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Obs.: esse dispositivo estava em vigor na época em que João praticou o crime e iniciou o cumprimento da
pena, no entanto, ele foi revogado pela Lei nº 13.964, que entrou em vigor no dia 23/01/2020.
Como dito, em 23/01/2020, a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor e revogou o § 2º do art.
2º da Lei 8.072/90, alterando as regras de progressão de regime. Agora, todas as regras são previstas no art.
112 da LEP, inclusive para os crimes hediondos. Veja:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
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“Jurisprudência em Teses” é um serviço produzido e oferecido pelos servidores da Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça e disponível no endereço eletrônico: http://www.stj.jus.br/SCON/jt/
Minha atividade aqui foi apenas a de organizar e explicar as teses condensadas e divulgadas no site do STJ. Recomendo a visita à
página do STJ para conhecer este e outros excelentes serviços produzidos pela Secretaria de Jurisprudência do Tribunal.
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I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça;
Leia novamente o dispositivo acima e responda: em qual inciso do art. 112 se enquadra o réu condenado
por crime hediondo, sem resultado morte, e que é reincidente não específico (reincidente genérico)?
Essa situação não foi contemplada na lei.
E o inciso VII?
O inciso VII do art. 112 exige a reincidência específica (crime hediondo + novo crime hediondo).
A situação acima narrada é de um reincidente genérico.
Sendo a lei omissa, o juiz deve decidir de acordo com a analogia, nos termos do art. 4º da LINDB:
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
Em Direito Penal incriminador não se admite a analogia in malam partem. Diante disso, não resta outra
alternativa ao julgador, a não ser a aplicação aos reincidentes genéricos dos patamares de progressão
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referentes aos sentenciados primários, uma vez que, ainda que não sejam primários, reincidentes específicos
também não o são.
2) Após a entrada em vigor do Pacote Anticrime, o condenado por crime hediondo ou equiparado com
resultado morte, que seja reincidente genérico, deverá cumprir ao menos 50% da pena para a progressão
de regime prisional, pelo uso da analogia in bonam partem.
Seguindo o exemplo dado na tese acima, se o crime hediondo praticado por reincidente genérico tivesse
resultado em morte? Suponhamos que João, em vez de ter praticado estupro, tivesse cometido homicídio
qualificado em 2015. Qual seria a regra aplicável?
A regra do inciso VI, “a”, do art. 112 (50%):
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário,
vedado o livramento condicional;
(...)
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Resumindo:
No exemplo dado, a Lei nº 13.964/2019 foi mais favorável porque o réu progredia com 3/5 (= 60%) e agora
a fração é de 50% (art. 112, VI, “a”, da LEP). Logo, ela se aplica, neste ponto, aos fatos ocorridos antes da sua
vigência.
Nesse sentido:
A progressão de regime do reincidente não específico em crime hediondo ou equiparado com resultado
morte deve observar o que previsto no inciso VI, “a”, do art. 112 da LEP.
STJ. 6ª Turma. HC 581.315-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/10/2020 (Info 681).
3) O requisito previsto no art. 83, III, “b”, do Código Penal, inserido pela Lei nº 13.964/2019 (não
cometimento de falta grave nos últimos 12 meses) é pressuposto objetivo para a concessão de livramento
condicional, e não limita a valoração do requisito subjetivo, inclusive quanto a fatos anteriores à vigência
do Pacote Anticrime, de forma que somente haverá fundamento inválido quando consideradas faltas
disciplinares muito antigas.
O indivíduo que está no gozo do livramento condicional desfruta de uma liberdade antecipada condicional
e precária. Entenda:
• antecipada: porque o condenado é solto antes de ter cumprido integralmente a pena.
• condicional: uma vez que, durante o período restante da pena (chamado de período de prova), ele terá que
cumprir certas condições fixadas na decisão que conceder o benefício.
• precária: tendo em vista que o benefício poderá ser revogado (e ele retornar à prisão) caso descumpra as
condições impostas.
(MASSON, Cleber. Direito Penal. 14ª ed., São Paulo: Método, 2020, p. 691).
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Requisitos
Para que seja concedido o livramento condicional, o juiz deverá verificar se o condenado preenche os
OBJETIVOS SUBJETIVOS
Crimes dos arts. 33, caput e § 1º, art. 34, art. 35,
art. 36 e art. 37 da Lei de Drogas: mais de 2/3
(desde que não seja reincidente específico)
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Para condenado por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização
criminosa: é requisito específico para concessão do livramento condicional a inexistência de elementos
probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo (§ 9º do art. 2º da Lei 12.850/2013)
VEDAÇÕES:
• condenado por crime hediondo ou equiparado, se for reincidente específico em crimes dessa natureza:
não terá direito a livramento condicional.
• condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte: não terá direito a
livramento condicional (não importando se primário ou reincidente). Hediondo/equiparado + morte = sem
livramento.
Qual a diferença entre o “bom comportamento durante a execução da pena” (requisito subjetivo) e o “não
cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses” (requisito objetivo)?
O “bom comportamento durante a execução da pena”, requisito subjetivo para fins de livramento
condicional, deve ser verificado durante todo o período da execução da pena. Não existe um limite temporal
para aferição desse requisito subjetivo.
A ausência de falta grave nos últimos 12 meses não interfere na verificação do requisito subjetivo. Assim,
caso haja uma falta grave anterior aos 12 últimos meses, o livramento condicional poderá ser indeferido pelo
não atendimento do requisito subjetivo (bom comportamento), mesmo que preenchido o requisito objetivo
(ausência de falta grave nos últimos 12 meses). Somente haverá fundamento inválido quando consideradas
faltas disciplinares muito antigas.
Nesse sentido entende o STJ:
A inclusão da alínea b no inciso III do art. 83 do Código Penal pela Lei n. 13.964/2019, não significa que a
ausência de falta grave no período de doze meses seja suficiente para satisfazer o requisito subjetivo exigido
para a concessão do livramento condicional, tampouco que eventuais faltas disciplinares ocorridas
anteriormente não possam ser consideradas pelo Juízo das Execuções Penais para aferir
fundamentadamente o mérito do Apenado.
(AgRg no HC 666.504/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 1°/6/2021, DJe 16/6/2021).
A prática de falta disciplinar grave, muito embora não interrompa a contagem do prazo para fins de
livramento condicional (Súmula nº 441 do STJ), impede a concessão do benefício por ausência do requisito
subjetivo relativo ao comportamento satisfatório durante a execução da pena, nos termos do que exige o
art. 83, inciso III, do CP.
(AgRg no REsp 1617279/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 19/4/2018, DJe
27/4/2018).
Ademais, o comportamento satisfatório é requisito previsto no art. 83, III, do CP desde a reforma de 1984.
Por isso, antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime as faltas graves já serviam de fundamento para o
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4) O Pacote Anticrime estendeu o prazo inicial de permanência do custodiado em presídio federal de 360
dias para 3 anos, sem alterar o disposto na Lei nº 11.671/2008, que não prevê limite temporal para
renovação de permanência de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima.
O entendimento do STJ, antes mesmo da alteração promovida pelo Pacote Anticrime, já era de que não havia
limite temporal para a renovação de permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança
máxima:
A Lei nº 11.671/2008 não estabeleceu qualquer limite temporal para a renovação de permanência do preso
em estabelecimento penal federal de segurança máxima.
STJ. 5ª Turma. RHC 44.915/PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 3/2/2015.
Assim, não houve agravamento na lei quanto ao prazo máximo, ou seja, prazo de renovação do recorrente
na penitenciária federal, não havendo que falar, portanto, em retroatividade gravosa da nova lei.
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Desse modo, desde que persistam os motivos para a permanência do executado na penitenciária federal de
segurança máxima, não há ilegalidade na renovação da permanência do preso por mais 3 anos.
5) O prazo de 90 dias previsto no parágrafo único do art. 316 do CPP para revisão da prisão preventiva não
é peremptório, de modo que eventual atraso na execução do ato não implica reconhecimento automático
da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade.
O descumprimento da regra do parágrafo único do art. 316 do CPP gera, para o preso, o direito de ser posto
imediatamente em liberdade?
NÃO. A inobservância do prazo de 90 dias do parágrafo único do art. 316 do CPP não implica automática
revogação da prisão preventiva.
O art. 316, parágrafo único, do CPP insere-se em um sistema, que deve ser interpretado harmonicamente,
sob pena de se produzirem incongruências deletérias à processualística e à efetividade da ordem penal.
O parágrafo único precisa ser interpretado em conjunto com o caput. Logo, para que o indivíduo seja
colocado em liberdade, o juiz precisa fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que
determinaram a decretação da prisão preventiva, e não no mero decurso de prazos processuais.
O simples fato de ter passado o prazo não significa que a prisão se tornou ilegal
O STF e o STJ não concordam com interpretações que associam, automaticamente, o excesso de prazo ao
constrangimento ilegal da liberdade. Isso porque:
a) deve-se analisar a razoabilidade concreta da duração do processo, aferida à luz da complexidade de cada
caso, considerados os recursos interpostos, a pluralidade de réus, crimes, testemunhas a serem ouvidas,
provas periciais a serem produzidas etc.;
b) a Constituição Federal impõe o dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX), que devem sempre
se reportar às circunstâncias específicas dos casos concretos submetidos a julgamento, e não apenas aos
textos abstratos das leis.
c) O prazo de 90 dias para revisão da prisão preventiva não é peremptório, ou seja, não implica
reconhecimento automático da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar
em liberdade eventual descumprimento do prazo.
À luz desta compreensão jurisprudencial, o disposto no art. 316, parágrafo único, do CPP não conduz à
revogação automática da prisão preventiva.
Não se trata de prazo prisional, mas sim prazo para prolação da decisão judicial
O parágrafo único do art. 316 não fala em prorrogação da prisão preventiva, não determina a renovação do
título cautelar. Apenas dispõe sobre a necessidade de revisão dos fundamentos da sua manutenção. Logo,
não se trata de prazo prisional, mas sim de prazo fixado para a prolação de decisão judicial, não peremptório
(ou seja, dilatório).
Desse modo, a ilegalidade decorrente da falta de revisão a cada 90 dias não produz o efeito automático da
soltura, porque a liberdade, à luz do caput do dispositivo, somente é possível mediante decisão
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fundamentada do órgão julgador, no sentido da ausência dos motivos autorizadores da cautela, e não do
mero transcorrer do tempo.
A complexidade da causa penal e o caráter multitudinário do feito (dezoito réus, no caso), justificam uma
maior duração do processo, salvo quando eventual retardamento se dê em virtude da inércia do Poder
Judiciário, fato já afastado no presente caso.
Ausência, no caso, de irrazoabilidade evidente na duração do processo apta a autorizar o reconhecimento de
constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo da prisão preventiva.
STF. 2ª Turma. AgRg no HC 199.238, Rel. Min. Nunes Marques, julgado em 14/06/2021.
6) A revisão periódica e de ofício da legalidade da prisão preventiva disciplinada no parágrafo único do art.
316 do CPP, incluída pela Lei n. 13.964/2019, não se aplica aos tribunais, quando em atuação como órgão
revisor.
Assim, considerando que, neste caso, não existe obrigação legal imposta ao Tribunal de Justiça de revisar, de
ofício, a necessidade da manutenção da custódia cautelar, não há nenhuma ilegalidade a ensejar a ingerência
O dever de reavaliar periodicamente, a cada 90 dias, a necessidade da prisão preventiva cessa com a
formação de um juízo de certeza da culpabilidade do réu, declarado na sentença
Com o fim de assegurar que a prisão não se estenda por período superior ao necessário, configurando
verdadeiro cumprimento antecipado da pena, a alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019 ao art. 316 do
CPP estabeleceu que o magistrado revisará a cada 90 dias a necessidade da manutenção da prisão, mediante
decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão ilegal.
A norma estabelece expressamente que a revisão da prisão, a cada 90 dias, cabe apenas ao órgão emissor
da decisão, procedimento cabível, portanto, nas fases de investigação e persecução penal.
Encerrada a instrução e formada a culpa, com prolação da sentença, o §1º do art. 387 do CPP determina que
“O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão
preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser
interposta”. Trata-se de uma imposição legal para uma última atuação do Magistrado, a qual representa o
marco final para a revisão, de ofício, da prisão preventiva do condenado.
Assim, em uma interpretação sistemática, buscando manter a harmonia entre as duas regras do CPP -
parágrafo único do art. 316 e §1º do art. 387 - o dever de reavaliar periodicamente, a cada 90 dias, a
necessidade da prisão preventiva cessa com a formação de um juízo de certeza da culpabilidade do réu,
declarado na sentença, e ingresso do processo na fase recursal. A partir de então, eventuais inconformismos
com a manutenção da prisão preventiva deverão ser arguidos pela defesa nos autos do recurso ou por outra
via processual adequada prevista no ordenamento jurídico.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 601.151/PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/11/2020.
7) Não é possível a decretação da prisão preventiva de ofício em face do que dispõe a Lei nº 13.964/2019,
mesmo se decorrente de conversão da prisão em flagrante.
Depois das alterações promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece a possibilidade
de o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão preventiva?
A maioria da doutrina que comentou o Pacote respondeu que não.
Para a doutrina majoritária, esse entendimento estaria superado com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote
Anticrime), que teria proibido qualquer prisão decretada de ofício pelo magistrado. Veja:
“De acordo com a nova redação do art. 310, II, do CPP, verificada a legalidade da prisão em flagrante,
o juiz poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes
os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão, hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para
tanto, é indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob
pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com redação dada pela Lei n.
13.964/19.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed., Salvador: Juspodivm,
2020, p. 1052).
E a jurisprudência?
Também seguiu no mesmo caminho:
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Após o advento da Lei nº 13.964/2019, não é mais possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva
Deve-se considerar o disposto no art. 3º-A do CPP, que reafirma o sistema acusatório em que o juiz atua,
vinculado à provocação do órgão acusador.
No mesmo sentido, o art. 282, § 2º, do CPP vincula a decretação de medida cautelar pelo juiz ao requerimento
das partes ou quando, no curso da investigação criminal, à representação da autoridade policial ou a
requerimento do Ministério Público.
Por fim, o art. 311, também do CPP, é expresso ao vincular a decretação da prisão preventiva a requerimento
do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou à representação da autoridade policial.
O inciso II do art. 310 do CPP poderia ser invocado como sendo um dispositivo que autorizaria a decretação
de ofício da prisão preventiva?
NÃO. O inciso II do art. 310 do CPP prevê a possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em
preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 e se revelarem inadequadas ou insuficientes as
medidas cautelares diversas da prisão. Esse dispositivo, contudo, deve ser interpretado em conjunto com os
demais que cuidam da prisão preventiva.
Dessa forma, o que o art. 310, II, do CPP afirma é que o juiz pode sim converter a prisão em flagrante em
preventiva desde que, além de presentes as hipóteses do art. 312 e ausente a possibilidade de substituir por
cautelares outras, haja o pedido expresso por parte ou do Ministério Público, ou da autoridade policial, ou
do assistente ou do querelante.
Ocorre que a Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da
prisão preventiva ex officio.
Diante disso, tanto o STJ como o STF passaram a entender que não é mais possível que o juiz ou Tribunal
decretem, de ofício, a prisão preventiva. É sempre necessário o requerimento:
Após o advento da Lei nº 13.964/2019, não é mais possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva
sem provocação por parte ou da autoridade policial, do querelante, do assistente, ou do Ministério Público,
mesmo nas situações em que não ocorre audiência de custódia.
STJ. 3ª Seção. RHC 131.263, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/02/2021 (Info 686).
STF. 2ª Turma. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).
Exemplo:
Em 11/09/2020, João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas.
Em razão da pandemia, não foi realizada a audiência de custódia.
No mesmo dia, o juiz, de ofício, decretou a prisão preventiva.
Em 15/09/2020, a autoridade policial representou pela decretação da prisão preventiva de João, tendo o
Ministério Público emitido parecer em sentido favorável.
O magistrado manteve a prisão.
A defesa impetrou habeas corpus alegando que o juiz não poderia ter decretado a prisão de ofício antes do
requerimento e que o fato de, posteriormente, ter havido a representação da autoridade policial e a
manifestação favorável do Ministério Público não supre o vício relacionado com a decretação cautelar.
Diante disso, a defesa pediu o reconhecimento da nulidade da prisão e a soltura do preso.
O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo
O vício decorrente do fato de a prisão ter sido decretada de ofício foi superado pelo posterior requerimento
da autoridade policial pela prisão preventiva. Ficou, assim, garantida a higidez do feito, de modo que não se
configura nenhuma nulidade passível de correção, tendo sido observado o devido processo legal.
Vale ressaltar que a eventual concessão da ordem no sentido de revogar a prisão preventiva seria inócua,
considerando que tanto a autoridade policial, como o Ministério Público entendem que é caso de prisão
preventiva. Assim, haveria novamente o requerimento, sendo, então, mais uma vez decretada a custódia
cautelar.
9) A exigência de representação da vítima como condição de procedibilidade para a ação penal por
estelionato, inserida pela Lei nº 13.964/2019, não alcança os processos cuja denúncia foi apresentada
antes da vigência de referida norma.
Obs: a 2ª Turma do STF possui entendimento diverso, conforme se verá mais abaixo.
Estelionato
O crime de estelionato está tipificado no art. 171 do CP:
Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
A norma que altera a espécie de ação penal de um crime é norma de direito material ou processual? (ex: a
lei determina que o crime “X” deixará de ser de ação penal pública condicionada e passará a ser de ação
pública incondicionada)
As normas que tratam sobre a “ação penal” possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito
processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal).
A lei que dispõe sobre o tipo de ação penal aplicável a cada crime possui influência direta no jus
puniendi (direito de punir do Estado), pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a
decadência e a renúncia ao direito de queixa. Logo, a lei que disciplina a espécie de ação penal possui também
efeito material.
E as normas híbridas?
As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no que
tange à sua aplicação no tempo.
Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu.
Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para
beneficiar o réu.
Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada; depois
da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu que
responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de renúncia e
de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa nesse ponto.
Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de
ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita as
causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº
12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei.
Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência?
SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao autor
do fato. Logo, tem caráter retroativo.
A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade:
A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar
os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário
intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?
• NÃO. É o entendimento do STJ e da 1ª Turma do STF:
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A exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já
Tese nº 9: A exigência de representação da vítima como condição de procedibilidade para a ação penal por
estelionato, inserida pela Lei n. 13.964/2019, não alcança os processos cuja denúncia foi apresentada antes
da vigência de referida norma.
Em face da natureza mista (penal/processual) da norma prevista no §5º do artigo 171 do Código Penal, sua
aplicação retroativa será obrigatória em todas as hipóteses onde ainda não tiver sido oferecida a denúncia
pelo Ministério Público, independentemente do momento da prática da infração penal, nos termos do art.
2º, do CPP, por tratar-se de verdadeira “condição de procedibilidade da ação penal”.
Assim, é inaplicável a retroatividade do §5º do art. 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério
Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019; uma vez que, naquele
momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública
incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal
em juízo.
Em suma, a nova legislação não prevê a manifestação da vítima como condição de prosseguibilidade quando
já oferecida a denúncia pelo Ministério Público.
STF. 1ª Turma. HC 187341, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020.
10) A retroatividade da representação da vítima no crime de estelionato, inserida pelo Pacote Anticrime,
deve se restringir à fase policial, pois não alcança o processo.
Considerando o que foi visto na tese anterior, a retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171
do CP deve se restringir à fase policial.
A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos
que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.
Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação
do ofendido.
Assim, pode-se afirmar que a irretroatividade do art. 171, §5º, do CP decorre da própria mens legis,
considerando que, mesmo podendo, o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada