque,
corrida, é muito comum as pessoas apresentarem dor
é necessário que uma força seja aplicada sobre esse
no tibial anterior, nas primeiras sessões de treinamento.
corpo. Eis a importância da terceira Lei de Newton, ação e
Essa dor provavelmente está associada ao longo período
reação. Para que o corpo possa ser projetado na direção
de atividade que este músculo apresenta. Em outras
do deslocamento, é necessário empurrar o solo, ação, para
palavras, sendo a pessoa destreinada, o músculo que
que o solo nos empurre para frente, reação. Para entender
mais rapidamente apresentaria sinais de fadiga seria o
as causas do movimento, quais forças são aplicadas sobre
músculo que por mais tempo apresentasse atividade ou

18
Biomecânica e Treinamento de Corrida

o corpo e de que forma o corpo gera propulsão, torna-se


necessário medir esta força que é a força externa mais
importante no estudo da locomoção, a Força de Reação
do Solo (FRS) (AMADIO e DUARTE, 1996; SERRÃO, 1999).

Uma vez que a FRS ocorre na interface entre o


aparelho locomotor e o solo, ela pode ser medida usando
um instrumento chamado plataforma de força (Figura18).
A plataforma de força é um instrumento muito usado na
indústria automobilística para fazer testes de colisão. Na
análise da locomoção, estas plataformas de força são
posicionadas e alinhadas com o solo. Pede-se que a pessoa
corra e ao pisar na plataforma de força, ela irá registrar toda
força aplicada sobre ela ao longo do tempo. A plataforma
de força funciona como uma balança registrando as forças
aplicadas sobre ela a cada milissegundo. Pela Lei da Ação
Figura 19: Sistema Gaitway da Kistler, esteira rolante com duas plataformas
e Reação, sabe-se que toda força aplicada gera uma de força dispostas em série na sua base. Adaptado de GAITWAY (1996).
força de igual magnitude e direção, mas sentido oposto.
Portanto ao registrar a FRS, registra-se exatamente a Esses registros ocorrendo consecutivamente ao longo
mesma magnitude de força que está sendo aplicada no de dez segundos, por exemplo, permitirá registrar os
aparelho locomotor (MILLER, 1990). consecutivos apoios para a análise da corrida. Na Figura
20 observa-se em azul e vermelho as FRS de uma pessoa
correndo em uma esteira rolante instrumentada com duas
plataformas de força. As curvas de força representam a
somatória de todas as forças aplicadas na plataforma de
força ao longo do tempo. Note que as curvas representam
as fases de apoio. Assim que a força cai para zero, há
alguns instantes sem força aplicada antes da nova curva
Figura 18: Imagem de uma plataforma de força que é posicionada e
de força referente à fase de apoio da perna contralateral.
alinhada com o solo. Fonte:http://www.win-world.cn/en/pro_detail.
php?ProId=45 Esta força nula representa a fase aérea da corrida. No
eixo de Y observa-se que os valores estão marcados em
Se a plataforma de força for posicionada de forma Peso Corporal (PC), não em Newton (N) como é registrada
alinhada com o solo, será possível registrar apenas uma a força originalmente. Esse procedimento de trasformar
fase de apoio da corrida. Para registrar apoios consecutivos, as magnitudes de força de Newtons para Peso Corporal
é usada uma esteira rolante especialmente projetada com chama-se normalização ou relativização. É necessário
duas plataformas de força dispostas em série na sua base, analisar estes dados em valores relativos, pois uma
uma a frente da outra (Figura 19). A pessoa inicia o apoio pessoa de 100kg produz uma força absoluta maior que
na plataforma a frente. Conforme a esteira traz o apoio uma pessoa de 50kg. Ao relativizar a força, a interferência
para trás, a primeira plataforma perde o contato com o da massa corporal de cada sujeito é eliminada. Para
apoio, mas a segunda plataforma continua registrando a analisar as características dinâmicas da corrida, portanto,
FRS deste apoio. Ao final as forças das duas plataformas é necessário entender a Força de Reação do Solo (MILLER,
são somadas para resultar na FRS de um apoio completo. 1990).

19
Biomecânica e Treinamento de Corrida

Esta curva de força apresenta duas magnitudes


máximas de força chamadas de primeiro e segundo pico
de força vertical, Fy1 e Fy2, respectivamente. Conforme
comentado anteriormente, a fase de apoio geralmente
é dividida em uma fase de absorção e de propulsão. A
Figura 20: Registro da Força de Reação do Solo de apoios consecutivos componente vertical da FRS é dividida em uma fase passiva
na corrida sobre esteira rolante montada com plataformas de força. As
e uma fase ativa. A fase passiva inicia-se com o contato e
curvas vermelhas e azuis representam os apoios direito e esquerdo.
dura até 50ms, aproximadamente. A partir de 50ms inicia-
se a fase ativa que dura até o final da fase de apoio. A
Força de reação do solo
fase passiva chama-se assim, pois é uma fase na qual o
aparelho locomotor é incapaz de alterar a sua técnica de
A força de Reação do Solo é uma medida tridimensional,
movimento. Para facilitar, vejamos um exemplo: quando
o que significa que quando ocorre a fase de apoio, as
corremos, temos um programa motor que coordena as
forças são verticais (de baixo para cima), horizontais
ações musculares gerando o movimento necessário para
(anteroposteriores) e médio-laterais (de um lado para o
a locomoção em linha reta, sem obstáculos. Esse mesmo
outro). As forças horizontais anteroposteriores são aquelas
programa, não é adequado para descer a calçada, pois
que geram desaceleração no inicio do apoio, ou seja, nos
isso necessita flexionar mais os joelhos, acionar mais os
empurram para trás, contra o sentido do deslocamento.
músculos para controlar as articulações. Contudo, imagine
As forças médio-laterais denotam as forças de pronação
que você não tenha percebido o término da calçada.
e supinação aplicadas sobre o solo. As forças verticais
Com o mesmo programa motor, quando o pé alcançasse
impulsionam nosso corpo para cima, permitindo que
a altura da calçada para o apoio, não haveria solo para
ocorra a fase aérea. Cada uma dessas forças é chamada
se apoiar. Iniciaríamos a queda de mais ou menos
de componentes. Como a componente vertical da FRS é
20cm, na qual teríamos consciência da queda, mas não
a que apresenta maior magnitude, é nela que geralmente
haveria tempo para mudar o programa motor no sentido
reside o foco da análise da corrida. Na Figura 21 observa-
de adequá-lo ao obstáculo. Certamente, a aterrissagem
se a componente vertical da FRS, denominada de Fy
seria inadequada por conta disso. A incapacidade em
(LEES, 1990; MILLER, 1990).
mudar a característica do movimento vem do tempo de
latência necessário para que a informação seja conduzida
até a medula e retorne produzindo um comportamento
diferente. O tempo de latência é de aproximadamente 50
a 100ms, que corresponde à fase passiva do movimento
(KYROLAINEN, AVELA, E KOMI, 2005).

Quando corremos, continuamente temos que acessar


uma série de informações acerca das características do
piso, se é escorregadio ou não, se é duro ou macio, liso
ou irregular, entre outras. Essas informações produzirão
ajustes por parte do aparelho locomotor à condição
apresentada. Portanto, a fase passiva representa a fase
Figura 21: A curva representa a componente vertical da FRS, com as suas na qual não somos capazes de alterar as características
divisões em fase passiva e ativa.
do movimento e a fase ativa representa a fase na qual já
estamos ajustados às exigências impostas. É claro que as
experiências associadas à visão auxiliam nesse processo,
mas mesmo assim ajustes são necessários fazendo com

20
Biomecânica e Treinamento de Corrida

que normalmente, a variabilidade na FRS seja da ordem


de 10%. Isso significa que cada apoio é diferente do outro
aproximadamente em até 10%. O apoio que acabou de
ocorrer não será exatamente igual ao apoio que virá a
seguir e assim sucessivamente (WINTER, 1990).

A fase mais analisada da corrida é a fase passiva. É


nela que se encontra a força de impacto. Ao observar
a Figura 21, nota-se que a força aumenta, chega num
patamar máximo (pico de força), sofre uma ondulação
para novamente aumentar a um segundo pico e depois a
força cai para zero. Como mencionado anteriormente, o
primeiro pico de força é também conhecido como Fy1. A Figura 22: Representação de uma magnitude de força (Fy1), alcançada
em tempos diferentes. Em vermelho a força é alcançada mais rápido e
força de impacto corresponde à magnitude de Fy1. Além da em azul a força é alcançada mais lentamente.
força de impacto (Fy1) é importante caracterizar o tempo
que leva desde o inicio do contato até essa magnitude Para associar a força ao tempo, geralmente é usado
de força, que é o parâmetro conhecido como Dt Fy1. O outro parâmetro conhecido como taxa de crescimento de
parâmetro Dt Fy1 é importante, pois não interessa saber força (TC). A TC é obtida dividindo a força (Fy1) pelo tempo
somente quanto de força foi transmitida às estruturas (Dt Fy1). O resultado será a velocidade ou a taxa com a
durante a corrida, mas também saber quanto tempo levou qual a força é aumentada. Na classificação do choque
para que a força atingisse essa magnitude. A Figura 22 mecânico, quanto maior for TC, maior será a sobrecarga.
ilustra uma força (Fy1) que é atingida em dois intervalos Na Figura 23, pode-se observar a curva vertical da FRS
diferentes. O parâmetro Dt Fy1, diz repeito ao intervalo correspondente à fase de apoio de dois sujeitos. Olhando
de tempo para alcançar esta magnitude de força. Quanto para estes dois sujeitos, para quantificar o choque
maior for Fy1 e menor for Dt Fy1, mais exigido será o mecânico transferido ao aparelho locomotor, deve-se
aparelho locomotor, pois a taxa de aplicação de força é olhar para o primeiro pico de força e para o tempo para
maior. Neste sentido, se a força de impacto for maior em alcançar este pico (representado pelo circulo vermelho –
uma condição e esta força for aplicada num intervalo de Figura 23). Veja que que no sujeito 1, qualitativamente, o
tempo menor, isso denotará um choque mecânico maior choque mecânico foi maior. Para quantificar precisamente
(AMADIO e DUARTE, 1996). A força representada em a diferença, deve-se obter os valores numéricos da Fy1, Dt
vermelho na Figura 22 mostra uma situação de maior Fy1 e TC, pois assim será possível saber percentualmente
exigência para o aparelho locomotor do que a força a diferença no choque mecânico entre os sujeitos 1 e 2
representada em azul. (AMADIO e DUARTE, 1996).

Figura 23: Componente vertical da FRS de dois sujeitos para ilustrar as


diferenças nas forças de impacto e na sobrecarga mecânica transferida
ao corpo. Dados não publicados de BIANCO (2005).

21
Biomecânica e Treinamento de Corrida

em uma única aplicação desta carga, ocorre a lesão. É


Vários são os fatores que podem interferir no choque o que ocorre geralmente em acidentes, nos quais pode
mecânico como, por exemplo, a velocidade de corrida, o ocorrer uma fratura traumática, por exemplo. Já as lesões
tipo de piso, a inclinação do piso, a técnica de movimento crônicas, ocorrem não porque a carga é necessariamente
da pessoa, o calçado, a adaptação do indivíduo, alta, mas porque ela foi aplicada excessivas vezes em
entre outros. Alguns destes fatores serão discutidos relação à capacidade de tolerância do tecido. A figura 24
posteriormente. No momento, nos interessa caracterizar ilustra que a relação que a magnitude de carga apresenta
o choque mecânico na corrida. A Magnitude da força de com a freqüência de aplicação dessa carga. Segundo
impacto na corrida (Fy1) é da ordem de 2,5 a 3,5 PC. O essa figura, cargas altas obtidas a partir da realização do
tempo que leva desde o início do contato com o solo até movimento (não por acidente), são toleráveis até certo
o pico de força (Dt Fy1) varia de 30 a 40ms. Portanto, ponto pelo aparelho locomotor. Mas, se estas cargas
a TC, para uma pessoa de 70kg, irá variar de 44N/ms a altas forem aplicadas muitas vezes, a probabilidade de
82N/ms, aproximadamente. Nesse caso, a TC indica que, desenvolver uma lesão será maior. Não há como ser
a cada milésimo de segundo, haverá um aumento na categórico em considerar que a lesão irá ocorrer, mas
força da ordem de 44N. Uma vez caracterizado o choque o risco é bem maior. Por outro lado, se a magnitude de
mecânico na corrida, é necessário discutir mais a fundo carga for baixa, a quantidade de vezes que esta carga
o que estes valores representam. Essas magnitudes de poderá ser aplicada é maior. Porém, se o volume for
força são altas? Por que a preocupação tão recorrente excessivamente alto, a lesão poderá ocorrer da mesma
com o impacto e seu controle? forma.

A incidência de lesão na corrida de fundo é relativamente


alta, pois existe cerca de 66% de chance dos corredores
se lesionarem em até um ano de treinamento (BARNES
e SMITH,1994). Outra evidência aponta que, de 3000
corredores que participaram de uma análise ao longo de
um ano, cerca de 60% apresentaram algum tipo de lesão
(BRUNET et al., 1990). As regiões acometidas são: joelho
com incidência de 7-50%, quadril com 3-38%, perna
com 9-32% e pé com 5-39%. Apesar dessa incidência
relativamente alta de lesões na corrida, pouco se sabe
ainda sobre as reais causas no surgimento de lesões
(NIGG, 1986; WARREN e JONES, 1987; BRUNET et
al., 1990; TAUNTON et al., 2002; HRELJAC, 2004; VAN
GENT et al., 2007).
Figura 24: Gráfico que ilustra qual a probabilidade em desenvolver uma
Independente do fator que seja o preponderante, lesão em função da magnitude da carga aplicada e da frequência de
aplicação desta mesma carga. Adaptado de HALL (2009).
a maioria das lesões está relacionada a um número
alto de aplicações de carga sobre alguma determinada
Considerando a Figura 24, fica claro que a primeira
estrutura. Para entender melhor este raciocínio, considere
coisa a se fazer para tentar controlar a incidência de lesões
que a probabilidade de desenvolver uma lesão seja
é determinar qual a magnitude de carga que as diferentes
basicamente dependente de duas variáveis: magnitude
modalidades esportivas apresentam em função da sua
da carga (intensidade) e frequência de aplicação da carga
característica. A Figura 25 agrupa a força de impacto de
(volume). Há dois tipos de lesões: as lesões agudas e
diferentes modalidades esportivas (SERRÃO, 2002). Para
as lesões crônicas. As lesões agudas representam uma
que as magnitudes de força possam ser comparadas,
situação na qual a magnitude da força é tão alta que
os valores de força foram expressos em função do peso

22
Biomecânica e Treinamento de Corrida

corporal dos sujeitos participantes do estudo. É na análise


de hierarquização de cargas que se torna possível classificar O aparelho locomotor é capaz de tolerar a sobrecarga da
a sobrecarga de uma atividade como sendo alta ou baixa. corrida, desde que seja habituado à mesma. Vale lembrar
Note que em um extremo temos a marcha, com as forças que se entende por sobrecarga, a somatória de todas as
mais baixas conhecidas (1,5 PC) e no outro extremo temos forças aplicadas sobre o aparelho locomotor, ou seja, é
o salto triplo com as cargas mais altas já registradas até o a associação da magnitude das forças e da quantidade
momento (20 PC). Sempre que o assunto do impacto da de vezes que esta força foi aplicada. Outro ponto a
corrida vem a tona, muitos são os que consideram este ressaltar é que o termo do inglês overload, não tem o
impacto extremamente alto e, por conta disso, lesivo. mesmo significado que sua tradução literal, sobrecarga.
É fácil observar evidências dessa crença ao notar que o O termo overload indica uma carga que ultrapassou a
principal argumento para recomendar atividades que capacidade de tolerância do aparelho locomotor, ou seja,
usam o mini trampolim ou o transport, ao invés da esteira, é considerada lesiva, ao passo que sobrecarga é apenas a
é a ausência de impacto na sua utilização e, portanto, soma de todas as forças aplicadas, que pode ser excessiva
seriam mais seguros que a corrida propriamente dita. Na ou não. Nessa linha de raciocínio, se o aparelho locomotor
Figura 25 observa-se que o impacto da corrida não é o for treinado para tolerar a sobrecarga de uma corrida
que se poderia chamar de alto, pois a magnitude da força qualquer, ela não será lesiva. Ainda mais, porque, com
variando entre 2,5 e 3,5 PC é extremamente baixa. Na o treinamento, as estruturas ativas e passivas passarão
verdade, as forças de impacto da corrida de fundo não a suportar sobrecargas cada vez maiores, sem um limite
são o principal causador das lesões. O que sim pode vir máximo predefinido (AMADIO e DUARTE, 1996).
a ser um problema é quantidade de vezes que esta força
é aplicada, ou seja, volumes altos de corrida para um Outro fator que é capaz de interferir no choque mecânico
aparelho locomotor desadaptado. da corrida é a técnica que um corredor adota. Conforme
visto, os corredores fundistas podem apresentar duas
técnicas diferentes: contato com o retropé e contato com
o médio-pé. A característica da FRS destas duas técnicas
de movimento é diferente (Figura 26). Os corredores de
retropé apresentam a componente vertical da FRS, com
o primeiro pico de força bem marcado. Este pico de força
ocorre pela colisão do calcanhar com o solo. Os corredores
de médio-pé apresentam uma componente vertical de FRS
na qual este pico de força, que chamamos de impacto,
não é observado. Provavelmente, devido à colocação do
Figura 25: Magnitudes de força de impacto de diferentes modalidades,
expressas em função do peso corporal (PC). Adaptado de SERRÃO
pé no solo mais aplanado, o tornozelo também atua na
(2002). atenuação e absorção de energia, não apenas o joelho
(CAVANAGH & LAFORTUNE, 1980 e CLARKE, FREDERICK
Diferente do que muitas pessoas imaginam, o aparelho & COOPER, 1983b). Isso pode levar a crer que a técnica
locomotor possui mecanismos para se proteger da de movimento de médio-pé é melhor, pois absorve mais
sobrecarga da corrida. Por exemplo, a flexão de joelho em impacto. Esse raciocínio não é verdadeiro, pois se por um
associação com a contração excêntrica do quadríceps é lado a transmissão de choque mecânico pelas estruturas
um mecanismo extremamente eficiente para o controle do do aparelho locomotor é menor, por outro lado, o tríceps
choque mecânico nessa atividade. Mais do que qualquer sural será mais sobrecarregado para atenuar esta força.
outra estratégia, primeiramente, deveria ser investido Uma técnica não é melhor que a outra. Lembre-se de que
maior tempo ao treinamento do aparelho locomotor, a técnica de movimento como um todo, e não apenas a
pois esse é o fator que efetivamente mostra-se o grande técnica de contato com o solo, é resultado de uma complexa
responsável pela absorção ou atenuação do impacto. associação de fatores que determinarão a técnica de
corrida mais econômica para cada indivíduo. Forçar uma

23
Biomecânica e Treinamento de Corrida

técnica diferente da natural conscientemente fará com que ser considerada fundamental para as respostas produzidas
essa eficiência seja perdida. Vale lembrar que o aparelho pelo aparelho locomotor.
locomotor não apresenta uma técnica de corrida apenas
e invariável. Existem pequenos ajustes de condição Pressão é uma força distribuída em uma determinada
para condição, ou seja, eventualmente e naturalmente área de contato. Portanto, distribuição de pressão plantar
um corredor de retropé pode adotar um contato inicial indica de que forma a FRS está distribuída na planta
com o solo de médio-pé em uma determinada condição do pé ao longo da fase de apoio. A Figura 27 ilustra a
específica. Por isso, a melhor opção é disponibilizar tempo progressão da fase de apoio na corrida. Note que o apoio
de prática, experiência motora, e permitir que o aparelho se inicia apenas com o calcanhar apoiado, mas com o
locomotor encontre a melhor solução para a tarefa nas aplanamento, uma área maior da planta do pé passou
condições impostas. a ser apoiada. Neste registro de pressão plantar, quanto
mais claro estiver a cor, maior será a força aplicada sobre
a estrutura.

Figura 27: Registro de distribuição de pressão plantar durante a fase


de apoio da corrida. O apoio se inicia da esquerda para a direita. Cada
quadro representa um registro numa sequencia temporal, iniciando com
a entrada do calcanhar (esquerda) e terminando com a saída dos dedos
(direita). Adaptado de BIANCO (2005).

Para a análise das magnitudes de pressão plantar, a


Figura 26: Força de Reação do Solo característica de corredores de
retropé e de médio-pé. Adaptado de CAVANAGH & LAFORTUNE (1980) e fase de apoio é analisada por inteiro, conforme observado
CLARKE, FREDERICK & COOPER (1983b). na Figura 28. O registro da pressão plantar ocorre por meio
de uma palmilha inserida dentro do calçado, na interface
Pressão plantar entre o pé e a palmilha do calçado de corrida. A palmilha
que registra a pressão plantar é instrumentada com vários
A FRS é o componente primário para indicar a sensores de força em sua extensão, capazes de registra a
sobrecarga no aparelho locomotor na fase de apoio, por força aplicada sobre eles. Essa malha de sensores permite
refletir a somatória dos produtos da aceleração da massa reconstruir a planta do pé com as magnitudes de pressão
de todos os segmentos do corpo (WINTER, 1990). Porém, aplicadas ao longo do tempo em cada sensor. Na figura
para uma completa compreensão da interação mecânica 28, observa-se a maior magnitude de pressão aplicada em
entre o aparelho locomotor e o meio ambiente, medidas de cada um dos sensores na extensão do pé, ao longo da fase
distribuição de pressão plantar devem ser feitas (HENNIG de apoio. O azul escuro indica as menores magnitudes de
e MILANI, 1995), pois indicam como as cargas externas se pressão mais baixas. Quanto mais clara for a cor, maior a
distribuem na planta do pé na fase de apoio do movimento. pressão aplicada na estrutura, sendo que o vermelho indica
Segundo FREDERICK (1986), as respostas do aparelho a magnitude mais alta de pressão plantar. Observe que,
locomotor surgem em função das sensações percebidas neste exemplo, há uma mancha vermelha no hállux. Isso
pelo pé, que estariam mais relacionadas à distribuição de significa que uma magnitude relativamente alta de pressão
pressão plantar do que ao choque mecânico propriamente foi aplicada nesta estrutura. Se houver sistematicamente
dito, pois os transdutores na planta do pé não são uma concentração de força dessa natureza em alguma
capazes de perceber as ondas de choque, que possuem região do pé, isso pode causar alguma lesão tecidual ou
frequência relativamente alta durante os instantes iniciais até mesmo uma fratura por estresse. Não é certeza que a
do contato. Assim, a distribuição de pressão plantar pode lesão ocorrerá, mas o risco é maior, pois uma estrutura do
pé está sob um estresse mecânico maior que as demais

24
Biomecânica e Treinamento de Corrida

estruturas. O ideal é que a pressão na planta do pé esteja choque mecânico, isso não significa que a melhor técnica
uniformemente distribuída. de corrida é a do médio-pé e que todos deveriam correr
dessa maneira. O importante é entender a característica
e permitir que o aparelho locomotor realize os ajustes
conforme a sua necessidade. Em outras palavras, se a
distribuição de pressão não for adequada na planta do
pé, haverá alteração na técnica de corrida no sentido
de aliviar o estresse mecânico nas estruturas que estão
excessivamente sobrecarregadas. Esses ajustes ocorrem
Figura 28: Distribuição de pressão plantar de um apoio completo.
Adaptado de BIANCO (2005). por meio de mecanorreceptores presentes na planta do pé
que indicam o estresse aumentado, desencadeando um

Na planta do pé geralmente magnitudes mais altas mecanismo adaptativo (CAVANAGH e LAFORTUNE, 1980,

de pressão plantar são observadas em três ou quatro NOVACHECK, 1998).

regiões: calcanhar, base dos metatarsos, hállux e dedos.


Essas estruturas do pé apresentam magnitudes maiores
de pressão plantar devido à compressão dos tecidos entre
as estruturas ósseas e o calçado. A análise da pressão,
portanto, envolve o registro da maior magnitude de pressão
observada nestas regiões. Estas maiores magnitude de
pressão são geralmente denominadas de Pico de Pressão
Plantar. Na corrida, o contato inicia com o calcanhar, o que
significa que nessa estrutura haverá um pico de pressão
(Figura 29, 30ms). Como o apoio inicia em supinação,
o pico de pressão encontra-se mais lateralizado. Em
seguida, ocorre o aplanamento do pé (Figura 29, 70ms).
Com a maior área de contato, a pressão plantar passa
a ser melhor distribuída. Com deslocamento anterior do
corpo, a massa do corpo passa a incidir principalmente
na região anterior do pé (figura 29, 130ms). O contato
com o calcanhar ainda não foi perdido, mas já observa-se
um novo pico de pressão no apoio dos metatarsos. Com
a saída do calcanhar, a área de contato diminui e o pico
de pressão aumenta no antepé e no hállux (Figura 29,
170ms). Até que, finalmente, a pressão diminui conforme
termina a fase de apoio e o corredor é propulsionado à
fase aérea (HENNIG e MILANI, 1995; NOVACHECK, 1998). Figura 29: Característica de distribuição de pressão plantar, nos diferentes
momentos da fase de apoio. Adaptado de HENNIG e MILANI (1995).

A técnica de movimento no início do apoio também


interfere na distribuição de pressão plantar, pois um
corredor de retropé, ao iniciar o contato com o calcanhar,
apresentará uma área pequena, na qual ocorrerá um
pico de pressão plantar. Em corredores de médio-pé, a
área de contato logo no início do apoio já apresenta-se
maior, ou permite maior distribuição de força na planta
do pé. Da mesma forma como discutido em relação ao

25
Biomecânica e Treinamento de Corrida

também pelo objetivo que se tem ao correr. Por exemplo,


FATORES DE INTERFERÊNCIA NAS no Sprint o objetivo é percorrer a distância no menor
VARIÁVEIS DA CORRIDA tempo possível, ou seja, com a maior velocidade possível.
É claro que nas provas longas de corrida, o objetivo é
também percorrer a distância no menor tempo possível,
São muitos os fatores que interferem nas variáveis
mas, neste caso, é necessário que a pessoa consiga correr
cinemáticas, eletromiográficas e dinâmicas da corrida.
por longos períodos. Portanto, a velocidade de corrida não
Serão discutidos alguns fatores de interferência que
pode ser máxima tendo em vista que, nesse caso, a pessoa
apresentam aplicação direta no controle da incidência de
entraria em fadiga. Em função disso, na corrida de fundo
lesão e no planejamento de um programa de treinamento
adota-se uma velocidade submáxima. O que determinará
de corrida. Portanto, será abordada a influência da
neste caso a velocidade de corrida será o condicionamento
velocidade na corrida e da inclinação do piso nas variáveis
cardiorrespiratório que a pessoa apresenta, ou seja, o
de análise da corrida.
condicionamento aeróbio da pessoa (NOVACHEK, 1998).

Interferência da velocidade nas Ao analisar o ciclo da passada na corrida em comparação


características da corrida. com o Sprint (Figura 30), nota-se que as fases permanecem
as mesmas. A passada da corrida sempre apresentará dois
Conforme discutido anteriormente, a corrida é uma apoios simples (direito e esquerdo) e duas fases aéreas,
forma de locomoção que pode ser desenvolvida em independente da velocidade de corrida. O que muda são
diferentes velocidades. Nas modalidades esportivas, nas as proporções das fases de apoio e de balanço. Quanto
quais há a exigência de corrida, a velocidade dependerá do mais alta for a velocidade de corrida, maior será o tempo
objetivo geral dessa modalidade. Normalmente, a corrida da fase de balanço do segmento e menor será o tempo da
é classificada segundo sua velocidade em: corrida lenta, fase de apoio; consequentemente, a fase aérea terá uma
corrida rápida e Sprint. Em alguns casos, a corrida rápida e duração maior. Aliás, quanto mais bem treinado for um
o Sprint são considerados como sinônimos. Neste texto, a corredor velocista, menor tende a ser o tempo de contato
locomoção será considerada corrida enquanto ela mantiver do pé deste atleta com o solo, pois o contato com o solo
as características descritas nos capítulos anteriores. A produz desacelerações na velocidade de deslocamento.
corrida será considerada Sprint quando as características Por isso, quanto menor for o tempo em contato com o solo
cinemáticas e dinâmicas apresentarem sensível mudança. na fase de apoio, maior a possibilidade de alcançar altas
Essas diferenças nas características serão discutidas no velocidades (NOVACHEK, 1998 e ENOKA, 2000).
texto a seguir.

O Sprint é a forma de locomoção que envolve a maior


velocidade de corrida possível, ou seja, a velocidade
máxima. Para que essa velocidade máxima seja possível, a
produção de potência deve ser a máxima possível. Nessa
forma de corrida, não há a preocupação em economizar
energia, como, por exemplo, existe na corrida de fundo
(CAVANAGH e KRAM, 1990). Um parâmetro usado para
distinguir a corrida de fundo (velocidades submáximas) do
Sprint é a técnica de movimento no contato com o solo.
Geralmente, conforme a velocidade de corrida aumenta, o
contato inicial deixa de ser feito com o retropé e passa a
ser feito com o antepé. Esta mudança é considerada como
um marco para a separação dos dois tipos de corrida. As
diferenças entre a corrida de fundo e o Sprint passam

26
Biomecânica e Treinamento de Corrida

na máxima velocidade possível, o corpo humano passa


por uma rápida aceleração, de 0 a 20 metros iniciais
aproximadamente, seguido por uma aceleração mais lenta
até alcançar a velocidade máxima, por volta de 40 a 50
metros. Após essa distância a velocidade não aumentará
significativamente. Na verdade a grande dificuldade é
manter a velocidade máxima de corrida até o final da
prova, de 50 a 100 metros (Figura 31).

Figura 30: Ilustração do ciclo da passada em diferentes formas de


locomoção, conforme a velocidade de deslocamento aumenta: caminhada, Figura 31: Velocidades e acelerações instantâneas de corrida de dois
marcha atlética, corrida lenta (5km/h) e corrida de velocidade ou Sprint corredores velocistas a cada 10 metros na final dos 100 metros rasos das
(9km/h). Na passada, as partes em branco indicam a fase de balanço ou Olimpíadas de Seoul (1998).
balanceio e as pintadas indicam a fase de apoio, dos segmentos direito
e esquerdo. Adaptado de VAUGHAN (1984), NOVACHEK (1998) e ENOKA
(2000). Com relação ao ciclo da passada, em velocidades
progressivamente maiores, mas ainda submáximas, os
O curto tempo de apoio somente é possível devido corredores tendem a manter a frequência de passada com
a alterações na técnica de movimento do corredor. Foi pequenas variações, enquanto aumentam efetivamente e
discutido que o contato inicial com o solo pode ocorrer de mais pronunciadamente o comprimento de passada, como,
duas formas em velocidades submáximas: com o retropé ou por exemplo, aumento de 4% na frequência contra 28%
com o médio-pé. Independente da técnica de movimento de aumento no comprimento de passada (CAVANAGH e
adotada pelo corredor, para aumentar a velocidade todos KRAM, 1990). Parece haver uma tendência em manter
eles terão a tendência de adotar uma técnica na qual o mais inalterado a frequência de passada considerada mais
apoio inicial ocorrerá com o antepé. Isso é fundamental, econômica para cada sujeito, ou seja, pequenos ajustes na
pois permite a diminuição do tempo de apoio, reduzindo, velocidade de corrida terão como consequência alterações
assim, as desacelerações do corpo (NOVACHEK, 1998). preferencialmente no comprimento de passada. Contudo,
em velocidades altas de corrida, o aparelho locomotor
Quando a pessoa busca desenvolver uma velocidade somente consegue continuar aumentando a velocidade
máxima de corrida, como é o caso dos 100 metros por meio de aumentos na frequência de passada. Em
rasos, os incrementos de velocidade apresentam uma determinadas velocidades, o comprimento de passada
determinada característica. Para exemplificar, observe a alcança um limite máximo (pelos limites antropométricos),
Figura 31 na qual aparecem as velocidades instantâneas a partir do qual, para aumentar a velocidade e alcançar a
de dois corredores velocistas na final dos 100 metros velocidade máxima de corrida, é a frequência de passada
rasos das Olimpíadas de Seoul de 1988 (Veja os vídeos). que terá que aumentar. Nestes casos, a economia de
Os dois corredores são o Carl Lewis e o Ben Johnson. As energia deixa de ser o determinante para a escolha da
velocidades de corrida foram registradas a cada 10 metros relação de frequência e comprimento de passada e passa
de prova permitindo a visualização das variações de a prevalecer o alcance da maior velocidade possível
velocidade. Vale lembrar que não se trata de um registro (ENOKA, 2000).
contínuo e sim um registro discreto, pois entre um registro
e outro, há 10m de corrida que não foram registrados. A
partir de uma posição estática, quando buscamos correr

27
Biomecânica e Treinamento de Corrida

Existe uma relação entre o impacto e o comprimento direção da FRS resultante que produzirá a propulsão.
de passada adotado. Usando a aceleração da tíbia como Se o tronco fosse mantido ereto, certamente durante a
indicador de impacto (HENNIG, MILANI e LAFORTUNE, aceleração, o corredor cairia para trás (NOVACHEK, 1998).
1993), de forma geral, parece que há incremento do
impacto com o aumento do comprimento de passada, em Na articulação do quadril, a velocidade interfere pouco
uma relação direta (CLARKE et al., 1985). Como discutido a na magnitude de extensão. Contudo, durante a fase de
pouco, o aumento de velocidade se dá, preferencialmente, balanço, quanto maior for a velocidade de corrida, maior
pelo aumento comprimento ao invés da freqüência de será a flexão de quadril e, consequentemente, maior
passada. Isso faz parecer que o aparelho locomotor terá que ser a extensão do quadril no final da fase de
prioriza a economia de corrida ao invés do controle de balanço, em preparação para o novo apoio (Figura 32).
sobrecarga, pois ele prefere manter a frequência de Principalmente em velocidades altas, é importante que
passada que é mais econômica e aumentar o comprimento o pé esteja posicionado mais abaixo do que a frente do
de passada que resulta em maior impacto transmitido ao corpo, pois isso diminui a desaceleração do corpo. Quando
aparelho locomotor (CAVANAGH e KRAM, 1990). Outro o pé está a frente, como na marcha, a FRS resultante
fator importante é que, apesar do aumento do impacto será direcionada para trás, no início do contato, freando o
ser significativo em maiores comprimentos de passada, movimento. É importante que isso não ocorra na corrida,
esse aumento ocorre em uma ordem de 20 a 30% (e principalmente se o objetivo é alcançar velocidades altas
não o dobro da magnitude de impacto). Já foi observado de corrida (NOVACHEK, 1998).
que os corredores não apresentam percepção apurada o
suficiente para detectar pequenas variações na magnitude
de impacto e ainda, outras variáveis parecem confundir
a percepção do sujeito, como por exemplo, o cansaço
relativo (HENNIG, VALIANT e LIU, 1996). Portanto,
será que não há um ajuste para controlar a sobrecarga
nestes aumentos de velocidade, devido à incapacidade
do aparelho locomotor em perceber que efetivamente a Figura 32: Variações angulares nas articulações do quadril, joelho e
sobrecarga aumentou? Talvez se a percepção de impacto tornozelo, no ciclo da passada, durante a marcha, corrida em velocidade
submáxima e no Sprint. Adaptado de NOVACHEK (1998).
fosse mais apurada, algum ajuste seria feito no sentido
de controlá-lo. Vale lembrar que esta discussão é uma
Na articulação do joelho, uma primeira diferença ocorre
especulação, que não foi comprovada.
nas magnitudes de variação angular. Com velocidades
maiores de corrida, as amplitudes de movimento são
A análise das variações angulares na corrida em
maiores (Figura 32). Contudo, as maiores variações
diferentes velocidades apresenta alguns comportamentos
angulares no joelho ocorrem durante o Sprint de
pouco variáveis e alguns comportamentos muito variáveis.
velocistas de elite (9,0 m/s), quando comparado ao Sprint
A pelve, por exemplo, conforme visto anteriormente,
de um corredor não treinado para provas de velocidade
permanece em anteversão contínua durante a corrida.
(3,9 m/s). No Sprint de corredores não treinados em
O que pode variar, mas em pequena magnitude, é a
velocidade, observa-se que a flexão do joelho no inicio da
quantidade de anteversão entre sujeitos. Entretanto,
fase de apoio é mínima e é seguida por uma extensão de
a velocidade de corrida pouco interfere na anteversão.
joelho até o final do apoio. Na fase de balanço a flexão de
Diferenças pequenas poderão ser observadas em
joelho é maior do que nas velocidades submáximas. Já
velocidades extremas, por exemplo, quando a corrida
no Sprint de corredores de elite, o tempo de apoio mais
em velocidade baixa for comparada ao Sprint, sendo que
curto, o comprimento de passada maior e o aumento
a anteversão tenderá a ser maior no Sprint. Durante a
significativo na frequência de passada exigem uma
aceleração da corrida no Sprint, em busca da velocidade
mudança considerável na variação angular do joelho.
máxima, o corpo deve estar inclinado a frente e o quadril
Durante a fase de apoio, o joelho inicia o contato em
em anteversão para que o tronco permaneça na mesma

28
Biomecânica e Treinamento de Corrida

flexão e continua esta flexão, em pequena magnitude, até apresentam tempos de ativação mais prolongados que em
o final da fase de apoio. Não foi observado extensão de velocidades mais baixas; (2) ocorre uma antecipação nas
joelho na fase de apoio do Sprint de corredores de elite. atividades musculares, ou seja, a pré-atividade muscular
Durante a fase de balanço, a flexão de joelho continua se inicia mais cedo, pois a velocidade dos segmentos é
e alcança uma magnitude bem maior que no Sprint de maior exigindo antecipação da ativação EMG para garantir
não treinados. Após a flexão máxima obtida na fase de maior controle nas articulações; e (3) as magnitudes de
balanço, ocorre a extensão do joelho em preparação à atividade aumentam proporcionalmente com o aumento
nova fase de apoio. Dessa forma, as variações angulares da velocidade, significando que mais unidades motoras
do joelho são bastante distintas entre corredores de Sprint devem estar sendo recrutadas para garantir a maior
treinados e não treinados (MILLIRON e CAVANAGH, velocidade e a propulsão necessária (McCLAY, LAKE e
1990; NOVACHEK, 1998; ENOKA, 2000). CAVANAGH, 1990; KYROLAINEN, AVELA e KOMI, 2005).

Na articulação do tornozelo, o contato inicial com o solo As variáveis dinâmicas como a Força de Reação do
é bastante variado e depende da técnica de movimento Solo (FRS) e a Distribuição de pressão plantar, também
adotada pelo corredor. A interferência da velocidade de são influenciadas pela velocidade de corrida. A Figura
corrida, no entanto, faz com que o tornozelo inicie o contato 33 ilustra as componentes verticais de FRS da marcha,
com o solo cada vez mais em flexão plantar (Figura 32). da corrida lenta e da corrida rápida. Com o aumento
Observa-se que da transição da corrida para o Sprint de da velocidade de deslocamento, ocorre o aumento
pessoas não treinadas, o contato com o solo deixa de das magnitudes de força. Em corridas em velocidades
ocorrer com tornozelo em flexão dorsal, e passa a ocorrer progressivamente maiores, os parâmetros associados
em uma posição neutra. Isso denota que, provavelmente, ao primeiro pico de força vertical (Fy1, Dt Fy1 e TC),
estes corredores não estavam correndo com a técnica aumentam gradativamente seus valores também. Porém,
de movimento de antepé. Já os corredores de elite, em velocidades muito altas ou no Sprint, devido à mudança
iniciaram o contato com o tornozelo em flexão plantar na técnica de movimento de retropé para antepé, ocorre
no Sprint, ou seja, com a ponta do pé. Na sequencia os o desaparecimento do Primeiro pico de força, devido à
mesmos realizavam uma rápida e de pequena amplitude maior absorção de choque proveniente da articulação
de flexão dorsal, seguida de flexão plantar (MILLIRON e do tornozelo (NIGG, 1986, LEES, 2001). Embora a
CAVANAGH, 1990; NOVACHEK, 1998). transmissão de choque seja de maior magnitude nas
estruturas de membros inferiores, a eficiência de absorção
A pronação e supinação na articulação também de choque continua satisfatória, pois mesmo com o
são afetadas pelas diferentes velocidades de corrida. aumento do choque mecânico na tíbia com velocidades
Conforme a velocidade de corrida aumenta, foi observado maiores, a transmissão desse choque mecânico para
que a amplitude de movimento total e a máxima velocidade a cabeça continua apresentando a mesma magnitude
de pronação aumentaram, enquanto que o tempo para de carga, sem aumentos significativos (MERCER et al.,
alcançar a máxima pronação e o tempo para a atingir a 2002). A mudança na técnica de movimento de retropé
máxima velocidade de pronação diminuíram. Em outras para antepé, também é positiva na atenuação das cargas
palavras, a pronação ou eversão subtalar ocorreu em mecânicas. É bem provável que a técnica de antepé seja
maior quantidade e maior velocidade (EDINGTON, uma necessidade para a manutenção de velocidades
FREDERICK e CAVANAGH, 1990). altas de corrida e o maior controle das cargas seja
apenas consequência desta técnica. Com as maiores
A atividade EMG dos músculos é afetada pelo aumento magnitudes de força, os pico de pressão na planta do pé
de velocidade de corrida e apresenta os seguintes aumentarão também (GROSS e BUNCH, 1989). Contudo,
comportamentos: (1) em termos absolutos, a duração das haverá uma mudança na característica da distribuição de
atividades musculares diminui progressivamente com o pressão plantar. Com o aumento de velocidade, haverá
aumento de velocidade de corrida, mas como o tempo de uma tendência de contato inicial do pé com o solo mais
apoio diminui também, em termos relativos, os músculos aplanado, fazendo com que os picos de força na região

29
Biomecânica e Treinamento de Corrida

do retropé diminuam progressivamente. Por outro lado, a fadiga um momento de incapacidade de se manter o
o aumento de velocidade de uma corrida lenta até um movimento executado, ou seja, a pessoa precisa parar de
Sprint em velocidade máxima, fará com que os picos de correr, porque entrou em fadiga. A fadiga é um conceito
pressão plantar na região do antepé e do hállux aumentem complexo e definitivamente não ocorre em um instante,
progressivamente. mas sim é um processo progressivo e gradual que vai se
instalando ao longo do tempo. É importante lembrar o
papel fundamental que os músculos exercem no controle
do choque mecânico. Com a instalação de um processo de
fadiga, o controle proveniente dos músculos para absorção
do choque mecânico se torna mais ineficiente. O choque
mecânico (Figura 34) e o estresse mecânico aumentam,
significando que a força de impacto se torna maior e os
picos de pressão na região do antepé aumentam também
(WEIST, EILS & ROSENBAUM, 2004; GERLACH et al.,
2005).

Figura 33: Comparação da componente vertical da Força de Reação do


Solo (FRS) e da duração da fase de apoio do andar, da corrida lenta e da
corrida rápida. Adaptado de SCHWIRTZ, GROSS E BAUMANN (1989) e
AMADIO e SERRÃO (2007).

O aumento na velocidade de corrida é a forma mais


básica de aumento de intensidade de treino na corrida.
Esse aumento de intensidade afetará as características
mecânicas da corrida. A sobrecarga e o estresse mecânico
serão maiores, mas em um aparelho locomotor adaptado
e condicionado, isso não representa um risco maior de Figura 34: Força de Reação do Solo na corrida normal
lesão. Por outro lado, a adaptação gerada pela alteração na (linha pontilhada) e com um processo de fadiga instalado
velocidade de corrida é uma forma extremamente eficiente (linha contínua). Adaptado de GERLACH et al. (2005).
de controlar as cargas mecânicas da corrida. Caso um
treinamento mais longo seja passado para um corredor,
Portanto, não faz muito sentido aumentar a velocidade
a somatória dos apoios será maior, pela quilometragem
nos minutos finais de um treinamento de corrida, pois a
maior. Uma forma de controlar um pouco a sobrecarga
velocidade maior acarretará em um aumento da solicitação
total do treinamento é reduzir a velocidade de corrida
mecânica e, além disso, em uma maior exigência muscular.
nesse treino longo, assim, a cada fase de apoio, uma
Se o músculo já estiver com certo grau de fadiga acumulada,
força de impacto menor será produzida. Essa estratégia é
com a velocidade maior o processo será acelerado e ele
bastante usada por treinadores de corrida, treinos curtos
terá mais dificuldade em atenuar o choque mecânico.
geralmente são feitos em velocidade mais altas, enquanto
Além disso, a fadiga tende a reduzir a capacidade de
que treinos longos são feitos em velocidades mais baixas.
controle neuromuscular, o que reduziria a capacidade de
absorção de impacto de forma ativa. Isso não significa que
É muito usada também a combinação de velocidades
a pessoa irá sofrer uma lesão, mas o risco é desnecessário.
altas e baixas de corrida em uma mesma sessão de
Faz sentido em uma prova a pessoa aumentar o ritmo de
treinamento. Culturalmente, muitos corredores gostam de
corrida para chegar em uma colocação melhor, mas não faz
aumentar a intensidade de corrida nos 5 a 10 minutos
o menor sentido se expor a um risco maior de lesões nas
finais de um treinamento de corrida. É necessário ter
várias sessões de um programa de treinamento. Considere
em mente um fator importante para a prevenção do
a possibilidade de realizar este momento de intensidade
surgimento de lesões: a fadiga. Muitas pessoas consideram

30
Biomecânica e Treinamento de Corrida

maior de treinamento nos momentos iniciais da sessão,


logo após o aquecimento, por exemplo, e conforme a fadiga
for se instalando, auxiliar o aparelho locomotor no controle
das cargas mecânicas, diminuindo progressivamente a
intensidade de treino. Não é o objetivo dessa discussão
afirmar que a sessão de treinamento deve ser planejada
dessa forma, mas pense nas características mecânicas
da corrida, no custo-benefício das estratégias que serão
adotadas para a sessão de treinamento e escolha o que se
aplicar melhor aos objetivos e necessidades momentâneas
do treino.

Corrida em aclives e declives


Uma circunstância muito comum em provas de corrida
de fundo é a ocorrência de aclives e declives. Isso faz com
Figura 35: Componente vertical da FRS e os valores de Fy1 (pico de
que muitas planilhas de treinamento incorporem estas duas força da fase passivo) e Fy2 (pico de força da fase ativa), em diferentes
modalidades. Para saber os efeitos e a sobrecarga que a inclinações de piso: nivelado, declive de 9º, 6º e 3º e aclive de 3º, 6º,
e 9º. Os valores positivos indicam aclive e os valores negativos indicam
corrida em aclives e declives gera, é necessário entender as
declive. Adaptado de GOTTSCHALL e KRAM (2005).
forças presentes durante estas duas modalidades. A Figura
35 apresenta a componente vertical da FRS e os valores de
Em aclive, há uma redução da fase aérea e, por isso,
Fy1 e Fy2, desta componente. A FRS em plano horizontal
quanto maior a inclinação, menor será a magnitude de
ou nivelado (Figura 35 - level) apresenta a curva de FRS já
Fy1. Além disso, na inclinação de 6º positivos, algumas
conhecida. A magnitude de Fy1, geralmente é conhecida
pessoas passam a apresentar uma técnica de movimento
como pico passivo ou de impacto, enquanto que o segundo
diferente: o contato inicial com o solo passa a ser feito
pico de força (Fy2) também é conhecido como pico ativo,
com o médio-pé. Finalmente, em 9º de aclive, todos
pois obviamente acontece na fase ativa da corrida. O Fy2
passam a adotar a técnica de movimento de médio-pé. Por
denota a força que promoverá o deslocamento vertical do
conta disso, conforme discutido anteriormente, o primeiro
corpo. Note que, quanto maior o declive do piso, maior
pico de força vertical deixa de aparecer na FRS. Essa
será o valor de Fy1. Isso ocorre devido ao maior tempo de
alteração na técnica de movimento provavelmente ocorre
queda do corpo a partir da fase aérea. Em outras palavras,
para adicionar propulsão, pois o acúmulo e restituição de
ao perder o contato com o solo, o corpo será propulsionado
energia elástica passam a ocorrer no joelho e, também, no
numa parábola, ou seja, o corpo irá subir e depois descer,
tornozelo (GOTTSCHALL e KRAM, 2005).
mas como é um declive, a altura de queda será maior
que a altura de subida. Isso fará com que a velocidade de
O ciclo da passada também é afetado pela inclinação
queda seja maior no instante de contato, aumentando a
do piso. GOTTSCHALL e KRAM (2005) observaram que em
força de impacto (Fy1). Por outro lado, quanto maior for o
9º de inclinação a freqüência de passada aumentou e o
aclive, menor será o impacto, pois menor será o tempo de
comprimento de passada diminuiu em relação à corrida
queda (Figura 36) (GOTTSCHALL e KRAM, 2005).
em plano horizontal e declinado. Contudo, não houve
diferença entre os níveis de declive e o plano horizontal.
Note como em condições distintas de corrida, o próprio
aparelho locomotor ajusta a técnica de movimento
e alguns parâmetros cinemáticos, para garantir os
ajustes que permitem maior eficiência na realização do

31
Biomecânica e Treinamento de Corrida

movimento. Em outras palavras, as mudanças na técnica de força, na direção anteroposterior, é possível observar
de corrida são ajustes do aparelho locomotor que surgem duas fases bem marcadas (Figura 37 – level). Em plano
em decorrência da condição imposta para a realização do horizontal, a força apresenta, inicialmente, forças negativas
movimento. É necessário entender o que ocorre com a e na segunda metade do apoio apresenta forças positivas.
técnica de movimento para compreender os efeitos que As forças negativas indicam que a força está aplicada
um treinamento em aclive ou declive irá promover nas contra o deslocamento do corredor, ou seja, é uma força
estruturas do aparelho locomotor do corredor. Deve ser que freia o movimento; por isso, esta fase é conhecida
evitado usar as características de mudança da técnica de como fase de frenagem. Já as forças com valores positivos
corrida como recomendações de como o corredor deve se indicam que a força está aplicada a favor do deslocamento
comportar em uma condição semelhante de treinamento. do corredor; por isso esta fase é conhecida como
Para ficar mais claro, na corrida em superfícies muito fase de propulsão. A componente horizontal da FRS é
íngremes, a maioria dos corredores tenderá a mudar extremamente influenciada pela inclinação do piso (Figura
a técnica de movimento de retropé para médio-pé, 37). Quanto maior o declive, maior será a exigência de
naturalmente. Essa informação deve ser usada no sentido frear o movimento e menor será a necessidade de
de entender que a sobrecarga em tríceps sural será maior propulsão horizontal. Inversamente, quanto maior a
e não deve ser usada como uma recomendação de como inclinação do piso, menor será a necessidade de frear
o corredor deve se comportar quando um treinamento for o movimento e maior será a necessidade de propulsão
feito em subida. horizontal (GOTTSCHALL e KRAM, 2005).

Figura 36: Diferenças na fase aérea durante a corrida em declive


(esquerda) e aclive (direita).

Na figura 35 também pode-se observar que o pico


de força vertical da fase ativa não apresentou alteração
em função da inclinação do piso. O pico de força da fase
ativa representa a força de propulsão vertical do corpo, Figura 37: Componente horizontal da FRS e os valores de pico de
ou seja, quanto de força é aplicado para que o corpo se frenagem e de pico de propulsão, em diferentes inclinações de piso:
nivelado, declive de 9º, 6º e 3º e aclive de 3º, 6º, e 9º. Os valores
desloque verticalmente. É curioso ver que em aclives,
positivos indicam aclive e os valores negativos indicam declive. Adaptado
não ocorre aumento nas magnitudes de força dessa fase. de GOTTSCHALL e KRAM (2005).
Parece natural imaginar que em subidas, maior propulsão
será necessária. Na verdade, a propulsão aumenta,
mas não na componente vertical e sim, na componente
horizontal. Conforme foi exposto anteriormente, a FRS
é tridimensional, o que significa que há forças aplicadas
verticalmente, mas também horizontalmente, nas direções
anteroposterior e médio-lateral. Na componente horizontal

32
Biomecânica e Treinamento de Corrida

estes fatores, o aparelho locomotor parece dar preferência


Esses dados mostram que, em condições de inclinação, aquele que determina menor gasto energético. Por isso,
realmente há maior necessidade de propulsão, mas não deve-se ter cautela na tentativa de interferir na técnica
vertical e sim horizontal. De qualquer forma, isso exigirá de movimento de uma pessoa, pois isso poderá afetar a
maior gasto energético, levando a uma sensação maior de eficiência da corrida.
cansaço. Por outro lado, em declives o gasto energético
será reduzido em função da menor exigência de propulsão. Para o controle da incidência de lesões, em primeira
Porém, maior será a exigência de controle das articulações, instância, é importante controlar a sobrecarga geral da
pois a aceleração do corpo será maior. Por exemplo, o corrida por meio do controle do volume e da intensidade
quadríceps precisará aumentar a sua atividade no inicio das sessões de treinamento, em função da capacidade e do
da fase de apoio para controlar a quantidade de flexão condicionamento apresentado pelo corredor. Além desse
do joelho, por meio de uma contração excêntrica. Em controle, deve-se ter em mente que o choque mecânico,
outras palavras, a sobrecarga nos músculos será maior, diferente do que se imagina, não é alto na corrida. Por
pois aumentará a exigência de controle necessária na fase isso, a melhor forma de controle da sobrecarga provém
passiva do movimento. dos aumentos graduais da quilometragem da corrida, ou
seja, do volume de choques mecânicos aplicados.
As corridas em declives exigem certo cuidado, pois o
menor gasto energético faz parecer que é um momento Alguns fatores adicionais podem interferir na
de relaxamento no percurso de uma prova ou sessão de sobrecarga total do treinamento, como a velocidade de
treinamento. Na verdade, uma maior fadiga localizada corrida e a inclinação do piso, ou seja, aclives e declives.
pode estar sendo acumulada nos músculos de membros Estes fatores podem muito facilmente serem controlados.
inferiores, por conta da maior exigência de controle articular. Por isso, sugere-se que eles sejam levados em conta, não
Outro fator importante é que, ao usar as corridas em apenas para o controle da sobrecarga total, mas para
declive em treinamentos, deve se ter em mente que maior disponibilizar prática e vivência nestas condições que
sobrecarga excêntrica será imposta à musculatura, que, impõem características mecânicas bastante diferentes
por sua vez produzirá maior quantidade de microtraumas entre si.
no tecido muscular. É importante ter isso em mente para
permitir suficiente período de regeneração, diminuindo o Por último, sugere-se muito cuidado e cautela com a
risco de lesões. fadiga. Muito pouco se sabe ainda sobre as características
e efeitos que a fadiga em diferentes níveis apresenta

CONSIDERAÇÕES FINAIS sobre a mecânica do movimento humano. Contudo, se o


elemento mais importante para a proteção do aparelho
locomotor contra lesões é o tecido muscular, vale a pena
A análise da corrida do ponto de vista mecânico é
lembrar que, em situações de fadiga, esse mecanismo
importante, pois somente conhecendo as características
protetor será prejudicado e isso aumenta os riscos do
desta forma de locomoção, é possível pensar na correta
surgimento de uma lesão.
aplicação de treinamento e no controle de sobrecarga para
a prevenção de lesões. Neste sentido, a abordagem e os
tópicos escolhidos mantiveram o foco na sistematização
das características da corrida que permitam essas
aplicações. Para finalizar serão reforçados alguns conceitos
importantes que foram discutidos ao longo do texto.

A técnica de corrida apresenta variações de um corredor


para outro. São muitos os fatores que determinam a técnica
de corrida que uma pessoa irá apresentar. Contudo, dentre

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Biomecânica e Treinamento de Corrida

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