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O fundamento da teoria hegeliana da liberdade, na filosofia do direito, se encontra no seu

conceito de vontade, que é concebido como ponto de partida para o domínio do direito, sendo
que esse se desenvolve através de uma necessidade lógica e tem como valor inerente o
impulso para atualizar a liberdade. Este trabalho analisa a questão: como Hegel interpreta o
conceito de vontade livre na obra Princípios da filosofia do direito? Essa obra que trata sobre
o desenvolvimento da ideia de liberdade na história universal como forma de realização do
espírito objetivo. Partindo da hipótese de que a vida ética, mundo histórico das relações e dos
ideais humanos, é a soma total dos determinantes da vontade, na medida em que são os atos
do espírito prático, o trabalho verifica de que modo, através da atualização do conceito de
vontade os indivíduos são moldados em agentes éticos aptos a participar da vida ética e
contribuir com o processo de efetivação da ideia de liberdade. Para isso, apresenta-se o
conceito e significação de vontade; se faz uma descrição sobre como as atualizações para o
desenvolvimento do espírito objetivo, em sua manifestação humana, resultam das articulações
das determinações da vontade e, são demonstradas as principais características do conceito de
vontade no processo de efetivação da ideia de liberdade.
2. INTRODUÇÃO

O significado de transformações importantes em qualquer sociedade sempre se justifica


referente à aquisição de maior liberdade oriunda das ações individuais de um povo. Do lado
semântico do conceito de liberdade, a expressão mais ampla é o termo vontade e, Hegel
elucida de forma mais significativa para história do pensamento a questão da vontade1, onde
encontramos a definição, segundo a qual a liberdade, em geral, é liberdade de vontade.

Uma considerável parcela dos filósofos supõe que o conceito de vontade livre esteja muito
ligado à noção de responsabilidade moral. Mas o significado da vontade não está esgotado por
sua conexão com a responsabilidade moral. A vontade também parece ser uma condição no
amplo campo de realizações de um indivíduo e está, intrinsecamente, relacionada a liberdade.
A liberdade é um dos valores fundamentais da existência humana e é o critério mais
importante do desenvolvimento social.

A vontade livre é considerada uma faculdade particular de agentes racionais para escolher um
curso de ação entre algumas alternativas que significa a possibilidade de uma
autodeterminação interna sem obstáculos de uma pessoa na realização de determinados
objetivos e atividades. Um conceito atribuído ao “impulso ou a necessidade de pensar na
busca da sua própria determinação” 2. Na história do pensamento filosófico e teológico, a
noção de vontade livre foi associada à integridade de uma pessoa, com a responsabilidade por
suas ações, com o cumprimento de seu dever e consciência de propósito, uma noção que
“serve como um postulado necessário em toda ética e em todo sistema de leis” 3.

A hipótese empreendida, nesse trabalho, parte do pressuposto de que a vida ética, mundo
histórico das relações e dos ideais humanos, é a soma total dos determinantes da vontade,
considerada a substância das decisões humanas, na medida em que essas são os atos de
pensamento concreto e, que Hegel concebe que é na esfera das figurações do direito dos
indivíduos que a liberdade se realiza; é a partir desse cenário que se considera que o
fundamento da teoria hegeliana da liberdade baseia-se no seu conceito de vontade, que é
concebido como ponto de partida do domínio do direito, sendo que esse se desenvolve através
de uma necessidade lógica e tem como valor inerente o impulso para atualizar a liberdade.

Portanto, o principal problema e, que se torna o objetivo central desta pesquisa é: como Hegel
concebe o conceito de vontade e como a liberdade é efetivada a partir da noção de vontade? É
considerando o problema do desdobramento da vontade a partir das suas figurações no
domínio do direito e o desenvolvimento do indivíduo através das suas determinações. Para
realização do estudo, será verificado na obra Principio da filosofia do direito, como a vontade
atualiza indivíduos particulares moldando-os em membros de uma comunidade ética aptos a
participar da vida ética do Estado, este enquanto a “instância da realização da liberdade do
cidadão” 4.

O trabalho se concentra em três pontos específicos dispostos em três capítulos. O primeiro


capítulo elucida os assuntos que servem de base para as ideias que sustentam a noção de
vontade e Liberdade no sistema filosófico hegeliano, sendo abordados conceitos e definições
sobre a liberdade, vontade e as características que compõem o conceito de vontade; no
segundo capítulo são apresentados os atributos inerentes aos momentos da vontade em seu
processo de desenvolvimento, assim como, é realizado uma explanação sobre as
características das figurações da liberdade rumo à efetivação desta; no terceiro capítulo, são
demonstrados as principais questões sobre o papel do indivíduo no processo de efetivação da
Ideia de liberdade, assim como, sobre a efetivação da vontade livre em e para si.

3.2. O CONCEITO DE VONTADE

De acordo com sua concepção filosófica, Hegel considera a história do mundo como uma
realização progressiva da liberdade, que recebe expressão imediata e é “concretizada pelo
direito” (WEBER, 1993, p.48), estabelecendo, nesse momento de objetividade do espírito
uma organização da “realidade social”. Segundo Hegel o homem não nasce livre. A
efetivação da liberdade, Hegel compreende gradualmente como o desenvolvimento do espírito
na história. Assim, para Hegel, a ideia de direito, é a ideia de liberdade, e sua verdadeira
compreensão só é possível no processo de cognição de dois aspectos dialeticamente
interconectados da ideia: o conceito de direito e seu ser-aí, ou seja, o desenvolvimento do
conceito na existência. No entanto, como um ser presente, o direito não pode ser qualquer
sistema real de normas que operam em uma sociedade particular, mas apenas uma realidade
legal, onde a realização da liberdade e da lei é assegurada. A interação entre direito e
liberdade só pode ser exercida através da vontade livre.

Hegel concebe a vontade como um conceito fundamental de sua filosofia do espírito objetivo;
é aí que entra sua concepção característica de liberdade. O ponto de partida na construção
filosófica hegeliana do sistema de leis como o domínio da liberdade realizada é a vontade. A
liberdade constitui a substância e a definição básica da vontade, assim “como gravidade
constitui a substância dos corpos” (HEGEL, 2003, §7), e a vontade tem como “finalidade a
realização do seu conceito, a liberdade no aspecto objetivo.” (HEGEL, 2005, §483).

O real do espírito objetivo está localizado na realização da vontade livre na autoconsciência


de indivíduos particulares elevados à consciência da universalidade. A liberdade “realiza-se
pela atividade particular de um povo” (ROSENFIELD, 1983, p.32), tornando-se explícita e
objetiva apenas nessa esfera. De acordo Hegel “as determinações pelas quais, na
representação, o espírito efetua o seu desenvolvimento são jornadas para alcançar produzir-se
como vontade”. A vontade é o método ou a forma da existência da liberdade no homem e,
portanto, é impossível ter vontade sem liberdade e liberdade sem vontade. Segundo Hegel “a
vontade livre inclui de início em si mesma, as diferenças que consistem que a liberdade é a
sua determinação e seu fim”. (HEGEL, 2005, §483).

O espírito é o pensamento, porém “como pensamento do mundo, só aparece quando a


realidade efetuou e completou o processo da sua formação” (HEGEL, 2003, p. XXXIX). Para
Hegel o pensar é “fazer passar alguma coisa a forma da universalidade” (HEGEL 1986,
p.131) e, a “raiz verdadeira da liberdade funda-se no pensamento, pois a ideia da liberdade é
fundamentalmente pensamento” (WEBER, 1993, p.49), logo pensamento e vontade, são dois
aspectos do espírito, teórico e prático, eles se penetram e se complementam mutuamente.
Ambos os lados, cada um à sua maneira, geram uma unidade do subjetivo e do objetivo.
De acordo com Hegel, a vontade é um modo de pensar ligado à incorporação do
conhecimento teórico do homem em sua atividade prática, enquanto ser-aí, na existência real.
Ao mesmo tempo, vontade e pensamento são impossíveis sem o outro. Uma pessoa que não
possui a inteligência apropriada não é capaz de tomar decisões conscientes e corretas.
Inversamente, o foco da consciência na cognição do mundo torna-se possível para a vontade
benevolente, o desejo do homem de adquirir o conhecimento necessário para sua atividade.

No §5 parágrafo da introdução da Filosofia do direito, Hegel afirma que pensamento e


vontade não são diferenciados por serem faculdades distintas, mas apenas como dois métodos,
dois aspectos, teórico e prático, da mesma capacidade de pensar, na abordagem específica
para o mundo exterior, o pensamento tende a melhor conhecê-lo e a vontade a transformá-lo.
Hegel considerou a liberdade da vontade como um pré-requisito necessário para a atividade
prática do homem. Os componentes de conteúdo da consciência humana, objetivos,
aspirações, etc., em si existem apenas sob a forma de possibilidade, são apenas as intenções
do homem, e somente a vontade os traduz da possibilidade, esta enquanto “determinação da
efetividade”(ROSENFIELD, 1983, p.18), para a realidade. Portanto, a vontade de Hegel é a
atividade do homem.

Para Hegel o domínio do direito e da moralidade “concebem-se através de pensamentos e


adquirem a forma racional por meio de pensamento” (HEGEL, 2003, p. XXXI). O aspecto
teórico do pensamento, é que, pensando em um objeto, o transformamos em pensamento e o
privamos de todo o sensível, toda sua peculiaridade, o “estranhamento” entre o "eu" e o objeto
concebível desaparece, o objeto torna-se universal. O aspecto prático do pensamento, por
outro lado, é a postura de diferenças e autodeterminação em relação ao mundo externo, a
esfera de atividade e ações. A natureza da relação entre os aspectos teóricos e práticos do
pensamento é muito importante para entender a vontade, sendo que “é no pensamento que o
homem procura sua liberdade” (HEGEL, 2003, p. XXXVII), e, consequentemente, toda a
filosofia do direito.

A vontade possui elementos que determinam seus diferentes modos: universalidade,


particularidade e singularidade.
Quando a vontade é representada por um elemento como "pura indeterminidade", estamos
lidando com a universalidade: é um puro reflexo do "eu" dentro de nós, uma abstração
absoluta de todas as limitações e de todo o conteúdo disponível e certo. Na absoluta
possibilidade de se abstrair de qualquer certeza, fugindo de todo conteúdo como uma
limitação, a vontade aparece como uma liberdade negativa ou do entendimento, pois ela
“encontra-se separada da totalidade a qual pertence” (ROSENFIELD, 1983, p. 37). Essa
vontade negativa é consumida pelo "frenesi da destruição" e apenas destruindo ela se sente
existente. O estado positivo, que, ao que parece, tende a vontade negativa, o estado da vida
religiosa em geral é impossível e inaceitável, mesmo para a vontade mais negativa, porque é
hostil a todos os pedidos, isolamento e determinação de instituições e indivíduos.

Como ponto de vista sobre tal vontade, a universalidade abstrata ou liberdade negativa, Hegel
caracteriza o fanatismo religioso hindu e assim como no “fanatismo ativo da vida política”
(HEGEL, 1986, p.126) destruição revolucionária da velha ordem como o período de terror
revolucionário a Revolução Francesa.6

Embora pareça uma vontade tão negativa que aspira a algum estado positivo, por exemplo, à
igualdade universal ou à vida religiosa universal, mas, de fato, essa vontade negativa como
uma "fúria da destruição” (HEGEL, 1994, p.125), basicamente, rejeita qualquer realidade
positiva e certeza objetiva de qualquer ordem positiva. Essa universalidade abstrata da
vontade passa da indeterminidade diferenciada para a diferenciação ao determinar como
objeto ou conteúdo, que pode ser “dado pela natureza, ou gerado a partir do espírito”
(HEGEL, 1994, p.126), então, a vontade entra em existência. É o momento da particularidade
da vontade, este é um momento de determinação especial da vontade, um momento de
finitude e isolamento, quando "não apenas quero, mas quero algum algo” (HEGEL, 1986, p.
129).

De acordo com Rosenfield (1983, p. 38), “quando a vontade entra na objetividade ela...
mostra como o “eu” individual dirige-se a particularidade de uma coisa, determinando o
conceito de vontade tal como aparece sob a forma do verbo querer”. Neste momento, a coisa
especial que o desejo quer uma restrição, a vontade em geral deve se limitar para ser uma
vontade. Hegel também considera a particularidade da vontade como o momento de
transferência do subjetivo para o objetivo, através de uma determinada atividade, usando os
meios necessários. Em finitude a vontade é livre apenas em conceito, formalmente, mas não
em conteúdo. Antes da transição para sua especificidade, a vontade enfrentou muitas
oportunidades. Por escolha e decisão, entra em um indivíduo, passando da possibilidade para
a realidade. Mas o resultado de uma decisão abstrata da vontade é uma liberdade de vontade
abstrata, formal, arbitrária e aleatória, porque o conteúdo da vontade ainda não é a liberdade
em si.

A unidade da vontade é a unidade e síntese de momentos de universalidade e características, é


concreta e verdadeira. O próprio conceito de vontade na filosofia especulativa de Hegel.
Assim, a individualidade da singularidade aparece como um conceito concreto de liberdade,
que a incerteza da universalidade da vontade no seu momento em-si, nem a definição
(particularidade) do para-si, e representa a sua unidade de vontade, onde a vontade é em si
mesmo.

Uma vontade verdadeiramente livre e verdadeira se torna quando seu conteúdo é idêntico a
ela, quando ela se deseja. Essa vontade é livre em si mesma e, por si mesma, eliminou todo o
arbitrário e falso, libertou-se de toda subjetividade e aleatoriedade do conteúdo de sua escolha
imediata. Aqui se alcança os primórdios do das figurações da liberdade, e “a liberdade se
produz nas figuras que atualizam a sucessão dos acontecimentos nas determinações do
conceito” (ROSENFIELD, 1983, p.32) através do desenvolvimento das articulações da
vontade.

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