Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
aspectos fdogenéticos e
ontogenéticos*
F. J. J. Buytendijk (1)
C. M. Thompson (13)
1. O conceito
50 A.B.P.A.3/75
Nota-se a riqueza do termo sempre presente no desenvolvimento da perso-
nalidade, apresentando características variáveis, às vezes como instinto básico,
outros como elemento do jogo complexo das emoções e da sexualidade.
Na linguagem comum, empregam-se palavras carregadas de agressividade, ou
na sua forma de aproximação e conquista, ou na de acometimento e ataque:
palavras picantes; discursos mordazes; ouvido voraz; língua insaciável; olhos que
cospem fogo; a atividade intelectual está cheia de expressões semelhantes:
atacamos problemas; dominamos um assunto; lutamos com dúvidas; venc~;uos
dificuldades; afiamos a mente.
2. Evolução do conceito
Quanto à agressão 51
Quando se luta contra outra pessoa, o agente se torna destruidor porque seu
desejo de morte é bloqueado por forças dos instintos de vida que resistem às do
instinto de morte. "Os instintos eróticos estão sempre tentando reunir substâncias
vivas em unidades cada vez maiores, e os instintos de morte agem contra essa
tendência e procuram devolver a matéria viva a uma condição inorgânica. A coope-
ração e oposição dessas duas forças produzem os fenômenos da vida à qual a
morte põe um fim (3)."
A agressividade seria então parte do instinto de morte ou voltada para o
exterior, com a ajuda do sistema muscular, visando a destruição do objeto, ou
voltada para o interior (auto-agressão), nas "misteriosas tendências masoquistas do
ego". A extensão do conceito de pulsão destrutiva para dentro do sujeito leva sua
ação para o interior da estrutura psíquica, entre as instâncias do ego e superego.
Para dentro ou para fora, essa força está a serviço do instinto de morte, e, quando
se liga ao instinto sexual, é essencialmente em função da desunião. Haveria, pois,
na teoria freudiana das pulsões uma concepção de agressividade mais ampla, como
sendo uma forma de atividade, mas sempre a serviço da destruição. Tudo o que
Eros tende a unir, a manter e criar, Thanatos visa destruir, desunir e aniquilar,
como um ódio espontâneo, uma maldade natural do ser humano. O ódio e suas
manifestações agressivas seriam uma força natural, primária, inerente ao homem e
de natureza biológica.
Freud não vai mais além. Mais uma vez paga tributo ao modelo que abraçou
para construir sua teoria. Seu pensamento é retomado por Melanie Klein, que
radicaliza seu conceito de instinto de morte ao qual prende categoricamente os
impulsos agressivos. Essa agressividade inata, nociva, quando muito, poderia ser
controlada e aliviada por um ambiente sadio nos primeiros anos da infância: "É
verdade que não se pode eliminar totalmente o instinto agressivo do homem como
tal, mas se pode, diminuindo a ansiedade que acentua esses instintos, romper o
reforço mútuo que ocorre continuamente entre seu ódio e seu medo... Estamos
prontos a crer que o que agora pareceria ser um estado de coisas utópico possa ser
realidade naquele futuro distante em que, espero, a análise infantil se tornará parte
da educação de cada um tanto quanto o é hoje a educação escolar. Então, talvez a
atitude hostil, oriunda do medo e da suspeita, que está latente com mais ou menos
força em cada ser humano, e que intensifica cem vezes todos os impulsos de
destruição dentro dele, cederá lugar a sentimentos mais amáveis e mais confiantes
para com seu próximo, e as pessoas poderão habitar o mundo juntas em maior paz
e boa vontade de que agora (7)."
Vê-se bem a tentativa de atribuir ao ambiente hostil e desfavorável grande
importância nos comportamentos agressivos, embora a fonte da agressividade seja
instintiva e suas conseqüências destrutivas. E esse impulso agressivo inato é tão
violento que o bebê experimenta uma ansiedade intensa tanto sobre a possível
destruição dos que cuidam dele como sobre a possibilidade de sua própria destrui-
ção. É difícil achar-se em sua obra aspecto positivo para a agressividade, estando
habitualmente ligada ao ódio, ganância, inveja e ressentimento.
52 A.B.P.A. 3/75
Wilhelm Reich não considera a agressão como um instinto no sentido pró-
prio do termo e afuma que ela não traz em si mesma nenhuma conotação especí-
fica, distinguindo vários tipos que dependem do conteúdo, do estágio de desenvol-
vimento e do grau de repressão. Assim teríamos agressividade destrutiva-sádica-
locomotora-sexual. A partir dessa posição é que grande número de autores passam
a definir a agressão como "resposta que se segue à frustração", como um ato cuja
"metaresposta" é danosa a um organismo.
D. Winnicott vai mais além, propondo dois significados para a agressão: "Por
um lado, a agressão constitui direta ou indiretamente uma reação à frustração. Por
outro lado, é uma das muitas fontes de energia de um indivíduo (14)."
Volta-se ao sentido primeiro de aggredi, ir ter com, aproximar-se. E na
verdade, o ato de agredir conota um movimento em direção a alguma coisa,
possibilitando sempre uma distinção clara entre o que é e o que não é o eu. "Se
tentarmos observar o início da agressividade num indivíduo, o que encontra:çemos
é o fato de já existir ela no movimento infantil. Este principia até antes do
nascimento, não só nas evoluções do bebê por nascer, mas também nos movi-
mentos mais bruscos das pernas, que fazem a mãe dizer que sente o fIlho dar-lhe
pontapés. Uma parte da criança movimenta-se e, ao mover-se, encontra algo: ..
Existe em toda criança essa tendência para movimentar-se e obter uma espécie de
prazer muscular no movimento, lucrando com a experiência de mover-se e encon-
trar algum obstáculo (14)."
A criança, desde cedo, aprende a usar da fantasia não só para se aliviar das
frustrações experimentadas, mas para se relacionar com o mundo das pessoas e das
coisas como garantia de posse do status de ser-no-mundo. Não podendo trabalhar,
casar-se, competir, desempenhar papéis sociais, recorre à fantasia, ao faz-de-conta
como forma vicária de participar do mundo de rel~ção. Assim, chupar o dedo
polegar, se é fantasia do seio que alimenta ou agressão ao seio que provoca a fome,
é também uma forma de se colocar em contato com alguma coisa.
"Se for concedido à criança tempo suficiente para os processos da matura-
ção, capacita-se, então, a ser destrutiva, a odiar, a agredir, em vez de aniquilar
magicamente o mundo. Dessa maneira, é possível encarar a agressão concreta
como uma realização positiva (14)." Não há dúvidas de que em Winnicott o
conceito de agressão adquire substancialmente seu significado mais profundo de
caminhar em direção a, aproximar-se de. .
A agressão, cuja raiz é a inveja ao meio, essa, sim, se prende a uma capaci-
dade inata para destruir e se constitui, mais propriamente, na violência e na
hostilidade.
A oposição, no sentido de resistência, é um pré-requisito para o bom desen-
volvimento da agressão. Em situações onde a oposição se toma contrariedade e
negação, a agressão degenera para a esfera da destrutividade.
No momento em que o indivíduo explicita sua agressividade, experimenta
uma súbita onda de excitação que rapidamente atinge grande intensidade e pode
ser comparada à experiência do orgasmo. Chega-se ao ápice através da mobilização
Quanto à agressão
de todas as potencialidades, tornando ato as forças latentes até um desfecho, onde
se alcança o relaxamento.
W. R. Fairbairn, depois do período kleiniano, nega radicalmente o instinto
do impulso agressivo. Para ele a agressão é vista a partir de relações objetais, onde
o ego se funda no movimento de encontro com o objeto. Estar em implica estar
com de tal sorte que, quando o ego não encontra satisfação libidinosa em sua
relação com o outro, frustra-se, o que dá origem à agressividade. Essa agressivi-
dade, a nosso ver, tanto pode levar à aproximação como ao afastamento.
Os modernos etologistas não aceitam a função destrutiva que se quis dar aos
impulsos agressivos. Konrad Lorenz é partidário dessa posição, considerando,
contudo, a agressão como um instinto básico, tanto como a fome, sede e sexo. "A
agressão é um instinto básico que leva tanto o homem como o animal a combater
os membros da própria espécie. É um instinto como qualquer outro e, em condi-
ções naturais, igualmente apto para a conservação da vida e da espécie." (9).
No homem como no animal, existe um mecanismo que, quando estimulado,
dá origem a mudanças físicas e preparam o corpo para a luta. A externalização
dessas modificações internas dá origem aos comportamentos agressivos contra o
estímulo apropriado ou, na ausência deste, contra o estímulo substituto. Pode
mesmo manifestar-se sob forma de uma atividade deslocada. A existência desse
mecanismo, entretanto, não implica necessariamente que seja ele uma atividade
instintiva básica. Seria legítimo imaginar a agressão como parte do instinto de
conservação, expressão de um élan vital, existente em todo ser vivente, como
forma de expansão e perspectivação. A auto-conservação exige que o animal leve
dentro de si o potencial para a ação, não só para sair de si mesmo, mas para atacar
seu mundo que lhe apresenta a todo momento um sem-número de ameaças hostis
que devem ser vencidas ou evitadas para que a vida continue. O que se pode
afirmar é que o mecanismo da agressão é instintivo, ou seja, uma possibilidade
inata e automática que entra muito facilmente em funcionamento, contendo o
organismo um mecanismo físico-químico que é coordenado e que favorece as
emoções e ações, chamadas agressivas, diante de um estímulo de ameaça ou de
frustração.
3. Instintivistas e ambientalistas
54 A.B.P.A. 3/75
outra área de comportamento. Foi o que se comprovou em expenencias com
peixes tropicais, embora haja críticas quanto às condições de controle do expe-
rimento.
O estudo animal, por sua própria natureza, está restrito à observação obje-
tiva da conduta ou à estimulação de áreas cerebrais. No nível humano, ao anali-
sar-se a agressão, há que considerar dois fenômenos distintos: o comportamento
agressivo e a disposição agressiva. A questão que se coloca é: quais fatores fazem
com que as disposições agressivas se manifestem sob forma de comportamento
agressivo, mesmo quando essa exteriorização é desencorajada ou punida pelo
grupo? Muitas questões ficam sem resposta satisfatória e os próprios experimen-
tos são passíveis de crítica.
Os ambientalistas defendem o ponto de vista de que o comportamento de
um organismo é assunto passivo. A maneira de um animal se comportar dependerá
de como ele foi criado e de como está sendo estimulado. Apelam para três fatores
principais como responsáveis pela formação de disposições agressivas: a frustração,
a contrariedade e o ataque.
Os psicólogos sociais preferem a afirmação de que a agressão é conseqüência
da frustração. Embora a frustração comumente desperte a agressão, há ocasiões
em que tal não ocorre. Ademais, além da frustração, a contrariedade e o ataque
deflagram a agressão.
Frustração, contrariedade e ataque tendem, portanto, a despertar disposi-
ções agressivas, e essas constituem um importante elemento na produção do com-
portamento agressivo. Por outro lado, as disposições agressivas não se exteriorizam
inevitavelmente sob a forma de comportamento agressivo, devido à repressão, o
que possibilita o deslocamento, indo desde a somatização até a sublimação.
Muitos animais reagem agressivamente a certos estímulos de maneira instin-
tiva, sendo o ataque desencadeado de um modo aparentemente automático, pelo
estímulo-sinal (12). Embora haja poucas evidências de que os seres humanos
possuam esse tipo de reação instintiva e indícios externos, esses podem desen-
cadear, ou pelo menos incrementar, a agressão humana. Leonard Berkowitz, da
Universidade de Wisconsin, demonstrou que a presença de certos estímulos faz
com que as pessoas encolerizadas sejam mais agressivas do que se tais estímulos
não estivessem presentes (4). Isso sugere que estímulos associados à agressividade
facilitam a passagem da disposição agressiva ao ato agressivo.
No homem a agressividade está ligada, em grande parte, ao fator ambiental.
Com essa expressão se quer significar o mundo de relação, a atmosfera, onde se
desenvolve a criança pequena que aspira, a cada momento, pela superação da
dependência e conseqüente inauguração de sua autonomia.
O mundo infantil é povoado de gigantes que devem ser dominados, feiticei-
ras e bruxas que devem morrer para que a criança possa respirar. Para tanto,
recorre às fadas e aos heróis. As estórias infantis estão repletas dessas fantasias,
onde se vê o duplo sinal do primeiro objeto: "a boa fada" e "a bruxa má". Assim,
a avó do Chapeuzinho Vennelho é uma figura doce e terna, mas que se transfonn~
Quanto à agressão 55
num lobo perigoso e ameaçador. A criança, não suportando essa duplicidade, só se
sente aliviada quando pode, assumindo a forma de caçador, rasgar e destruir a
parte lobo para que sobreviva a bondade da avó. Por seu turno, em Joãozinho e
Maria, as crianças, na floresta, são atraídas pelas gulodices tentadoras da casa de
pão de mel. Mas, atrás dos doces, mora uma feiticeira que as aprisiona e prepara
para assar e devorar, quando, então, se agigantam e conseguem lançar a bruxa no
próprio caldeirão.
Em seu comportamento exploratório a criança esbarra, a cada momento,
com obstáculos que impedem seu avanço e crescimento. Ela, desse modo, ataca.
Se é impedida, surgem os primeiros desvios em seu desenvolvimento.
A identificação com a figura do herói possibilita à criança dominar e vencer
seus inimigos e o próprio mundo. Daí a fascinação pelos "gibis", onde há perto de
66 grandes heróis e 10 menores, porém igualmente famosos. Outro instrumento de
primeira grandeza para a criança é o material lúdico agressivo (jogos ou brinquedos
bélicos), onde além do aspecto catártico de controle dos impulsos se pode ter o
cultivo fecundo da expansão e da construção, quando os pais sabem dosar conve-
nientemente a intensidade e a oportunidade de seu uso.
A concepção de que só a frustração seria capaz de gerar agressão dá origem a
métodos falhos de educação, pela suposição de que a ausência de qualquer limita-
ção possibilita um desenvolvimento mais harmonioso da criança em seu mundo.
Para surpresa de todos, tem-se visto que, no regime de máxima liberalidade e
indulgência, as crianças se tornam emocionalmente perturbadas e, muitas vezes,
mais inseguras do que naqueles em que há oposição. Na verdade, se não houver a
quem combater, desorienta-se a criança que não encontra justificativa para o
impulso inato para a independência. Desnorteada, volta sua agressão, sua ativi-
dade, para dentro, contra o eu, e o resultado é, então, a depressão, o aparecimento
de tiques, cacoetes e fobias.
De Winnicott é a afirmação de que; "Se a sociedade está em perigo, não é
por causa da agressividade do homem, mas devido à repressão da agressividade
pessoal nos indivíduos (15)."
56 A.B.P.A. 3/75
dominá-lo logrando alcançar sua liberdade, ter iniciativa, competir, ultrapassar
barreiras, a atmosfera hostil quer do micro quer do macrogrupo interfere, deslo-
cando a força produtiva para ferir, destruir, depredar e matar. Nasce com isso a
delinqüência. Ademais, as cenas diárias de uma grande cidade estimulam o uso da
energia produtiva e criadora da agressão em função do ataque e do acometimento,
povoando os lares e as ruas de violência. Anthony Storr cita o depoimento de um
criminoso que descreve assim o ambiente em que foi criado: "A violência, de certo
modo, é como a linguagem suja, algo com que uma pessoa como eu foi criada, algo
com que me acostumei desde muito cedo como parte do cenário diário da
inrancia. A idéia não me repugna, não tenho uma espécié de desagrado pela coi~a
como vocês: Tanto quanto posso lembrar-me, vi a violência ser usada por toda
parte ao redor de mim (11)."
Salta aos olhos a situação em que se encontra o homem moderno, vítima de
uma terrível alienação, onde um bombardeio de informações gananciosas ou
tendenciosas o lança, habilmente, numa luta contra o outro. A mecanização, a
automação, as redes de computadores, tudo isso leva o homem a se sentir vigiado,
despido e controlado, transformando as cidades em grandes formigueiros. É
extremamente lamentável que a complexidade da civilização ocidental tenda a
produzir o homem coletivo de preferência ao homem indivíduo. A sede de lucro
cega o homem que depreda a natureza para enriquecer e morre vítima da poluição.
Fabrica bombas e morre sob escombros. Agride por se sentir agredido, e a própria
sociedade de consumo se transforma numa usina de agressão. E tudo se justifica,
dependendo do ângulo de mira. É o que se observa, principalmente, nas guerras. O
Japão era inimigo, agora é amigo; a União Soviética era amiga, agora é inimiga; a
Alemanha era inimiga, agora parte dela é amiga, parte é inimiga.
O inimigo passa por uma metamorfose de dois tempos. No primeiro, é
"desumano" e, como tal, merece a agressão. No segundo, é "não-humano" e
carrega a derradeira versão projetada de nós mesmos, aquelas partes que desejamos
destruir para nos tornar seres perfeitos e puros. Se não as conseguimos destruir
dentro de nós, temos que fazê-lo nossa versão fora, e com grande vantagem, já que
o "não-humano" é totalmente destrutível, livrando-nos assim de qualquer possibi-
lidade de culpa. Para tanto, usamos o aggredi como acometimento e ataque q.le,
em seus desvios, gera toda sorte de violências e os mais requintados compor~a
mentos de destruição.
A observação põe em evidência outros fatores que incentivam os desvios
perniciosos do aggredi, como o desnível econômico das grandes para as
pequenas comunidades, que se torna um estopim aceso, a competição desen-
freada, a superpopulação, criando os grandes aglomerados. O homem se torna
lobo prestes a devorar o lobo. Como espécie está ameaçado, não como; acon-
teceu com as demais, onde fatores extra-específicos foram os causadores de seu
desaparecimento. O que ameaça o homem é algo intra-específico, sua própria
destrutividade.
Quanto à agressão 57
5. Agressão e redução de espaço
De modo geral, a luta entre os animais é um teste çle forças e não uma batalha
mortal. Outras vezes, a luta é uma advertência, um--gesto de pacificação, como o
afirmou Lorenz, para que o animal possa viver em paz. Ele mata para se proteger,
amparar a prole ou para se alimentar. Nunca tortura. Esse triste privilégio pertence
ao homem que, com requinte e sofisticação, industrializa e empacota racional-
mente sua agressividade destrutiva, como o demonstra sobejamente a história.
Conta-se que Bas11io 11, o conquistador dos búlgaros, privou da visão 15 mil
cativos, mas a um em cada 100 poupou um olho, para que pudesse conduzir sua
centena de cegos à presença do rei vencido.
O animal ataca os membros da mesma espécie em casos muito especiais,
como nos períodos de acasalamento e na defesa territorial. Esse fenômeno da
territorialidade vem sendo estudado ultimamente, trazendo grandes luzes para o
campo da antropologia. Segundo os etologistas, a territorialidade se desenvolveu
desde os primórdios da história da evolução, tornando-se assim instintiva. Sua
finalidade é demarcar o habitat de cada indivíduo, de tal sorte que a cada um seja
garantida sua parcela de alimentação. A dispersão daí resultante garante a melhor
utilização dos recursos naturais, e com isso proporciona maior segurança para a
própria espécie. Nos jardins zoológicos conhecem-se lutas mortais, onde o único
motivo é a restrição do espaço. Quando a superaglomeração ocorre, registra-se
uma sensível de tensão e agressividade entre os animais.
O homem é um animal territorial. Não tendo dentes afiados ou garras pode-
rosas, tornou-se capaz, graças ao desenvolvimento de seu cérebro, de compensar
sua carência natural de equipamentos agressivos pelo uso de instrumentos e pela
invenção das armas. As nações criaram suas fronteiras e as casas, os muros. A
presença de uma sombra no jardim é uma séria ameaça e um ruído pode significar
um ataque. O homem moderno vive em guarda. Multiplica rituais de pacificação,
numa tentativa de poder conviver com seu próximo. E um dos fatores que leva o
homem a temer o outro é, sem dúvida, a ameaça que ele traz a seu espaço. Na
verdade, na civilização adiantada, não é a escassez de alimento que desperta ou
acentua a luta, é antes amontoamento, a superaglomeração que levam à agressivi-
dade. As cidades grandes se tornam grandes pedreiras .ou, como já se disse, selvas
de pedra. Luta-se por espaço no asfalto, empurra-se nas calçadas, acotovela-se nas
filas. Sobem os blocos brancos de cimento e somem os campos verdes. As casas
evaporam-se e os apartamentos mirram, enquanto a população aumenta. Já se
teme pela cortesia do ar . .. A dose, pois, de hostilidade do homem para com seu
vizinho aumenta e reforça sua ânsia inata por espaço.
Para William Glasser, psicólogo e escritor da Califórnia, o homem vive em
uma sociedade civilizada de sobrevivencia, onde é muito tênue ainda o instinto de
cooperação. O que predomina, não raro, é o egoísmo e a hostilidade, dando
origem ao aparecimento da dominação instalada, protegida por uma série de
desculpas morais com que se defendem os agressores. Em meio à disputa brutal
58 A.B.P.A. 3/75
por um lugar nesse tipo de sociedade, uns poucos logram envolver-se afetivamente
com o próximo, inaugurando a oportunidade de viver digna e descontraidamente
nesse mundo de competição.
Caberia, a nosso ver, a quantos se preocupam com as ciências humanas,
começar um debate no campo do conhecimento do homem como um gesto nobre
de boa vontade e amor para com a raça no sentido de se procurar, através de novas
intuições, possíveis saídas que venham reduzir os efeitos tão nocivos de uma
energia que de si se destina à expansão e ao crescimento. É provável que, desse
modo, a espécie tão bem sucedida biologicamente, o venha a ser também, psico-
lógica e socialmente.
É preciso que o homem se conscientize da necessidade urgente que tem de
salvar o homem, quando parece afastada para futuro tão remoto a concretização
da profecia de Isaías: "Hão de se confraternizar a vaca e o urso. Suas crias
repousarão juntas, e o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará
junto à toca da vlôora, e o menino desmamado meterá a mão na caverna da
áspide. Não se fará mal nem dano em todo o meu Santo Monte, porque a terra
estará cheia de ciência do Senhor, assim como as águas que recobrem o fundo
do mar." (6).
Referências bibliográficas
Quanto à agressão 59