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EPIDEMIOLOGIA

Unidade II
5 DOENÇAS INFECCIOSAS

5.1 Cadeia do processo infeccioso

O agente etiológico nas doenças infecciosas é um ser vivo denominado de patógeno, palavra que
pode ser traduzida em agente gerador de doença.

De acordo com Leser et al. (2002), o estímulo à doença pode ser estabelecido por três formas, que
são: a) infecção: consiste na penetração e multiplicação de um agente, no organismo do homem e
do animal; b) infestação: alojamento, com ou sem desenvolvimento, e reprodução de artrópodes na
superfície do corpo ou nas vestes; c) absorção: refere-se aos casos em que não ocorre por infecção, mas
pelas toxinas produzidas fora do hospedeiro.

A infecção é um processo biológico comum, que pode ou não resultar em uma doença infecciosa,
aparente ou inaparente. O agente infeccioso ou patógeno possui variado grau de complexidade, podendo
ser vírus, bactéria, fungo, protozoário, helminto ou rickéttsia. E, de acordo com as diferentes formas que
esses agentes assumem no ciclo reprodutivo, como larva, esporo, cisto etc. e a penetração em outro
ser vivo, podem se desenvolver e/ou multiplicar‑se, de acordo com a predisposição do hospedeiro ou
dos seus fatores intrínsecos, gerando ou não um estado patológico denominado por doença infecciosa
(ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2006).

A doença infecciosa corresponde a qualquer enfermidade causada por um


agente infeccioso específico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta
pela transmissão deste agente ou de seus produtos, de uma pessoa ou
animal infectados ou de um reservatório a um hospedeiro suscetível, direta
ou indiretamente por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza
vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente inanimado (ALMEIDA
FILHO; BARRETO, 2012, p. 460).

Observação

Apenas a presença de microrganismos, mesmo que potenciais


causadores de doenças, em roupas, objetos e em superfície do corpo, não
deve ser denominada de infecção, mas, sim, de contaminação. Portanto,
devemos dizer que a água é contaminada ao invés de infectada.

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Alguns termos relacionados às doenças infecciosas podem, muitas vezes, ser utilizados como
sinônimos, mas por conceito possuem significado diferente, como o termo doença transmissível,
que não deve ser utilizado como sinônimo de doença infecciosa. Doença transmissível, segundo a
Organização Pan-Americana de Saúde (1983):

É qualquer doença causada por um agente infeccioso específico, ou seus


produtos tóxicos, de uma pessoa ou animal infectados ou de um reservatório
a um hospedeiro suscetível, direta ou indiretamente, por meio de um
hospedeiro intermediário, de natureza vegetal ou animal, de um vetor ou do
meio ambiente inanimado.

“Temos como exemplo algumas doenças infecciosas, mas não transmissíveis, ou seja, não são
transmitidas do doente para outra pessoa, como o tétano, a malária e a leptospirose” (ALMEIDA FILHO;
BARRETO, 2012, p. 460).

Outro termo que também pode causar confusão é doença contagiosa, que é aquela transmissível,
já que o doente a transmite para outra pessoa; entretanto, esse termo é utilizado nos casos em que a
doença é transmitida pelo contato direto.

As doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são exemplos de doenças contagiosas, assim como o
sarampo, transmitido por secreções da orofaringe.

Lembrete

Toda doença contagiosa é infecciosa, mas nem toda doença infecciosa


é contagiosa.

Há situações em que não há necessidade da introdução do agente no interior do organismo para


que a pessoa adoeça, pois alguns micro-organismos produzem substâncias tóxicas (exotoxinas) em
algum meio que, se ingeridas por indivíduos suscetíveis, podem posteriormente causar doenças. O
botulismo exemplifica bem essa situação, pois é uma forma de intoxicação alimentar que ocorre
pela ingestão da toxina produzida pelo bacilo Clostridium botulinum, presente em alimentos
malconservados, carnes, embutidos e alimentos (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2006).

Para que a doença infecciosa ocorra, é necessário que haja a interação de vários fatores: a) existência
de um agente infeccioso em número suficiente; b) via de acesso ao hospedeiro; c) porta de entrada; d)
hospedeiro suscetível.

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Contato direto
Agente
Gotículas

Vetor

Via aérea
Contato direto
Porta de
Veículo entrada

Figura 40 – Representação esquemática da cadeia do processo infeccioso

Na cadeia do processo infeccioso, devemos considerar os seguintes fatores: reservatório; fonte de


infecção; vias de eliminação; fatores do agente; modo de transmissão; vias de penetração.

5.1.1 Reservatório

De acordo com o Ministério da Saúde, o reservatório corresponde ao hábitat onde o agente infeccioso
vive, cresce e multiplica-se, e difere da fonte de infecção, tendo como principal característica o fato de
ser indispensável para a perpetuação do agente.

A situação em que as doenças infecciosas são transmitidas de animais para o homem é conhecida
como zoonose. Em geral, são transmitidas de animal para animal, e o homem é uma vítima acidental.
Entre essas doenças e seus respectivos reservatórios, temos: a leptospirose – roedores e equinos; a raiva
– várias espécies de mamíferos; e a doença de Chagas – mamíferos silvestres.

O ambiente, representado pelas plantas, pela água e pelo solo, também pode atuar como importante
reservatório para determinados agentes. Entre alguns exemplos, temos o fungo Paracoccidioides
brasiliensis, que tem como reservatório alguns vegetais, e o solo pode causar no homem uma
doença denominada de blastomicose. A água também atua como reservatório da bactéria Legionella
pneumophila, encontrada com certa frequência em sistemas de aquecimento de água e de circulação
de ar, ou umidificadores, e é responsável pela doença dos legionários.

5.1.2 Fonte de infecção

A fonte de infecção (ou infestação) é a responsável pela eventual transmissão do agente. Para o
melhor entendimento das fontes de infecção, é necessário elucidar alguns conceitos pertinentes:

Período de incubação – trata-se do intervalo de tempo entre a exposição ao agente infeccioso e o


aparecimento dos sinais e sintomas da doença. Nesse período, os sinais clínicos e os sintomas da doença
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ainda são inespecíficos. Como manifestações, temos a febre, a coriza e a congestão nasal, além de
náuseas, vômitos, dor de cabeça e tosse, presentes no quadro inicial de várias doenças, como sarampo,
gripe, dengue etc.

O período de incubação é variável conforme a doença, pode ser de horas até anos. As características
do hospedeiro, do agente infeccioso e a interação entre eles, além da dose infectante, são responsáveis
por essa variação.

Período de transmissibilidade – corresponde ao período emque o agente etiológico pode ser


transferido ou eliminado de um indivíduo infectado ou de um animal a outro indivíduo ou animal,
de forma direta ou indireta. Esse período está presente em várias doenças, como sífilis, tuberculose,
caxumba, rubéola, sarampo, entre outras, e pode ser curto ou longo. Em algumas doenças, ele pode
iniciar já no período de incubação; em outras, só se inicia no período prodrômico. No caso do sarampo,
a transmissibilidade inicia-se no final do período de incubação e continua no período prodômico, e é
interrompida logo após o aparecimento do exantema.

Período prodrômico – corresponde ao período em que o indivíduo apresenta sinais e sintomas


inespecíficos da doença, e muitas vezes ele antecede o período em que há manifestação dos sinais e
sintomas característicos da doença em curso.

De acordo com Leser et al. (2002), as fontes de infecção podem ser classificadas como:

• doentes típicos – aqueles que apresentam as manifestações típicas da doença.

• doentes atípicos – apresentam a doença em decorrência da infecção, mas as manifestações são


mais brandas do que nos casos típicos, ou seja, os sinais e sintomas são muitas vezes insignificantes.
Esses casos, muitas vezes, não são diagnosticados. Entretanto, a eliminação do agente ocorre
da mesma forma que os casos típicos. Também podem ser definidos como casos subclínicos e
corresponder ao período prodrômico.

Portadores ou não doentes: são aqueles que não apresentam sinais e sintomas da doença, mas
podem transmitir o agente, representam uma fonte de infecção em potencial. Podem ser divididos em
três categorias:

• em incubação: não estão doentes, mas estão em período de incubação e manifestarão a doença
após esse período.

• convalescentes: não estão doentes, mas já tiveram a doença. Esses portadores podem ainda ser
classificados como temporários e crônicos (ou permanentes).

É importante salientar que, em algumas situações, o indivíduo infectado não apresentará sinais e
sintomas da doença, ou seja, não ultrapassará o chamado horizonte clínico; porém, poderá eliminar
o agente por um período variável. E, ainda, mesmo que ultrapasse o horizonte clínico, isto é, que
apresente manifestação da doença em decorrência da infecção, os sinais e sintomas poderão ser tão
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brandos (subclínico) que o indivíduo não procura por atendimento médico, o que dificulta o diagnóstico
e favorece a transmissão da doença.
Manifestações clínicas moderadas
Proporção de Óbitos Casos graves
casos clinicamente Linha do horizonte clínico
discerníveis

Proporção de casos
não discerníveis Infecção inaparente
clinicamente

Figura 41 – Conceito de icebergs em doenças infecciosas

Observação

De acordo com Centers for Diseases Control, CDC (2012), podemos dizer
que o hospedeiro é a pessoa ou o organismo sensível ao efeito do agente.

Segundo Rouquayrol e Almeida Filho (2006), as doenças infecciosas podem se manifestar de


diferentes formas no hospedeiro, como:

• doença manifesta – é aquela que apresenta todas as características típicas de uma doença;

• forma fulminante da doença – é aquela que se apresenta de forma grave e com alto índice
de letalidade;

• forma inaparente ou subclínica da doença – é quando o hospedeiro não apresenta sinais ou


sintomas da doença. Essa situação é preocupante, já que são pessoas sadias, infectadas, mas
que podem transmitir o agente a outros suscetíveis, os quais poderão ou não manifestar a
doença. Em alguns casos, como na meningite e na pólio, a proporção de infecções subclínicas
é maior que as infecções manifestas. O portador assintomático, por desconhecer sua situação,
fica mais suscetível a transmitir o agente entre outros suscetíveis. O conceito de iceberg
facilita no entendimento dessa questão, pois ilustra que esses portadores assintomáticos
ficam abaixo do horizonte clínico, por não apresentarem sinais e sintomas, portanto,
dificilmente são identificados.

• sãos – aqueles que nunca estiveram e nunca estarão doentes.

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5.1.3 Vias de eliminação

Trata-se do trajeto percorrido pelo agente etiológico, do reservatório ou fonte de infecção até
alcançar o ambiente. As principais vias são: os tratos respiratórios e digestório, por meio de secreções e
excreções como urina, sangue, pele e mucosas. Segundo Leser (2012), as vias de eliminação podem ser:

• secreções nasobucofaríngeas: algumas infecções das mucosas que revestem as vias respiratórias
ocasionam o aumento da umidade do local, facilitando a eliminação de partículas, por meio
da tosse ou espirro que transportam pelas gotículas, ou da expiração (aerossóis) dos agentes
infecciosos que se encontram na mucosa de revestimento. Entre os exemplos desses agentes,
temos o vírus do resfriado, da gripe, difteria, meningite, sarampo e outros.

• fezes: esta é a via natural de eliminação de alguns agentes, como os vírus da pólio, da coxsackie,
de algumas enterobactérias, como a Shigella e a Salmonella, e alguns protozoários, como a
Entamoeba histolytica e a Giardia lamblia.

• genitourinária: diversos agentes de infecções urogenitais são eliminados pela urina, além dos
agentes infecciosos da leptospirose, da hepatite A e E, da cólera e da amebíase, febre tifoide, Aids,
gonorreia e outras doenças de transmissão sexual.

• sangue: pode representar uma importante fonte de infecção em alguns casos, como transfusão
sanguínea por meio de agulhas ou materiais perfurocortantes contaminados. Em outros casos, há
necessidade da presença de um artrópode hematófago, como na malária e na febre amarela.

• secreções, exsudatos e descamações do tecido epitelial: nesse grupo, existe uma variedade de
condições, como as secreções oculares, uretral e de mucosas, e as lesões superficiais abertas –
cancro duro, na sífilis.

• leite: entre os agentes eliminados por essa via de contaminação não humana, temos a brucelose
e a febre aftosa, e nos casos de contaminação humana, o vírus HIV.

• placenta: o agente é transmitido ao feto por meio da placenta, que em geral é uma barreira
efetiva de proteção do feto contra infecções congênitas: doença de Chagas, HIV, rubéola, sífilis.

• pele: pelo contato direto com lesões superficiais, como na herpes zoster, na sífilis e na varicela,
ou ainda por picadas, mordidas, perfuração por agulha ou outro mecanismo que tenha contato
com sangue infectado, como na sífilis, na doença de Chagas, na malária, na leishmaniose, na febre
amarela, na hepatite B etc.

5.1.4 Fatores do agente

Os agentes etiológicos possuem características que regem a relação com o hospedeiro, as quais
podem ser determinantes para a ocorrência das doenças, como:

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• infectividade: é definida como a capacidade do agente etiológico de penetrar, desenvolver-se ou


multiplicar-se no hospedeiro, ocasionando a infecção. Podemos dizer que os fungos, em geral,
têm como característica a baixa infectividade, pois, mesmo presentes no ambiente, dificilmente
levam a um quadro infeccioso. Já o vírus da gripe, é tido como altamente infeccioso, pois se
propaga facilmente entre os suscetíveis.

• patogenicidade: representa a capacidade do patógeno de, quando instalado no organismo do


hospedeiro, homem ou animal, produzir sintomas em maior ou menor intensidade. O vírus
do sarampo é tido como altamente patogênico, porque, uma vez instalado no organismo do
hospedeiro, frequentemente irá ocasionará sinais e sintomas específicos. O mesmo não acontece
com o vírus da pólio, que tem uma baixa patogenicidade, já que muitas pessoas infectadas por
esse agente não apresentam sinais nem sintomas.

• virulência: é definida como a capacidade de o agente etiológico provocar casos graves ou fatais de
infecção, e está relacionada a algumas características do agente, como a capacidade de produzir
toxinas e multiplicar-se no organismo do hospedeiro. Embora o vírus do sarampo tenha alta
patogenicidade e infectividade, é de baixa virulência, já que raramente causa quadro grave da
doença. Em contrapartida, o botulismo é uma doença altamente virulenta.

• imunogenicidade (ou poder imunogênico): representa a capacidade de o agente induzir o


hospedeiro à imunidade. Alguns são reconhecidos pelo alto poder imunogênico, como os vírus
da rubéola, do sarampo, da caxumba e da varicela. Alguns, ao infectar o hospedeiro, induzem à
imunidade permanente, outros, conferem apenas imunidade temporária ao hospedeiro, como o
vírus da gripe e da dengue (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2006).

5.1.5 Modo de transmissão

Entende-se por transmissão a transferência de um agente etiológico do reservatório ou fonte de


infecção para um novo hospedeiro suscetível.

Quanto às vias de transmissão, é importante considerar que o meio externo é, em geral, desfavorável
para a sobrevida dos agentes etiológicos. Entretanto, alguns agentes possuem formas especiais (cistos,
ovos, esporos) que conferem resistência quando expostos ao meio externo, além de alguns poderem
encontrar no nesse ambiente condições que possibilitem a realização das diferentes fases do seu ciclo
biológico. Contudo, o comportamento dos agentes é diferente na presença de fatores variáveis de
umidade, radiações, temperatura etc.

A classificação das vias de transmissão considera o tempo entre a eliminação do agente pela fonte
de infecção e a sua entrada em outro hospedeiro. Via de transmissão em que a permanência do agente
no meio externo é curta ou nula também pode ser denominada de transmissão direta.

• contágio imediato: o tempo de exposição do agente ao meio externo é nulo, como nos casos de
transferência do agente por meio de relações sexuais, do beijo na boca, nas infecções congênitas
e na mordedura.
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• contágio mediato: o tempo de exposição do agente ao meio externo é relativamente curto, o que
assegura sua sobrevida. As formas de contágio mediato ocorrem por:

— gotículas: a eliminação do agente pela fonte ocorre pela fala, pela tosse ou pelo espirro;
podem manter-se em suspensão no ambiente conforme seu tamanho e peso.

— fômites: são representados por objetos, como talheres, copos, brinquedos, chupetas, entre outros.

— por meio das mãos/boca: ocorre por meio das mãos do novo hospedeiro, contaminadas
com material infectante recentemente eliminado pela fonte de infecção. O agente é
transferido ao novo hospedeiro quando suas mãos entram em contato com a boca ou
mucosa nasal ou conjuntival.

A via de transmissão que exige exposição mais prolongada do agente no meio exterior também pode
ser denominada de transmissão indireta. Nesse caso, é essencial que os agentes consigam sobreviver
fora do organismo durante certo tempo, além da presença de veículos (insetos, por exemplo) que
transportem os micro-organismos ou parasitas de um lugar a outro.

Quadro 2 – Modos de transmissão de um agente infeccioso

Transmissão direta Transmissão indireta


Mãos Veículos (alimentos contaminados, água,
toalhas, instrumentos agrícolas etc.)
Beijo
Vetores (insetos e animais)
Respiratória (gotículas decorrentes da fala, da tosse ou
do espirro) Respiratória – longa distância (poeira e
aerossóis)
Transfusão de sangue
Parenteral (injeção com seringas
Relação sexual contaminadas)
Transmissão vertical (transplacentária ou amamentação)
Outras formas: parto, injeção endovenosa,
procedimentos médicos etc.

A classificação da transmissão indireta dá-se segundo a natureza do veículo de transmissão:

• Transmissão por vetores: em epidemiologia o termo vetor se relaciona a artrópodes que participam
da transmissão de agentes infecciosos. E podem ser divididos em biológicos e mecânicos:

— vetor biológico: é aquele vetor essencial, ou obrigatório, na disseminação da doença. Portanto,


se erradicarmos o vetor biológico, a doença que ele transmite desaparecerá. Os anofelinos que
transmitem a malária são exemplos desse tipo de vetor.

— vetor mecânico: é um vetor acidental e representa mais uma modalidade de transmissão


do agente etiológico. Sua erradicação retira apenas um dos componentes da transmissão da
doença. Exemplo: as moscas, que podem transmitir agentes eliminados pelas fezes, na medida
em que os transportam em suas patas ou asas após pousarem em matéria fecal.

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Figura 42 – Vetor biológico

A) Transmissão por ar e poeira.

B) Transmissão indireta por fômites.

C) Transmissão por alimentos.

D) Transmissão pelo solo.

E) Transmissão com hospedeiro invertebrado “intercalado”.

Quadro 3 – Principais mecanismos de transmissão dos agentes de doenças infecciosas

Modo de Via de transmissão Veículo Meio de transmissão Doenças (exemplos)


transmissão
Meningite por meningococo,
Respiratória Ar Gotícula de Flügge sarampo, coqueluche, rubéola,
gripe
Hepatite A, poliomielite, febre
Digestiva Fezes/fômites Oral/fecal tifoide

Direta Solução de
Secreções
Sexual continuidade da pele e Sífilis, HPV, Aids
sexuais feridas

Pele Fômites, pele Pele íntegra Escabiose

Sangue Rubéola, toxoplasmose, Aids,


Intrauterina Placenta
materno sífilis

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Hepatite B, Aids, Doença de


Sanguínea Fômites Sangue e secreções Chagas (transfusão)

Cólera, febre tifoide,


Água e
Digestiva alimentar toxicoinfecções alimentares e
alimentos hepatite A
Indireta
Pele Solo, água Penetração ativa Esquistossomose mansoni,
ancilostomíase, estrongiloidíase

Saliva ou fezes
Vetor Picada de artrópode Dengue, febre amarela, malária
do vetor

Fonte: adaptado de Almeida Filho; Barreto (2012, p. 462).

5.1.6 Vias de penetração

As portas de saída e entrada nem sempre são as mesmas. Temos como exemplo as intoxicações
alimentares por estafilococos, em que o agente entra no novo hospedeiro, por meio de alimentos
contaminados com secreção da lesão, e é eliminado por uma lesão aberta da pele (OPAS/MS, 2010).

5.2 Aspectos estruturais e funcionais na prevenção e na exposição às doenças

De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), 2010, o corpo humano possui
alguns aspectos estruturais e funcionais que podem atuar tanto como mecanismo de defesa como para
aumentar a suscetibilidade do hospedeiro em desenvolver doenças.

A pele e as membranas mucosas proporcionam ao corpo uma barreira de proteção contra muitos
parasitas vivos e agentes químicos. As membranas mucosas são mais permeáveis do que a pele intacta,
o que muitas vezes acaba servindo de porta de entrada a vários patógenos.

Os reflexos, a tosse e o espirro, por exemplo, representam uma tentativa de limpar as vias
respiratórias de substâncias nocivas. As secreções mucosas, como as lágrimas e a saliva, possuem uma
ação limpante e também podem conter anticorpos específicos contra micro-organismos patogênicos.

As secreções gástricas (acidez gástrica), o peristaltismo e os anticorpos inespecíficos: os


micro‑organismos, ao invadirem o corpo, enfrentam uma série de mecanismos de defesa imunológica,
tanto do tipo celular (linfócitos T, macrófagos e outras células que apresentam antígenos) como
do tipo humoral (linfócitos B, anticorpos e outras substâncias). A inflamação que ocorre no lugar
da invasão é devida ao estímulo dos micro-organismos extracelulares, sendo que os anticorpos
produzidos pela infecção natural ou vacinação poderiam prevenir ou limitar a invasão do hospedeiro
(memória imunológica). A imunossupressão decorrente de infecção pelo HIV, do uso de drogas
imunossupressoras ou de doenças crônicas facilita a multiplicação de outros micro-organismos, como
o bacilo da tuberculose ou de agentes oportunistas, como o Pneumocistis carinii.

A idade é um aspecto importante, uma vez que a gravidade de muitas doenças no indivíduo
relaciona-se a ela. As doenças benignas da infância, como varicela, sarampo e rubéola, são
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exemplos de como a esse fator influencia na ocorrência das doenças contagiosas. Crianças
pequenas apresentam maior risco de adquirir a infecção e desenvolver a doença, devido a sua
alta suscetibilidade (pela ausência de memória imunológica) e alto grau de exposição. Entre as
doenças que acometem os adultos com mais frequência, estão a tuberculose e a esquistossomose.
Na velhice, predominam as degenerativas, como o câncer, e as doenças cardiovasculares, como
hipertensão, diabetes e cardiopatias.

O gênero também pode influenciar na suscetibilidade de certas infecções, mas essas diferenças
relacionadas intrinsecamente ao sexo são mais difíceis de demonstrar. Sabe-se que a transmissão
sexual de algumas doenças, como a gonorreia ou a clamídia, é maior nas mulheres do que nos
homens, devido em parte aos aspectos anatômicos, fisiológicos e à presença de coinfecções (duas
ou mais infecções simultaneamente). As variações na ocorrência da doença entre homens e
mulheres refletem os diferentes graus de exposição a riscos, devido a outros aspectos e diferentes
estilos de vida.

Nas mulheres, além da gravidez, que predispõe à infecção das vias urinárias, também são mais
comuns a ocorrência de algumas doenças crônicas, como tirotoxicose, diabete mellitus, colecistite,
colelitíase, obesidade, artrite e psiconeurose. Entretanto, são mais frequentes nos homens a ocorrência
de úlcera péptica, câncer de pulmão, hérnia inguinal, acidentes, suicídio e cardiopatia arterioesclerótica.

A etnia e o grupo familiar também podem ser relevantes para o hospedeiro. Esse fato se deve às
características genéticas que compartilham. Além das características físicas (o fenótipo), também pode
ocorrer um aumento na suscetibilidade ou na resistência aos agentes específicos da doença. Esse conceito
é de fácil compreensão, mas demonstrar que as diferenças na incidência da doença são geneticamente
determinadas é difícil, já que devemos considerar também a associação dos fatores ambientais e
socioeconômicos. A resistência à tuberculose, maior na população europeia do que na indígena, é um
exemplo claro da interferência da etnia. Embora seja uma característica importante, principalmente pelo
componente genético, o aspecto cultural das diferentes etnias também pode influenciar a ocorrência
das doenças. Esses padrões determinam o estilo de vida e as percepções específicas da realidade, o que
influencia diretamente nas suas condutas frente ao risco e, portanto, no seu potencial de exposição a
fatores causais de doença.

Os indivíduos que integram um grupo familiar, assim como ocorre com os grupos étnicos, podem
diferir entre si em relação à suscetibilidade a doenças geneticamente determinadas. É importante
salientar que não apenas os fatores hereditários podem contribuir para a ocorrência de doenças,
deve-se considerar as múltiplas influências sociais e ambientais que atingem a família como grupo,
incluindo seu nível socioeconômico, dieta, nível educacional, grau de coesão social e a exposição
comum a agentes infecciosos.

As infecções estão intimamente relacionadas com o estado nutricional do hospedeiro.


O sistema imunológico pode ser deteriorado pala desnutrição grave, tornando o hospedeiro mais
suscetível às doenças bacterianas. Uma criança com desnutrição proteico-calórica tem risco
muito maior de adquirir algumas doenças e manifestá-las na sua forma mais grave, ficando
também mais propensa a complicações, sequelas e deficiência permanente. No início dos anos
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1990, ocorreu em Cuba uma epidemia de neuropatia, em decorrência da supressão brusca de


nutrientes, deixando claro o papel dos macrodeterminantes socioeconômicos na produção
de doenças na população, bem como a utilidade da epidemiologia para controlar oportunamente
os problemas de saúde.

Atualmente, um dos maiores problemas de saúde pública em países desenvolvidos, inclusive no


Brasil, está relacionado à nutrição, que levou ao aumento na incidência da obesidade. Esta é considerada
fator do hospedeiro, que o torna mais suscetível às doenças crônicas como hipertensão arterial, doenças
cardiovasculares, diabetes e redução da qualidade e esperança de vida.

5.3 Conceitos e tipos de imunidade

A origem da imunologia é atribuída a Edward Jenner. Em 1796, ele verificou que a proteção induzida
pelo vírus da varíola bovina também era eficiente contra a varíola humana. Esse processo foi, então,
chamado de vacinação, em decorrência do significado da palavra vacina; em latim, vaccinus significa
relativo à vaca, das vacas. Jenner notou que as ordenhadoras que se recuperavam da varíola bovina
não contraíam a varíola humana. Dessa forma, resolveu injetar o material de uma pústula de varíola
no braço de um menino de 8 anos e, mais tarde intencionalmente, inoculou a varíola na criança para
estudar o que ocorreria. Como resultado, a doença não se desenvolveu. Em 1798, escreveu seu tratado
sobre vacinação, descrevendo os resultados de sua experiência (EPM, 2012). A figura a seguir ilustra a
pesquisa de Jenner:

Figura 43 – Células e órgãos do sistema imune

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No entanto, existem outros relatos sobre as tentativas da humanidade referentes à descoberta da


vacina. Na antiguidade, os chineses já inalavam o pó das crostas secas das pústulas de varíola ou as
inseriam em pequenos cortes na pele, em busca de proteção (MOLINARO, 2009).

Lembrete

As vacinas fazem parte das medidas de prevenção primária à saúde


como ações de proteção específica, que dentro da história natural da
doença devem ser adotadas no período pré-patogênico.

O sistema imunológico é o conjunto de células, tecidos, órgãos e moléculas utilizado para a eliminação
de antígenos, com a finalidade de manter a homeostasia orgânica. Os mecanismos fisiológicos desse
sistema consistem numa resposta coordenada dessas células e moléculas diante dos antígenos, o que
leva ao aparecimento de respostas específicas e seletivas, inclusive com o desenvolvimento de memória
imunológica contra patógenos específicos, que também pode ser criada artificialmente por meio das
vacinas (MOLINARO, 2009).

Os conceitos de imunidade e resistência são bem similares; a imunidade pode ser definida como
o estado de resistência conferida pelo sistema imune, que geralmente está associada à presença de
anticorpos com ação específica sobre os micro-organismos patogênicos ou suas toxinas. Já resistência,
é o conjunto de mecanismos que serve de defesa contra a invasão ou multiplicação de agentes
infecciosos, ou contra os efeitos nocivos de seus produtos tóxicos. A pessoa imune possui anticorpos
protetores específicos e/ou imunidade celular, como consequência de uma infecção ou imunização
anterior (OPAS, 2010).

A imunidade pode ser classificada de formas diferentes:

a) imunidade inata: determinada geneticamente, está presente desde o nascimento (pele,  secreções,
mucosas e cílios), sem especificidade; é a primeira linha de defesa contra antígenos. Divide-se em:

• humoral: principal função das células B e dos plasmócitos, que secretam anticorpos na corrente
circulatória e em outros líquidos corpóreos, resultando em efeitos protetores. Os anticorpos
são moléculas agrupadas em uma classe de substâncias denominadas imunoglobulinas
(IgA,  IgD,  IgE,  IgG  e  IgM). A resposta humoral conduz à destruição dos micro-organismos
extracelulares e seus produtos nocivos ao ser humano.

• celular: linfócitos T, macrófagos, neutrófilos, eosinófilos, mastócitos e células NK. Diferente das


imunoglobulinas e não são secretados, precisam migrar até as áreas de lesão para exercer seus
efeitos protetores, por meio do contato direto com a célula-alvo ou para influenciar as atividades
de outras células do sistema imune.

b) Imunidade adquirida: também conhecida como específica ou adaptativa, está ausente no


nascimento, é decorrente da exposição a antígenos específicos, o que pode aumentar sua intensidade.
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Essa característica é conhecida como efeito de memória. A figura a seguir apresenta a divisão da
imunidade adquirida:

Natural (doença)

Ativa

Artificial (vacina)

Imunidade

Natural (transplacentária)

Passiva

Artificial (soros)

Figura 44 – Tipos de imunidade

• passiva: tem efeito de curta duração, alguns dias a vários meses; é obtida naturalmente por
transmissão materna (via transplacentária/vertical) ou artificialmente, por inoculação de
anticorpos protetores específicos prontos (soro antitetânico e antidiftérico, gamaglobulina etc.).
Ex.: mãe/filho – quando a gestante toma vacina dT – dupla adulto, os anticorpos produzidos por
ela passam para o feto por meio da placenta, que evita que o RN tenha o tétano neonatal.

• ativa: tem ação, em geral, duradoura; pode ser adquirida naturalmente como consequência de
uma infecção clínica ou subclínica ou artificialmente por inoculação de frações ou produtos
de um agente infeccioso ou do mesmo agente, morto, atenuado ou recombinado a partir de
técnicas laboratoriais específicas (como a engenharia genética) – vacinas (OPAS, 2010).

— massa/rebanho: imunização de grande parcela da população, fazendo com que o


agente etiológico infeccioso tenha menor probabilidade de disseminação no ambiente.
O controle de doenças, como o sarampo no ser humano ou a raiva no cão, pode servir
como exemplo dessa situação. Seria desejável saber exatamente que proporção da
população deve ser imune para que a disseminação de uma infecção seja altamente
improvável. Ainda que não seja fácil contarmos com informação precisa a esse respeito,
dispomos de estimativas razoáveis para algumas doenças. Por exemplo, estima‑se que,
para interromper a transmissão da difteria na população, requer-se de 75 a 85% de
população imune, pois os modelos matemáticos e a análise de epidemias demonstraram
que a proporção da população imune não precisa ser de 100% para que a disseminação
da doença na população se detenha (OPAS, 2010).

66
EPIDEMIOLOGIA

A figura a seguir apresenta um esquema da imunidade de rebanho:

Disseminação de doença infecciosa


numa comunidade com elevada Comunidade protegida pela
proporção de suscetíveis imunização

Caso índice Caso índice


Suscetível ou infectado Suscetível ou infectado
Imune Imune

Figura 45 – Esquema da imunidade de rebanho

Saiba mais

Para saber mais sobre vacinas e seu desenvolvimento histórico, consulte:

http://www.saude.gov.br/svs

http://www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_pni_
consulta.pdf

http://www.butantan.gov.br

http://www.pasteur.saude.sp.gov.br

http://www.sbim.org.br

PONTE, C. F. (Org.). Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da


história. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2010.

67
Unidade II

5.4 Contexto epidemiológico das doenças infecciosas transmissíveis

Segundo a OMS (2006), 14,2 milhões de óbitos por ano são decorrentes de doenças transmissíveis,
representando 30% dos óbitos que ocorrem em todo o mundo e 39% da carga global de incapacidade.
Aproximadamente 80% dessas mortes são decorrentes de infecção respiratória aguda (3,76 milhões);
HIV/Aids (2,8 milhões); doenças diarreicas (1,7 milhão); tuberculose (1,6 milhão); malária (1 milhão); e
sarampo (0,8 milhão). A maioria dessas mortes ocorre em países em desenvolvimento. A OMS estima
que nos próximos dez anos haverá uma redução de 3% no total de mortes resultantes dessas doenças
infecciosas, em decorrência da melhoria na prevenção.

Doenças emergentes e reemergentes, como Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sara), difteria, febre
amarela, antraz, praga, dengue e influenza, representam uma ameaça não só à saúde dos indivíduos,
consequentemente à segurança das populações, mas também aos sistemas de saúde, particularmente
nos países em desenvolvimento. Embora os países desenvolvidos tenham menor mortalidade por
doenças transmissíveis, a morbidade elevada ainda é um problema de saúde nesses países. Podemos
citar as infecções do trato respiratório superior, que acometem e matam os grupos de idades extremas
(idosos e jovens).

O desafio para os profissionais de saúde é o uso de métodos epidemiológicos na investigação e


no controle das doenças transmissíveis; entretanto, as investigações frequentemente se limitam pela
escassez de recursos (BONITA, 2010).

O Ministério da Saúde no Brasil (2005) reconhece que, apesar da redução da morbidade e da


mortalidade pelas doenças infecciosas parasitárias (DIP), ainda se observa o reaparecimento de
problemas de saúde pública como a cólera e a dengue, evidenciado nas duas últimas décadas,
que, além de exporem a fragilidade nas estruturas ambientais urbanas em nosso país, tornando
as populações vulneráveis a doenças que pareciam superadas, contribuem para o aumento da
carga de doenças da população. Esses fatores somam-se ao surgimento de novas doenças ou
novas formas de manifestação das doenças na população, ao aumento na severidade, causado
pelo surgimento de novas cepas patogênicas, à ampliação da resistência aos antimicrobianos e à
persistência de problemas como a desnutrição e doenças endêmicas como a tuberculose. Situação
essa que requer manutenção de estruturas altamente dispendiosas de atenção básica à saúde,
as quais já são escassas e poderiam ser utilizadas na solução de questões de saúde de maior
magnitude, caso não houvesse esses problemas.

O Ministério da Saúde entende que a melhoria da qualidade da assistência médica,


principalmente no que diz respeito ao correto diagnóstico e tratamento dos pacientes, associada
ao encaminhamento e adoção das medidas de controle indicadas em tempo hábil, desempenha
importante papel na redução de uma série de doenças infecciosas e parasitárias. Por isso, elaborou
um guia de bolso sobre as DIPs (2005), para divulgar aos profissionais de saúde, especialmente
aos médicos, orientações sobre as estratégias que devem ser adotadas como contribuição a
esse processo.

68
EPIDEMIOLOGIA

Tabela 4 – Classificação das causas de óbito no mundo

Classificação Causa Total de mortes


1 Doença isquêmica do coração 6.894.057
2 Acidente vascular cerebral 5.101.446
3 Pneumonias 3.866.321
4 Aids 2.942.901
5 COPD 2.522.983
6 Diarreias infecciosas 2.124.032
7 Tuberculose 1.660.411
8 Doenças de infância 1.385.445
9 Acidentes de trânsito 1.259.838
10 Câncer de pulmão, brônquios e traqueia 1.212.635
11 Malária 1.079.877
12 Baixo peso ao nascer 1.025.584
13 Hipertensão 940.818
14 Injúrias autônomas 814.778
15 Diabetes mellitus 809.685
Total 33.640.821

Fonte: OMS (2010).

No Brasil, de acordo com a análise da situação de saúde realizada pelo Ministério da Saúde (2004),
a principal causa de morte na década de 1930 eram as doenças transmissíveis, e nas áreas rurais, onde
não havia registro adequado, a situação era ainda pior. Com os avanços da tecnologia, das mediadas
de controle, como vacinas, antibióticos e vigilância epidemiológica, além da melhoria no acesso aos
serviços de saúde, essa situação pôde ser revertida.

Entre as tendências atuais observadas, está a redução da mortalidade por doenças infecciosas e
parasitárias, que a partir dos anos 1960, passaram a ocupar a quinta posição entre as causas de óbitos no
Brasil, o aumento dos agravos relacionados aos acidentes e à violência, as doenças crônico‑degenerativas,
como as neoplasias e doenças respiratórias, e as doenças do aparelho circulatório. Essa última é responsável,
a partir deste momento, por representar a principal causa de mortalidade no país.

Apesar da redução significativa na mortalidade pelas doenças transmissíveis, o impacto sobre a


morbidade, principalmente por aquelas doenças que não contam com mecanismos eficazes de prevenção,
está associado a outras causas – ambientais, sociais e econômicas.

A mudança do quadro de morbimortalidade e a diminuição da importância das doenças transmissíveis


no Brasil nos últimos anos podem dar a ideia errônea de que essas doenças deixaram de ser um problema de
saúde pública. Pior, estariam extintas ou próximas da extinção, o que não é condizente com realidade do país e
de outros países do mundo. O enorme êxito alcançado na prevenção e no controle de várias dessas doenças, de
fato, contribuiu para a queda no número de casos, mas não significa que foram erradicadas.

69
Unidade II

As doenças transmissíveis ainda constituem um dos principais problemas de saúde pública no


mundo. A crença de que todas seriam, naturalmente, erradicadas fez com que, no passado, as ações de
prevenção e controle fossem sendo subestimadas na agenda de prioridades em saúde, resultando em
capacidade de resposta governamental ineficiente e perda de oportunidade na tomada de decisão sobre
medidas que teriam tido um impacto positivo nessa área.

Também se observam doenças que estão sendo eliminadas no continente americano, como o
sarampo, que ainda tem alta incidência em países da Europa, o que representa um risco de disseminação
para os países que já conseguiram a sua eliminação ou têm a incidência controlada, como o Brasil.

A situação das doenças transmissíveis no Brasil é complexa e pode ser resumida em três grandes
tendências: a) doenças transmissíveis com tendência descendente; b) doenças transmissíveis com
quadro de persistência e c) doenças transmissíveis emergentes e reemergentes.

Uma das doenças que melhor retratam a situação epidemiológica atual das doenças transmissíveis
é a Aids, doença emergente e com alta morbimortalidade no mundo.

Tabela 5 – Taxas das principais dez causas de óbito: Brasil, 2005

Taxa bruta de
Número de
Ordem Causas mortalidade %
óbitos (óbitos/100.000 hab.)
Total de óbitos 1.006.827
Causas mal definidas 104.455 115,2 10,4
Total de óbitos por causas definidas 902.372 995,2 100
1 Doenças cerebrovasculares (160-169) 90.006 99,3 10,0
2 Doenças isquêmicas do coração (120-125) 84.945 93,7 9,4
3 Agressões (homicídios) (X85-Y89) 47.578 52,5 5,3
4 Diabetes mellittus (E10-E14) 40.317 44,5 4,5
5 Influenza e pneumonia (J10-J18) 36.053 39,8 4,0
6 Doenças crônicas das vias respiratórias inferiores (J40-J47) 36.555 40,3 4,1
7 Acidentes de transporte terrestre (V00-V89) 35.994 39,7 4,0
8 Doenças hipertensivas (110-115) 33.487 36,9 3,7
9 Insuficiência cardíaca (150-159) 31.054 34,2 3,4
10 Certas afecções originadas no período perinatal (P00-P96) 29.799 32,9 3,3

Fonte: Brasil (2005).

5.4.1 Doenças transmissíveis com tendência descendente

O Brasil tem obtido grandes conquistas na redução de muitas doenças transmissíveis, demonstrando
que os instrumentos de prevenção e controle têm sido eficazes, causando reduções drásticas nos índices
de incidência. A varíola está erradicada desde 1978; a poliomielite recebeu a certificação da Organização
Mundial da Saúde pela erradicação da transmissão autóctone em 1994, e desde 2000 não há casos

70
EPIDEMIOLOGIA

autóctones de sarampo. A incidência do tétano neonatal apresenta um patamar muito abaixo do


estabelecido (1/1.000 nascidos vivos) para ser considerado eliminado como problema de saúde pública,
ou seja, está caminhando para a erradicação. As próximas doenças a serem erradicadas são a raiva
humana, transmitida por animais domésticos, e a rubéola congênita. A difteria, a coqueluche e o tétano
acidental, doenças imunopreveníveis, são outras moléstias transmissíveis que tendem ao declínio, devido
aos investimentos realizados na detecção precoce dos casos suspeitos, na adoção de ações de vigilância
epidemiológica e na cobertura vacinal de rotina, visando a atingir níveis adequados nos municípios. A
Doença de Chagas, endêmica há várias décadas em nosso país; a febre tifoide, associada a condições
sanitárias precárias; e a oncocercose, a filariose e a peste, todas estas têm áreas de ocorrência restritas.

Difteria – trata-se de uma doença infecciosa aguda causada por bacilo que se aloja mais
frequentemente nas vias aéreas superiores: nariz, faringe e amídalas. Devido ao aumento da cobertura
vacinal da tríplice bacteriana (DTP), o número de casos da doença no Brasil vem decrescendo
progressivamente.

Coqueluche – o número de casos da doença caiu abruptamente a partir de década de 1980, e vem
desde então mantendo uma tendência decrescente. No início da década 1980, foram notificados mais
de 40 mil casos anuais, mas a partir de 1996 esse número ficou em torno de 2.000.

Entre as estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde para seu controle, estão a intensificação
da vigilância epidemiológica, a detecção precoce dos casos e o bloqueio vacinal imediatamente ao ser
detectado algum foco de surto, além da manutenção de cobertura vacinal, em todos os municípios, de
95% para crianças menores de 1 ano com a vacina tetravalente (DTP + Hib), sendo que a partir de 2012
passou a ser administrada a vacina pentavalente (DTP + Hib + HB).

Tétano – é uma doença transmissível, mas não contagiosa, que apresenta duas formas de
ocorrência: acidental e neonatal. A forma acidental acomete pessoas que sofreram lesões ou
ferimentos com materiais contaminados ou se expuseram ao bacilo pela manipulação do solo.
O tétano neonatal, por instrumentos cortantes ou material de hemostasia durante a secção do
cordão umbilical, ou por meio de substâncias contaminadas, como teia de aranha, pó de café e
fumo, colocados no coto umbilical.

Em 1982, foram notificados 2.226 casos da doença, e vinte anos depois, apenas 600, o que
demonstra uma redução acentuada na incidência. Essa situação é de suma importância, considerando
que a letalidade da doença é de aproximadamente 70%; portanto, houve uma redução acentuada na
mortalidade neonatal.

As estratégias utilizadas na redução do tétano acidental consistem no uso da vacina DTP na infância
e na dupla adulto (dT) em adultos, além do reforço que deve ser realizado a cada dez anos. A vacina
apresenta uma eficácia de 100%, portanto é extremamente importante a realização da manutenção do
esquema vacinal preconizado e ainda a adoção de procedimentos adequados de limpeza de ferimentos
ou lesões nas unidades de saúde e a conscientização de profissionais expostos ao risco de contato com
material contaminado por meio de lesões e ferimentos.

71
Unidade II

Entre as estratégias de prevenção do tétano neonatal, a mais eficaz consiste na vacinação das
gestantes durante o pré-natal, e também a realização de parto asséptico ou limpo e o tratamento
correto do coto umbilical. Sem dúvida alguma, com essas medidas, a eliminação da doença está cada
vez mais próxima.

Poliomielite (paralisia infantil) – é uma doença que pode deixar graves sequelas e evoluir ao
óbito. Até a década de 1970, acometeu um alto número de crianças, foram notificados 3.596 casos
em 1975. Entretanto, com a adoção de medidas de controle, como a vacinação em massa nos anos
1980 e a intensificação da vigilância epidemiológica, o número de casos confirmados foi reduzindo
drasticamente, até culminar na notificação do último caso, em 1989. Graças a esse feito, o Brasil recebeu
da Organização Mundial de Saúde (OMS) o certificado de erradicação da doença.

Estratégias para a manutenção da erradicação da doença, como a vacinação homogênea em todo o


território nacional e a vigilância das paralisias flácidas, ainda vêm sendo utilizadas. A manutenção dessas
estratégias se deve à persistência da poliomielite em outros continentes, o que leva ao permanente risco
de importação do vírus.

Sarampo – é uma doença transmissível e contagiosa que chegou a acometer 3 milhões de crianças
na década de 1970; em 1980, ocorreram 3.236 mortes. Entretanto, após a adoção de ações de controle,
foi possível chegar às últimas duas mortes ocorridas no país, em 1999, ano em que o Ministério da
Saúde implantou o Plano de Erradicação do Sarampo. Esse plano conta com várias estratégias: a
manutenção do Grupo Tarefa – que atua nos 26 estados e no Distrito Federal, intensificando as ações
de vigilância epidemiológica, que têm como objetivo primordial a detecção e investigação de todos os
casos suspeitos; a realização do bloqueio vacinal nos casos suspeitos, além da garantia de cobertura
vacinal de 95% nas crianças de 1 ano.

Após a interrupção da transmissão do vírus nos país, em outubro de 2000, não houve mais registros
de mortes. Desde então, alguns casos da doença vêm sendo confirmados, mas provenientes de outros
países, como Japão, Alemanha e França.
70.000

56.000

42.000

28.000

14.000

0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2005 2006
Ano
Região Norte Região Nordeste Região Sudeste
Região Sul Região Centro-Oeste Brasil

Figura 46 - Casos confirmados de sarampo: Brasil e grandes regiões, 1990-2006

72
EPIDEMIOLOGIA

Rubéola – 30 mil casos foram notificados em 1997, ano em que o Brasil sofreu sua última epidemia.
Entretanto, por meio da implementação do Plano de Erradicação do Sarampo, em 1999, houve um
decréscimo na incidência da doença, devido às ações de vigilância epidemiológica e ao controle da
rubéola. Em 2002, foram noticiados 443 casos no Brasil, o que representa uma queda de 90%, quando
comparada ao número de casos registrados em 1997.

Uma das estratégias adotadas para o controle dessa doença foi realização de campanha de vacinação
em massa em todo o país entre 1998 e 2002, para mulheres em idade fértil, com cobertura vacinal de
95%, acarretando a redução na ocorrência da síndrome da rubéola congênita (SRC).

Saiba mais

Acesse o relatório da verificação dos critérios de eliminação da


transmissão dos vírus endêmicos do sarampo, da rubéola e da síndrome
da rubéola congênita (SRC) no Brasil, de 2010. Disponível no site do
Ministério da Saúde, no link http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/
pdf/livro_relatorio_rubeol.pdf.

Consulte também o Programa Nacional de Controle da Malária, no


link: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pncm.pdf.

Raiva humana – é uma doença infecciosa viral aguda transmitida por mamíferos. Pode ser urbana
ou silvestre, tem letalidade 100%, ou seja, todas as pessoas que a contraem evoluem ao óbito. Está aí
justificada a grande importância de atenção pela saúde pública.

Os cães e gatos representam as principais fontes de infecção no ciclo urbano no Brasil, e o morcego
hematófago é o principal responsável pelo ciclo silvestre.

Nas últimas três décadas, houve redução significativa do número de casos da doença em humanos. A maior
concentração de casos ocorre nas regiões Norte e Nordeste do país; na região Sul e em alguns estados da
região Sudeste, a raiva humana transmitida pelo cão está controlada. Entre as estratégias de controle, estão o
monitoramento da circulação viral e a intensificação da vacinação antirrábica canina nas áreas de maior risco.

O aumento do número de casos de raiva em outros mamíferos, como morcegos, raposas e saguis,
além de outros aspectos de transmissão da doença, indicam uma mudança no perfil epidemiológico em
nosso país. Portanto, o desafio atual do Ministério da Saúde é o estabelecimento e a criação de novas
estratégias para o controle dessa doença.

Doença de Chagas – é transmitida principalmente por insetos hematófagos – os barbeiros. No final


da década de 1970, foram registrados até 100 mil novos casos anuais da doença no Brasil. Atualmente,
está controlada graças às estratégias utilizadas, como a identificação e o combate do vetor com
inseticidas específicos e as melhorias habitacionais nas áreas endêmicas.
73
Unidade II

O inquérito sorológico realizado sistematicamente entre 1989 e 1990 em todos os estados endêmicos
encontrou uma prevalência de 0,13% da doença. Com esses resultados, além de outras evidências, a
Organização Pan-americana de Saúde (Opas) conferiu o certificado de interrupção da doença em dez
estados brasileiros: São Paulo, Paraíba, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco,
Tocantins e Piauí, além dos Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, certificados posteriormente.

Hanseníase – é uma doença endêmica com declínio do número de casos nos últimos anos. A meta
proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) era alcançar 1,0 caso para cada 10 mil habitantes,
vislumbrando a sua eliminação no transcorrer dos anos.

Em 2007, a prevalência da hanseníase no Brasil era de 1,54/10 mil habitantes, sendo a região Sul a
que apresenta o menor número de casos.

A estratégia para diminuir a incidência está voltada para a atenção básica, por meio do diagnóstico
e do tratamento precoce, impedindo a cadeia de transmissão.

60.000 3,5

50.000 3,0

2,5

Coef. de detecção
40.000
Nº casos

2,0
30.000
1,5
20.000
1,0
10.000 0,5

0 0,0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
Nº casos novos Conf. de detecção

Figura 47 – Série histórica do número de casos novos e coeficiente de detecção, Brasil, 1990-2007

300.000 140
246.135
250.000 120
100
Coef. de detecção

200.000 174.259
Nº casos

152.574 80
150.000
124.353 60
100.000
40
50.000 33.307
20
0 0,0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Nº casos novos Coef. de detecção

Figura 48 – Somatório dos casos novos de hanseníase e coeficiente de detecção, por região, Brasil, 1990-2007

74
EPIDEMIOLOGIA

180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
Nº casos

80.000
60.000
40.000
20.000
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
161.180 137.831 106.513 88.826 79.780 80.999 79.933 68.812 76.824 79.908 30.883 27.713 28.338 41.549 39.115 38.179 28.781
33.190 38.263 40.505 45.125 42.444 43.817 43.817 46.874 49.476 51.941 50.58 48.464 43.862 40.126 39.047 37.810 34.894

Pacientes em tratamento Casos novos

Figura 49 – Pacientes em tratamento e casos novos de hanseníase no Brasil, 1994 a 2010

5.4.2 Doenças transmissíveis com quadro de persistência

Apesar de o Brasil já ter conseguido sucesso no controle de muitas doenças, algumas ainda
não foram controladas e apresentam quadro de persistência. A tuberculose e as hepatites virais,
especialmente as B e C, fazem parte desse grupo. Essa denominação se dá em função das altas
prevalências, da ampla distribuição geográfica e do potencial evolutivo para formas graves que
podem levar a óbito. Entretanto, pela adoção de medidas preventivas, como a disponibilidade
de tratamento específico de alta eficácia, foram alcançados resultados favoráveis na redução da
mortalidade pela tuberculose. Outro impacto positivo poderá ser evidenciado em médio prazo na
incidência da hepatite B, devido à implantação universal da vacinação, inclusive para adolescentes,
que se deu no final dos anos 1990.

A leptospirose, por apresentar grande número de casos nos meses mais chuvosos e pela alta
letalidade, assume relevância para a saúde pública. Por sua vez, as meningites também se inserem nesse
grupo de doenças, principalmente as infecções causadas pelos meningococos B e C, que apresentam
níveis importantes de transmissão e taxas médias de letalidade acima de 10%. A meningite causada por
H. influenzae tipo B evoluiu com significativa redução do número de casos, muito provavelmente em
consequência da implantação da vacinação em menores de 1 ano, a partir de 1999.

Algumas doenças, como as leishmanioses (visceral e tegumentar) e a esquistossomose, ainda mantêm


índices elevados de prevalência, em decorrência das modificações ambientais provocadas pelo homem,
pelos deslocamentos populacionais originados de áreas endêmicas e também pela infraestrutura na
rede de água e esgoto precária.

A malária apresentava níveis de incidência persistentemente elevados na região amazônica,


onde se concentram mais de 99% dos casos registrados no país, e a partir de 1999 a redução de
75
Unidade II

número de casos foi superior a 40%. O Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária,
criado em julho de 2000, além de ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento por intermédio da
descentralização e da integração com as ações de atenção básica e de melhor equacionamento das
ações seletivas de controle vetorial, também possibilitou a implementação de importantes ações
extrassetoriais a partir do estabelecimento de normas específicas voltadas para a instalação de
assentamentos rurais e projetos de desenvolvimento. Entretanto, em 2003 voltou a aumentar o
número de casos da doença em grande parte dos Estados da região amazônica, deixando evidente
que as ações de controle foram descontinuadas.

Mesmo após a eliminação do ciclo urbano da febre amarela, em 1942, ciclos de epidemia
têm sido observados na transmissão silvestre, como os ocorridos em 2000 (Goiás), 2001 e 2003
(Minas Gerais). Contudo, a partir do ano 2000, tem se observado uma redução na incidência da
doença. Com a ampla dispersão do mosquito Aedes aegypti no Brasil, aumenta a possibilidade
de reintrodução do vírus amarílico no ambiente urbano; por isso, como medida de controle, foi
realizada intensa atividade de vacinação que resultou em mais de 60 milhões de doses aplicadas
entre 1998 e 2003. Atualmente, em decorrência dos eventos adversos graves associados a essa
vacina, a vacinação teve de ser ajustada, passando a ter uma cobertura mais focalizada, ao invés
da vacinação universal, para a área de circulação natural do vírus amarílico e também para a
área de transição.

Grande parte dos fatores de endemicidade dessa doença está voltada para as questões externas ao
setor da saúde, que são as alterações ambientais sofridas ao longo dos anos, os processos migratórios e
as grandes obras de infraestrutura.

Malária – na década de 1940, acometia 6 milhões de brasileiros por ano. Atualmente mais
de 99% dos casos registrados concentram-se na região da Amazônia Legal. Os casos notificados
nas outras regiões são quase na sua totalidade importados da região amazônica, ou provenientes
de outros países.

Em 1999, o número de casos aumentou 34% em relação ao ano anterior, devido aos aspectos
socioeconômicos, como o deslocamento de grupos para o interior das florestas, e a fatores ambientais
(variação dos índices pluviométricos). Por essa razão, passou a vigorar no período de 2000 a 2002 o
Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária (PIACM). As ações realizadas contribuíram
para a redução de aproximadamente 50% nessa incidência. Atualmente o Ministério da Saúde vem
adotando uma política permanente para a prevenção e controle dessa doença por meio do Programa
Nacional de Controle da Malária.

Tuberculose – a média anual, nos últimos anos, de novos casos dessa doença foi de 85 mil. O
advento da Aids, na década de 1980, contribuiu para o crescimento do número de casos em todo o
mundo. No Brasil, a associação de tuberculose e Aids é de 25%, o que significa que ¼ dos pacientes com
tuberculose também são infectados pelo HIV.

O Ministério da Saúde, nos últimos anos, tem investido nas ações de controle, mantendo, ano a
ano, a taxa de incidência da doença, como princípio para o controle a descentralização do atendimento
76
EPIDEMIOLOGIA

do paciente. As ações estratégicas para o controle da tuberculose no Brasil são fundamentalmente:


1) a garantia da continuidade do tratamento pelo paciente, o que é possível por meio da implantação
do tratamento supervisionado pela equipe de saúde, a fim de impedir o abandono determinante para a
ocorrência de resistência bacteriana, além da mudança no tratamento realizada recentemente pelo MS;
2) a ampliação da capacidade de detecção de novos casos da doença; e 3) o aumento no percentual de
cura. Entretanto, o impacto da adoção de tais medidas só poderá ser avaliado nos próximos anos.
60
50
40
30
20
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Figura 50 – Taxa de incidência de TB por região: Brasil, 2001 a 2009
(rate per 100.000 population)

200

150
Prevalência

100

50

0
1990 1995 2000 2005 2010

Figura 51 – Distribuição de tuberculose no mundo

Meningites – a meningite é um processo inflamatório das meninges em decorrência ou não de


agentes infecciosos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários. As meningites mais relevantes em
saúde pública são as causadas por bactérias e vírus. O quadro clínico da meningite é variável conforme
a etiologia do agente causador, mas em algumas situações o quadro clínico pode ser grave e levar o
indivíduo à morte.

Diferentes bactérias podem provocar a meningite; as mais preocupantes são a meningocócica,


causada pela bactéria Neisseria meningitidis, a causada pelo pneumococo e pela bactéria Haemophilus
influenzae tipo b e a tuberculosa.

Na década de 1970, ocorreu no Brasil uma grande epidemia de doença meningocócica, forma mais
grave da doença, devido à infecção da corrente sanguínea pela bactéria. A situação era tão grave que,
de acordo com dados não oficiais, apenas na cidade de São Paulo ocorreram 12.330 casos, uma média

77
Unidade II

de 33 novos casos por dia. Aproximadamente 900 pessoas morreram em decorrência da doença, que só
foi controlada com a vacinação em massa e possivelmente devido ao esgotamento de suscetíveis.

Ao longo dos anos, o Ministério da Saúde vem investindo nas medidas de controle, como a notificação
imediata dos casos suspeitos de meningite meningocócica, a quimioprofilaxia para os comunicantes e a
vacinação de bloqueio. Mais recentemente, o Ministério da Saúde, junto com gestores do SUS, aprimorou
o diagnóstico ambulatorial, a assistência médica, implantou a vacina meningocócica AC e C em casos
de surto, aumentou a cobertura vacinal de BCG e incluiu no calendário vacinal básico a vacina contra
o Haemophilus influenzae tipo b (1999), para todas as crianças menores de 5 anos; posteriormente
(2012), a vacina contra o meninococo C. Após a introdução da vacina contra o haemophilus influenzae,
foi observada uma redução de 95% na incidência de meningite por esse agente.

Quadro 4 – Calendário de Vacinação Infantil (2012)

Idade Vacina Dose


BCG-ID Dose única
Ao nascer
Hepatite B 1ª dose
Pentavalente (DTP+Hib+HB)
Vacina poliomielite inativada
2 meses 1ª dose
Vacina oral Rotavírus Humano
Vacina pneumocócica 10
3 meses Vacina meningocócica C 1ª dose
Pentavalente (DTP+Hib+HB)
Vacina poliomielite inativada
4 meses 2ª dose
Vacina oral Rotavírus Humano
Vacina pneumocócica 10
5 meses Meningocócica C 2ª dose
Pentavalente (DTP+Hib+HB)
6 meses Vacina oral poliomielite
3ª dose
Vacina pneumocócica 10
9 meses Febre amarela Dose inicial
Tríplice viral 1ª dose
12 meses
Vacina pneumocócica 10 Reforço
Tríplice bacteriana (DTP) 1º reforço
15 meses Vacina oral poliomielite
Reforço
Meningocócica C
Tríplice bacteriana (DTP) 2º reforço
4 anos
Tríplice viral 2ª dose
10 anos Febre amarela Uma dose a cada 10 anos
Opcionais para crianças
Menores de 5 anos Vacina oral de poliomielite
De 6 meses a menores de 2 anos Vacina Influenza (gripe)

Fonte: Brasil (2012).

78
EPIDEMIOLOGIA

Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) – é uma doença originalmente silvestre que


acometia as pessoas, ocasionalmente, quando em contato com a doença. Entretanto, os estudos
epidemiológicos realizados a respeito nos últimos anos indicam mudanças no comportamento
da doença, que começou a se expandir geograficamente para áreas rurais desmatadas e para
as regiões periféricas das cidades, com ocorrência de novos casos praticamente em todos os
estados brasileiros.

Uma característica própria da LTA é a constante mudança no padrão epidemiológico de


transmissão, devido à associação de diferentes fatores decorrentes da ação do homem, como
a grande diversidade de vetores, agentes etiológicos e reservatórios, o que sem dúvida acaba
dificultando seu controle.

Para o controle efetivo da LTA, é importante que as estratégias utilizadas sejam específicas para a
situação epidemiológica de cada área. E, para isso, é fundamental o conhecimento dos casos suspeitos
e da área de transmissão, a realização do diagnóstico, o tratamento precoce e a adoção de medidas
específicas que reduzam a exposição do homem ao vetor, o que é possível pelo uso de inseticidas, entre
outras medidas.

Febre amarela silvestre – existem duas formas da doença – urbana e silvestre. A forma urbana foi
erradicada no Brasil em 1942. Entretanto, a silvestre é praticamente impossível de ser erradicada, porque
o ciclo da doença se dá entre os primatas das florestas tropicais.

A última epidemia foi registrada em 2003 no estado de Minas Gerais, onde ocorreram 58 dos
64 casos notificados no Brasil e 21 óbitos (75%). Essa epidemia mobilizou o Ministério da Saúde,
em conjunto com as secretarias estaduais de saúde, órgãos de turismo e transporte, a realizar uma
campanha de divulgação, visando a alertar os viajantes que se deslocavam para áreas endêmicas
sobre o risco da doença e a importância de se vacinar previamente. Para isso, o acesso à vacina na
rede pública precisou ser ampliado.

A meta do Ministério da Saúde para o controle da febre amarela é alcançar a cobertura vacinal
de 100% em todos os municípios endêmicos. Uma das estratégias utilizadas consiste na vacinação de
grupos de maior vulnerabilidade, como moradores de áreas de assentamento e de acampamento de
sem-terra, boias-frias, caminhoneiros e grupos indígenas.

Hepatites virais – apresentam variações no perfil epidemiológico de acordo com a região do país.
Nos países com condições socioeconômicas e de saneamento básico precárias, a maior prevalência da
doença é pelos vírus A e E.

A hepatite B tem alta prevalência entre populações de risco e em países em que não há controle na
transmissão vertical e intradomiciliar. Segundo estimativa da OMS, “2 bilhões de pessoas no mundo já
tiveram contato com o vírus”.

79
Unidade II

Tabela 6 – Dados preliminares de hepatites virais notificados entre 1999 e 2011

Hepatite Número de casos


A 138.305
B 120.343
C 82.041
D 2.197
E 967

Fonte: Brasil (2012).

No Brasil, segundo dado divulgado pelo Ministério da Saúde, a forma da doença mais notificada
entre 1999 e 2011 foi a hepatite A, seguida pelas hepatites do tipo B, C, D e E, respectivamente. Ainda a
infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) tem se mostrado muito dinâmica, com taxas muito variáveis de
prevalência. A região Sul do país apresenta índice menor de 2% da doença, porém a região amazônica
uma alta prevalência, com índice superior a 7%.

A prevalência da hepatite C no mundo pode oscilar de índices abaixo de 1% (países do Reino Unido)
a índices em torno de 26% (Cairo). No Brasil, ainda não é possível estabelecer uma prevalência confiável
devido aos poucos estudos realizados sobre essa questão. Estudo realizado no município de São Paulo
detectou uma prevalência em torno de 1,42% de portadores anti-HCV.

Dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo mostram que o número de casos
noticiados de hepatites B e C foi ascendente no período de 2000 a 2009, devido provavelmente à intensificação
da notificação dessas doenças. Embora os dados mostrem alto número de casos de hepatite B no Estado de São
Paulo, essa situação tende a diminuir gradativamente, graças à introdução da vacina da hepatite B no Estado
para menores de 15 anos, o que levará a uma diminuição da circulação do vírus entre a população.
7.000 6.491 6.579
HEP B = 29.059 6.292 6.087
5.660 5.732
6.000 HEP C = 52.804
5.242

5.000 4.344
3.887 3.940
4.000
Número

3.455 3.405
3.009
3.000 2.338 2.465 2.421
2.271
2.029
2.000 1.785
1.348
917 1.207
1.000
172 309
331
147
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano

Figura 52 - Número de casos de hepatite B e C por ano de notificação: Estado de São Paulo – 2002 a 2012

80
EPIDEMIOLOGIA

A figura a seguir mostra que a fonte de infecção mais provável para a hepatite C, no Estado de São
Paulo, foi o uso de drogas (34%), e para a hepatite B foi sexual (57%), o que pode ser evidenciado na
distribuição dos casos notificados de hepatite B, por sexo e idade, que mostra que a doença acomete
principalmente pessoas na faixa etária de 20 a 49 anos.

Um dos grandes problemas relacionados às hepatites virais é o fato de a grande maioria dos
infectados apresentarem forma assintomática ou branda de manifestação da doença, o que inviabiliza
a captação do doente pela vigilância epidemiológica e torna o controle mais difícil.
Hepatite B Hepatite C Acid. Trab.
Acid. Trab. 1% Domiciliar
0% Domiciliar 1%
Outros 8%
17% Drogas Outros
7% 22% Drogas
Hemodiálise 34%
Vertical 1%
4%
Vertical
Transfuncional 1%
6%

Transfuncional
23%
Sexual Hemodiálise
57% 0%
Sexual
18%

Figura 53 - Distribuição porcentual das prováveis fontes/mecanismos de transmissão definidos


dos casos de hepatites virais B e C: Estado de São Paulo, 2000 a 2012

5000
Masc.
4000
Fem.
3000

2000

1000

0
< 1 ano 01 a 04 05 a 09 15 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 e +
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos

Figura 54 - Número de casos de hepatite B de acordo com a faixa etária e sexo: Estado de São Paulo, 2000 a 2012

Esquistossomose – a esquistossomose mansônica, embora apresente uma ampla distribuição


geográfica no Brasil, devido ao processo de urbanização e migração, tem o maior número de casos na
região Nordeste e norte de Minas Gerais.

A prevalência da doença tem diminuído desde a década de 1950, assim como os indicadores de
morbidade e mortalidade hospitalar por formas graves da doença. A ocorrência da forma hepatoesplênica,
81
Unidade II

que ainda ocorre nas áreas endêmicas da região Nordeste do país, porém, representa um importante
problema de saúde pública, devido à gravidade dessa forma da doença, que pode evoluir ao óbito em
consequência da hemorragia digestiva.

A evolução nas condições de saneamento básico refletiu positivamente na melhoria dos indicadores
de esquistossomose, assim como a maior oferta de assistência médica e o tratamento adequado vêm
contribuindo para a redução dos indicadores de morbidade e mortalidade.

O controle da doença no Brasil teve início na década de 1970, com a investigação de portadores
por meio da coleta e análise das fezes. Também foram enfatizados a melhoria no tratamento dos
portadores, nas condições de saneamento básico, no tratamento dos criadouros e na educação
em saúde.

A tendência atual do controle da doença consiste na descentralização das ações de controle por
meio das secretarias municipais de saúde.

Leptospirose – é uma zoonose que pode sazonalmente evoluir para situação de surto ou epidemia
em decorrência das condições climáticas, de infraestrutura sanitária, climática e de infestação de
roedores. Os principais reservatórios da doença são os roedores sinantrópicos – ratazanas, camundongos
e ratos de telhado, mas outros animais como cães, porcos, cabras, bois e cavalos também são afetados,
podendo atuar como portadores. A doença atinge tanto área rural como urbana, sendo mais frequente
em capitais e regiões metropolitanas.

Lembrete

Animais sinantrópicos são geralmente aqueles indesejáveis, por


transmitirem doenças, inutilizar ou destruir alimentos, mas que preferem
viver próximos ao homem, mesmo que este não o deseje, devido à oferta
de alimento e abrigo. Entre eles, estão baratas, mosquitos, ratos, carrapato,
escorpião, formiga, morcego, pulga, entre outros.

A leptospirose pode ocorrer quando o homem entra em contato com a urina de roedores, e o risco
de exposição é maior quando ele tem contato com água e lama contaminadas, situação mais frequente
no caso de enchentes e chuvas fortes.

Algumas categorias profissionais têm maior risco de adquirir a doença devido ao risco de exposição ao
agente; entre eles estão os trabalhadores em limpeza urbana e desentupimento de esgotos, veterinários,
agricultores, pescadores, bombeiros etc.

Entre 1994 e 2003, a média anual de leptospirose foi de 3.324 casos e de 334 óbitos, o que corresponde
a uma taxa de letalidade de aproximadamente 10%.

82
EPIDEMIOLOGIA

É extremamente importante para o controle da doença que a rede de atenção à saúde identifique os
casos suspeitos e forneça tratamento adequado aos doentes para diminuir a letalidade da doença por
esse agente.
6.000

5.000

4.000
Casos

3.000

2.000

1.000

0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 55 - Casos anuais confirmados de leptospirose: Brasil e grandes regiões, 1997-2012

5.4.3 Doenças transmissíveis emergentes e reemergentes

De acordo com o guia elaborado pelo Ministério da Saúde (2005, p. 42):

Doenças transmissíveis emergentes são as que surgiram, ou foram


identificadas, em período recente ou aquelas que assumiram novas condições
de transmissão, seja devido a modificações das características do agente
infeccioso, seja passando de doenças raras e restritas para constituírem
problemas de saúde pública. As reemergentes, por sua vez, são as que
ressurgiram, como problema de saúde pública, após terem sido controladas
no passado.

A epidemia de Aids no Brasil teve início em 1980, com crescimento acelerado até 1997; a seguir
houve diminuição na velocidade de crescimento da epidemia, com redução da incidência. A taxa de
letalidade da Aids sofreu uma queda importante, de 50%, entre 1995 e 1999, em comparação aos
primeiros anos do início da epidemia, quando era de 100%. O advento dessa doença no país impactou
na ocorrência de uma série de outras doenças infecciosas, em particular a tuberculose. A qualidade de
vida para os portadores da infecção pelo HIV, porém, melhorou com a disponibilidade de novas drogas,
que têm propiciado o aumento na sobrevida.

A cólera foi introduzida em 1991 no Brasil, levando a uma situação de epidemia em 1993, com 60.340
casos. Sua incidência foi reduzida drasticamente com os esforços do sistema de saúde, mesmo diante de
situação ambiental e sanitária precárias em parte da população, dispondo de ambiente favorável para sua
disseminação e persistência. Diante dessa situação, foram registrados surtos da doença, principalmente

83
Unidade II

nas pequenas localidades do Nordeste, com maior dificuldade de acesso à água tratada e deficiência
de saneamento básico. A partir de 2001, a sua transmissão foi interrompida. Entretanto, novos casos
ocorreram na região Nordeste em 2004, com intensidade reduzida.

Uma das maiores campanhas de saúde pública realizadas no Brasil desde 1982 é a de combate à
dengue. Embora o Aedes aegypti, mosquito transmissor, tenha sido erradicado nas décadas de 1950
e 1960 em vários países do continente americano, retornou na década de 1970, em decorrência das
falhas na vigilância epidemiológica e das mudanças sociais e ambientais propiciadas pela urbanização
acelerada. Eliminar um mosquito domiciliado que se multiplica em diversos recipientes que armazenam
água tem exigido um substancial esforço do setor de saúde. Entretanto, esse trabalho necessita ser
articulado com outras políticas públicas e a necessidade de a população manter seu ambiente livre do
mosquito. A mudança de hábitos da população tem sido apontada como uma das medidas mais efetivas
na prevenção da infestação do mosquito. Entretanto, a introdução de novos sorotipos, DEN-3, DEN-4,
colabora para o aumento na incidência da dengue, além de propiciar aumento na ocorrência da febre
hemorrágica, que contribui para o aumento da mortalidade causada pela doença.

Os primeiros casos de hantaviroses, no Brasil, foram detectados em 1993, em São Paulo, e essa
doença tem sido registrada com maior frequência nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O aumento
na capacidade de detecção do vírus permite conhecer melhor a situação epidemiológica no Brasil e a
adoção de medidas adequadas de prevenção. Entre as medidas de controle da doença, estão a implantação
de vigilância epidemiológica, o desenvolvimento da capacidade laboratorial para realizar diagnóstico,
a divulgação das medidas adequadas de tratamento para reduzir a letalidade e o conhecimento da
situação de circulação dos hantavírus nos roedores silvestres brasileiros.

Aids – o primeiro caso no Brasil foi identificado em 1980, sendo que, desde o início da epidemia
até junho de 2011, foram registrados 608.230 casos com manifestação da doença. Em 2010, foram
notificados 34.218 casos, com taxa de incidência de 17,9 casos por 100 mil habitantes.

Até meados de 2003, aproximadamente 70% de todos os casos notificados no Brasil foram verificados
em homens. Entretanto, entre os 5.761 novos casos em 2003, notou-se um aumento importante no
número de casos em mulheres (2.069). Até 2010, observou-se maior número de casos entre homens,
mas a tendência é de que essa diferença diminua ainda mais. Esse dado pode ser observado pela razão
dos sexos (número de casos em homens dividido pelo número de casos em mulheres); enquanto em
1989 a razão era de seis casos de Aids em homens para um caso em mulheres (6:1), em 2010, passou a
ser 1,7 caso em homens para cada 1 em mulheres (1,7:1).

Em relação à faixa etária, a de 25 a 49 anos é a mais incidente em ambos os sexos. Entretanto, entre
adolescentes de 13 a 19 anos, o número de casos é maior entre mulheres, mostrando um aumento na
incidência de Aids em adolescentes do sexo feminino. A justificativa provável para esse fato é o início da
atividade sexual, cada vez mais precoce, que se dá geralmente com homens mais velhos, experientes e
também mais expostos aos riscos de contaminação pelo HIV.

A principal forma de transmissão do HIV ocorre pela relação sexual, sendo que, em 2010, 42,4% dos
casos registrados em homens ocorreram por relações heterossexuais; 22% por relações homossexuais;

84
EPIDEMIOLOGIA

e 7,7% por bissexuais; 83,1% das mulheres contraíram o HIV em decorrência de relações heterossexuais
com pessoas infectadas pelo HIV. Outras formas menos frequentes de transmissão são a transfusão
sanguínea e a transmissão vertical (de mãe para filho).

O número de casos em crianças menores de 5 anos sofreu uma redução de 55% de 2000 para 2010,
o que confirma a eficácia da política de redução da transmissão vertical.

A chance de transmissão vertical cai para menos de 1%, quando todas as medidas preventivas são
adotadas. O Ministério da Saúde recomenda o uso de medicamentos antirretrovirais durante o período
de gravidez e no trabalho de parto, além de realização de cesárea para as mulheres que têm carga
viral elevada ou desconhecida. Para o recém-nascido, a determinação é de substituição do aleitamento
materno por fórmula infantil (leite em pó) e uso de antirretrovirais.

O boletim epidemiológico Aids e DST 2011 (Ministério da Saúde) sinaliza queda de 17% na taxa de
mortalidade em doze anos. A taxa de incidência baixou de 7,6 para 6,3 a cada 100 mil pessoas.

Estudo realizado com mais de 35 mil meninos jovens de 17 a 20 anos de idade indica que a
prevalência do HIV nessa população passou de 0,09% para 0,12%, em cinco anos. O estudo também
revela que o percentual de infectados pelo vírus da Aids é maior no grupo com menor escolaridade
(prevalência de 0,17% entre os meninos com Ensino Fundamental incompleto e 0,10% entre os com
Ensino Fundamental completo).

A infecção pelo HIV está relacionada, principalmente, ao número de parcerias (quanto mais parceiros,
maior a vulnerabilidade), além da coinfecção com outras doenças sexualmente transmissíveis e as
relações homossexuais (BRASIL, 2011).

De acordo com a OMS (2010), cada vez mais a epidemiologia tem contribuído no controle e no
tratamento das doenças, por meio da identificação das epidemias, da determinação do padrão de
disseminação das doenças, da identificação de fatores de risco e seus determinantes, assim como na
avaliação de intervenções.

As principais formas de controle do HIV são a prática de sexo seguro, que deve ser incentivada, o
controle de qualidade do sangue doado, o tratamento de outras DSTs, a proibição do compartilhamento
de seringas e a prevenção da transmissão do vírus da mãe para a criança por meio da administração de
drogas antirretrovirais.

Nos últimos anos, a qualidade de vida de portadores do vírus HIV/Aids melhorou muito, assim como
o aumento na expectativa de vida. Esse fato se deve ao desenvolvimento de novas drogas antirretrovirais
administradas de forma combinada. Entretanto, o alto custo das drogas limita seu uso, uma vez que
a maioria dos portadores de HIV não têm acesso a esse tipo de tratamento. Por isso, um dos grandes
desafios globais é universalizar o acesso, já que somente o conhecimento não garante a realização de
ações preventivas apropriadas sobre essa doença (BONITA, 2010).

85
Unidade II

50 5,0

Prevalência (%) de HIV entre pessoas


Número de pessoas em milhões Número de pessoas vivendo com HIV e AIDS

com idade entre 15 e 49 anos


vivendo com HIV e AIDS 40 Prevalência (%) de HIV entre pessoas de 15 e 49 anos 4,0

30 3,0

20 2,0

10 1,0

0 0,0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Figura 56 - Epidemia mundial de Aids entre 1990 e 2003

40,0
35,0
30,0
Taxa de incidência

25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Ano de diagnóstico
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 57 - Taxa de incidência de Aids (por 100.000 hab.), segundo região


de residência por ano de diagnóstico: Brasil, 1998 a 2010

25.000
9,1
22.500
20.000
6,5
17.500
Número de casos

6,0
15.000 5,4
4,7
12.500
3,9
10.000 3,5
3,2
7.500 2,7
2,4
2,1
1,9 1,8 1,7 1,7
5.000 1,6 1,5
1,5 1,5 1,5 1,5 1,5 1,5 1,6
2.500
0
1987
1988
1989
1990

1992
1993
1994
1995
1996

1997
1998
1999
2000

2003
2004
2005
2006

2008
2009
2002
1991

2001

2007

2010

Ano de diagnóstico
Masculino Feminino Razão de sexos (M.F)

Figura 58 – Número de casos de Aids e razão de sexos, segundo ano de diagnóstico: Brasil, 1987 a 2010

86
EPIDEMIOLOGIA

30,0

Mortalidade (por 10.000 pessoas)


25,0

20,0

15,0

10,0

5,0

0,0
85

87

89

93

95

97

99

03

05

09
91

01

07

10
19

20
20
19

20
19

19

19

19

19

19

20

20

20
Ano de diagnóstico
Brasil Masculino Nordeste

Figura 59 – Taxa de incidência da Aids (por 100.000 hab.) em jovens de 15 a 24 anos,


por sexo e ano de diagnóstico: 1985 a 2010

2.500
27,0
Número de casos

11,4

5,3
4,4 4,5 3,7 3,6 2,7
2,4 2,1 1,8
1,4 1,3 1,1 1,0 0,9 0,9 0,9 0,9 0,9 1,0 1,0 1,1 1,2 1,2 1,4
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990

1992
1993
1994
1995
1996

1997
1998
1999
2000

2003
2004
2005
2006

2008
2009
2002
1991

2001

2007

2010

Ano de diagnóstico
Masculino Feminino Razão de sexos (M.F)

Figura 60 – Número de casos de jovens de 15 a 24 anos e razão de sexos, segundo ano de diagnóstico, 1985 a 2010

Cólera – foi responsável na década de 1990 pela ocorrência da sétima pandemia a acometer a humanidade.
Em dez anos (1991-2001), a doença atingiu todas as regiões do Brasil, mais acentuadamente a Nordeste.

O número total de casos notificados nesse período foi de 168.598, com 2.035 evoluindo a óbito. É
importante salientar que a doença se torna mais vulnerável em situação de pobreza extrema.

A partir de 1995, por meio de esforços do sistema de saúde, foi possível reduzir drasticamente
o número de casos da doença. Em 2001, foram notificados apenas sete casos na região Nordeste.
E, após dois anos consecutivos sem que houvesse registro, novas ocorrências foram identificados a
partir de 2003.

87
Unidade II

Quanto às ações de prevenção da cólera, as equipes de saúde das três esferas governamentais
têm trabalhado na investigação dos casos suspeitos, na coleta de amostras clínicas do ambiente e de
água, com objetivo de descartar a possível contaminação nos mananciais que abastecem o sistema de
captação de água para o consumo humano.

A estratégia que tem se mostrado eficaz para o controle da doença no Brasil é o sistema de vigilância
denominado de Monitorização das Doenças Diarreicas Agudas (MDDA), implantado em mais de 4.000
municípios. A manutenção desse sistema e o fortalecimento no sistema de vigilância que controla a
qualidade da água para o consumo humano garantem o controle da doença no Brasil.

Dengue – doença causada pelo mosquito Aedes aegypti que chegou a ser erradicada nas décadas
de 1950 e 1960 de países do continente americano, mas devido às grandes mudanças ambientais e
sociais que impulsionaram a aceleração da urbanização, somadas às falhas de vigilância que ocorreram
na época, o mosquito retornou na década de 1970. Atualmente, além do Brasil, ele também pode ser
encontrado em uma faixa do continente que inclui Venezuela, Cuba, Paraguai e sul dos EUA.

O Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Controle da Dengue e tem investido


aproximadamente R$ 1 bilhão no controle da doença. O grande desafio é estender as ações de controle
além da área da saúde, considerando também outras políticas públicas, como limpeza urbana e educação,
que implicam a necessidade de conscientização e mobilização da sociedade.

As dificuldades no controle da doença decorrem da facilidade encontrada pelo mosquito em se


procriar, pois se multiplica em diferentes tipos de recipientes que armazenam água, pneus, latas, garrafas,
vasos, latas de lixo, entre outros.

O fato de a dengue apresentar diferentes subtipos do vírus em circulação em nosso meio impulsiona
o aumento no número de casos, uma vez que grande parcela da população ainda se mostra suscetível à
doença. E a circulação de mais de um sorotipo favoreceu o aumento na incidência da febre hemorrágica
e, consequentemente, também na mortalidade causada pela doença.

O Brasil já passou por quatro grandes epidemias: 1998, 2002, 2008, 2010, todas associadas à mudança
do sorotipo predominante. O primeiro caso suspeito do tipo 4 ocorreu em Roraima, em julho de 2010,
sendo que esse sorotipo já havia circulado no Brasil vinte e oito anos atrás.

A Secretária de Vigilância em Saúde, em conjunto com as secretarias estaduais e municipais, vem


executando as seguintes ações:

(1) a intensificação das ações de combate ao vetor, focalizando os municípios com maior participação
na geração dos casos; (2) o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica e entomológica para
ampliar a oportunidade da resposta ao risco de surtos; (3) a integração das ações de vigilância e de
educação sanitária com o Programa de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde; (4) e
uma forte campanha de mobilização social e de informação para garantir a efetiva participação da
população. Tem sido priorizada também a melhoria na capacidade de detecção de casos de dengue
hemorrágica, com vistas a reduzir a letalidade por essa forma da doença (BRASIL, 2004, p. 333).

88
EPIDEMIOLOGIA

Menor que 100,000 (baixa)


Incidência/ 100.000 Hab. 100,0 a 300,0 (média)
Maior que 300,0 (alta)

Figura 61 - Distribuição dos Estados por áreas de incidência, Brasil, 2007

Observação

O Ministério da Saúde adverte que a dengue é um dos principais


problemas de saúde pública no mundo. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) estima que entre 50 e 100 milhões de pessoas se infectem anualmente
em mais de 100 países de todos os continentes, exceto a Europa. Cerca
de 550 mil doentes necessitam de hospitalização e 20 mil morrem em
consequência da dengue.

Saiba mais
Conheça mais sobre o programa de combate à dengue do Ministério da
Saúde acessando: http://www.combatadengue.com.br/index.php.

Hantaviroses – a infecção no homem ocorre, na maioria das vezes, pela inalação de aerossóis
formados a partir de secreções e excreções dos reservatórios, que são roedores silvestres. A doença pode
se manifestar de duas formas clínicas principais, a renal, mais frequente na Europa, e a cardiopulmonar,
presente apenas no continente americano.

Os primeiros casos no Brasil foram detectados em São Paulo, em 1993, e até 2003 foram registrados
338 casos em 11 estados, com uma letalidade média de 44,5%. Além do estado de São Paulo, ocorreram
outros casos em Minas Gerais e no Mato Grosso.

O Ministério da Saúde adotou como medidas de controle dessa doença a implantação da vigilância
epidemiológica, a implementação no diagnóstico laboratorial, a divulgação das medidas adequadas
dispensadas no tratamento e que visam a reduzir a letalidade, assim como da situação epidemiológica
referente à circulação de alguns hantavírus nos roedores silvestres brasileiros. Com a adoção de tais
medidas, foi possível aumentar a capacidade de detecção, possibilitando controle mais efetivo da doença.
89
Unidade II

5.5 Vigilância epidemiológica

O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) foi instituído em 1975 e formalizado


pelos seguintes dispositivos legais: Lei nº 6.259/75 e Decreto nº 78.231/76 e, em 1990, a vigilância
epidemiológica foi definida na Lei Orgânica da Saúde – nº 8080/90, conhecida como Lei do SUS:

§ 2º – Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações


que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer
mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou
coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção
e controle das doenças ou agravos (BRASIL, 1990).

A Vigilância Epidemiológica faz parte da Vigilância da Saúde. Para Teixeira et. al. (2012), a Vigilância
da Saúde corresponde à superação da dicotomia entre as chamadas práticas coletivas (vigilância
epidemiológica e sanitária) e as práticas individuais (assistência ambulatorial e hospitalar), obtida por
meio da incorporação das contribuições do planejamento urbano, da epidemiologia, da administração
estratégica e das ciências sociais em saúde, tendo como suporte político-institucional o processo de
descentralização e de reorganização dos serviços e das práticas de saúde em nível local. Apresenta como
características básicas: intervenção sobre problemas de saúde, (danos, riscos e/ou determinantes); ênfase
em problemas que requerem atenção e acompanhamento contínuos; operacionalização do conceito de
risco; articulação entre ações promocionais, preventivas e curativas e atuação intersetorial.

O quadro a seguir ilustra essa mudança de paradigma em Saúde:

Quadro 5 – Modelos assistencias e Vigilância da Saúde

Modelo Sujeito Objeto Meios de Trabalho Formas de Organização


Médico
Doença
Modelo médico- - especialização (patologia e outras) Tecnologia médica Rede de serviços de Saúde
assistêncial
Doentes (indivíduo) Hospital
privatista - complementariedade (clínica e cirurgia)
(paramédicos)
Campanhas sanitárias
Modelo Sanitarista Modos de Programas especiais
sanitarista transmissão Tecnologia sanitária
- auxiliares Sistemas de vigilância
Fatores de risco epidemiológica e sanitária
Políticas públicas
Danos, riscos, Tecnologias de saudáveis
necessidades e comunicação social, Ações intersetoriais
Vigilância da Equipe de saúde determinantes dos de planejamento e Intervenções específicas
saúde População (cidadãos) modos de vida e programação local (promoção, prevenção e
saúde (condições de situacional e tecnologias recuperação)
vida e trabalho) médico-sanitárias Operações sobre problemas
e grupos populacionais

Fonte: Teixeira; Paim; Vilasbôas (1998).

A Vigilância Epidemiológica desenvolve ações de observação sistemática e contínua da frequência


e distribuição dos determinantes dos eventos de saúde e suas tendências na população, não é

90
EPIDEMIOLOGIA

uma atividade isolada no tempo, e não pode ser executada sem métodos; consiste no processo de
verificação de tendências e realiza a comparação, entre o observado e o esperado, para detectar ou
antecipar mudanças na frequência, na distribuição ou nos determinantes do processo de saúde e
doença na comunidade.

A figura a seguir sintetiza as áreas de atuação da Vigilância Epidemiológica:

Pesquisa

Pesquisa Serviço de saúde


Subsistema de Inteligência Ações de Saúde Pública
Epidemiológica Informação para a agilização
das ações de controle – estabelecer um conjunto de
– analisar com fundamento prioridades;
científico; – coleta dos dados;
– organização dos dados; – planejar, implementar e
– estabelecer as bases técnicas para avaliar continuamente a
o controle; – análise; assistência integral à saúde;
– induzir a pesquisa; – interpretação; – investigar surtos;
– incorporar novos conhecimentos; – ampla disseminação. – prevenir e controlar a
– disseminar recomendações ocorrência de eventos
técnicas. adversos à saúde.

Nível nacional Nível local e regional

Sistema Nacional de Saúde

Figura 62 – Áreas de atuação da Vigilância Epidemiológica

Segundo a Opas (2010, p. 25), os tipos de vigilância que podem ser realizados nos serviços de
saúde são:

a) passiva: cada nível de saúde envia informações, de forma


rotineira e periódica, sobre os eventos sujeitos à vigilância ao nível
imediatamente superior; é fácil, de baixo custo e mais sustentável
no tempo.

b) ativa: os profissionais de saúde buscam diretamente os dados objetos


de vigilância, revisando até mesmo os registros rotineiros do serviço
de saúde e os registros diários de atenção às pessoas. Garante maior
integridade ao sistema, reduz a probabilidade de não detectar casos
que efetivamente estejam ocorrendo, está indicada nas situações
onde a integridade das informações é o mais importante: como nas
doenças em fase de erradicação e eliminação (sarampo etc.); danos
de alta prioridade sanitária (mortalidade infantil e materna etc.); após
uma exposição ambiental da comunidade (dejetos tóxicos, poluição no
91
Unidade II

sistema de abastecimento de água etc.); ou durante e imediatamente


depois de uma epidemia.

c) sentinela: baseia-se na informação proporcionada por um grupo


selecionado como fonte de notificação do sistema. As unidades
sentinelas comprometem-se a estudar uma amostra preconcebida de
indivíduos e/ou grupo populacional específico, no qual é avaliada a
presença de evento de interesse para a vigilância.

5.5.1 Notificação e controle de doenças

A notificação é um procedimento importante para a vigilância epidemiológica, pois consiste na


obrigatoriedade das instituições de saúde em informar à autoridade sanitária a suspeita da doença,
antes da confirmação do caso. A espera pode implicar perda da oportunidade de adotar as medidas
de prevenção e controle indicadas em tempo hábil, antes de evitar a propagação e/ou consequência
mais grave. Essa notificação deve ser sigilosa e não pode ser divulgada fora do âmbito das instituições
de saúde, para a preservação do direito do sigilo das informações dos usuários dos serviços de saúde.
Quando não forem registrados casos de doenças notificáveis no decorrer do período, deve-se proceder
à notificação negativa, ou seja, da não ocorrência de doenças de notificação compulsória na área de
abrangência da unidade de saúde, o que demonstra que o sistema de vigilância e os profissionais da área
estão alerta para a ocorrência de tais eventos.

A notificação e o controle de doenças seguem alguns passos:

• identificar e integrar a rede de pessoas e serviços: deve-se fornecer sistematicamente os


dados aos profissionais, que serão capacitados com regularidade (pessoal de saúde, hospitais,
laboratórios, registro civil, líderes comunitários etc.).

• utilizar os instrumentos apropriados para a transmissão de dados: o fluxo de informações


(formulários, visitas aos serviços, telefones, fax, rádio, e-mail etc.) deve ser contínuo e periódico
entre as unidades notificadoras e a unidade de vigilância, para manter sempre atualizada a
notificação de casos.

• organizar registros simples de dados na unidade de vigilância: os formulários de notificação


(folhas de trabalho diário, cartões, livros, fichários, bases de dados etc.) devem ser instrumentos
padronizados e de aplicação sistemática e homogênea em todos os pontos do sistema de
notificação. Seu número deve ser o suficiente para manter o processo eficiente e oportuno; é
importante evitar a proliferação de formatos e registros intermediários. De forma geral, cada
unidade notificadora deveria empregar sistematicamente um instrumento de resumo de vigilância
que consolide a informação, usualmente por semanas epidemiológicas.

• coleta de dados/pesquisa de casos e surtos: a qualidade de um sistema de vigilância é medida


frequentemente pela qualidade dos dados coletados, que é o componente mais oneroso e difícil
de um sistema de vigilância. As atividades de coleta de dados são compostas pela detecção,
92
EPIDEMIOLOGIA

notificação e confirmação dos dados do evento de saúde. Para a detecção de casos, é necessário
aplicar uma definição de caso padronizada que seja suficientemente sensível para captar os casos
verdadeiros de forma simples e rápida, e suficientemente específica para evitar que o número de
casos falsos positivos seja excessivo. Essa atividade inclui estudos de laboratório, que devem estar
acessíveis aos serviços.

Além da clareza e da simplicidade na pesquisa dos casos, a estabilidade e a validação em campo


também são importantes. A estabilidade da definição refere-se ao fato de a pesquisa não sofrer
modificações no tempo, com o objetivo de permitir comparações válidas durante a análise das tendências
do evento. Toda definição de caso adotada no nível local deve ter sido testada em campo, para verificar
que funciona de modo satisfatório no contexto local. Para as doenças com período de latência longo ou
de evolução crônica, é importante que na definição de caso fique estabelecida a fase mais apropriada
de vigilância (período pré-clínico ou clínico).

Os casos podem se dividir em: caso suspeito – é aquele que apresenta sinais e sintomas compatíveis
da doença, sem evidência de laboratório (ausente pendente ou negativa); caso provável – é aquele
que apresenta sinais e sintomas compatíveis com a doença, sem evidência definitiva de laboratório (ex.:
realização de exames inespecíficos); caso confirmado – é aquele que apresenta evidência definitiva de
laboratório, com ou sem sinais e/ou sintomas compatíveis com a doença.

• Fontes de dados: as fontes de dados mais comuns para vigilância são as notificações; os
registros e as pesquisas de casos e surtos. Contudo, variado número de fontes de dados podem
ser utilizadas, além dos dados obtidos de registro rotineiro, como os prontuários; outros podem
ser obtidos por esforços especiais de investigação ou a partir de bases de dados coletados
com outro propósito. As fontes podem variar de lugar para lugar, dependendo do nível de
desenvolvimento dos serviços de saúde e de outras instituições, da qualidade e cobertura
dos laboratórios, da disponibilidade das redes informatizadas e outros recursos, além das
características locais das doenças. A coleta de dados nem sempre se baseia exclusivamente
na notificação rotineira de casos atendidos na consulta de todos os serviços de saúde de uma
localidade. A vigilância pode e deve proporcionar informações relevantes para a ação em saúde,
a partir da coleta de dados de distintas fontes, com o objetivo de tornar mais eficiente o
processo de coleta e controlar a qualidade dos dados.

• Validação dos dados: as informações são obtidas por processo contínuo de coleta de dados
sujeitos a mudança, que provém de diversas fontes e unidades de notificação. Assim, a adoção
de um protocolo básico de controle de qualidade possibilita a manutenção da integridade,
da consistência, da uniformidade e da confiabilidade dos dados, considerando os aspectos
relacionados à possibilidade de ocorrência de viés e duplicidade e também como forma de evitar
as causas da subnotificação, que são múltiplas e, em algumas ocasiões, difíceis de eliminar. Em
geral, os dados elementares que costumam acompanhar cada caso definido são idade e sexo; local
de residência; data de início da doença e/ou agravo e medidas de atenção à saúde adotadas.

• Análise dos dados: consiste no processo de descrição e comparação de dados com relação a
características e atributos de tempo, lugar e pessoa, entre os diferentes níveis organizacionais do
93
Unidade II

sistema de saúde. Tem o objetivo de estabelecer as tendências da doença para detectar e antecipar
a ocorrência de mudanças em seu comportamento, sugerir os fatores associados com o possível
aumento ou redução de casos e/ou óbitos e identificar os grupos vulneráveis e identificar as áreas
geográficas que requerem medidas de controle. A distribuição dos casos no tempo permite o
estabelecimento de hipóteses sobre o comportamento da doença, que pode ser sazonal (padrão
de variação entre as estações do ano); secular (padrão de variação ao longo do tempo); e cíclica
– padrão de variação em períodos maiores do que um ano.

• Os dados podem ser analisados conforme o lugar onde ocorreram, sendo importante tentar
localizar o lugar no qual se originou a doença e também aquele no qual se encontrava o
paciente no momento da detecção. Para a identificação de uma epidemia, é necessário conhecer
a frequência precedente da doença; dessa forma, é útil construir uma curva epidêmica para
representar graficamente as frequências diárias, semanais ou mensais da doença em um mapa.

• Interpretação dos dados: serve para a geração de hipóteses, para definir o grau e a extensão
das recomendações de ação voltadas para o controle do problema, bem como a necessidade
de realizar estudos específicos e de avaliar o sistema de vigilância. Fatores como o aumento da
população, a migração, a introdução de novos métodos diagnósticos, o aperfeiçoamento dos
sistemas de notificação, a mudança na definição de casos, o aparecimento de novos tratamentos
e a possibilidade de problemas com a validade dos dados de vigilância, por subnotificação, viés ou
duplicidade de notificações, podem produzir resultados falsos.

• Divulgação de informação: etapa crucial que consiste na retroalimentação do sistema, deve


chegar a todos os níveis. Cada nível deve gerar relatórios periódicos com os dados de vigilância
voltados ao nível anterior e às organizações, instituições, autoridades políticas e cidadãs de seu
âmbito, assim como à população em geral. Esse processo ajuda a envolver os notificadores nas
tarefas de vigilância, deixando evidente a utilidade e a necessidade dos dados que geram com
uma imagem mais ampla e integral do problema objeto de controle. Dessa forma, o sistema se
fortalece, para desenvolver a capacidade resolutiva da equipe local, cuja participação é estimulada
com o retorno de relatórios consolidados da situação epidemiológica, que permitem avaliar sua
própria contribuição ao desenvolvimento das ações de controle.

• Avaliação dos sistemas de vigilância: a avaliação tem como propósito maximizar a efetividade
do sistema, para melhorar a capacidade de conseguir resultados benéficos para a população, em
função do uso mais racional dos recursos disponíveis nas circunstâncias cotidianas; consiste no
exercício analítico de comparação entre o observado e o esperado. Baseado nesses resultados,
deve-se promover o melhor uso dos recursos da saúde pública para o controle de doenças e
agravos, garantindo que os problemas importantes estejam sob vigilância e que os sistemas
de vigilância e de prevenção e controle funcionem eficientemente. Para avaliar a qualidade do
sistema, os seguintes atributos devem ser levados em consideração:

— simplicidade – facilidade de operação do sistema como um todo e cada um de seus componentes


(definições de caso, procedimentos de notificação etc.). Geralmente, um sistema de vigilância
deve ser o mais simples possível, pois proporciona dados oportunos, com poucos recursos.
94
EPIDEMIOLOGIA

— flexibilidade – habilidade de se adaptar às mudanças requeridas nas condições de


funcionamento ou às necessidades de informação, com um custo adicional mínimo em tempo,
pessoal ou recursos financeiros. Pode ser necessária quando ocorrem mudanças nas definições
de caso e permite de maneira fácil adicionar novas doenças notificáveis, situações sanitárias
ou mais grupos populacionais.

— aceitabilidade – reflete a vontade dos indivíduos e das organizações para participarem do


sistema; depende da importância da percepção dos eventos sob vigilância, do reconhecimento
das contribuições individuais ao sistema e do tempo requerido para elaborar os relatórios.

— sensibilidade – habilidade de detectar casos ou eventos de saúde que o sistema se propõe a


detectar, requer validar os dados encontrados pelo sistema (surtos, epidemias etc.); verificar a
qualidade dos dados notificados em termos de precisão e proporção; e estimar a proporção
do número total de casos que ocorreram na comunidade que foram detectados pelo sistema
(fração de notificação).

— oportunidade – está relacionada à simplicidade do sistema e da definição de caso; depende dos


recursos disponíveis e do tipo de eventos notificados. Reflete o intervalo entre a ocorrência do
evento, a recepção da notificação com a coleta de dados; o tempo subsequente requerido para
identificar um problema, com a análise e interpretação dos dados, e a divulgação das medidas
de controle. Para a maioria das doenças infecciosas, a resposta deve ser rápida, enquanto, para
as doenças crônicas, uma notificação mais lenta pode ser adequada (OPAS, 2010).

5.5.2 Doenças de notificação compulsória

As doenças de notificação compulsória fazem parte das atividades do Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica (SNVE), gerenciado pela Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS).

O Regulamento Sanitário Internacional (RSI), que teve a sua primeira versão em 1969 para o
controle da peste, da cólera, da febre amarela e da varíola, objetivou maximizar a proteção contra
a dispersão internacional de doenças, enquanto procura minimizar a interferência sobre o comércio
e viagens internacionais, o que representa um instrumento de acordo entre países. No ano de
2005, foi revisado para incluir o controle de situações de emergência para a saúde pública mundial,
independentemente do patógeno. Foram estabelecidos alguns critérios para a definição de um evento
como emergência em saúde pública de relevância internacional, que são: gravidade e repercussão em
saúde pública; evento inesperado ou raro; risco de propagação internacional; e risco de imposição de
restrição a viagens ou comércio.

Observação

A campanha de erradicação da varíola, instituída em 1966, foi relevante


para a instalação do atual sistema de notificação e investigação de casos
suspeitos de doenças e agravos no país.
95
Unidade II

O RSI obriga os países a notificar a Organização Mundial da Saúde (OMS) todas as situações de
emergência para a saúde pública mundial; verificar a ocorrência de surtos, quando solicitado pela OMS;
ter capacidade para detectar rapidamente e responder aos eventos e cooperar com a rápida avaliação e
assistência nas epidemias (BONITA et al., 2010).

A figura a seguir apresenta o fluxograma de definição de evento de relevância internacional:


Repercussão em saúde
pública é grave

Doença de notificação
Sim Não
Sim

Evento inesperado? Evento inesperado?

Sim Não Sim Não

Risco de propagação Risco de propagação


internacional Sim internacional

Não
Sim Risco de restrições
Não internacionais

Sim Reavaliar
Não com base em
novos dados

Notificar evento sob o Regulamento Sanitário Internacional

Figura 63

No Brasil, a lista nacional de doenças de notificação compulsória (atualizada em 25 de janeiro de


2011, pela Portaria nº 104) inclui inúmeras doenças e agravos à saúde, com as seguintes divisões:

Anexo I — Lista de Notificação Compulsória (LNC):

1. Acidentes por animais peçonhentos.


2. Atendimento antirrábico.
3. Botulismo.
4. Carbúnculo ou antraz.
5. Cólera.
6. Coqueluche.
7. Dengue.
96
EPIDEMIOLOGIA

8. Difteria.
9. Doença de Creutzfeldt-Jakob.
10. Doença meningocócica e outras meningites.
11. Doenças de Chagas Aguda.
12. Esquistossomose.
13. Eventos adversos pós-vacinação.
14. Febre amarela.
15. Febre do Nilo Ocidental.
16. Febre maculosa.
17. Febre tifoide.
18. Hanseníase.
19. Hantavirose.
20. Hepatites virais.
21. Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana – HIV em gestantes e crianças
expostas ao risco de transmissão vertical.
22. Influenza humana por novo subtipo.
23. Intoxicações exógenas (por substâncias químicas, incluindo agrotóxicos, gases
tóxicos e metais pesados).
24. Leishmaniose tegumentar americana.
25. Leishmaniose visceral.
26. Leptospirose.
27. Malária.
28. Paralisia flácida aguda.
29. Peste.
30. Poliomielite.
31. Raiva humana.
32. Rubéola.
33. Sarampo.
97
Unidade II

34. Sífilis adquirida.


35. Sífilis congênita.
36. Sífilis em gestante;
37. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – Aids.
38. Síndrome da Rubéola Congênita.
39. Síndrome do Corrimento Uretral Masculino.
40. Síndrome Respiratória Aguda Grave associada ao Coronavírus (Sars-CoV).
41. Tétano.
42. Tuberculose.
43. Tularemia.
44. Varíola.
45. Violência doméstica, sexual e/ou outras violências.

Anexo II – Lista de Notificação Compulsória Imediata (LNCI)

I – Caso suspeito ou confirmado de:

1. Botulismo;
2. Carbúnculo ou Antraz;
3. Cólera.
4. Dengue nas seguintes situações:

— Dengue com complicações (DCC);


— Síndrome do Choque da Dengue (SCD);
— Febre Hemorrágica da Dengue (FHD);
— Óbito por dengue;
— Dengue pelo sorotipo Denv 4 nos estados sem transmissão endêmica desse
sorotipo;

5. Doença de Chagas Aguda;


6. Doenças conhecidas sem circulação ou com circulação esporádica no território
nacional que não constam do Anexo I da Portaria, como: Rocio, Mayaro,
98
EPIDEMIOLOGIA

Oropouche, Saint Louis, Ilhéus, Mormo, Encefalites Equinas do Leste, Oeste e


Venezuelana, Chikungunya, Encefalite japonesa, entre outras;
7. Febre Amarela;

8. Febre do Nilo Ocidental;

9. Hantavirose;

10. Influenza humana por novo subtipo;

11. Peste;

12. Poliomielite;

13. Raiva Humana;

14. Sarampo;

15. Rubéola;

16. Síndrome Respiratória Aguda Grave associada ao Coronavírus (Sars-CoV);

17. Varíola;

18. Tularemia; e

19. Síndrome de Rubéola Congênita (SRC).

II – Surto ou agregação de casos ou óbitos por:

1. Difteria;

2. Doença Meningocócica;

3. Doença Transmitida por Alimentos (DTA) em embarcações ou aeronaves;

4. Influenza Humana;

5. Meningites Virais.
6. Outros eventos de potencial relevância em saúde pública, após a avaliação de risco, de
acordo com o Anexo II do RSI 2005, destacando-se:

a) alteração no padrão epidemiológico de doença conhecida, independentemente


de constar do Anexo I da Portaria;

b) doença de origem desconhecida;

99
Unidade II

c) exposição a contaminantes químicos;

d) exposição à água para consumo humano fora dos padrões preconizados pela SVS;

e) exposição ao ar contaminado, fora dos padrões preconizados pela resolução do


Conama;

f) acidentes envolvendo radiações ionizantes e não ionizantes por fontes não


controladas, por fontes utilizadas nas atividades industriais ou médicas e
acidentes de transporte com produtos radioativos da classe 7 da ONU;

g) desastres de origem natural ou antropogênica, quando houver desalojados ou


desabrigados;

h) desastres de origem natural ou antropogênica, quando houver comprometimento


da capacidade de funcionamento e infraestrutura das unidades de saúde locais
em consequência evento.

III – Doença, morte ou evidência de animais com agente etiológico que podem acarretar
a ocorrência de doenças em humanos, destaca-se entre outras classes de animais:

1. Primatas não humanos

2. Equinos

3. Aves

4. Morcegos

Raiva: morcego morto sem causa definida ou encontrado em situação não usual,
tais como: voos diurnos, atividade alimentar diurna, incoordenação de movimentos,
agressividade, contrações musculares, paralisias, encontrado durante o dia no chão ou em
paredes.

5. Canídeos

Raiva: canídeos domésticos ou silvestres que apresentaram doença com sintomatologia


neurológica e evoluíram para morte num período de até 10 dias ou confirmado laboratorialmente
para raiva. Leishmaniose visceral: primeiro registro de canídeo doméstico em área indene,
confirmado por meio da identificação laboratorial da espécie Leishmania chagasi;

6. Roedores silvestres

Peste: roedores silvestres mortos em áreas de focos naturais de peste.

100
EPIDEMIOLOGIA

C) Anexo III – Lista de Notificação Compulsória em Unidades Sentinelas (LNCS)

1. Acidente com exposição a material biológico relacionado ao trabalho;

2. Acidente de trabalho com mutilações;

3. Acidente de trabalho em crianças e adolescentes;

4. Acidente de trabalho fatal;

5. Câncer Relacionado ao Trabalho;

6. Dermatoses ocupacionais;

7. Distúrbios Ostemusculares Relacionados ao Trabalho (Dort);

8. Influenza humana;

9. Perda Auditiva Induzida por Ruído – Pair relacionada ao trabalho;

10. Pneumoconioses relacionadas ao trabalho;

11. Pneumonias;

12. Rotavírus;

13. Toxoplasmose adquirida na gestação e congênita;

14. Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho.

A seguir, apresentamos alguns modelos das fichas de notificação compulsória de doenças e/ou
agravos à saúde:

101
Unidade II

Ficha de notificação de dengue

102
EPIDEMIOLOGIA

Figura 64

103
Unidade II

Ficha de investigação de surtos – DTA

104
EPIDEMIOLOGIA

Figura 65

105
Unidade II

Ficha de notificação de acidentes de trabalho com material biológico

106
EPIDEMIOLOGIA

Figura 66

107
Unidade II

6 A EPIDEMIOLOGIA EM DIVERSAS ÁREAS

6.1 Vigilância Sanitária

Segundo relatos históricos, a Vigilância Sanitária surgiu por volta dos séculos XVII na Europa e
XVII no Brasil. Contudo, seu início foi posterior a esse período, pois suas ações, como forma de
resposta ao desenvolvimento das cidades, tendo como um dos reflexos da aglomeração urbana os
problemas decorrentes da convivência social, já estavam presentes na história da humanidade, desde o
nascimento das primeiras cidades. Mesmo quando não se conheciam todos os elementos da cadeia do
processo infeccioso, já existia a preocupação por como as doenças se propagavam entre as pessoas, e
empiricamente eram instituídos cuidados com a água, os alimentos e os resíduos, como uma tentativa
de contenção da transmissão de inúmeras doenças, como a hanseníase, a peste, a cólera, a varíola e a
febre tifoide, que assolavam a população nesse período.

No Brasil, as ações da Vigilância Sanitária foram definidas por meio da Lei Orgânica da Saúde,
nº 8080/90:

§ 1º — Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de


eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas
sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens
e da prestação de serviços de interesse da saúde (...) (BRASIL, 1990).

Posteriormente, em 1999, foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela Lei
nº  9.782, substituindo a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, definindo suas atividades em:

[...] promover a proteção da saúde da população, por intermédio do


controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços
submetidos à Vigilância Sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos,
dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de
portos, aeroportos e fronteiras (BRASIL, 1999).

Para melhor compreensão das atividades desenvolvidas pela Vigilância Sanitária, é importante
conhecer os riscos a que a população pode estar exposta:

a) ambientais: provenientes do consumo de água; decorrentes do esgoto; resíduos (doméstico,


industrial, hospitalar); vetores de doenças (insetos, artrópodes, animais sinantrópicos e domésticos);
poluição do ar, do solo e de recursos hídricos, transporte de produtos perigosos etc.

b) ocupacionais: decorrentes do processo de produção; manipulação de substâncias tóxicas;


intensidade, ritmo e ambiente de trabalho.

c) Iatrogênicos: decorrentes de tratamento de saúde e uso de serviços, medicamentos, sangue,


hemoderivados, radiações ionizantes e tecnologias médico-sanitárias.

108
EPIDEMIOLOGIA

d) institucionais: os que podem ocorrer em ambientes onde exista a circulação de várias pessoas,
como creches, escolas, clubes, hotéis, motéis, portos, aeroportos, fronteiras, estações ferroviárias e
rodoviárias, salão de beleza, saunas etc.

Segundo a Lei nº 9.782, a Vigilância Sanitária desenvolve as seguintes ações:

a) Controlar

Bens de consumo – que direta ou indiretamente se relacionem com a saúde da população,


compreendidas todas as etapas de processo, desde a produção até o consumo.

Prestação de serviços – que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde, por meio de saberes
e práticas interdisciplinares (química, farmacologia, epidemiologia, engenharia civil, administração
pública, planejamento, biossegurança e bioética).

Poder de polícia sanitária – sempre precedido de ações educativas, de informações amplas sobre
as restrições legais, sobre as atividades desenvolvidas nas esferas públicas e privadas, e da notificação,
com o fim de alertar para as irregularidades constatadas. É um instrumento de defesa caracterizado pelo
objetivo de evitar eventos prejudiciais à saúde da população.

b) Inspecionar

Estrutura – das instalações fixas e móveis, das instituições que possam oferecer riscos à população.

Matéria-prima – de todos os produtos que forem colocados em contato direto/indireto com a


população.

Operacional – de todas as técnicas utilizadas na produção de bens de consumo, como na prestação


de serviços à comunidade.

c) Atuar

Portos, aeroportos e fronteiras.

Lojas e áreas de lazer, como shoppings, cinemas, ginásios de esporte, postos de gasolina,
piscinas, clubes, estádios e academias de ginástica; indústria (cosméticos, medicamentos, produtos
para a saúde e saneantes – produtos de limpeza, perfumes); laboratórios; banco de sangue e
hemoderivados.

Indústria e postos de venda de agrotóxico.

Instituições que utilizem radiação ionizante para uso em diagnóstico e/ou tratamento, como
hospitais, clínicas médicas e odontológicas.

109
Unidade II

Locais públicos, como escolas, cemitérios, presídios, hospitais, clínicas, farmácias, salões de beleza e
instituições de longa permanência para idosos, bancos de órgãos/leite humano, práticas alternativas,
casas de massoterapia, tatuagem etc.

d) Fiscalizar

Produtos e serviços que estejam correlacionados com as ações apresentadas no itens a, b e c,


desenvolvidos anteriormente.

e) Interditar

Locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de


prestação de serviços, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde.

f) Emitir

Caderneta sanitária, guias de recolhimento de taxa anual de inspeção sanitária e demais documentos
necessários para o desenvolvimento das atividades de vigilância.

g) Analisar

Projetos arquitetônicos de estabelecimentos considerados de alto risco sanitário (hospitais, clínicas


de terapia renal substitutiva, unidades de quimioterapia, bancos de sangue, serviços de radiologia,
radioterapia e medicina nuclear).

h) Autorizar

Funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos.

i) Dispensar

Registros de produtos.

j) Fomentar e realizar

Estudos sobre os aspectos de sua área de atuação.

k) Conceder/cancelar

Certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação.

Para que as atividades desenvolvidas pela Vigilância Sanitária surtam o efeito desejado, faz-se
necessário o trabalho em conjunto com os serviços de gestão de Vigilância Sanitária, compostos dos
seguintes órgãos: Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), que está sob a jurisdição das Secretarias
110
EPIDEMIOLOGIA

Municipais de Saúde, que mantém a seguinte estrutura: Gerência de Administração e Finanças; Gerência
de Apoio Técnico; Gerência do Centro de Controle de Doenças; Gerência do Centro de Controle de
Zoonoses; Gerência de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador; Gerência de Vigilância Sanitária
de Produtos e Serviços de Interesse da Saúde; Supervisão de Vigilância em Saúde (Suvis), que constituem
as unidades descentralizadas da Covisa.

Ainda fazem parte do sistema da Vigilância Sanitária as Secretarias Estaduais de Saúde, os Centros de
Vigilância Sanitária Estaduais, os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens), o Instituto Nacional de
Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e os Conselhos Estaduais,
Distrital e Municipais de Saúde.

6.2 Epidemiologia Molecular

A Epidemiologia Molecular é definida como uma subespecialidade da Epidemiologia que investiga a


distribuição e os fatores determinantes das doenças nas populações humanas. Seu objetivo primordial
é fornecer subsídios para a intervenção na promoção, na prevenção e no controle dos agravos à saúde.

O uso de técnicas de Biologia Molecular tem papel importante na epidemiologia genética e nos
estudos sobre a interação gene/ambiente como determinantes de doenças. E ela também pode ser
empregada no estudo de diversos agravos à saúde, como doenças nutricionais e infecciosas e neoplasias.

A incorporação de técnicas moleculares na Epidemiologia das Doenças Infecciosas permite


aprofundar e estratificar os dados conforme as características genotípicas do micro-organismo
causador da doença. Isso é possível devido às técnicas de tipagem molecular. Essas técnicas possibilitam
identificar subtipos de agentes infecciosos que nem sempre seriam identificados pelo uso de técnicas
convencionais (fenotípicas) de tipagem. Quando se conhece o subtipo do micro-organismo associado
à doença infecciosa, é possível classificar os pacientes de acordo com o subtipo do micro-organismo
causador da doença, como, por exemplo, separar os pacientes acometidos pela dengue de acordo com o
subtipo: Den-1, Den-2, Den-3 e Den-4 (entrou em circulação mais recentemente). Essa estratificação na
análise do caso permite a criação de novas definições de caso e identificar possíveis fatores associados
a subtipos específicos.

Outros tipos de estudos, definidos como estudos de filogenia, empregam as técnicas moleculares
em micro-organismos, visando à identificação da linhagem de descendência ou o entendimento da
evolução desse micro-organismo.

As finalidades das técnicas de Biologia Molecular aplicadas em estudos de doenças infecciosas são:

1) Permitir o diagnóstico da doença; 2) confirmar a ocorrência de surtos; 3)


identificar surtos entre os que parecem casos endêmicos ou esporádicos; 4)
identificar fatores de risco; 5) determinar desfechos em estudos prospectivos;
e 6) determinar a dinâmica da transmissão espacial e temporal de doenças
(ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2012, p. 338).

111
Unidade II

6.3 Epidemiologia Clínica

De acordo com Almeida Filho e Barreto (2012), a epidemiologia Clínica é definida como um ramo da
Epidemiologia que estuda os determinantes e os efeitos das decisões clínicas.

Até meados da década de 1960, era mais comum que o médico tomasse uma decisão clínica
baseando-se apenas no conhecimento de Fisiopatologia e Farmacologia, não levando em consideração
as evidências das pesquisas clínico-epidemiológicas. A partir dos anos 1960, alguns clínicos iniciaram a
discussão da necessidade de avaliar as inovações tecnológicas voltadas para diagnóstico, tratamento e
prevenção da doença, bem como o impacto destas sobre a saúde do paciente.

Evidências geradas pelas pesquisas clínico-epidemiológicas têm crescido nos últimos anos e,
consequentemente vem aumentando o número e a complexidade das opções diagnósticas, terapêuticas
e preventivas, o que exige do clínico uma análise mais criteriosa das evidências científicas, além da
necessidade de envolver o paciente e a família na tomada de decisão relacionada ao tratamento
da doença. O envolvimento do paciente e do familiar é importante por considerar os valores e as
preferências individuais.

O novo cenário da medicina é referido como Medicina Baseada em Evidências (BEM). Embora esse
termo tenha se referido inicialmente à medicina, seus conceitos aplicam-se a outra áreas da saúde, com
base em evidências que implicam a análise crítica das provas levantadas, integrando-as à experiência
individual, a fim de chegar à melhor decisão em saúde. Entretanto, para que isso se torne viável, é
importante seguir alguns passos: 1) identificar problemas relevantes e convertê-los em questões que
conduzam a respostas; 2) pesquisar formas eficientes de obter evidências que conduzam a repostas
às questões levantadas; 3) analisar de forma crítica a qualidade da evidência, avaliando o valor de
uma determinada conduta como positiva ou negativa; 4) avaliar as situações específicas buscando a
melhoria dos cuidados de saúde.

A prática de MBE compreende o uso consciente das melhores evidências disponíveis para a tomada
de decisão acerca de cuidado do paciente. Não basta apenas entender a fisiopatologia da doença, ter
experiência clínica pessoal (ou do serviço) ou contar com a opinião de peritos (professores, especialistas
na área, palestrantes, autores de livros). É fundamental que a tomada de decisão baseie-se nas melhores
evidências disponíveis e avalie benefícios, riscos ambientais e sociais, custos, entre outros.

6.4 Epidemiologia Ambiental e Saúde Ocupacional

De acordo com Rothman (1993, p. 21), Epidemiologia Ambiental é o “estudo de distribuição de


eventos relacionados com o estado de saúde em populações humanas que tenham na sua determinação
fatores ambientais, sejam físicos, biológicos ou químicos”.

Os fatores ambientais compreendem tudo aquilo que não é genética, como alimentação, tabagismo,
atividade física, entre outros. Contudo, a Epidemiologia Ambiental tem uma conotação mais restrita,
referindo-se apenas aos fatores ambientais que estão fora do controle imediato.

112
EPIDEMIOLOGIA

Fumar, portanto, não seria incluído como fator na Epidemiologia Ambiental, mas o efeito da fumaça
do cigarro colocado no ar seria. Outras formas de exposição de interesse para os epidemiologistas
ambientais incluem a poluição do ar, da água, a exposição ocupacional aos agentes físicos e químicos.
A disseminação de agentes infecciosos por meio dos alimentos, da água ou de outros meios também
poderia ser estudada pelos epidemiologistas ambientais, mas essa é uma área que tem sido tratada pelos
especialistas em infectologia.

A Epidemiologia Ambiental tem sido cada vez mais abrangente, não se preocupando apenas com a
saúde do ambiente, mas principalmente com o impacto na saúde humana e de outras espécies. Também é
importante considerar os fatores psicossociais, já que a população pode ter um papel importante no efeito
dos fatores ambientais, e isso ocorre muitas vezes pelo desconhecimento dos riscos aos quais está exposta.
Um exemplo dessa situação pode ser percebido em estudos envolvendo populações que vivem próximas
das linhas de energia elétrica ou de usinas de energia nuclear. Esse tipo de estudo não deve ser realizado
sem antes se avaliar claramente a percepção da população quanto aos riscos ambientais para sua saúde.

De acordo com Almeida Filho e Lima Barreto (2012), dentro do contexto atual da Epidemiologia
diferentes temas têm sido estudados, como uso de hormônio na alimentação animal, impacto na saúde
das fontes de emissão de gases industriais e por veículos a motor, bem como dos pesticidas em alimentos
e em fontes de abastecimento de água, depósito de resíduos perigosos, potenciais efeitos das irradiações
de telefones celulares, entre outros.

As preocupações com as questões ambientais, como aquecimento global, condições extremas de


temperatura, poluentes químicos que comprometem o abastecimento alimentar e que contaminam os
mananciais de abastecimento de água, são situações que já afetam a saúde e o bem-estar. Por essas
razões, a Epidemiologia Ambiental vem assumindo um papel decisivo na construção da agenda global
de sustentabilidade voltada às questões da saúde.

Os estudos na área têm enfatizado a compreensão de como o ambiente pode promover a sobrevivência
humana e contribuir para o adoecimento ou levar à morte precoce de populações humanas. Entre os
fatores que promovem a vida humana, estão água para consumo, ar limpo para respirar, camada de
ozônio para a proteção contra os raios ultravioletas, espaço para prática de exercício e recreação, regras
para preparação de alimentos, reciclagem e disposição dos resíduos. E, dentre os fatores que ameaçam
a vida humana, estão má qualidade do ar, presença de agentes infecciosos, alterações ambientais
(inundações, secas, deslizamentos de terra, terremotos, maremotos), má qualidade da água, decorrente
da contaminação dos mananciais, do transporte, armazenamento e tratamento inadequados, e ainda
as mudanças ambientais globais e as perturbações sociais decorrentes das guerras, do terrorismo e das
armas biológicas e químicas.

Na saúde ocupacional, desde a década de 1960, tem crescido a aplicação da Epidemiologia. No início,
era dada maior ênfase às questões que envolviam a poluição atmosférica, os contaminantes da água, a
utilização de metais pesados, os pesticidas e a evolução de algumas doenças, especialmente o câncer.
Mais recentemente, a Epidemiologia Ambiental vem acumulando conhecimentos relevantes nessa área, os
quais puderam ser incorporados na elaboração de políticas púbicas, promovendo a redução de poluentes e
contaminantes no ar, na água e no solo, medidas que impactam diretamente na saúde humana.
113
Unidade II

Entre as aplicações da Epidemiologia Ambiental, estão:

• água e esgoto – no mundo, a precariedade relacionada ao saneamento básico, ao fornecimento


de água e a condições de higiene ainda representa um problema em países com condições precárias
de saúde pública. Tal situação acaba impactando negativamente na saúde da população, especialmente
na mortalidade infantil, em decorrência de diarreia. Muitos estudos realizados em diferentes países
têm demonstrado impacto positivo na saúde humana, em populações de países em desenvolvimento,
mediante as melhorias na água potável, no sistema de esgoto sanitário e na prática de higiene.

• qualidade do ar – a poluição do ar, tanto no ambiente externo como no interno, tem se mostrado um
problema de saúde pública universal e responsável, segundo estimativas, por 2 milhões de mortes
prematuras no mundo. Existem evidências científicas de que a diminuição de carga de poluentes
na atmosfera pode ajudar a reduzir a carga global de doenças por infecções respiratórias, doenças
cardíacas e câncer de pulmão. Embora algumas recomendações internacionais estabeleçam limites
para os poluentes atmosféricos, tais como material particulado em suspenção, ozônio, dióxido de
nitrogênio e dióxido de enxofre, muitas cidades do mundo excedem muito esses valores.

• solo e contaminantes alimentares – a principal forma de contaminação pelo solo ocorre com
a ingestão de alimentos, ocasionando doenças de natureza infecciosa ou tóxica, causadas por
agentes que penetram no organismo por meio de ingestão de alimentos. Não é possível avaliar o
impacto que essa forma de contaminação traz para a saúde humana, mas uma grande proporção
dos óbitos por doenças diarreicas pode ser atribuída a essa via. Os surtos causados por alimentos
podem se transformar em eventos de grandes proporções.

Entre os contaminantes químicos que representam uma ameaça à saúde humana, estão os pesticidas,
os fertilizantes e os metais pesados (cádmio, chumbo, mercúrio, arsênio). Resíduos de metais pesados,
como chumbo e mercúrio, podem trazer graves consequências à saúde e afetar de forma irreversível
principalmente o sistema nervoso central de crianças. A exposição ao cádmio pode causar danos aos
rins. Os metais pesados podem contaminar os alimentos não somente por meio do solo, mas também
pela poluição do ar e da água.

Outros problemas relacionados aos alimentos – a encefalopatia espongiforme bovina, também


conhecida como doença da vaca louca ou doença de Creutzfeldt-Jakob, é decorrente do consumo de
animais (bovinos ou outros) contaminados com príons. Já os poluentes orgânicos persistentes (POP) são
compostos químicos que se acumulam por não serem degradados, como os pesticidas, que entram em
cadeias alimentares, podendo chegar aos alimentos consumidos pelos seres humanos.

A questão dos alimentos derivados da biotecnologia, como os transgênicos, modificados


geneticamente em laboratório, também representa um grande desafio para a segurança alimentar.
Uma das razões para a produção de alimentos geneticamente modificados é possibilitar que algumas
plantas desenvolvam maior resistência às pragas (insetos e micro-organismos em geral) e herbicidas. Os
alimentos produzidos por meio dessa técnica desenvolvem características potencialmente capazes de
provocar efeitos na saúde, embora os riscos ainda não possam ser bem avaliados. No momento atual, é
imprescendível a realização de novos estudos e debates relacionados ao tema.
114
EPIDEMIOLOGIA

O impacto de novas tecnologias na saúde humana

Os campos eletromagnéticos gerados por diferentes tecnologias têm sido considerados como fatores de
risco efetivos ou potenciais à saúde humana. Os aparelhos móveis utilizam essa tecnologia e representam a
mais importante fonte de exposição, uma vez que há a estimativa de que mais de 3,8 bilhões de telefones
celulares estão em funcionamento no mundo, o que corresponde a mais da metade da população mundial.
Portanto, por menor que seja o risco, pode significar um grande impacto epidemiológico.

A relação entre o uso do aparelho celular e a ocorrência de doenças, como o câncer e algumas doenças
neurológicas (glioma, neuroma ou menigioma), mesmo com algumas evidências científicas, ainda é
contraditória, o que requer maiores informações para avaliar o impacto da exposição a longo prazo.

Mudança
climática

Depleção de ozônio Caminhos diversos


Degradação da terra
na estratosfera
Produtividade do
Exposição agroecossistema
de raios
Saúde humana
ultravioleta
Conflito

Declínio de
diversas funções do Quantidade de água
ecossistema potável adequada ao consumo

Perda da
biodiversidade e de Redução da água
funções do ecossistema potável

Figura 67 – Como as mudanças climáticas afetam a saúde

Resumo

As doenças transmissíveis eram, no passado, a principal causa de morte


no mundo. No transcorrer dos anos, com as mudanças na sociedade, como
a industrialização, as melhorias da nutrição, moradia, saneamento, água
potável e drenagem, e ainda por meio de medidas de controle paulatinamente
adotadas na área da saúde, como a introdução de vacinas e o desenvolvimento
dos antibióticos, além da implantação do sistema de vigilância epidemiológica,
essas doenças passaram a ser controladas, consequentemente a mortalidade
infantil vem diminuindo e a expectativa de vida, aumentando. 

Apesar da redução significativa na mortalidade pelas doenças


transmissíveis, elas ainda apresentam impacto sobre a morbidade. A mudança

115
Unidade II

do quadro de morbimortalidade e a diminuição da importância das doenças


transmissíveis no Brasil nos últimos anos podem dar a ideia errônea de que
essas doenças deixaram de ser um problema de saúde pública e, pior, estariam
extintas ou próximas da extinção, o que não condiz com realidade do Brasil
e de outros países do mundo. O enorme êxito alcançado na prevenção e
no controle de várias dessas doenças, de fato, contribuiu para a queda no
número de casos, mas não significa que foram todas erradicadas.

A situação das doenças transmissíveis no Brasil é complexa e pode


ser resumida em três grandes tendências: a) doenças transmissíveis
com tendência descendente; b) doenças transmissíveis com quadro de
persistência; e c) doenças transmissíveis emergentes e reemergentes.
Portanto, o profissional de saúde deve conhecer a epidemiologia das
doenças transmissíveis no Brasil e no mundo, assim como a cadeia do
processo infeccioso e as medidas empregadas nas diferentes situações para
o controle dessas doenças.

O sistema imunológico é o conjunto de células, tecidos, órgãos e


moléculas utilizado para a eliminação de antígenos, com a finalidade de
manter a homeostasia orgânica. Os mecanismos fisiológicos desse sistema
consistem numa resposta coordenada dessas células e moléculas diante
dos antígenos, o que leva ao aparecimento de respostas específicas e
seletivas, inclusive com o desenvolvimento de memória imunológica contra
patógenos específicos, que também pode ser criada artificialmente por
meio das vacinas.

A notificação de casos representa a coluna vertebral dos sistemas


rotineiros de vigilância em saúde. Trata-se de um processo sistemático e
contínuo de comunicação de dados que envolve toda a equipe de saúde e a
comunidade, é de caráter obrigatório e está respaldado por lei. A notificação
consiste na declaração oficial da ocorrência de cada caso de um evento sob
vigilância, detectado na população, conforme a definição de caso vigente e
a transmissão dos dados relacionados a cada caso.

As etapas e as atividades básicas do sistema de vigilância são:

a) coleta de dados – realizada pela operacionalização das diretrizes


normativas, que são identificação e classificação, notificação e validação
dos dados, que são realizadas pelas autoridades de saúde municipais,
estaduais e nacionais e as equipes de saúde.

b) análise dos dados – consiste na consolidação de dados pela análise


das variáveis epidemiológicas básicas, realizada pelas autoridades de saúde
municipais, estaduais e nacionais.
116
EPIDEMIOLOGIA

c) interpretação da informação – comparação com dados prévios


e inclusão de outras informações de relevância local, realizada pelas
autoridades de saúde municipais, estaduais e nacionais.

d) divulgação da informação – elaboração de materiais de divulgação


para distintos níveis de decisão, realizada pelas autoridades de saúde
municipais, estaduais e nacionais.

A avaliação dos sistemas de vigilância deve subsidiar as propostas de


melhoria dos pontos críticos identificados.

A Vigilância Sanitária consiste num conjunto de ações que são capazes


de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas
sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e da circulação de
bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, que abrangem o
controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem
com a saúde, compreendidas todas as etapas de processo da produção ao
consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou
indiretamente com a saúde.

Exercícios

Questão 1. (PUC-Rio 2007) Consideramos uma vacina um material que contém:

A) Anticorpos contra determinado patógeno, que estimulam a resposta imunológica do indivíduo.

B) Anticorpos contra determinado patógeno produzidos por outro animal e que fornecem
proteção imunológica.

C) Soro de indivíduos previamente imunizados contra aquele patógeno.

D) Células brancas, produzidas por animais, que se multiplicam no corpo do indivíduo que recebe
a vacina.

E) Um patógeno vivo enfraquecido (ou partes dele) para estimular a resposta imunológica, mas não
causar a doença.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: antígenos atenuados ou mortos que estimulam a resposta imunológica do indivíduo.


117
Unidade II

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: anticorpos contra determinado patógeno produzidos por outro animal e que fornecem
proteção imunológica são chamados de soro, e não vacina.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: soro não é vacina. Ele serve apenas para melhorar o sistema imune do indivíduo
(imunidade passiva).

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: células brancas (ou de defesa) são produzidas pelo corpo do próprio indivíduo após
receber a vacina.

E) Alternativa correta.

Justificativa: as vacinas são compostas por antígenos mortos ou atenuados incapazes de desencadear
a doença, mas capazes de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos específicos.

Questão 2. (Funcab 2013) A imunidade humoral é mediada por anticorpos e a imunidade celular por
células, como os linfócitos. Sobre resposta imune, é correto afirmar que:

A) Ocorre imunidade ativa, quando um organismo que não produziu anticorpos se torna protegido,
recebendo anticorpos já prontos.

B) Ocorre imunidade ativa artificial, quando um corpo produz anticorpos a partir de células que
memorizaram o antígeno em um contato anterior com a doença.

C) Ocorre imunidade passiva, quando um organismo que já entrou em contato com um antígeno
anteriormente produz anticorpos para ele.

D) Ocorre imunidade ativa, quando o próprio organismo produz anticorpos.

E) Ocorre imunidade passiva natural, quando há a administração de imunoglobulinas, como a


imunoglobulina antitetânica e o soro antiofídico.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: ocorre imunidade ativa quando, após ser estimulado por sua produção de anticorpos,
um organismo se torna protegido.
118
EPIDEMIOLOGIA

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a imunização passiva é obtida pela transferência ao indivíduo de anticorpos produzidos


por um animal ou outro ser humano. A imunidade passiva artificial pode ser adquirida por meio de três
formas principais: a imunoglobulina humana combinada, a imunoglobulina humana hiperimune e o
soro heterólogo.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a imunização passiva é obtida pela transferência ao indivíduo de anticorpos produzidos


por um animal ou outro ser humano. Esse tipo de imunidade produz uma rápida e eficiente proteção,
que, contudo, é temporária, durando em média poucas semanas ou meses.

D) Alternativa correta.

Justificativa: a imunização ativa ocorre quando o próprio sistema imune do indivíduo, ao entrar em
contato com uma substância estranha ao organismo, responde produzindo anticorpos e células imunes
(linfócitos T). Esse tipo de imunidade geralmente dura por vários anos (às vezes, por toda uma vida).

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a imunidade passiva natural é o tipo mais comum de imunidade passiva, sendo
caracterizada pela passagem de anticorpos da mãe para o feto por meio da placenta e também pelo leite.

119

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