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Universidade de Trás os Montes e Alto Douro

Doutoramento em Ciências da Cultura

História da Cultura: Práticas e representações

A educação de D. José Maria até à publicação da


Edição Monumental dos Lusíadas

Docente: Fernando Alberto Torres Moreira

Discente: Suzana Adelina dos Santos Dionisio

Ano Letivo:2019/2020
Universidade de Trás os Montes e Alto Douro

Índice

Introdução .............................................................................................................................................. 2
Cultura e educação: definição e conceito ............................................................................................ 3
Portugal nos séculos XVIII e XIX ........................................................................................................ 6
O ambiente cultural e educativo em Portugal nos séculos XVIII e XIX .......................................... 9
A cultura em Portugal: as influências francesas .................................................................................. 9
A educação na nobreza em Portugal: desenvolvimento e influências ............................................... 11
O Real Colégio dos Nobres e a Universidade de Coimbra................................................................ 12
Estudo biográfico................................................................................................................................. 14
Do Morgadio de Mateus a D. José Maria de Sousa Botelho Mourão ............................................... 14
Breve biografia de D. José Maria de Sousa Botelho Mourão ........................................................... 15
De Homem da matemática ao Homem das Letras: D. José Maria e a Edição Monumental de Os
Lusíadas ................................................................................................................................................ 18
Conclusão ............................................................................................................................................. 20
Bibliografia .......................................................................................................................................... 22

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Introdução

Qual a representatividade das bibliografias sobre D. José Maria de Sousa Botelho


Mourão e de todo o contexto histórico ao seu redor para a compreensão da cultura e da
educação em Portugal na segunda metade do século XVIII?
Considerando a problemática exposta, este estudo teve como objetivo responder a
referida questão com base em pesquisas aos artigos e bibliografias sobre a Casa de Mateus,
em especial sobre D. José Maria e as suas realizações, mas, também, buscou esclarecer, por
meio de um enquadramento teórico os meandros da cultura e da educação da nobreza neste
período.
Antes, julgou-se importante discorrer algumas linhas sobre os conceitos e definições
de cultura e educação e, para isto, revisitou-se a literatura sobre estes termos.
Após a reunião destas fontes, realizou-se o estudo biográfico de D. José Maria e expôs
as suas realizações.
Esta metodologia com base num estudo histórico e biográfico culminou num desfecho
que pudesse trazer à tona alguma compreensão sobre a cultura e a educação de Portugal na
segunda metade do século XVIII a partir de D. José Maria.
Entretanto, este estudo, caracterizado por uma revisão de literatura, também,
promoveu alguma reflexão no que toca a segregação de classes sociais na educação e,
também, na cultura.
Esta seleção, muito embora velada nos dias atuais, ainda se percebe, talvez com uma
dinâmica diferenciada.
Neste sentido, a compreensão de um governo que foi considerado um dos mais
representativos em Portugal, em especial das suas ações no tocante a educação e cultura não
só nos mostra como ele repercutiu no período como projetou reflexos que atravessaram o
século XIX e XX.
Assim, sendo, a narrativa que se segue nos permite compreender os elementos já
mencionados, mas, sobretudo refletir sobre estes elementos e a sua projeção nos dias atuais.

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Cultura e educação: definição e conceito

Culture or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which
includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits
acquired by man as a member of society (Edward B. Tylor, 1958, p.1)

A cultura é o que nos define, como ser humano, faz parte de nós e nela está o que
permite conviver e comunicar com a sociedade.
O desenvolvimento da cultura, tanto a nível intelectual, industrial, político ou moral,
segundo Edward B. Taylor corresponde, em grande parte, à transição entre o selvagem e a a
vida civilizada. É uma característica própria do ser humano que lhe permite adquirir um certo
nível de convivência e respeito entre os demais. Desta forma o ser humano consegue viver ou
sobreviver no meio dos seus pares sendo que a cultura é tão diversa quanto os próprios seres
humanos consoante a raça, o meio ou o local ao qual pertencem.
A herança cultural desenvolve – se de geração em geração, e o que parece fugir aos
padrões da sociedade, faz com que o ser humano reaja depreciativamente em relação a outros
grupos sociais. A forma como cada um vê o mundo influencia o modo de pensar em relação
aos outros. O ser humano está habituado a julgar que tudo aquilo que é diferente daquilo é que
está acostumado tecendo juízo de valor ou apreciações morais. Tudo aquilo que somos é fruto
da nossa herança cultural, a fala, a língua que falamos, o modo de pensar ou agir influenciam
todo o nosso comportamento. A postura corporal e os hábitos que nós adquirimos ao longo da
vida podem denunciar o lugar de onde provimos. A forma de vestir, o que comemos, a nossa
língua ou até o que nos faz rir, o nosso sentido de humor são adquiridos culturalmente, ou
seja, são caraterísticas influenciadas pela sociedade em que vivemos. Assim, o Homem tem
tendência a ser etnocêntrico, considerando que o seu modo de ser é o mais normal e natural.
Esta tendência incorre inúmeras vezes em conflitos sociais ao discriminar e rejeitar o que é
diferente. Estes comportamentos discriminam seres, atitudes ou crenças diferentes dentre da
mesma sociedade e daí surgem valores depreciativos como xenofobia, racismo, homofobia ou
até preconceitos de ordem religiosa.
A sociologia procura perceber os comportamentos que o ser humano vai adquirindo ao
longo da sua vida através da sua convivência em sociedade. O ser humano vai-se apropriando
de certas caraterísticas de forma natural e quase inconsciente sendo que estas vão refletir a
realidade social desses sujeitos.

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Considera-se cultura todo o objeto ou símbolos que fazem definem uma sociedade,
mas também, existem aspetos mais abstratos, não palpáveis como o comportamento, as
crenças, os valores ou normas.
Como já foi referido anteriormente, a cultura distingue-se pela diferença entre os seres
humanos. Não é igual para todos nem em todos os locais do mundo. Cada sociedade tem a sua
própria cultura, a sua maneira de ver ou fazer as coisas. Cada sociedade respeita ou crê em
coisas diferentes, cada sociedade é diferente e por isso a cultura é diferente. Até dentro da
mesma sociedade a cultura pode divergir entre seres humanos diferentes, isto porque,
independentemente da influência do meio, cada um adquire a sua própria personalidade e
interage à sua maneira com a cultura. Cada um compreende o mundo à sua maneira e assim
aparece a diversidade cultural.
Estando o mundo social em constante mudança e evolução, o que interessa hoje pode
não ser o mesmo que nos importa amanhã. Candau (2003) afirma que cultura é um fenómeno
criativo em constante transformação. Assim, a cultura, também, não é estática e vai-se
adaptando às mudanças adaptando-se às necessidades e contextos vividos pelas gerações mais
recentes. É importante salientar que hoje em dia o acesso à informação cresceu
exponencialmente e é muito fácil ter acesso a informação sobre outras culturas criando um
efeito de aculturação na qual os indivíduos de uma sociedade tendem a adotar caraterísticas de
outra cultura com a qual se identifiquem.
Émile Durkheim (2001), considera que o que nos diferencia do animal é o facto de
vivermos em sociedade. O ser humano é o único ser capaz de transmitir valores, costumes e
conhecimentos a outro ser semelhante. Este processo ocorre tanto a nível familiar como
institucional e desde o momento em que nascemos.
Forquin (1993, p.14) afirma que “a cultura é o conteúdo substancial da educação” e
que “a educação não é nada fora da cultura e sem ela.” A cultura e a educação estão
intimamente ligadas e uma com a outra são parte imprescindível do processo ensino-
aprendizagem. Todo o processo educativo é de extrema importância na construção da
formação de um individuo. Candau (2003) e Forquin (1993) salientam a relação evidente
entre cultura e escola buscam um melhor entendimento da importância da cultura no processo
ensino-aprendizagem.
Segundo Jerome Brunner (2000) “o aprender e o pensar estão sempre situados num
enquadramento cultural e sempre dependentes de recursos culturais” (p.20)

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Os processos de ensinar e aprender formam parte do ato de educar e a educação são


um fenómeno observado em qualquer sociedade, nas quais, de geração em geração os saberes,
a disciplina, os valores e costumes da cada uma são perpetuados conduzindo a uma
transformação e evolução da mesma. Devem ser respeitados, em cada uma, os modos de ser
de cada indivíduo e a sua identidade cultural para que possa existir a harmonia necessária à
convivência entre todos.
Como processo de socialização, a educação ocorre em ambientes diversos entre os
quais a escola. O ensino formal é por norma transmitido de forma intencional, por parte de um
adulto a uma criança ou jovem definido como educação escolar. Esta ocorre no ambiente
propício à aprendizagem de conteúdos definidos pelo currículo escolar e de forma a obter um
grau académico. Distinguimos ainda o ensino não formal e o ensino informal que acontecem
fora do ambiente escolar. O ensino informal engloba toda a educação adquirida em contexto
familiar ou vida social enquanto que o ensino não formal tem uma intencionalidade educativa
sem, no entanto, obrigar a obtenção de classificação, avaliação ou grau académico. Este
acontece, por exemplo em meios culturais como museus, exposições, bibliotecas, jardins
zoológicos e afins, nos quais os indivíduos se instruem e aprendem mais sobre a sociedade
que os envolve tanto a nível passado, presente ou futuro. Este tipo de educação deve ser
sempre complementar do ensino formal. Candau afirma que:
A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Portanto, as relações entre escola e cultura
não podem ser concebidas como entre dois pólos independentes, mas sim como universos
entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados
(Candau, 2003, pag.160).

A educação assume assim um papel social muito importante para a manutenção do


equilíbrio e da convivência entre os indivíduos de uma sociedade e na construção da
identidade de cada um.

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Portugal nos séculos XVIII e XIX

Nos séc. XVII e XVIII, a arte e a emoção evoluíram profundamente O apreço pelo
exuberante e pelo movimento do Barroco, que veio a expandir-se por toda a Europa, ao longo
do século XVIII, vêm transformar os gostos clássicos do Renascimento. Considerado como o
estilo correspondente ao absolutismo e à Contrarreforma - movimento de resposta à Reforma
Protestante – o Barroco é considerado, por muitos pesquisadores, não apenas como um estilo
artístico, mas sim como um movimento sociocultural que marcou a época entre o final
do século XVI e meados do século XVIII, questionando a forma de entender o mundo e
Deus.
O reinado de D. João V e as remessas de ouro provenientes do Brasil levaram a um
período de opulência que conduziu à construção de inúmeros monumentos em Portugal. Os
maiores artistas estrangeiros são chamados para desenharem alguns dos monumentos mais
emblemáticos do país, entre os quais o Convento de Mafra projetado por Ludovice, arquiteto
alemão ou a Torre dos Clérigos a Norte, assinada por Nicolau Nasoni. Estes artistas trazem a
Portugal um novo estilo artístico – o Barroco – caraterizado por pela seu esplendor e
exuberância, como por exemplo, os trabalhos em talha dourada que caraterizam inúmeras
igrejas nortenhas procurando glorificar a religião e o Clero.
O dramatismo, a exuberância das formas, o movimento, a riqueza das cores ou os
contrastes de luz são algumas das caraterísticas principais deste estilo.
Conhecido como o Roi Soleil português, D. João V era um homem de educação e
cultura invejáveis, tanto a nível literário, científico ou artístico, conhecimentos, estes,
adquiridos com os Padres Francisco da Cruz da Companhia de Jesus, de grande prestígio à
época. A sua ambição enquanto rei era levar Portugal ao nível das maiores potências mundiais
e fundou a Academia Real de História, a Biblioteca do Paço da Ribeira e a Biblioteca da
Universidade de Coimbra bem como o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa. A grande
riqueza da família real influencia o tipo de vida dos nobres e da alta burguesia que pretendem
estar mais ligados à corte construindo palácios – solares, de forma a se assemelharem ao
modo de vida da monarquia.
A partir do século XVIII, em Portugal existe uma falência entre o período seiscentista
ou barroco e o período setecentista, o dos iluminados. O Iluminismo foi uma corrente de
renovação cultural e intelectual que defendia a crença no valor da Razão em prol do progresso
do ser humano. Este movimento incentivou mudanças políticas, económicas e sociais,

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sustentadas nos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade com algumas críticas ao regime
absolutista tornando este movimento da Luz e da Razão uma aliança ou um acordo com a
política vigente.
No final do Reinado de D. João V, a situação económica de Portugal regredia e o país
entrou em crise. Sucede-lhe D. José I, rei absolutista, que chama ao governo Sebastião José de
Carvalho e Melo – Marquês de Pombal - como seu primeiro-ministro, figura-chave
do governo português entre 1750 e 1777. Marquês de Pombal acreditava no Poder da Razão e
adotou um governo despotista que vai de encontro ao absolutismo, impondo a sua autoridade
a todos os grupos sociais, mas, também, influenciado pelas ideias iluministas e a cultura
europeia que vai de encontro aos ideais de progresso e reformas políticas, económicas,
religiosas e educativas.
Em 1758, persegue a alta nobreza e o clero mandando executar os nobres acusados de
atentado à vida do rei por forma a mostrar o seu poder absoluto. A nível económico a reforma
deu bons resultados mostrando um bom desenvolvimento fundando grandes companhias de
comércio, vinho e pescas. As suas reformas estendem-se à religião com a expulsão dos
Jesuítas em 1759 e a reforma da Inquisição, mas também ao âmbito da Educação que pretende
atualizar a cultura portuguesa levando a profundas reformas no ensino.
No século XVIII, com as reformas Pombalinas acaba o domínio do método
educacional jesuíta por meio do Decreto de 28 de junho de 1759 e o sistema educativo torna-
se responsabilidade do Estado, culpando a Companhia de Jesus pelo retrocesso da Educação
Cultural e Escolar em Portugal.
As reformas pombalinas do ensino público constituem uma expressão altamente significativa
do Iluminismo Português. Neles, encontra-se materializado um programa pedagógico que,
por um lado, representa o reflexo das ideias que agitaram a mente europeia e, por outro lado,
traduz nas condições das motivações, preocupações e problemas peninsulares da vida
tipicamente portuguesa (CARVALHO, 1978, p. 25).

Com o Decreto, Marquês de Pombal pretendia que Portugal estivesse ao nível da


europa a nível educativo e que as escolas portuguesas pudessem acompanhar as ideias
iluministas que surgiram à época, substituindo o método tradicional ministrado pelos Jesuítas
por um método mais moderno e de vanguarda naquele tempo.
O grande mentor dos ideais iluministas quanto à reforma do ensino era Luís António
Verney que, escreveu dezasseis cartas compiladas no livro ' O Verdadeiro Método de
Estudar ' no qual apresenta uma análise aos obstáculos que os jesuítas impuseram no ensino e
apresenta orientações em como ultrapassá-los indo de encontro à ideia do iluminismo. O seu

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projeto educativo baseava-se no ensino de estudos elementares como a gramática, latim,


retórica, filosofia, medicina, direito e teologia.
Como refere Adão (1997, p. 94), face à realidade do encerramento de colégios devido
à expulsão dos jesuítas do território português, quando acusados de atentado ao rei, Marquês
de Pombal viu-se na obrigação de criar as Escolas Menores nas quais se ensinava a ler,
escrever, Latim, Grego, Filosofia e Retórica. Fundou, também, as Escolas Régias para suprir
os estudos na área das humanidades e cria a Aula de Comércio e o Colégio dos Nobres em
1761 mas que só começou a funcionar em 1766 e com uma maioria de professores
estrangeiros. Entretanto, reformou a Universidade de Coimbra de acordo com um ensino mais
prático e experimental. O estado passou a cobrar o ensino, responsabilizando-se por ele e
abolindo o seu controlo eclesiástico. A reforma educativa pombalina não obteve os resultados
desejados e foi até considerada um retrocesso do ponto de vista pedagógico na medida em que
exigiu dobrar esforços na aquisição de novos livros para permitir um ensino adequado. É por
isso considerado, o reinado de D. José I, aquele em que o livro adquire uma grande relevância
a nível cultural.

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O ambiente cultural e educativo em Portugal nos séculos XVIII e XIX

A cultura em Portugal: as influências francesas

No século XVIII, a ciência fez avanços importantes em vários campos de


conhecimento: eletricidade, química, astronomia e botânica. Os filósofos do Iluminismo
pretendem esclarecer os seus contemporâneos com a Razão. Eles criticam a Igreja Católica e
questionam a sociedade das ordens e a monarquia absoluta.
A transição entre o período seiscentista, ou barroco, e o período setecentista, ou
iluminismo, ocorre como uma forma de rutura entre um sistema educativo controlado pelos
jesuítas e um sistema fruto das influências iluministas em Portugal.
Os iluministas defendiam que todos os cidadãos eram iguais perante a lei e que todos
tinham os mesmos direitos e deveres. A liberdade era um direito de qualquer indivíduo. O seu
lema era “Liberdade, Igualdade, Fraternidade.” Ainda hoje a divisa está inscrita nas fachadas
dos edifícios públicos franceses e consta das constituições de 1946 e de 1958 e é, hoje, parte
integrante do património nacional.
Os iluministas agiam em prol da Razão (Luz) que guiava a existência social, desde a
filosofia à educação passando pela literatura, as ciências e a política. Desta forma o modelo
cultural a seguir em Portugal é sobretudo francês em detrimento do modelo espanhol. Com
efeito, a língua espanhola entra em declínio passando a língua francesa a comportar-se como
língua diplomática na Europa. Em 1967 aparece a primeira gramática francesa. A literatura e
a arte francesa crescem exponencialmente sendo influências evidentes no século XVIII em
Portugal e na Europa. O progresso na alfabetização promove a multiplicação de jornais mas
por vezes alvo de censura.
Alguns dos filósofos mais reconhecidos no período iluminista eram, também,
franceses reconhecidos pelas suas ideias em favor das ciências, do valor da Razão e do
progresso, como já havia sido referido, anteriormente.
Montesquieu, Voltaire com o seu espírito crítico, Jean-Jacques Rousseau ou Diderot e
Alembert que dirigiram a publicação da Enciclopédia foram algumas das mentes mais
influentes do século das luzes. O Mosteiro de Tibães e do Arcebisbo de Braga adquiriram um
exemplar da Enciclopédia aquando do seu lançamento e verificou-se, à época, um aumento do
comércio da venda de livros. Estes eram vendidos de forma legal mas também ilegal, através
de contrabando ou de viajantes. Adeptos da crença no valor da Razão e do progresso em

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detrimento da tradição, padecem de um espírito crítico nos domínios políticos, económico e


social. Excluem o absolutismo e o controlo do clero sobre todas as coisas. Defendem a
liberdade, igualdade e a fraternidade promovendo a liberdade de pensamento do Homem,
contratos de governação e a educação pública. Em suma, defendem os direitos naturais de
qualquer indivíduo com o objetivo de que cada um possa entender o mundo e assim, também,
renová-lo.
Com a consciência de que o povo português deve acompanha as tendências europeias
e viver num século de mudanças a nível cultural e da universalidade da Razão existe a
necessidade de uma adaptação por parte do nosso país com vias na recuperação do atraso
cultural provocado pelo governo pombalino. Todo este movimento de ideias e pessoas fez
chegar de França, influências ao nível da Educação e da cultura, cujas ideias foram tendo
grande aceitação em Portugal.
Revelador de mudanças de mentalidades, o iluminismo vem proteger as artes,
convidando artistas estrangeiros a trabalharem em Portugal. Multiplica-se a criação de
estabelecimentos de ensino com especial destaque para a Academia Real das Ciências e
desenvolve-se o apreço pela música e pelo teatro.
As renovações na configuração e conteúdo a nível académico, literário e político, a
influência do ideal liberal francês provocaram uma franca transformação cultural em Portugal.

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A educação na nobreza em Portugal: desenvolvimento e influências

Na primeira metade do século XVIII, foi realizada a primeira sistematização racional dos
estudos por Pina Proença nos Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre. O livro
de Manuel de Andrade Figueiredo, publicado em 1718, foi cedido pela obra Nova Escola para
que estes pudessem aprender a ler, escrever e ensinar como atingir uma boa educação de um
determinado personagem, destinado a ocupar um lugar na hierarquia social: o menino nobre.
A educação proposta por Pina Proença, visava um processo que podia ser utilizado na
Universidade para ensinar a homens que fossem vantajosos para a República e para a
Religião. Para tal, as escolas deviam ser orientadas por pessoas que fossem de confiança real,
pois a educação era uma atribuição real, pelo que era necessário retirar a educação da Igreja
(em particular aos jesuítas).
A formação na escola era baseada no saber e na Ética de política, ou seja, o que a
sociedade civil espera e deseja dessa formação. Este tipo de educação foi concretizado através
da prática política de Pombal, quando foram implementadas várias reformas no sistema de
ensino, nomeadamente, a fundação de uma escola para nobres (Colégio Real dos Nobres).
Este Colégio era de acesso limitado, pelo que os únicos que podiam entrar rapazes entre os 7 e
13 anos e que tivessem pelo menos o estatuto de moço fidalgo. Estes aprendiam diversos
temas tais como: o ensino das primeiras letras, pesos das medidas, dos seguros, através de
reformulação dos métodos nos cursos preparatórios e de obras relevantes e até mesmo
introdução de novas variantes, para complementar este tópico e compreender como se deu o
contexto educacional dos nobres, entende-se necessário discorrer algumas linhas sobre duas
instituições importantes do período Pombalino: o Real Colégio dos Nobres e a Universidade
de Coimbra.

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O Real Colégio dos Nobres e a Universidade de Coimbra

O Real Colégio dos Nobres foi criado no reinado de D. José I por iniciativa do Marquês de
Pombal para colmatar a falta de estabelecimentos de ensino devido à expulsão dos jesuítas de
Lisboa. Com o intuito de criar um método de ensino ao abrigo do iluminismo mas sempre sob
o controlo do Estado soberano.
Este estabelecimento de ensino era reservado a jovens aristocratas portugueses com idades
compreendidas entre os 7 e os 13 anos, correspondendo, hoje em dia, à preparação ao ensino
secundário.
Os professores ou mestres que leccionavam no Colégio era, na sua maior parte, estrangeiros
que orientavam matérias relacionadas com as humanidades e as matemáticas. Com efeito, este
programa curricular foi criado para que estes jovens ficassem preparados para ingressarem na
Universidade de Coimbra com uma base educativa exemplar.
Entretanto, cabe aqui frisar que esta educação e esta cultura não eram para todos.
De acordo com o artigo V dos estatutos do futuro Colégio, publicados a 7 de Março de 1761,
os requerentes tinham primeiro de provar serem nobres de nascença, devendo possuir uma
Carta de Moço Fidalgo. Para obterem do rei autorização para os filhos frequentarem o
Colégio, os pais deviam apresentar o requerimento de acordo com um determinado modelo,
enquanto se comprometiam a pagar uma renda anual de 120 mil réis por educando. (Gallut,
2015. P.14)

Nota-se, portanto, que as oportunidades desde cedo eram direcionadas a uma elite, havia uma
separação e, nesta, incutida uma intenção em que a letra era para alguns e as atividades
braçais para os demais. Ao analisar essa dinâmica com os olhos atuais, ainda que por um viés
quase anacrónico, é possível refletir: atualmente, a cultura e a educação são para todos?
Esta reflexão não cabe neste momento uma vez que não é a espinha dorsal deste trabalho, mas
nos ajuda a compreender que a visão de governo do período pode não ter mudado tanto assim
em nossos dias e, isto nos leva a pensar que a reforma educacional setecentista ainda possui
resquícios.
Deste modo, não seriam estes resquícios o motivo de nos debruçarmos para uma investigação
rigorosa sobre o tema para diagnosticar onde chegamos?
Assim, por isto urge saber de onde partimos e neste caso em questão, a reforma educacional
do Marquês de Pombal e as influências na cultura.

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A representatividade de Marquês de Pombal é exposta por vários estudos, mas o que nos
interessa aqui é identificar o enquadramento teórico existente acerca da educação ou, no caso
que será exprimido, sobre algumas reformas da educação propugnadas por Pombal.
Um dos estudos sobre a referida matéria foi realizado por diversos autores através da obra da
Revista de História e Estudos Culturais de Sandra Aparecida Pires Franco.
Neste sentido, cabe aqui extrair os estudos realizados acerca do tema sob o prisma da Casa de
Mateus, a fim de contrapor estes estudos com os artigos, no caso em questão, reunidos por
Ana Cristina Araújo.
Ao passo que a bibliografia de Heloísa Liberalli Bellotto e Gallut nos leva a uma vertente
sobre o cenário de Portugal no cerne da Casa de Mateus e do movimento daquela família, o
artigo de Sandra Aparecida Pires Franco nos mostram o macro deste cenário, o que representa
uma mais-valia para questionarmos o trânsito da família no reino.
Assim, nas próximas linhas importa discorrer sobre este macro para que, posteriormente, seja
elucidado acerca do estudo biográfico de D. José Maria no contexto de seu seio familiar.
Em linhas gerais, os estudos acerca da reforma da educação Pombalina de 1760 têm o mesmo
consenso, “trazer a educação para o controle do Estado, secularizar a educação e padronizar o
currículo” (Maxwell, 1996, p. 102 apud Franco, 2007, p. 8).
A justificativa pombalina para a reforma alega que “[...] era um método destinado a ser útil
para a República e a Igreja na proporção do estilo e da necessidade de Portugal”.
MAXWELL, 1996, p. 104 apud Franco, 2007, p. 9).
Neste sentido, entende-se que D. José Maria frequenta duas entidades num momento de
transição e, se o Real Colégio dos Nobres exigia um rigor na seleção dos seus alunos face à
reforma, a Universidade de Coimbra estava pronta para receber os alunos deste Colégio e
formá-los a nível da educação superior, mas muito direcionado para algumas ciências, sendo
A reforma da Universidade de Coimbra, ocorrida em 1772, foi das mais importantes:
“as faculdades de teologia e de lei canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no
currículo da faculdade de direito, atualizar a faculdade de medicina, fazendo voltar o estudo
de anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes era proibida por questões
religiosas… Entretanto, com seu sistema de “iluminismo português”, essencialmente
reformista e pedagógico, não revolucionário, mas progressista, nacionalista e humanista
Pombal provocou satisfação em grande parte dos intelectuais (Franco, 2007, p. 10, 14).

Deste modo, após essa breve compreensão sobre a reforma educacional, importa
esclarecer acerca da biografia de D. José Maria.

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Estudo biográfico

Do Morgadio de Mateus a D. José Maria de Sousa Botelho Mourão

Muito embora, o foco deste trabalho ser os enredos da educação de José Maria,
cumpre, antes, entender o contexto cultural e educacional vivido pelo mesmo, e, para isto,
identificar as realizações dos seus pais, considerando que no âmbito da Casa de Mateus, D.
Luís António e D. Leonor de Portugal foram uma mais-valia para o desenvolvimento, o não
só da Casa com os contributos que devem, também, para a corte e para a sua colónia, Brasil.
Nesse sentido, entende-se que a educação de José Maria tem um contexto de diversidade
cultural angariado ao longo da sua vida pela família, por P. Manoel (ilegível de acordo com as
notas arquivísticas da Câmara Municipal). No colégio dos Nobres e sobretudo de forma direta
pelos países com quem tiveram alguma relação: Brasil e França.
Fruto de um casamento fidalgo arranjado, na segunda metade do século XVIII em
Portugal, como todos eram na época, carregado de interesses sociais e financeiros entre um
militar de altos postos de comando D. Luís António de Sousa Botelho Mourão, quarto
morgado de Mateus e governador da Capitania de São Paulo no Brasil e D. Leonor Ana Luísa
de Portugal Sousa Coutinho, uma nobre de Lisboa ligada a outras famílias nobres.
O casamento acontece no ano de 1756 e dura até 1798, data da morte de D. Luís
António. Esta relação foi marcada por longos períodos de ausência entre ambos. D. Leonor
tinha afazeres a nível político ou financeiro do casal e a sua família deslocava-se a Lisboa, à
Corte para cuidar dos mesmos. Por sua vez, D. Luís António permaneceu dez anos no Brasil
entre 1755 e 1775 como governador da capitania de São Paulo. Estes momentos criaram
períodos conturbados no relacionamento mas, ainda assim, marcado por uma extrema
cumplicidade e afeto no que concerne a vida familiar.
Devido à longa ausência de D. Luís António relativamente ao seu alto cargo de
comando como governador da Capitania de São Paulo no Brasil, D. José Maria ficou a cargo
de sua mãe, D. Leonor de Portugal, que foi quem mais cuidou dele.

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Breve biografia de D. José Maria de Sousa Botelho Mourão

Nascido a 9 de Março, no Porto, D. José Maria é conhecido como o quinto Morgado


de Mateus, filho e herdeiro de D. Luís António de Sousa Botelho Mourão que teria vindo a
falecer em 1798 deixando como herança os Morgadios da Cumieira, de Moroleiros, de
Arroios e de Fontelas.
A cargo de sua mão D. Leonor, ficou a responsabilidade de sua educação sempre
atenta às recomendações de D. Luís António, seu pai como se pode verificar nas cartas
trocadas entre ambos no período em que D. Luís António se encontrava no Brasil a ocupar o
posto de Governador da Capitania de São Paulo. Sua mãe, responsável pela administração da
casa de Mateus, durante esse período de ausência patriarcal, tinha necessidade de realizar
várias deslocações ao Norte do país para tratar de todos os assuntos familiares relativos ao
bem-estar e sobrevivência dos seus bens. Com efeito, e não podendo viajar com sua mãe, D.
José Maria ficou a viver com sua avó materna em Lisboa. Com o avançar da idade de D. José
Maria, os seus pais, preocupados com a sua instrução decidiram mandá-lo para o Real
Colégio dos Nobres logo após a abertura ordenada pelo Marquês de Pombal, no reinado de D.
José I, desse estabelecimento de ensino.
Foi a 23 de outubro de 1765, que “D. José I atribuiu à criança a Carta de Moço
Fidalgo” (Gallut, 2015, p.14) necessária ao seu ingresso no Real Colégio dos Nobres. Após
ultrapassar mais algumas etapas, com o esforço da sua família e a garantia de pagamento da
propina exigida para pagamento dos seus estudos, a sua avó solicitou a sua inscrição tendo
sido efetivada a 8 de março de 1755, véspera do se oitavo aniversário. D. José Maria foi,
assim, dos primeiros nobres a estudar nessa instituição onde aproveitou os ensinos
portugueses da reforma educativa aos ideais do século das Luzes. Permaneceu neste
estabelecimento até que este fecha por falta de professores e uma má administração tendo sido
transferindo o departamento de física para a Universidade de Coimbra.
A construção narrativa deste estudo tem sido realizada não só com as fontes primárias
do Arquivo da Casa de Mateus, uma vez que alguns investigadores já se debruçaram sobre o
contexto vivido por D. Luís António e D. Leonor de Portugal bem como as realizações do
casal e as suas contribuições para o Brasil e Portugal. Um estudo chave que no selucida a
respeito deste contexto e, possivelmente, o mais completo, é o de Heloísa Liberalli Bellotto
no seu livro nem o Tempo Nem a Distância, que, durante anos a fio, se dedicou à
compreensão da vida e da relação do casal através da correspondência entre eles trocada.

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Entretanto, a fonte primária utilizada por Bellotto, bem como a sua produção, permite
recolher uma série de informações capaz de recuperar a memória mas, sobretudo, levantar
questões acerca de um dado específico. Neste caso, este material oferece informações sobre o
meio familiar, cultural e educacional de D. José Maria.
Durante este período foi sempre preocupação de D. Maria Leonor manter o seu
marido D. Luís António a par da educação de D. José Maria, enviando nas suas cartas, para o
Brasil, relatos da evolução do filho de ambos referindo-se ao cuidado que mantém na sua
educação “sempre o estou estimulando para que se adorne de virtude se de ciências para
agradar a seu Pai” (Bellotto, 2007, p.351).
Noutra carta, D. Leonor dá, ainda, conta do progresso de D. José Maria, ao seu pai
“Sabe muito bem latim, muito bem francês, inglês bastantemente, geometria, está mais com a
lógica, tem muita habilidade para o desenho, já tem mandado várias pinturas que tem feito…”
(Bellotto, 2007, p.366). Ao longo da leitura da obra de Bellotto, pode verificar-se o zelo
constante pela educação de D. José Maria. Entre 1772 a 1778 esteve registado nos arquivos da
Universidade de Coimbra, como estudante do Colégio de São Jerónimo, onde se formou em
Matemática, tornando-se assim “o primeiro nobre licenciado em matemáticas”, (Gallut, 2015,
p.16), palavras de D. José Maria em nota autobiográfica. Mais escolhe a carreira militar e
parte para Chaves.
Passou parte da sua vida no estrangeiro ocupando vários cargos diplomáticos como
embaixador e absorvendo a cultura desses países e uniu-se num primeiro casamento a D.
Maria Teresa de Noronha na cidade de Lisboa, no ano de 1783. Fruto desse casamento,
nasceu D. José Luís Botelho Mourão e Vasconcelos cuja educação ficou a cargo de sua avó
D. Maria Leonor, mãe de D. José Maria após a morte de D. Maria Teresa.
Casa novamente em Paris, com D. Adelaïde Marie Emilie Filleul, Condessa de
Flahaut, romancista francesa mais tarde conhecida como Madame de Sousa, no dia 17 de
outubro de 1802.
D. José Maria regressa a Portugal após a morte de seu pai, quarto Morgado de
Mateus, Governador da Capitania de São Paulo, no Brasil para tomar conta dos assuntos
familiares pendentes. O Arquivo da casa de Mateus tomou parte das suas ocupações dando
continuidade à organização de documentos da administração da Casa já iniciada pelo seu pai.
Sempre foi de interesse familiar preservar toda a informação relativa à Casa e suas gentes de
forma a proteger todo o património da família. Mais tarde regressa a Paris onde viria a falecer

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no dia 1 de junho de 1825 sendo o seu corpo trasladado para a Capela da Nossa Senhora dos
Prazeres da Casa de Mateus.

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De Homem da matemática ao Homem das Letras: D. José Maria e a Edição


Monumental de Os Lusíadas

De militar a diplomata D. José Maria, como representante de Portugal, percorre algumas


cidades europeias nas quais é imbuído das ideias do iluminismo, da luz. Da sua vida
académica em Coimbra, salienta-se a sua relação de amizade com José Anastácio da Cunha
que lhe incute o gosto pelas Letras contrapondo a sua formação inicial em matemática.
Juntavam- se em serões, um grupo de amigos para ler obras de autores de referência mas
sobretudo Camões, mais tarde, conhecidos como os discípulos de José Anastácio da Cunha,
como nos referem os estudos existentes na Casa de Mateus. Foi uma época, particularmente,
venturosa para D. José Maria “o modo porque fiz o seu conhecimento que é para mim a
minha época mais feliz, e que pela bondade dele em atender uma criança mostra o coração de
que era dotado.” escrevendo mais tarde, em carta ao seu filho José Luís de Sousa , um retrato
do seu amigo com o qual trocou correspondência até à sua morte:
“Foi depois na Universidade, em que entrei aos 14 anos, que seguindo as Matemáticas, fiz
conhecimento de José Anastácio da Cunha, Lente de Geometria, por benefício da Providência, pois
confesso dever-lhe tudo o que possa achar-se bom na minha vida. Este homem, o mais próximo da
perfeição moral que eu jamais vi, reunia a um sublime engenho o mais puro coração e o carácter mais
singelo e firme, este dignou-se ser o meu mentor, o meu amigo. Objecto de uma veneração e extrema
amizade, era para mim igualmente uma segunda consciência na moral, um diretor nos meus estudos.
Dele particularmente aprendi e com ele segui todo o curso das Matemáticas, de maneira a ser
aprovado em todos os exames, nemine discrepante, até concluir a formatura. Com ele aprendi melhor
o Italiano, o Francês e o Inglês, e lemos juntamente os Autores clássicos destas diversas literaturas,
ensinando-me ele a gostar as suas belezas, e desenvolvendo o meu gosto. Apaixonadíssimo por
Camões, não era possível que se esquecesse de m'o fazer ler de novo, e sentir as suas inumeráveis
belezas, e assim me fortificou na minha admiração pelo nosso Poeta nacional, e na minha aversão aos
outros versejadores que abundam na nossa Nação, e dos quais poucos devem ser exceptuados”.
(FCM/Cx. 2,32 (G.1118.02).
Com os seus novos hábitos de leitura, de reflexão e de discussão a sua amizade com o mestre
José Anastacio permanecerá para sempre. As cartas trocadas entre 1776 e 1782 e que hoje
subsiste no Arquivo da Fundação da Casa de Mateus padeciam de uma certa bipolaridade de
José Anastacio que tanto era deprimente com era atingido de um estado de euforia que
provavelmente foram a causa da sua morte. As cartas evidenciavam a amizade existente e
faziam várias referências a poetas como Camões.

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Durante os eu período no estrangeiro como diplomata e represenatante de Portugal e da


cultura portuguesa, D. José Maria apercebeu-se, entre muitos outros assuntos, que a cultura
portuguesa tinha muita dificuldade em ultrapassar fronteiras e ser conhecida fora de Portugal.
Tornando-se um apaixonado pela obra de Camões, ao longo do seu percurso académico e pela
sua forte amizade a José de Anastácio, nota a falta de uma Edição condigna de Os Lusíadas
qu possa mostrar a obra do Poeta nacional além-fronteiras. Após a morte de seu pai, D. Luís
António a 3 de outubro de 1798, D. José Maria regressa a Mateus e trata de assuntos que o pai
deixou pendentes e assim satisfazendo o seu legado. Entre outros afazeres de cariz cultural,
em 1807 D. José Maria e sua esposa Madame de Sousa regressam a Paris e dedica-se de vez e
exclusivamente às Letras. Recordando a sua paixão pela obra épica de Camões, D. José Maria
empenha-se numa extensa pesquisa literária de várias edições existentes de Os Lusíadas, e
edita a Edição Monumental de Os Lusíadas.
O trabalho para impressão demorou mais dezassete meses e em 1817 manda imprimir 210
exemplares na Oficina Parisiense Firmin Didot, ao quais ofereceu a diversas personalidades
importantes na Europa, entre os quais, o Duque de Richelieu, Louis Philippe d’Orléans,
Alexandre Czar da Rússia e o Papa Pio VII, entre outros. Como forma de agradecimento
recebeu cartas escritas em francês, a língua diplomática na época, que se encontram expostas
nas vitrines da magnífica Biblioteca do Museu da Fundação da Casa de Mateus. As doze
ilustrações desta Edição, contemplam os dez cantos d’Os Lusíadas bem como D. José Maria
e, como não podia deixar de ser, de Luís Vaz de Camões. Estas ilustrações foram
encomendadas a três artistas franceses Evariste Fragonnard, François Gérard e Alexandre
Desenne.
As placas em cobre utilizadas para a impressão das ilustrações recorrendo à técnica da água-
forte encontram-se, igualmente em exposição permanente na Biblioteca da Casa de Mateus.
Ainda, em exposição, em dois volumes, em pergaminho velino e encadernação em couro com
lombada gravada a ferro dourado, encontra-se um exemplar único encomendado por D. José
Maria.

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Conclusão

Qual a representatividade das bibliografias sobre D. José Maria de Sousa Botelho Mourão e
de todo o contexto histórico ao seu redor para a compreensão da cultura e da educação em
Portugal na segunda metade do século XVIII?
Não é sem algum propósito que a conclusão deste trabalho tem em sua premissa a pergunta de
partida posta na introdução, pois aqui cabe nos responder ou não responder plenamente, uma
vez que em alguns momentos, a execução deste estudo nos levou a caminhos que mais nos
trouxe reflexões do que respostas.
Contudo, as reflexões acabam por nos orientar mais do que muitas respostas em concreto.
Deste modo, a primeira parte deste trabalho, voltada para o estado da arte com a definição dos
conceitos dos termos educação e cultura nos permitiu entender a particularidade de cada
espaço, cada tempo e cada indivíduo, mas que tanto o espaço, quanto o tempo podem
influenciar no indivíduo e o contrário também acontece, caso o indivíduo seja dotado de
poder que possa ter autonomia para mudar tempo e espaço.
Esta reflexão levou nos aos capítulos seguintes que nos mostram as ruturas da educação e da
cultura em Portugal através das reformas pombalinas e como suas ações repercutiram na vida
de tantas pessoas que tiveram ou não acesso à educação, tão restrita aos moços fidalgos.
Na presunção desta restrição restou o moço fidalgo José Maria, 5º Morgado da Casa de
Mateus e dono de títulos favoráveis para a realização de tantos feitos capazes de repercutir nas
atividades de uma casa senhorial: a Casa de Mateus.
Além disso, capazes de repercutir em Portugal e tantos outros países que receberam a sua
Edição Monumental d’Os Lusíadas de 1817.
Assim, foi necessário apresentar uma breve nota biográfica que nos pudesse esclarecer a
relação de sua educação à cultura local e não só.
Deste modo, educação e cultura contribuem uma para a outra para o indivíduo, para o tempo e
para o espaço.
Esta educação e cultura firmada na reforma pombalina ainda perdura no Monumento
Nacional Casa de Mateus, esta memória está guardada e preservada. Educação e cultura,
estas, que foram restritas a uma classe mais elitista.
A questão final é como esta cultura e esta educação contemporânea de Portugal tem sido
levada a todos? Ambas estão a ser levadas a todos?

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Foi nítido neste trabalho os indivíduos que tinham direito à educação e cultura e, embora não
tivesse sido mostrado as personagens que não tiveram direito, a falta dos nomes, mostra-nos
que educação e cultura também são seletivas para preservar ou eliminar uma memória ou
personagens.

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