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Rebeca Gontijo
Na unidade I vimos que o foco dos historiadores no século XIX e início do XX estava
voltado para o exercício de crítica documental com o objetivo de identificar erros e
falsificações na documentação, de modo a distinguir concepções e afirmações presentes
nos documentos. Estas deveriam ser acompanhadas por notas sobre a probabilidade dos
fatos afirmados.
Resumindo, uma vez que os documentos tenham sido localizados e submetidos à crítica
externa e interna, caberia ao historiador extrair informações e estabelecer os fatos com
base no cálculo de probabilidade. O procedimento que permite esse cálculo consiste na
análise da observação de um fato que o documento autêntico apresenta. Isso implica em
investigar se as afirmações do documento são independentes ou se não passam de
reproduções de uma única afirmação. Ou seja, é preciso comparar as afirmações relativas
a um mesmo fato para saber se provêm de observadores diferentes. A regra máxima é a
seguinte: “só são indiscutivelmente independentes as observações contidas em
documentos diferentes, quando feitas por autores diferentes, pertencentes a grupos
diferentes e que tenham operado em condições diferentes” (p. 143).
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espécie de certeza. Nas palavras de Langlois e Seignobos, “em sentido estrito, eles [os
fatos] não provam uns aos outros, mas confirmam-se”. A dúvida sobre o fato se dissiparia
quando eles fossem encadeados, tal como as contas de um colar, estabelecendo um
conjunto de fatos “moralmente certo” (p. 144-145).
Sabemos que, para a historiografia metódica, o documento tem um lugar central. Mas,
como observou Michel Foucault, “o documento não é o feliz instrumento de uma história
que seja, em si própria e com pleno direito, memória: a história é uma certa maneira de
uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa”
(Foucault, [1969] 2002, p. 8).
Ao longo do século XX, o interesse maior por uma história total implicou na revisão da
própria noção de documento. Pra começar, além dos acontecimentos relacionados à vida
política, caberia investigar a dinâmica da vida social, com seus personagens anônimos,
com suas estruturas seculares e conjunturas econômicas. Com isso, o leque documental
foi ampliado. Todo tipo de vestígio da ação humana passou a ser usado como documento
e novos tipos foram constituídos. A pesquisa com séries documentais, a história
quantitativa e o uso dos computadores abriram novas possibilidades, por exemplo. Tudo
isso afetou o questionário do historiador, cada vez mais aberto a novos objetos,
abordagens e problemas. Afetou, também, a concepção de tempo, que se tornou mais
complexa.
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Tais mudanças serão estudadas ao longo do curso de História. Nesta unidade, a proposta
é iniciar uma reflexão sobre história, memória e arquivo.
Como observou Adi Ophir, “as histórias são textos que interpretam os vestígios do
passado a fim de mostrar significados ausentes, as coisas passadas, no interior de uma
estrutura narrativa (histórica)” (Ophir, 2011, p. 75). Constituem, portanto, o domínio do
significado, derivado de ações interpretativas, que buscam compreender e dar sentido ao
que aconteceu.
Mas o arquivo é mais do que o conjunto de vestígios que tiveram alguma significação,
alguma importância em outros tempos. Ele também reúne tudo o que pode vir a ter
importância e produzir sentido para o historiador contemporâneo. Nesse sentido, o
arquivo não tem limites rígidos. Isso indica que o conteúdo de um arquivo pode variar e,
de fato, varia em função de interesses e preocupações de cada momento. Portanto, aquilo
que o arquivo guardou até aqui não corresponde à totalidade das coisas relevantes, mas
às coisas consideradas relevantes em um determinado contexto. Por isso é possível dizer
que:
Uma outra concepção de arquivo é proposta por Michel Foucault, para quem o arquivo
não corresponde a um conjunto de todos os textos que uma cultura guardou como
documentos de seu próprio passado ou como testemunho de sua identidade. O arquivo
não equivale às instituições que, em uma dada sociedade, permitem conservar os
discursos (em suas diferentes formas, como textos, imagens e objetos) produzidos ao
longo do tempo.
Para Foucault, o arquivo é aquilo que faz com que as coisas do passado se tornem
significativas, porque o arquivo às insere num jogo de relações discursivas. O arquivo é
aquilo que determina o que pode ser dito e é, também, o que faz com que todas as coisas
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ditas não se acumulem indefinidamente como uma massa amorfa, sem ruptura, nem
desapareçam ao acaso (Foucault, p. 148-149).
Fato é que os arquivos, como instituições, exercem poder sobre a administração, a lei, os
governos, as corporações, os indivíduos, as instituições de pesquisa e ensino e
estabelecem os limites e possibilidades para a memória coletiva, a identidade nacional, o
conhecimento histórico. Tudo passa pelos arquivos, cujas origens estão relacionadas com
a necessidade de reunir informações, submetidas ao poder dos governos, associações e
indivíduos que os constroem e os mantêm. Os arquivos estão relacionados ao poder, “à
manutenção do poder, ao controle pelo presente daquilo que é, e será, conhecido sobre o
passado e ao poder da lembrança e sobre o esquecimento” (Schwartz e Cook, p. 16).
Por isso Foucault e outros autores consideram o arquivo como uma metáfora sobre a qual
podem explicar suas perspectivas sobre o conhecimento, a memória e o poder, assim
como sobre a justiça. O controle do arquivo significando o controle da própria sociedade,
determinando os vencedores e os perdedores da história.
O que foi dito até aqui está baseado nas seguintes leituras:
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 1ª. ed. francesa 1969. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.
LANGLOIS, Charles Victor e SEIGNOBOS, Charles. Introdução aos estudos históricos.
1ª. ed. francesa 1897. São Paulo: Editora Renascença, 1944.
OPHIR, Adi. Das ordens do arquivo. In: SALOMON, Marlon (org.) Saber dos arquivos.
Goiânia: Edições Ricochete, 2011, p. 73-98.
PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
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SCHWARTZ, Joan e COOK, Terry. Arquivos, documentos e poder - a construção da
memória moderna. Registro - Revista do Arquivo Público Municipal de
Indaiatuba, São Paulo, v. 3, n. 3, 2004, p. 15-30.
Leitura obrigatória:
Leituras complementares:
Caderno didático:
Artigos:
Capítulo de livro:
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