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AULA 8 - Teorias Idealistas

O NEOKANTICISMO DE DEL VECCHIO E DE STAMMLER

A crise do positivismo jurídico em Itália manifestou-se no fim do século XIX, com as obras
de Icilio Vanni (1855-1903), favoráveis ao que ele chamava de "positivismo crítico",
que consiste em extrair dos fatos, logo, do relativismo empirista, os preceitos morais pelos
quais se devia apreciar o direito positivo.

Pétrone (1870-1913) preconiza um idealismo crítico, cujas premissas se encontram


nas obras de Fichte, bem como nas investigações psicológicas sobre a consciência
pessoal do americano J. M. Baldwin.

Pétrone define o direto como o produto da sociabilidade do homem, cujo fundamento


reside na intersubjetividade - limitação mútua do ego e do alter-inerente à sua
natureza. Pétrone torna-se o iniciador daquilo que Giorgio Del Vecchio (1878-1970)
classificou, no contexto da filosofia do direito, de escola crítica ou neo crítica.

Del Vecchio: estabelece uma distinção entre o conceito de direito, objeto de uma
investigação puramente lógica, e a ideia do direito correspondente ao ideal do direito,
resultante de uma investigação deontológica. A par destes dois tipos de investigação,
há também lugar a uma investigação fenomenológica que observa o fenômeno do
direito de um ponto de vista puramente histórico e sociológico.

Segundo ele, os sistemas jurídicos manifestam, na sua evolução, uma adequação ao ideal
da justiça que representou, tanto para Kant quanto para Fichte, a realização e o
desenvolvimento da liberdade humana.

O imperativo de justiça é enunciado nestes termos: Não amplies a tua vontade ao ponto de
a impores a outrem, não procures submeter a ti o ser que, pela sua natureza, só se
submete a si mesmo. O direito não tem como função conduzir-nos à felicidade, mas sim
disponibilizar ao homem o espaço de liberdade que lhe é necessário, e mesmo vital, para se
desenvolver enquanto ser autônomo.

Mas se, em relação ao ideal do direito, Del Vecchio se mostra bastante próximo da
concepção kantiana, já em relação ao conceito de direito, afasta-se de Kant.

Del Vecchio repudia a definição kantiana do conceito de direito, segundo a qual "o direito é
o conceito do conjunto das condições pelas quais o arbítrio de um pode pôr-se de acordo
com o arbítrio de outro, segundo uma lei universal da liberdade.” Esta definição pode
corresponder unicamente a um ideal do direito.

O direito permite o que é prescrito pela moral, mas não dirá nunca o que é o dever moral,
pois significa a possibilidade de uma ação e não a sua necessidade. É nesse sentido
preciso, conclui, que o direito e a moral constituem, em uma relação ao outro, instâncias
complementares.
Rudolf Stammler (1856-1938), adepto do neokanticismo da Escola de Marburgo
(Natorp e Cassirer), busca o a priori do conhecimento jurídico. Dado que a experiência
jurídica é idêntica à experiência daquilo que torna possível a vida comum
em sociedade, uma definição universal do direito só pode ser puramente lógica, dedutiva e
independente dos fatores históricos ou sociológicos de uma dada ordem jurídica. O direito
enquanto forma universal de organização social é, segundo ele, uma Vontade inviolável
(obrigatória), autônoma (soberana) e coordenadora (combinante) da atividade dos homens,
independentemente do conteúdo dessa atividade.

Segundo ele, o ideal de justiça comporta, para qualquer comunidade social, os dois
seguintes princípios: por um lado, o princípio do respeito pela personalidade de cada
um, no sentido, mais precisamente, de a vontade de um homem não poder ser nem
submetida nem mediatizada pela vontade arbitrária de nenhum outro; por outro, o
princípio da participação, no sentido de o homem não poder ser excluído de uma
comunidade social legalmente instruída e à qual pertence.

FENOMENOLÓGIA JURÍDICA:

O fundador da fenomenologia foi Edmund Husserl (1859-1938)

A tese fundamental da fenomenologia é a de que o mundo só existe para uma


consciência. A eidética fenomenológica prescreve que existe uma realidade da
essência. Cada uma das nossas experiências tem uma forma específica que lhe é prescrita
pelo seu objeto. Husserl pensa que podemos intuir a priori estruturas universais e
necessárias, sob a forma de leis essenciais.

Para Husserl, o direito encontra-se ancorado num "costume jurídico". Enquanto a simples
"tradição" de uma comunidade humana se refere a essa coletividade de forma relativamente
indeterminada, o direito tem uma fonte determinada: a vontade do Príncipe, de uma
assembleia ou do Estado. O direito também tem uma finalidade racional. A reflexão sobre o
direito de Husserl parece nunca incidir sobre uma análise das estruturas jurídicas efetivas,
mas antes sobre a forma geral da obediência ao direito. Há aqui um certo kantismo: o direito
é aquilo que nos obriga in foro externo.

Para A. Reinach e G. Husserl (1893-1973), a estrutura eidética do direito reside nas


características aprióricas e necessárias dos conceitos jurídicos, sem as quais esses
não seriam sequer pensáveis. A. Reinach e G. Husserl admitem que as normas jurídicas,
objeto da consciência, constituem seres ideais, mas reais, cuja essência eidética, a
estrutura interna, importará estudar.

A fenomenologia jurídica advogará assim uma tese ontológica: o ser da norma residirá na
normatividade, no seu caráter ontológico, de "dever-ser" que se enuncia, como em Kelsen,
por meio da proposição "A deve fazer B". Para G. Husserl, o fundamento axiológico das
normas jurídicas parece estar na efetividade das mesmas.

O EXISTENCIALISMO JURÍDICO
As filosofias do direito de Helmut Coing (1912- 2000) e Fechner são diretamente inspiradas
nas filosofias dos valores de Scheler (1874-1928) e Hartmann. Scheler concebe os
valores como qualidades objetivas das coisas (ética material dos valores). Os valores
radicam na personalidade de um sujeito que não é um eu puro e isolado, mas que é o
ato de uma experiência tão individual quanto comunitariamente vivida numa simpatia
comum.

Para Scheler, o ser-valor de um objeto precede a percepção. Em contrapartida, a filosofia


de N. Hartmann apresenta-se de uma forma menos ambígua. Situa-se numa
perspectiva mais realista - o objeto conhecido não é reduzido a um simples fenômeno
- e defende que os valores são qualidades ideais que se manifestam nas coisas reais,
bem como o objeto de uma consciência axiológica.

Partindo da ideia de que os valores são qualidades essenciais das coisas, Coïng advoga a
existência de valores absolutos que fundamentam os princípios jurídicos supremos.
Coïng afirma a propriedade do valor da dignidade da pessoa humana: a liberdade de
expressão está à frente das outras liberdades, como a liberdade econômica, dado
tratar-se de uma liberdade espiritual e moral. Estes valores são universais e estão na
base daquilo que ele designa por "situações sociais típicas", que se repetem continuamente
na história da humanidade.

Em Eric Fechner, a natureza das coisas integra uma componente fatual, que contém a
estrutura do real, do social, do econômico e até do biológico, e outra ideal, contendo
os valores, a razão e os sentimentos religiosos. O indivíduo passa a ser o ponto de
encontro dos fatores reais com os fatores ideais, é parte integrante da natureza das coisas.

Para Maïhofer (1918-2009), a autenticidade das relações jurídicas concretas


fundamenta o direito. Nas relações jurídicas bilaterais, cada um do atores apresenta-
se perante o outro à imagem do papel e da função que tem a desempenhar. A
exigência de se conformar àquilo que a situação exige torna-se assim constitutiva, para
cada uma das partes, dos seus direitos e dos seus deveres. E será essa exigência que
estará no fundamento do direito positivo: fazer de qualquer relação jurídica a manifestação
"autêntica" da existência individual que é, originalmente, a de ser com-os-outros.

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